Cicatrizes de Tinta escrita por Sarah


Capítulo 4
Capítulo 04




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Nenhum deles falou sobre a conversa no parque durante as semanas que se seguiram. Eles saíram para beber com James, e Sirius apareceu para tomar café no seu apartamento numa terça-feira, e os três foram até a casa de Peter para ajudá-lo a montar um guarda-roupa novo como se aquele dia não tivesse existido; embora às vezes Remus tivesse a sensação de que Sirius o encarava por mais tempo do que teria feito normalmente.

Quando Remus deu a Sirius um desenho emoldurado de um flamingo, pedindo para que ele o entregasse à Tonks, o outro apenas trincou os dentes e assentiu. Remus achou que era justo que ele pagasse a pizza de Sirius naquela noite, como uma forma bastante insuficiente de compensação.

Os dois tinham se estabelecido numa calmaria. Remus conhecia Sirius bem demais para saber que aquilo não ia durar — e esse fato às vezes lhe dava tanta agonia que ele sentia que poderia vomitar —, mas também não esperava que Sirius fosse tocar a campainha do seu apartamento a uma hora da manhã.

Remus sentiu o frio pinicar sua pele quando saiu de baixo das cobertas e xingou baixinho ao espiar pelo olho-mágico e ver Sirius do outro lado, mudando o peso do corpo de um pé para o outro e esfregando os braços, com uma roupa que era obviamente muito fina para a temperatura que fazia. Ele se atrapalhou com o trinco. Quando finalmente abriu a porta, percebeu que Sirius estivera chorando. Seus olhos cinzentos estavam manchados de vermelho.

— Sirius…? — O medo inundou o peito de Remus diante do olhar confuso e enraivecido que Sirius lhe deu.

Porém, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, o outro deu um passo para frente. No momento seguinte uma das mãos de Sirius estava sobre sua nuca, e os dois estavam próximos demais, e, então, Sirius estava beijando-o.  

Remus provou álcool na língua de Sirius. As mãos dele deslizaram para baixo e  encaixaram-se em sua cintura. A despeito do frio, os dedos de Sirius estavam quentes. Ele traçou padrões em sua pele que queimavam como fogo, e Remus teve a sensação de que, oh, aquelas marcas também poderiam permanecer para sempre no seu corpo.  

O beijo de Sirius era feroz. Quando ele se afastou foi apenas para voltar a beijá-lo no instante seguinte, tomando sua boca e então beijando o canto dos seus lábios, deslizando a língua pela linha do seu maxilar. Remus não conseguiu se impedir de enredar os dedos no cabelo de Sirius e arrastá-lo ainda mais perto.

Ele só percebeu que Sirius estava conduzindo-o para trás quando suas costas bateram na parede com um baque. O apoio foi bem vindo, pois Remus sentiu que poderia derreter quando Sirius sugou a pele sensível do seu pescoço. Dessa vez foi Remus quem procurou a boca de Sirius, devolvendo o anseio dele em igual medida, só para sentir-se engasgar quando a coxa dele deslizou entre suas pernas.

Sirius suspirou, e aquele som era diferente de qualquer coisa que Remus já ouvira na vida. Isso levou um pouco de lucidez à sua mente.

Finalmente, Remus esquivou-se do toque de Sirius, pousando as mãos sobre o peito dele e empurrando-o até que houvesse alguma distância entre os dois. Sirius o encarou por um momento. Remus teve muita consciência de que devia estar parecendo terrivelmente desfeito — a gola do seu pijama tinha escorregado, expondo seu ombro direito, seu cabelo era uma bagunça, sua respiração estava descompassada e seu pênis estava duro entre as pernas. As faces de Sirius se tingiram de escarlate. Ele desviou o olhar, para, então, pousar a testa contra o ombro de Remus.

O sopro da respiração dele fez cócegas na sua clavícula. Sirius parecia muito bonito e vulnerável daquela forma. Remus ergueu a mão, voltando a acariciar os cabelos dele, dessa vez em um toque inocente.

— O que aconteceu? — perguntou.

