Cicatrizes de Tinta escrita por Sarah


Capítulo 3
Capítulo 03




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Sirius atendeu sua chamada na quinta tentativa, quando Remus já estava perto de se desesperar. Ele dispensou qualquer tipo de cumprimento e, assim que a linha ganhou vida, deixou escapar:

— Você precisa vir ao estúdio. Agora. — Definitivamente não era um pedido comum. Remus pôde ouvir a respiração de Sirius falhar do outro lado da linha. Mesmo assim o outro não fez perguntas.

— Estou indo — ele disse imediatamente. Houve um tintilar de chave, e, então, Sirius desligou.

Remus ocupou-se em matar o tempo depois disso. Vinte minutos pingaram lentamente, até que alguém bateu na porta do estúdio. Assim que Remus abriu a porta, Sirius deu um passo para dentro, mas Remus o empurrou de volta, fazendo um gesto para que ele ficasse em silêncio.

A expressão de completa preocupação de Sirius deu lugar a uma feição confusa e surpresa. Era óbvio que ele tinha visto a cabeça rosa-choque sentada no sofá de Remus. Remus fechou a porta às suas costas e os dois ficaram frente a frente no corredor apertado.

— Mas que merda? — Sirius exigiu.

— Tonks apareceu aqui do nada, quase uma hora atrás, dizendo que queria o desenho de um flamingo nas suas costas. — Remus levou a mão à tempora, sentindo sua cabeça doer, e respirou fundo. — Não tenho ideia de como ela soube que eu fazia isso e descobriu esse endereço.

— Você não desenhou nela, não é?

Remus revirou os olhos.

— Claro que sim. Falei para você vir aqui só para admirar a obra. Não seja estúpido, Sirius, você é melhor do que isso. Ela só tem dezessete anos. Mas achei que era melhor chamar você do que a mãe dela.

Remus podia apostar que Sirius estava começando a sentir a mesma dor de cabeça que ele.

— O que eu devo fazer? — Sirius perguntou, suspirando em seguida.

— Você certamente tem mais experiência com rebeldia adolescente do que eu — Remus disse, pensando em cada vez que Sirius tinha contrabandeado cigarros e levado uísque para dentro dos dormitórios da escola.

Ele fez uma careta de desgosto, muito possivelmente pensando o mesmo que Remus e se arrependendo de cada uma daquelas vezes. Mas Tonks era sua prima, e ela e Sirius eram mais parecidos do que qualquer um dos dois admitiria.

— Ok — Sirius concordou e, então, encarou Remus com hesitação. — Vou falar com ela sozinho. Tonks não vai gostar de que você veja eu arrastando ela daqui.

Remus anuiu.

— Vou tomar um café — falou, deixando Sirius para lidar com o que quer que Tonks lançasse sobre ele.

.

.

.

Vagou por duas horas, até que Sirius ligou para ele, perguntando se os dois podiam se encontrar.

Remus o achou sentado em um banco do parque, em frente ao lago. As pessoas que praticavam corrida por ali apressavam o passo ao passar por ele. Remus não podia culpá-las. Sirius parecia uma força da natureza sentado ali, com cabelos longos e usando um jeans rasgado, tomando vinho barato direto do gargalo da garrafa.

— Você está assustando as pessoas — Remus comentou casualmente ao sentar ao lado dele.

Sirius ofereceu a garrafa.

— Vamos fazer isso juntos, então.

Remus bebeu um longo gole.

— Tonks foi tão ruim assim?

Ele encolheu os ombros.

— Ela gritou algumas coisas sobre traição e sobre ter o direito de fazer o que quisesse com o próprio corpo, e chorou uma boa parte do caminho. Não sei se essa foi a pior parte, ou se foi quando ela disse que eu era um idiota que dou importância demais para minha alma-gêmea e vou acabar nunca encontrando a pessoa.

Definitivamente aquele não era o rumo de conversa que Remus esperava. O tom de Sirius era dolorido. Remus teve que conter o impulso de correr os dedos pelo cabelo dele e dizer que ficaria tudo bem. Uma inveja selvagem da garota cujo nome estava sobre o peito de Sirius correu por suas veias, quente e ardida.

Às vezes ele se perguntava quanta inveja alguém podia sentir durante a vida sem sucumbir em amargor. Remus achava que estava chegando perto do limite.

— Sinto muito por ter feito você passar por isso. Eu realmente não soube o que fazer com a Tonks...

Sirius lhe deu um olhar de esguelha. Uma moça bonita passou correndo por eles, alguns versos de Bohemian Rhapsody escapando dos seus fones de ouvido — céus, poderia ser ela a alma-gêmea de Sirius. Poderia ser qualquer uma, era uma questão de tempo até que ele a encontrasse, e quando isso acontecesse Remus sabia que morreria um pouco.

— Você sabe porque Tonks queria um desenho seu, não é?

Remus apenas piscou para ele.

— Rebeldia?

— Porra, Remus! — Sirius praguejou, rindo em volta da boca da garrafa de vinho e soando meio desesperado. — Ela está apaixonada por você.

— Ah. — Foi todo o som que Remus conseguiu produzir diante da declaração, sentindo sua boca seca de repente..

