Querida Estrela escrita por Stella Chinchilla


Capítulo 1
Capítulo único




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   Era cerca de meia-noite quando sai da pequena cabana que ficava na beira da praia. Caminhei pelo jardim cheio de vasos de flores de diversas cores. O vento as movimentava como as ondas que só era possível ouvir por enquanto. A noite estava maravilhosa. Meu cabelo se movia livremente. O ar e o cheiro salgado do mar me proporcionava uma sensação de suavidade.

   Foi então que senti a areia gelada sob meus pés. Fui andando até uma cadeira que se encontrava ali, abaixei suas costas e me deitei. Logo Remus apareceu e se sentou ao meu lado. Ficou me encarando com seus olhos negros por alguns instantes e depois se deitou apoiando sua cabeça no meu pé, fazendo cócegas. Ele era tão macio e fofo que não resisti e fui me sentar no chão pra ficar mais perto daquele monte castanho.

   Então percebi que o céu estava cheio de estrelas. “As estrelas são almas de pessoas boas, pessoas que em simples atos fizeram o dia de alguém mais feliz.” ecoou sua voz em minha cabeça, a voz do meu melhor amigo, o garoto que agora brilha lá no céu. Ele partiu há três anos.

   Recebi a noticia do acidente pelos meus pais, no momento meu diafragma se esqueceu de contrair porque eu não conseguia respirar. Eles me levaram ao hospital que Jonas foi atendido. No caminho fui rezando para que não fosse algo tão sério. Mas quando cheguei a seu quarto me dei conta que tinha sido muito pior que imaginei. Em seu rosto havia bastantes ferimentos e um tubinho no nariz o dando apoio na respiração, seu cabelo estava em um tom sem vida, assim como seu rosto, usava a típica camisola de hospital. Em cima de um mini armário pude ver o casaco que dei a ele no dia do amigo, que se encontrava esfarrapado e ensanguentado, e uma calça no mesmo estado, parecia ter sido dobrados, mas provavelmente derrubaram e só jogaram de volta. Dormia como um urso no inverno.

Pelo o que os médicos disseram, ele foi atropelado por um carro em altíssima velocidade e o motorista não prestou socorro, provavelmente ele nem deve ter visto por causa da rapidez. Também falaram que ele estava em coma por circunstância do impacto que acabou causando a falta de quantidade essencial de sangue no cérebro, além de muitos ossos quebrados.

   Ia pro hospital depois do colégio e permanecia lá até meu pais irem me buscar. Repeti tanto isso que as enfermeiras pegaram uma daquelas cadeiras que deita e colocaram ao lado da maca dele, então passei a dormir lá de vez em quando. Nesse tempo ele nem se quer mexia um dedo. Várias vezes me via brincando com a sua mão livre da agulha do soro, ou mexendo em seu cabelo fofinho, até passava creme e desembaraçava. Toda vez que sentia que os enfermeiros não estavam observando tentava me deitar ao lado dele pra ficar mais próxima e poder olhar aquelas pálpebras fechadas que eu mal podia esperar para se abrirem e ver os olhos que elas escondiam. Se ficasse o olhando por muito tempo logo sentia vontade de abraça-lo e não soltar até o século virar. Ficava tentando me lembrar de como nos conhecemos, acho que foi no pátio da escola, ele estava bem perdidinho, parecia um cachorrinho abandonado.  

“—Filha, você vai se atrasar. Não sei como consegue ter um papel importante na escola desse jeito... — Falou minha mãe me olhando pela porta do banheiro enquanto eu terminava de pentear meu cabelo.

   —Mãe, eu tenho esse tal papel importante por causa da minha facilidade na fala. E como é um dos colégios da cidade que mais aceita estrangeiros, eu tenho que pôr minhas habilidades de comunicação em pratica, já que sou uma das únicas lá que sei quase perfeitamente os dois principais idiomas mundiais. — Disse saindo do cômodo e pegando a mochila, a colocando nos ombros.