Num óbvio esforço, Sirius lutou para voltar a fitá-lo.

— Faça amor comigo — ele disse, em vez de responder a pergunta.

O pedido levou uma nova onda de excitação sobre Remus. Ele perguntou-se se Sirius tinha pensando naquilo — céus, pensado em dormir com ele — desde que ele mencionara que já tinha feito sexo, e um arrepio deslizou por sua espinha.

Se Remus fosse uma pessoa melhor, provavelmente afastaria Sirius. Deuses, Sirius devia ter todo um ideal sobre a sua primeira vez com sua alma-gêmea, e era óbvio que algo ruim tinha acontecido para ele estar ali, meio desesperado. Remus hesitou, mas não conseguiu se imaginar empurrando Sirius para longe e voltando para a cama sozinho. Se aquilo era tudo o que ele poderia ter do outro, então que fosse.

Depois de um segundo — que pareceu levar uma eternidade — ele pressionou seus lábios contra o pescoço de Sirius, provocando um novo gemido, e deu um passo para o lado, tomando a mão de Sirius na sua.

— Vamos para o quarto.

Dessa vez, ele não perguntou se Sirius tinha certeza. Céus, Remus estava cansado de fazer essa pergunta. Mas ele foi gentil ao tomar Sirius nos braços, beijou seu templo quando ele hesitou, e fez seu melhor para que aquilo não doesse, e fosse doce e terno. Em troca, ele tomou cada um dos suspiros de Sirius

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Remus apostaria que Sirius iria embora assim que eles terminassem, mas os dois acabaram dormindo juntos. Quando ele acordou na manhã seguinte, uma nesga de sol se infiltrando através das cortinas, Sirius ainda estava ali.

Possivelmente fora um gesto inconsciente de ambas as partes — autopreservação —, mas Sirius tinha mantido a camisa. De alguma forma parecia ainda mais sensual vê-lo daquela forma, nú apenas da cintura para baixo, emaranhado nas suas cobertas.

Remus encolheu-se quando Sirius se agitou, acordando.

Ele piscou, percebendo primeiro o olhar de Remus, depois o fato de que estava parcialmente desnudo. Lentamente, como se estivesse tentando fazer o gesto parecer natural, Sirius puxou um dos lençóis sobre sua cintura. Remus forçou-se a engolir a irritação perante aquele gesto.

— Bom dia? — Sirius murmurou, hesitante.

O cumprimento parecia muito insuficiente, no entanto Remus tampouco conseguiu imaginar algo melhor para dizer.

— Você está bem? — acabou perguntando.

Levou alguns segundos, durante os quais Sirius pareceu avaliar a resposta. Finalmente, ele aquiesceu.

Diante do gesto, Remus se levantou.

— Fique aqui, vou trazer comida.

Surpreendentemente, Sirius obedeceu. Quando Remus retornou para o quarto, com café e panquecas cobertas com mel, ele ainda estava na cama. Remus voltou a se aninhar ao lado dele e os dois comeram em silêncio.

Enquanto mastigava suas panquecas, Remus avaliou a possibilidade de simplesmente ignorarem o que tinha acontecido naquela noite. Havia naturalidade suficiente na forma como Sirius lambeu o mel dos seus dedos para que aquilo fosse uma alternativa, porém, ao fim, Remus decidiu que a incerteza causaria ainda mais dor.

— Você vai me contar porque veio até aqui noite passada? — Remus perguntou assim que o café acabou.

Sirius pareceu congelar diante da pergunta, mas ele também não recuou. Remus esperou, até que a voz dele pingou no ar:

— James encontrou sua alma-gêmea.

Oh. Então era isso. Sirius estava com ciúmes porJames ter encontrado sua pessoa e ele não… Ele queria ter alguma experiência… Aquela era uma justificativa tão boa quanto qualquer outra para o desespero com que Sirius tinha batido na sua porta de madrugada, porém Remus ainda sentiu seu estômago afundar.

— Você também vai encontrar a sua, Sirius — ele se forçou a dizer, porque era o que Sirius devia estar esperando ouvir. Mas sua voz soou embargada, e Remus se perguntou quão perto estava de chorar, e se Sirius podia perceber isso.