É claro que ele reparara na forma como Tonks o olhava, mas tinha imaginado que a coisa toda não passava de uma admiração meio infantil. A menina obviamente achava Sirius a pessoa mais incrível do mundo, e ele e James andavam com Sirius, todos mais velhos, bebendo e indo a lugares que ela ainda não podia ir. Um pouco de encantamento seria bastante natural, porém Remus não pensara em algo parecido com amor — ou talvez apenas não tivesse prestado atenção suficiente.

— Ela não tem seu nome no corpo dela — Sirius comentou o óbvio. Ninguém tinha o seu nome no corpo. —, então ela achou que podia, ao menos, conseguir um desenho que você tivesse feito.

Havia alguma amargura nas palavras de Sirius. Remus imaginou que aquilo poderia ser ciúmes, antes de se sentir um tolo.

— Deuses, Tonks deve ter me odiado por ter chamado você, deve ter ficado arrasada… — Remus baixou a cabeça nas mãos, achando que, afinal, tinha lidado com aquela situação do jeito mais errado possível.

— Ohh, ela já queimou um bocado da sua raiva ao gritar comigo, pode ficar tranquilo.

— Porra — Remus murmurou. Tinha começado a escurecer e o lago estava cinza chumbo. Os patos começavam a bambolear para fora da água, procurando abrigo para a noite. — Você está com raiva por eu ter te chamado?

— Não — Sirius respondeu como se a ideia fosse absurda. Ele estendeu a mão para a garrafa, seus dedos tocando os dedos de Remus. A pele dele estava quente. — Eu só não entendo. Ela tem uma alma-gêmea em algum lugar. Como pode querer outra pessoa?

— Nem tudo é tão definitivo para todo mundo, Sirius — Remus falou com cuidado, suspirando. — Não há nenhuma lei que diz que você não pode gostar de outra pessoa durante o caminho. — Ele deu de ombros. — E também há o sexo.

Isso fez Sirius se voltar para ele com os olhos ligeiramente arregalados.

— Você fez isso? Com outras pessoas? — Oh, sempre seriam outras pessoas para Remus. Quando tomou consciência do que tinha perguntado, Sirius corou profundamente. — Desculpa. Você não precisa responder isso.

Remus dispensou as desculpas com um aceno.

— Sim. Algumas vezes. Mesmo sem ser com a sua alma-gêmea, é algo muito bom, Sirius.

Em vez de responder a isso, Sirius rolou a garrafa de vinho de uma mão para a outra, sacudindo o líquido lá dentro.

— Eu acho que Tonks está certa. Eu nunca vou estar com minha alma-gêmea.

Remus quase desejava que fosse verdade. Mas, então, seria Sirius sofrendo em vez dele, e isso era ainda pior do que sua própria agonia.

— Você vai encontrar essa garota, Sirius. Você sabe o que dizem, há algo que atrai as almas-gêmeas uma para a outra. Só precisa esperar  — se forçou a dizer.

Sirius tomou mais um longo gole de vinho, depois acendeu um cigarro, e então lhe lançou um olhar avaliativo que durou vários segundos. Remus já estava sentindo sua pele pinicar quando Sirius finalmente suspirou e voltou a falar:

— Não é uma garota.

— O quê?

— O nome escrito no meu corpo é o nome de um cara, não de uma mulher.

Oh.

Remus sentiu aquelas palavras passarem por ele como um sopro de vento gelado. Ele não soube o que fazer com a informação. Um borbulhinho de esperança encheu seu peito, pois ao menos gostar de Sirius da forma como ele gostava não era tão estúpido quanto poderia ser. Mas também houve dor, pior do que nunca. Há muito tempo ele tinha aceitado o fato de que eventualmente iria perder Sirius para uma garota, mas, céus, se a alma-gêmea de Sirius era um homem, porque não podia ser ele?

— Você acha que tem algo errado comigo? — Sirius perguntou quando o silêncio de Remus se estendeu por muito tempo, soando desafiador e desalentado ao mesmo tempo.  

— Deuses! Não, Sirius. Não. Você sabe com o que eu trabalho, eu já vi esse tipo de ligação antes, e é exatamente igual qualquer outra.

Sirius assentiu lentamente, como se não tivesse certeza se aquele era um gesto adequado. Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, até que o cigarro de Sirius acabou e ele jogou a guimba, mirando na lixeira e errando por uma boa margem. Ele respirou muito fundo, pousando a mão sobre o peito num movimento inconsciente.

— Às vezes eu odeio tudo isso.

Remus queria dizer que ele também, mas as palavras se perderam no nó em sua garganta.

— Sirius… — foi tudo o que ele conseguiu murmurar.

Quando Sirius se voltou para ele, Remus se inclinou, passando um braço pelas costas do outro e pendendo para ele, apoiando o rosto sobre o ombro de Sirius. Se o vinho já não tivesse feito isso, o cheiro de Sirius teria sido suficiente para deixá-lo bêbado. Remus esperou que o outro fosse afastá-lo, porém, assim que Sirius superou a surpresa, ele o aconchegou mais junto a si.

Ficaram daquela forma, o ar tornando-se cada vez mais escuro ao redor dos dois, e Remus não poderia dizer se estava confortando Sirius, ou se era Sirius quem estava fazendo isso por ele.


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Notas finais do capítulo



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