Sobre amor, tartarugas e outras coisas escrita por Blue Butterfly


Capítulo 1
1




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O bebê se remexia preguiçosamente enquanto mamava, seus dedinhos pressionando gentilmente o seio de Maura. Henry tinha três meses agora, e ele ainda era pequeno o suficiente para que ela pudesse segurá-lo com apenas um braço contra seu corpo. Amamentar não estava sendo tão simples como em sua primeira gravidez mas, embora sentisse dor e desconforto, ela tinha se comprometido a alimentar o bebê com leite materno, sem fórmulas ou leite artificial, para o benefício da criança. Jane tinha apoiado a decisão e a motivado durante todo o primeiro mês, que tinha sido o mais difícil, e quando percebeu que se decicar ao bebê com as outras três crianças por perto estava sobrecarregando Maura - principalmente porque elas pareciam querer atenção extra especialmente naquele momento -  a morena proibiu as meninas de rodearem a mãe enquanto ela estivesse amamentando.

Maura tinha torcido os lábios e discordado, se sentindo culpada, mas Jane convenceu-a de que embora a decisão parecesse injusta com as crianças naquele momento, Maura precisava daquele tempo livre de qualquer outro estresse.

Ela esperou até que o bebê estivesse adormecido para só então afastá-lo de seu peito, niná-lo por alguns instantes apenas para garantir de que ele não acordaria, e finalmente colocá-lo no berço. Ela observou, encantada como todas as outras vezes, como o menino carregava os traços de Jane. Ele ainda era pequeno, mas tinha a pele mais escura do que da pequena Faith quando nascera, e o cabelo era preto e liso, e Maura apostava que ele ficaria tão alto como a outra mãe. Ela deslizou o dedo em sua bochecha quentinha, querendo pegá-lo no colo novamente - era sempre difícil para ela se separar das suas crianças, especialmente quando tão pequenas assim - mas ela tinha um relatório pendente que precisava ser finalizado até o final do dia, e logo Jane chegaria para o jantar, e sua atenção teria que ser, mais uma vez, dividida.

Ela se acomodou no escritório e abriu o laptop, relendo as linhas que tinha escrito anteriormente, em partes para resgatar a linha de raciocínio, em partes para corrigir o que já tinha sido feito. Seus olhos percorriam o quinto parágrafo quando a voz de uma das crianças chamou sua atenção.

‘Mãe?’ Os passos soaram alto no corredor, e a voz de Harriet - Maura se deu conta - já não era tão infantil como no ano passado.

‘Aqui, querida.’ Ela disse em voz baixa, embora soubesse que seria escutada. A menina parecia estar próxima demais da porta.

Olhos azuis, tão claros como o céu de primavera, de repente apareceram em vista, e a loira ofereceu um sorriso contente ao receber a menina. Harriet tinha acabado de chegar da escola - ela passara a ir com o ônibus desde os nove anos, como decidira fazer, e se antes Maura se preocupava em pegá-la na esquina de casa todos os dias, por puro medo de perdê-la, Angela a convencera de que Harriet era madura e inteligente o suficiente para não se meter com quem não deveria.

‘Como foi seu dia, tartaruga?’ Ela tentou se levantar da cadeira, mas Harriet não devolveu nenhum sorriso em troca, apenas soltou a mochila no chão e os braços ao lado do corpo, e o ato de Maura morreu pela metade, e ela se sentou de novo e piscou os olhos com medo e confusão. Da última vez que cena semelhante tinha acontecido, ainda no ano passado, a menina tinha batido em um colega de classe porque não tinha aturado uma certa provocação misógina. O ato incorreto de agressão tinha sido punido, é claro, mas o pensamento de alguém provocando ou diminuindo sua filha lhe dava nos nervos. ‘Harriet?’ A loira pressionou, ainda com gentileza mas com a voz firme.

A menina apertou os dentes e fez um bico, claramente tentando manter-se sob controle.

O estômago de Maura se contorceu e ela se perguntou se deveria ligar para Jane naquele mesmo momento.

...

Elle era pequena e macia, e com nove meses era a bebê mais doce que Maura já tinha tido o contato. A loira a jogou para o alto depois de beijar sua bochecha, e a menina riu e balançou os pequenos pés uma vez que foi pega de volta para o colo da mãe.