    Assim que cheguei o Sr.Francisco, o porteiro, me disse que havia um novo trabalho para mim, um recém-chegado, falou também que o jovem era dois anos mais velho que eu e só sabia falar inglês. Fui até a secretaria para saber mais a respeito dele. A diretora, que tomava café no momento, me contou que provavelmente ficaríamos na mesma classe, pois eu estava adiantada no colégio e ele acabou se atrasando nas matérias quando veio pra cá. Depois fui falar com ele. O encontrei sentado em um dos bancos do pátio olhando para as mãos, pensativo. Cheguei perto sem que notasse e me sentei ao seu lado, começando a falar:

—Está perdido? —“Deus, que pergunta mais idiota. É claro que ele estava desorientado, sua anta!” pensei comigo mesmo. E ainda falei no meu idioma. Estava na cara confusa dele que não entendeu nada do que lhe foi dito. Dei um sorrisinho e voltei a falar, agora de modo que entendesse. — Eu vou te ajudar em suas duvidas, apresentar os professores e o colégio e a aprender a minha língua. Ok?”

   Quando sai de meus pensamentos não consegui segurar um sorriso e fui pega por uma enfermeira que entrou no quarto para medir as pulsações e a temperatura corporal do meu amigo. Ela apenas sorriu e disse que não contaria a ninguém, porém eu deveria ter mais cuidado, pois nem todas as enfermeiras eram boazinhas.

   Até que chegou o dia em que ele acordou, cerca de um mês depois do acontecido. Fiquei tão feliz que quase pulei em cima dele e lhe dei uma bronca bem dada pelo susto. Mas não seria legal brigar com alguém que acabou de sair de um coma. Então lembrei:

”Feliz aniversário Belo Adormecido. Quinze anos, hein”.

   “Obrigado”. Sua voz jazia tão fraca que deu vontade de pedir para não falar mais nada. Depois de todo esse tempo, mal dava pra perceber sua origem quando fala. Claro, com uma professora como eu até os gregos aprendem.

   No momento que meus pais chegaram, eu enchia a cabeça dele com tudo que aconteceu no mundo nesse período em que esteve desacordado. Eles disseram que agora estava na mão dele e dos médicos e que eu devia ir pra casa, sabe, pra o deixar descansar. “Mas ele dormiu por um mês inteiro”, foi o que pensei. Entretanto, Jonas pediu que eu ficasse por mais essa noite, parecia que já sabia o que estava por vir.

   Duas horas depois o pior aconteceu. Eu fui acordada com os aparelhos apitando, os enfermeiros correndo pra dentro do cômodo, no meio deles presenciava a enfermeira boazinha, os olhos dela esbanjava tristeza. Ela me viu ali parada e assustada com a situação, e enquanto seus companheiros de serviço mexiam nos aparelhos, veio até mim e começou a empurrar carinhosamente meu corpo que não se mexia. Acordei do transe quando em um ultimo suspiro Jonas segurou meu braço. A moça parou de empurrar por um instante para que eu ouvisse as seguintes palavras.

  “Quando você observar as estrelas se lembre de mim, assim sempre estarei contigo. E jamais esqueça: elas são almas de pessoas boas, almas que ajudaram e se doaram pelo bem das outras, mesmo que não recebam recompensa alguma. Um dia estarem juntos novamente.” Sentir sua mão me soltando foi a pior coisa que já me aconteceu. Olhar aqueles olhos que costumavam ser cheios de alegria agora se fecharem pela ultima vez. Ver aquela boca sempre sorridente que não se abrirá novamente. Aquele rapaz que acabara de fazer mais um aniversário. Observar uma alma iluminada que já sofreu tanto na vida, não aguentar a ponto de se render a morte. Pior ainda foi contar o ocorrido a uma mãe desesperada que estava do outro lado do planeta trabalhando.

   Saí dos meus devaneios e olhei para as estrelas, o céu estava cheio delas. Senti meus olhos arderem e logo depois uma lagrima descer calmamente pela minha bochecha, sendo seguida por mais dezenas.

   —Querida estrela, você tem um brilho surpreendente ai em cima. E fique tranquilo, eu nunca me esquecerei do seu brilho. —Sussurrei com um sorriso para o céu.

   Uma certa bolha luminosa ficou ainda mais brilhante. Feliz aniversário Belo Adormecido. Sei que isso não é do conto da menina que espetou o dedo, mas jogue seu cabelo para eu subir e te dar um daqueles abraços de mamãe ursa.    


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Notas finais do capítulo

E ai, gostou?
De que parte gostou mais? Por qual razão? Tem que melhorar algo?
Ficou confusa alguma coisa?
Rsrsrs Desculpa, tô nervosa.
Pode deixar seu comentário, mesmo que seja "gostei" ou "não gostei".
Beijinho de luz.❤



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