Mais e Mais Estranho Que a Própria Ficção escrita por Widly winds


Capítulo 2
Sussuros na escuridão


Notas iniciais do capítulo

"Parece que não sou o único que está sozinho
100 bilhões de náufragos, procurando por um lar"
Message in a Bottle - The Police



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4 camisetas (incluindo a que estou vestindo), 2 calças jeans (incluindo a que estou usando), 1 sutiã, 1 um livro de John Steinbeck – Sobre Homens e Ratos, 1 celular da Samsung bem antigo e sem credito que sobrevive de wi-fi alheio, 40 reais, uma escova de dente, 4 camisinhas, e uma caixa de chocolate, 1 par de meia e acho que é isso – Pensou a Flávia, revisitando todos os itens que levava consigo – Ah tem o menino Shakespeare!
—Isso mesmo não me esquece – disse o menino Shakespeare! – Eu sempre estou com você.
—Sim! Me desculpa, eu estou muito nervosa, mas é isso tudo o que temos!
—Acho que da pra aguentar, mas depois de uma semana vamos nos complicar bastante, e se só nos alimentarmos de chocolate logo logo podemos ganhar algumas caries, fora que podemos desenvolver uma diabete nessa brincadeira.
—Fora que vamos engorda pra caramba – Ela disse.
—Então nós vamos pro metrô Vila Prudente, depois vamos para o MASP?
—Sim, mas então, não acha que é melhor irmos pra Biblioteca Mario de Andrade? Lá é uma biblioteca 24 horas, e é mais seguro ficar lá durante a noite, do que dormir no vão do MASP, fora que também podemos ficar lá lendo todos os livros que a nossa alma aguentar, e como é lá no centrão antigo, podemos ficar usando o metrô pra ficar zanzando na cidade.
—Nossa! É verdade, fora que a gente pode ganhar algum dinheiro vendendo meus bagulhos.
—Menino Shakespeare eu pensei aqui, por que você não deixa seus bagulhos de lado, e vai estudar pra fazer o Enem? Porra, como vamos morar na biblioteca da muito bem pra você passar em uma universidade pública se você se dedicar algumas horinhas do seu dia pra estudar!
—Sim faz sentindo! Além do mais um de nós dois tem que dar certo na vida! E você o que vai fazer daqui para frente?
—Ah cara eu ainda não sei, não faço mais nenhuma ideia do que fazer da minha vida, bom agora que terminei o ensino médio, vou ter bastante tempo pra me dedicar a outras coisas, mas ao mesmo tempo, eu não sei, por mais absurdo que seja que estamos fazendo, alguma coisa na minha intuição apita, devemos continuar com isso, mas as vezes penso como nossas vidas estão sendo desperdiçadas aqui, me sinto igual aquela frase do Lima Barreto “Nós, os brasileiros, somos Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou.”
—Esses Robinsons, são também Crusoés ?
—Devem ser, há outro naufrago por aí?
—Olha Flávia, talvez as vidas de toda a sua família já estivesse fadadas ao desperdício do fardo do chão industrial.
—Caralho hein, todo pequeno burguês menino Shakespeare, eles eram trabalhadores e só o são por pela necessidade, e infelizmente não tiver as condições adequadas para estudarem, e cara como isso é um dilema para mim, imagino se toda a minha família tivesse acesso ao estudo, nem que seja mínimo, só pra aprenderem a ler mesmo, será que eles teriam as mesmas vidas que tem hoje, será que aguentariam mesmo essa rotina infernal, ou buscariam um modo mais econômico de vida só para poderem ter mais conforto, hm eu não sei mesmo.
—Mas Flávia, o consumo desenfreado e inconsciente está realmente ligado com as condições educacionais, por isso defendo a necessidade de estudar economia, nem que sejam seus princípios mais básicos.
—Mas estudando economia, não iriamos fuder com a economia?- disse Flávia rindo.
—Muito pelo contrário, acredito que iriam surgir uma série de reinvindicações serias por parte da sociedade, e iriamos querer reformas mais sérias do que estas propostas. - sentenciou o menino Shakespeare.
—Sim, até porque parece que nossa filosofia é “privatiza-se os lucros, mas socializa-se as percas”.