Ele provavelmente podia, pois estendeu a mão até seu polegar resvalar sobre o pedaço de pele logo acima da sua clavícula. Mal era um toque, porém o coração de Remus ameaçou saltar do peito. Sirius devia ter sentido seus batimentos cardíacos, pois ele pressionou seu ponto de pulso, fazendo a boca de Remus se abrir num suspiro inconsciente.  

— Merda, Remus, eu já encontrei, faz muito tempo — Siriius falou num tom suave, apesar do palavrão.

Em seguida, ele guiou suas mãos até a barra da camisa dele. Remus hesitou, buscando os olhos de Sirius por confirmação. Céus, ele tinha guiado Sirius apenas algumas horas atrás, tinha ensinado, lhe mostrado como era o sexo e estado dentro dele, e agora se sentia terrivelmente infantil.

Tomando fôlego, ele puxou a camisa de Sirius para cima. Por um segundo desvairado, Remus teve a esperança de que o nome escrito no peito dele fosse o seu. Seu coração pareceu parar de bater, e ele fechou os olhos. Por favor, por favor, por favor.

Obviamente, não era o seu nome. Seu nome não estava em nenhuma pessoa no mundo. Demorou todo um instante para Remus perceber que aquela quentura em seu rosto eram lágrimas.

James Potter.

Sirius limpou sua bochecha com a palma das mãos.

— Desculpe, Remus. Perdão. Desculpa, desculpa… — ele murmurou, e Remus sacudiu a cabeça.

— Estou bem — Remus falou, embora tenha se inclinado ligeiramente para o toque de Sirius. — Céus, Sirius. Você o conhece desde que a gente tem onze anos. Porque nunca disse nada?

Sirius se encolheu diante da dor em sua voz.

— Um nome masculino, Remus. Eu realmente achava que eu era uma aberração… — ele falou, em seguida respirou fundo. — Meus pais quase desenharam outro nome por cima da minha marca. Só não fizeram isso porque a pessoa que eles contrataram para fazer o serviço disse que havia o risco de eu morrer se ele tentasse cobrir o nome, porque eu ainda era muito novo. Regulus ainda não tinha nascido na época. Perder o único filho da família Black não era um risco aceitável.

Muito claramente, era a primeira vez que ele contava aquela história.

Remus sentiu que seus ossos estavam gelados. 

— Eu sinto muito que você tenha passado por isso, Sirius. 

O ar parecia pesado em seus pulmões. Respirar era dolorido, e Remus não tinha certeza se ainda estava chorando ou não. De repente toda a revolta do outro com o que ele tinha escolhido fazer para ganhar a vida fez muito mais sentido. Remus se curvou, e Sirius aceitou o seu abraço.

— No começo eu achei que James também tinha vergonha de ter o nome de outro homem… Mas logo pareceu que não era isso. Deuses, eu ainda tinha alguma esperança idiota, mas ontem ele me disse que tinha encontrado a sua garota. E no meio disso tudo sempre houve você. — Ele disse aquilo como se Remus realmente tivesse feito diferença naquela equação, em vez de apenas estar ali casualmente.

— Você deveria mostrar sua marca para James. Talvez isso mude alguma coisa para ele.

Talvez ele escolha você em vez de Lilian — Remus pensou, mas não conseguiu dizer essas palavras. Céus, James provavelmente se esforçaria para amar Sirius se Sirius pedisse por isso, mesmo que nunca fosse deixar de amar Lilian também.

Sirius ficou quieto por alguns segundos, e, então, fez um gesto negativo.

— Você sabe que isso não traria nenhum bem.

Remus pensou nos lírios que havia desenhado em volta do nome da alma-gêmea de James, e em como James tinha parecido encantado com tudo aquilo, e percebeu que Sirius estava certo. 

— Se serve de consolo, eu te amo — Remus sussurrou num arroubo de coragem. De qualquer forma, não era como se Sirius não pudesse deduzir esse fato. Oh, Sirius devia ter sabido daquilo desde sempre.

