"Eu estou do lado errado do céu

E do lado justo do inferno."

Os olhos se fixaram em Sasuke, esperando, e este anunciou o que Itachi já sabia. Ele fechou os olhos sentindo o alívio tomar seu corpo. Havia pensado muitas vezes na possibilidade do ódio do irmão se dissolver com o tempo. Por isso o alimentou quando sentiu que precisava, rasgando a ferida não cicatrizada em seu coração. Precisava do ódio de Sasuke como se este elemento possuísse algo de redentor. Não se importava em sangrar por ele, era uma dor que sobrepujava outra mais antiga.

Permitiu-se um último suspiro de verdadeira tranquilidade antes de mergulhar na frieza dos próprios cálculos e partiu para o ataque. Era um aquecimento, um teste para descobrir a que nível Sasuke havia chegado. Ali, aquele homem que havia mergulhado em si mesmo e dado liberdade a seus pensamentos não mais existia. Os sentimentos tinham se recolhido ao porão de seu coração, sem direito a um facho de luz. Agora ele era o mal encarnado, o vilão que nasceu no dia em que deixou o lar e um mar de corpos para trás.

Fingiu lutar para obter os olhos do irmão, pressionou-o como se estivesse num combate real, expurgou Orochimaru de dentro dele. O cansaço que começou a lhe abater ao sair do templo, intensificou-se. Era seu corpo que avisava sobre a falta de tempo. Mas não podia parar, havia uma última coisa a fazer.

Cambaleante, caminhou até Sasuke. Um dos olhos, cego, o outro tão embaçado que mal podia discernir sobre o que pisava. Não viu o desespero dele conforme se aproximava, ignorou os gestos que demonstravam. Pedia ao próprio corpo que aguentasse,  faltavam tão poucos passos! O coração palpitava forte e veloz, respondendo ao seu pedido, porém a cada batida perdia vigor.

Quando estendeu os dedos para tocar a testa de Sasuke, sua visão foi coberta por um manto escuro. Sentiu a pele dele através da dormência que lhe recobria a mão e uma dor aguda atingir o peito como se o abrisse em dois. Com esforço soprou algumas palavras. A língua captou uma brisa que passava por ali. A chama da vida extinguiu-se.

Contudo, naquele breve instante em que a existência se equilibrava sobre o fio que a romperia, Itachi sorriu. E o alívio que o tomou conseguiu apagar de sua mente o sofrimento suportado desde que saiu de seu lar. Estava rumando para outro, um lar sem pecados nem dor, onde nenhum arrependimento o alcançaria. Tornar-se-ia parte do vazio depois de anos carregando-o dentro de si.