—Pois é – Disse o menino Shakespeare.
—Mas parando para pensar, sobre o que você disse sobre o “fardo do chão industrial” é verdade, eu vou ser a primeira pessoa da minha família a não ser operária acredita?
—Mas sua mãe também não foi operaria. – perguntou o menino Shakespeare curioso.
—Mas no caso dela já não tinha mais emprego mesmo.
—Sua família inteira trabalho na Tecelagem Vânia?
—Sim sim! Mas acho também que a boa parte da Zona Leste também trabalhou lá.
Flávia olhou por um instante de relance pela janela do ônibus, as mãos transpiravam e no seu estomago não paravam de voar demônios. Os dois fugiam para nunca mais voltar, suas vidas se fundiam no absurdo do cotidiano e de tantos destinos que estão em sua sorte em várias gerações e que se encontram pela violência, e o coercitivo passos nos redutos labirínticos da cidade, a própria realidade se mostra desavergonhada aos olhos de Flávia, mas conquistara finalmente sua independência, proclamava às custas de 3,80 reais, que o preço que se paga pela mobilidade urbana, o menino Shakespeare também embriagado aos sabores da liberdade, também sabia, eram livres finalmente, livres para morrer de fome!
—Agora entendo o porque os clichês são tão essenciais pra vida!
—Uê, por que?
—São cômodos, nos estacionam nos lugares comuns da mente.
—Por que diz isso?
—Olha complexidade deste mundo! Como puderam nós legar isso tudo?
Flávia e o menino Shakespeare olharam pela paisagem da janela, olharam os transeuntes.
—Flávia – Disse o menino Shakespeare com toda suas trevas: - Olhe as sombras onde se expressam o cansaço das caminhadas desse povo, os tijolos agrupados numa ordem ilógica como os sonhos que foram cimentados pela gente que construiu essa cidade, também moldaram um outro mundo mitológico que desse cabo para explicar os fenômenos naturais da dor.
—Mas puta que pariu em menino Shakespeare, você é totalmente confuso, ora está de um jeito, logo, está de outro.
—Desculpe Flávia – disse sem jeito – Nos vamos descer na estação Vila Prudente né, então vamos já levantar, já estamos no fim da AV. Anhaia Mello.
Flávia olhou no celular já estava dando 17:30.
O ônibus estava lotado! Até chegar no metrô, as linhas do metrô não se alongavam pela totalidade da cidade, eram decisões politicas as escolhas das estações, não por necessidade social.
—Flávia – disse o menino Shakespeare desconfiado quando entraram na estação – Eu vou ficar quieto um pouco tudo bem?
—Oh, eu entendo, ok, suas cotas do passe livre já acabaram?
—Já sim – com uma voz grave – Tó compra minha passagem – O menino Shakespeare tirou do bolso algumas pedras que brilhavam no escuro e que reluziam uma forma mineral, sua mão estava machucada e ressecada.
—Epa – Disse Flávia, fechando a mão do menino Shakespeare – Ei deixa que eu pago pra você.

Mas eis que também o tempo e o eterno comete seus tropeços, ambos ficaram estilhaçados, uma nevoa negra da mesma matéria em que são feitos os sonhos exala, Flávia Vacilou, a pressão atmosfera se fez na sua cabeça, turvando a visão, seus ossos ficaram leves como as nuvens, e seu corpo sentiu um calor, tal como fora queimada em outras vidas, dentro da estação os transeuntes olhavam assustada para Flávia, o suor rebenta, e o sol da tarde arde nas veias da testa dela.
—Está acontecendo de novo menino Shakespeare? – disse Flávia em um leve sopre de flauta pela sua boca.
—Está, Flávia, está, você é a senhora das moscas. – disse sussurrando e se envolvendo com estrelas.


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Notas finais do capítulo

Comentem se vocês estiverem gostando da história, isso me apoia muito a continuar escrevendo o mistério da eternidade que se confunde com a Flávia, adoraria ouvir suas críticas, e o que estão pensando sobre.



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