‘Você adora isso, não é mesmo?’ Maura perguntou, embora a pequena ainda não pudesse responder com palavras. A menina fez um som com a boca e bateu palmas, e Maura riu baixinho, beijando-a de novo. Ela estava grávida de pouco tempo, e desde que recebera o resultado positivo vinha passando mais tempo com Elle e Harriet, principalmente porque sabia que dentro de alguns meses essa flexibilidade em pegá-las no colo e se movimentar rapidamente seria limitada. Era por isso que as três estavam num parque agora, aproveitando o dia de sol.

‘Sua filha é linda!’ Exclamou uma mulher sentada em uma toalha por perto, e Maura colocou Elle no chão - que já parava em pé e tentava alguns passos por si mesma, sempre segurando na mão de alguém - e sorriu para a estranha.

‘Obrigada! Você pode dizer oi, Elle?’ Ela se inclinou para baixo e acenou a mão para mulher, mostrando para a criança como se faz. A menina abanou a mão do próprio jeito e sorriu, e Maura notou que naquele último mês Elle estava se mostrando mais aberta para as pessoas e mais simpática.

‘Oh, olá! Você não é mesmo uma graça?’ A mulher respondeu, aparentemente encantada com a criança.

Maura levantou os olhos para procurar por Harriet - que era compreensiva o suficiente para se manter à vista - e ofereceu um sorriso quando seus olhos se encontraram. Harriet acenou com a mão, e Maura fez o mesmo. ‘Mais cinco minutos.’ Ela disse para a mais velha, e depois voltou a atenção para a mulher desconhecida.

Agora, a outra tinha uma menina de talvez quatro anos ao seu redor. A mulher se levantou para tirar uma nota de dinheiro do bolso e entregou para a criança, dizendo que era para comprar apenas um picolé, e nada mais. Ela riu quando a menina saiu correndo e depois voltou sua atenção para Maura.

‘Não é ótimo quando elas ainda estão nessa idade? É tudo tão mais simples, a gente não corre o risco de perdê-las.’

Maura pensou que aquela mulher não sabia o quão certa ela estava, ainda mais considerando o que tinha acontecido com Harriet quando tinha mais ou menos a idade da filha da outra.

‘Nem me diga.’ Ela disse e estendeu a mão. ‘Meu nome é Maura. E essa é Elle. E minha mais velha se chama Harriet.’

‘Prazer, Maura. Eu sou Joane, e minha filha é aquela menina, Kate, que corre tão rápido para um sorveteiro que eu desconfio que ela pode praticar corrida na faculdade.’

‘Esportes sempre garantem boas bolsas.’ Maura respondeu e riu baixinho.

‘Bem, eu certamente estou contando com isso.’ Joane apontou com a cabeça para as duas meninas, Harriet e Kate, agora brincando juntas. ‘Parece que elas se deram bem. Eu moro duas quadras daqui, e se elas quiseram e você concordar, nós podemos nos encontrar mais vezes.’

Maura sorriu com a sugestão, questionando se foram suas habilidades sociais ou as de Harriet que a fizeram engajar nessa conversa, e balançou a cabeça em sim, carregada de convicção. ‘Eu adoraria! Nós moramos aqui perto também, e Harriet adora o parque.’

Elas trocaram números de telefone e conversaram sobre maternidade, Maura acabou contando-lhe que estava no começo de uma gravidez, e Kate lhe contou que planejava uma segunda criança para o final do próximo ano. Minutos mais tarde, Harriet e Kate chegaram juntas, cada uma para sua respectiva mãe.

‘Já é hora?’ Harriet perguntou, a mão agarrando a blusa da loira.

‘Sim, querida. Essa é Joane, mãe da sua nova amiga.’ Maura disse, ajeitando Elle em seu colo. ‘Seja educada e diga oi.’ Ela sugeriu, levantando uma sobrancelha.

‘Prazer em te conhecer.’ Harriet esticou a mão e chacoalhou a da mais velha.

‘O prazer é meu, Harriet.’ Ela sorriu para a menina e acariciou a cabeça da própria filha. ‘Sua mãe e eu estávamos nos perguntando se vocês gostariam de se encontrarem de novo para brincar, um outro dia.’

