Mais e Mais Estranho Que a Própria Ficção escrita por Widly winds


Capítulo 1
O estranho começo




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— A vida com certeza será mais bem vivida quanto menos sentido tiver. Dizia para sí mesma diante o espelho a Flávia Moreira, embora se chamasse assim, a frase nada haveria de estar associado ao nome dela, mas sim à outro nome, o do escritor e do pensador da escola filosófica do absurdo franco-argelino Albert Camus, todavia, depois desse dia o sentimento de alienação e inutilidade diante da vida, estaria associado a todos que estão conectados pelo mesmo ar.
Flávia, sempre se martirizava diante o espelho, era quase que inevitável, mas logo seus pensamentos foram interrompidos e anulados antes mesmo de se formarem, foram cortados por uma doce e fina voz, emitada por um leve gracejo insustentável, como o movimento misterioso de uma Katana rompendo a barreira física do som!
—Vamos mesmo fugir de casa Flávia? - Perguntou o menino Shakespeare.
—Mas é claro, já está tudo pronto na mochila, e tenho dinheiro suficiente para mais ou menos sete dias, depois disso nós dois vamos ter que nos virarmos, até lá acredito que a escola não fara falta alguma.
—Tudo bem, vou aonde tivermos que ir mas ah, - hesitou o menino Shakespeare em dizer - Você viu como estão os planetas hoje? não consegui dormir de noite pensando neles.
—Não não vi e nem quero ver, algo por demais estranho já me inquieta desde cedo menino Shakespeare, você não tem ideia! Ah você já almoçou?
—Como eu posso almoçar sem você Flávia?
—Oh- deixou escapar - Hoje não iremos almoçar nessa casa menino Shakespeare, e de qualquer modo, hm tente não ficar me esperando para almoçar, sequer eu sinto fome. - disse olhando os prédios sombrios pela janela, do apartamento.
Ambos estavam envolvidos em seus próprios pensamentos, orbitavam em sí mesmo, era tudo o mesmo sempre, ou sempre o mesmo de sempre, o tédio é tão corrosivo quanto a tristeza!
—Então é isso, vamos indo! - Disse o menino Shakespeare pegando seus trapos.
—Você não vai levar esses trapos não, não é mesmo? - Perguntou Flávia, ela sábia que naqueles trapos repousavam as eternas verdades do menino Shakespeare, era uma relação quase incestuosa de dependência e muletas metafisicas.
O menino Shakespeare sequer emitiu reação, sua maneira inexpressiva poderia assustar qualquer pessoa insegura, seu olhar era tão penetrante, diria eu quanto os impostos do Brasil, isto é, conseguiriam penetrar todas as esferas de sua psique, a ponto de sequer nos darmos conta de sua presença.
Flávia se voltou ao espelho, sabia que o tempo tinha-lhe definhado a alma, era narcisista, aquela casa havia lhe matado muitas coisas no peito, e isso a deixava inquieta e ansiosa, já eram significativas suas inaptidões sócias, e seu vazio pesava mais que o céu, dilatava sua solidão, e traduzia o quão inexpressiva se apresentava nas frentes sociais de um mundo alucinado, talvez o vento volteando entre as pessoas numa tarde quente, seria mais expressivo que suas opiniões acerca da vida, isso se sua presença fosse notada, de tanto passar em vão na vida das pessoas, numa lógica perversa de sub-existência, acabou-se pulverizando, e logo não me espantaria se um dia ela acaba-se desaparecendo por completo, e acordasse invisível.
O menino Shakespeare conseguia entender as tristezas de Flávia, até mais do que ela mesma conseguiria compreender, oras, o menino Shakespeare era o lorde de todas as dores.
—Flávia vamos indo logo, o vento já canta em nossa espera, saia do espelho!
—Mas eu não consigo, venha ver por sí mesmo, e nem venha falar que sou dramática pra caralho.
Mas pela almas dos dois perpassou um frio como um relâmpago correndo por uma fração de instante no negrume do céu sem estrelas, era o barulho do telefone, alguém estava na linha.
Vou atender disse o menino Shakespeare com certo receio nos passos incertos pelos cômodos do apartamento em direção ao telefone.
Enquanto isso Flávia se jogava novamente ao mergulho cruel do martírio, mas como ela disse, desde cedo algo a inquietava por demais.
—A vida será mais bem vivida quanto menos sentido tiver- Dizia para sí mesmo, porque do nada, em um dia abafado de agosto, socada em um apartamento na cidade de São Paulo ela não conseguia se reconhecer diante do espelho, seu corpo e imagem não correspondiam com a realidade, parecia ter sido diluído por uma noite de sonhos intranquilos, estava invisível, mas o que a mais a deixava angustiada era o fato de ser uma estranha para sí mesma, não há solidão pior do que a aquela que é estar desconfortável consigo mesma, e o pior, isso pode ser pra sempre!
—Flávia olha ligaram aí....
—Menino Shakespeare! olhe para mim! você está me vendo?
Respondeu rindo - Não acha estranho você me fazer esse tipo de pergunta?
—Para de gracinha menino Shakespeare! Olha para mim, você está conseguindo me ver? Por favor me diga! Eu não estou conseguindo me ver! -disse a Flávia cambaleando nos sentidos e em suas palavras.
—Flávia, para de frescura! olha ligaram aí e acho que agora você dançou - disse com sarcasmo.
—Como assim?
—Ligaram aí e disseram que o mundo vai acabar em 15 minutos.
—O QUE?
—Isso mesmo Flávia, bom, eu disse de volta que já temos problemas de mais e era pra ligar outra hora.
—Menino Shakespeare! o que está acontecendo.
—Acho que estamos demorando muito pra fugir de casa!
—Mas eu vou assim, eu acho que estou invisível! e você fica de com essas gracinhas, para de brincar seu babaca.
—Flávia, o mundo vai acabar com você!


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