Ele o apertou mais contra o seu peito. Remus inspirou, sentindo o cheiro de alecrim e conforto que era Sirius.

— Você tem sua própria pessoa para encontrar — ele disse, e isso fez Remus rir de uma forma amarga.

Desvencilhou-se de Sirius o suficiente para tatear pelo interruptor e acender a luz do quarto.

— Olhe para mim, Sirius. — Remus tinha colocado uma cueca antes de ir preparar o desjejum, mas de outra forma estivera nú desde que os dois tinham chegado ao quarto na noite anterior. — Não existe nenhum nome no meu corpo. Eu é quem sempre fui a aberração, não você.

Remus nunca tinha se deparado com outra pessoa que não tivesse uma marca, mesmo durante todo o tempo em que trabalhara escrevendo nomes falsos. Ele tinha lido sobre pessoas que nasciam sem uma alma-gêmea, mas era tão, tão raro. Ele possuía a liberdade, é claro, mas estava sozinho no mundo, e um pouco quebrado.

Um ruído como um soluço escapou da garganta de Sirius. Ele inclinou-se e beijou sua pele não marcada, peito, barriga, baixo ventre. Remus deixou-se ficar lânguido em suas mãos. Depois, deslizou os dedos pelo peito de Sirius, contornando o nome de James — marcado em letras delicadas sobre o coração de Sirius, bem onde ele imaginava que o nome estaria. Era uma marca bonita, e era óbvio que seria, pois era o nome de James.

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.

.

— Você tem certeza? — Remus perguntou, com a sensação de que estava interminavelmente questionando a mesma coisa.

Sirius anuiu. Como sempre, ele tinha enrugado o nariz ao entrar no seu estúdio, embora parecesse confortável deitado sobre a maca.

— Eu acho que sempre soube que acabaria aqui… — Provavelmente também era por isso que ele tinha detestado tanto o que Remus fazia, porém Remus não mencionou isso, e Sirius também não. — Eu escolhi você. Escolhi você porque eu quero estar com você, e não porque eu preciso. Tenho certeza, Remus.

Remus respirou fundo antes de dar um aceno de concordância.

Uma parte distante da sua mente estava contando cada respiração que enchia o espaço entre ele e Sirius. Ele se inclinou sobre o corpo do outro e contou até que a agulha tocou a pele, fechando a distância entre eles — então o tempo pareceu parar completamente.

Remus escreveu seu nome logo acima do osso ilíaco de Sirius, usando sua própria caligrafia.

Assim que terminou, Sirius saltou da maca para se olhar no espelho, sorrindo daquela forma que sempre tinha enlouquecido Remus um pouco. Havia carinho suficiente para toda uma vida na forma como Sirius tocou a pele vermelha em volta da marca. Remus permaneceu alguns passos atrás, enquanto Sirius bebia o próprio reflexo. Levou um longo tempo até que ele voltou a falar:

— Isso ficou tão bonito, Remus.

Remus se aproximou dele devagar, pois não parecia certo que o espelho refletisse nada além de Sirius naquele instante, mas o outro o acolheu em um meio abraço. Remus puxou o rosto dele para si e o beijou.

Ele tinha passado tanto tempo invejando a alma-gêmea de Sirius, sem imaginar que estava invejando James. Naquele momento, porém, Remus percebeu que qualquer tipo de ciúme ou inveja tinha se esvaído. Deslizando os lábios pelo maxilar e pela garganta do outro, ele alcançou o nome de James e o beijou, pois isso era uma parte de Sirius também. Ele pôde sentir o coração de Sirius pulsando sob aquela marca. Por fim, Remus beijou seu próprio nome, ainda com gosto de sangue e tinta.

— Eu amo você — Sirius murmurou.

Oh, Remus sabia que ele amava.

E pela primeira vez, mesmo que não houvesse nenhum nome em seu próprio corpo, Remus sentiu que estava completo.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido até aqui!! Se puder deixar um comentário dizendo suas impressões sobre a história, ficarei muito contente. ^^



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