‘De verdade?’ Kate perguntou, parecendo empolgada.

‘Sim!’ Maura respondeu, e as duas meninas riram e se abraçaram.

‘Amanhã?’ Harriet tinha se virado para Maura, os olhos carregados de expectativa.

‘Quinta-feira, depois da sua escola, querida. O que você acha?’ Maura arrumou uma mecha de cabelo preto atrás de sua orelha, e a garotinha sorriu.

‘Me parece muito bom, não é mesmo, Kate?’

‘Muito bom mesmo!’ A menor concordou, toda sorrisos.

‘Bem, nós nos vemos na quinta, então.’ Maura concluiu, satisfeita por ter conseguido uma companhia para Harriet, algo que certamente a deixou feliz.

‘Eu vejo você, Harriet e sua garotinha logo, logo.’ Joane disse, brincando com a mão fofinha de Elle e arrancando um sorriso da menina.

Foi só mais tarde, quando Maura tinha colocado Elle no berço para dormir um pouco antes do jantar, que Harriet apareceu na cozinha, o rosto carregado de aflição.

‘Aconteceu alguma coisa, tartaruga?’ Maura perguntou sem prestar muita atenção, imaginando que não poderia ser nada de grave. Ela continuou separando o brócoli na forma enquanto esperava pela resposta da menina.

‘Mamãe, eu ainda sou sua garotinha?’ Ela despejou de uma vez, os olhos curiosos e, agora Maura notava, um tanto intrigados encarando-a.

Talvez ela tenha dado um soco no estômago de Maura, também, porque ela sentia seu estômago revirado. ‘O que... O que você quer dizer, Harriet?’

‘Faz tempo que você não diz para mim ‘minha garotinha’, e hoje no parque Joane disse ‘Harriet e sua garotinha, mas para a Elle.’ Ela mordeu o lábio inferior e apertou uma mão na outra, como se tivesse feito algo de errado e estivesse pedindo por perdão ao mesmo tempo que esperava pela punição.

‘Oh, Harriet. Ah, meu amor.’ Maura abandonou a tarefa culinária e pegou Harriet no colo, imediatamente. ‘Harriet, você sempre vai ser minha garotinha, querida.’ Ela beijou a testa da menina, se sentindo extremamente culpada. Ela estava sendo negligente com Harriet sem nem mesmo perceber? Elle exigia um pouco mais de atenção por ser ainda bebê, mas Maura tinha também redobrado o cuidado e amor com a mais velha, não tinha? Ela sentou a criança na bancada da cozinha, se sentindo sem forças, mas a manteve dentro do abraço. Harriet estava se sentindo como se colocada de lado? Talvez ela precisasse de um tempo a sós com as mães, separadamente?

‘Mamãe, você tá chorando?’ A menina foi quem quebrou o abraço, seu olhar assustado recaindo sobre o rosto de Maura. ‘Eu deixei você triste?’ Ela perguntou com certo desespero, sua respiração ficando pesada e os olhos lacrimejando em pura empatia.

‘Não! Não. São só os hormônios da gravidez.’ Maura tentou explicar, mas a julgar pela expressão no rosto de Harriet, tinha falhado.

‘Eu não entendo.’ Ela disse inocentemente, inclinando a cabeça para o lado como a própria Maura fazia quando confusa, e a percepção do gesto compartilhado entre as duas só trouxe mais lágrimas nos olhos da loira. ‘É porque eu sou a irmã mais velha?’ Ela arriscou, e quando a compreensão atingiu Maura, a loira entendeu que a pergunta não questionava o amor oferecido, mas, sim, entregava a maturidade de Harriet em relação à irmã mais nova - pedindo por uma ligeira confirmação.

Ironicamente, Maura começou a chorar ainda mais, apesar do alívio que sentia correndo dentro de si.

A porta da frente se abriu, e as duas cabeças se viraram para encontrarem Jane, a morena agora estudando com preocupação a cena apresentada diante de si.

‘Eu acho que nós precisamos da ajuda.’ Harriet informou para Jane, confusa.

E Maura riu, ainda que estivesse chorando.


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