Chovia forte, naquele dia.

Os alunos da universidade corriam, tal qual formigas, atrás de um local para se esconder da tempestade que castigava a calcada com estaladas dignas de um chicote. Com o sol ardente que os atormentara durante toda a semana, a maioria viera despreparada para tal torrente de gotículas, que destroçavam folhas desavisadas e viraram inocentes guarda-chuvas para uma concavidade oposta. Não culpe, todavia, os pobres estudantes; com tantos trabalhos e estudos, quem lembraria de conferir a previsão meteorológica do dia?

De fato, a espontânea chuva fazia-se presente de forma feroz, com estrondos dignos de gritos aterrorizados e apagões momentâneos do céu devido a eventuais raios grandiosos. As nuvens escuras cobriam o que deveria ser o horizonte de uma tarde tranquila, e elas se alastravam, como uma língua de fogo, por toda a cidade universitária. Era uma visão assustadora, senão claustrofóbica, ver aquela quantidade monstruosa de jovens com feições desesperadas amontoando-se nos corredores cobertos – porém sem parede, com somente colunas pontuais mantendo o teto em seu devido lugar – atrás de uma pequena proteção que fosse.

Aquela tempestade não acabaria tão cedo, e sequer diminuiria sua fúria.

Um número mínimo de alunos, e mesmo professores, ousava sair de sua proteção e desbravar o caminho até o estacionamento; afinal, quem em sã consciência enfrentaria uma fera natural tão abrangente se não tivesse alguma ajuda antes de alcançar o prêmio final, suas casas? Portanto, estavam todos presos num enfileiramento mal-arranjado até segunda ordem. A maioria olhava para o próprio celular, conversando com alguém via chat ou simplesmente jogando jogos, ao passo que alguns demais procuravam por amigos naquele mar de pessoas. Uma quantidade ainda menor – entediada de seus celulares ou sem a possibilidade de mexer nos ditos cujos, por qualquer motivo que fosse – olhava em volta, sem qualquer objetivo fixo em mente.

E foi dentre essa minoria de estudantes desinteressados para com o tumulto social que aquele temporal causara que surge o primeiro dos heróis que começam verdadeiramente o enredo.

Numa distância definitivamente não medida, porém agradável, havia quadros de avisos repletos de papeis diversos. Os mais chamativos eram enormes e coloridos avisos que alguns clubes de esporte quaisquer buscavam por integrantes, e como os membros de tais grêmios, os cartazes expunham-se na frente e escondiam os demais por trás de sua irrelevante e superficial glória.

Aquele pequeno momento não havia sido planejado. O tal herói, chamemo-nos assim, percorria o campus com seus olhos, quando uma ventania particularmente violenta atingiu sua face como um soco; e ele, atordoado como se tivesse de fato sofrido alguma agressão, desviou o rosto para o lado. Foi então que o rapaz viu uma coisa que despertou sua atenção: ele não fora o único a ser nocauteado pelo vento peso-pesado, já que os cartazes dos clubes de esporte desprendiam-se do quadro, e alguns pontuais até mesmo eram levados com o vento, até atingir um desavisado.

Debaixo dos cartazes trêmulos, havia uma folha branca comum, talvez do tipo mais simples, que se prendia com toda a força no mundo naquele quadro de avisos, como se não estivesse disposta a abrir mão de sua posição, ainda que esta fosse desprivilegiada e escondida. Fora escrita à mão, percebia-se, e não tinha nada que a destacasse muito, além de um título escrito em letras garrafais – na medida do possível, já que o esforço do escritor em deixar aquele trecho num suposto negrito era evidente, mas a letra fina tornava óbvio que a tentativa não fora tão bem-sucedida quanto o desejado – que dizia: “PROCURA-SE”. Procura-se? Pelo quê? Por quem? Por que não havia outra palavra em destaque? Se era um cartaz de busca, por que não havia uma foto do procurado? E, se fosse realmente um cartaz de busca, por que estaria pendurado de um dos prédios mais afastados do campus?

Aquele mistério, além da determinação imprevisível e acidental da folha, despertara o interesse do rapaz. Ele, decidido, procurou atravessar a multidão encolhida no corredor como uma lata de sardinhas, mas não tinha sucesso; ninguém estava disposto a se mover nem mesmo um milímetro, com medo de se molhar. Suspirou resignado, tentando usar seu corpo para atravessar o mar de pessoas, mas a muralha de cidadãos o impedia com afinco desnecessário.

Sua chance chegara como um trovão. Literalmente.

Grande parte dos estudantes se encolheu com o som ensurdecedor, e o herói, no meio do campo de guerra, ignorou o som irritante que zumbia em seus ouvidos após a granada inimiga natural. Bravamente, ele espremeu-se o máximo que pôde entre os corpos miúdos e marchou em direção à parede, antes que seu ínfimo momento de sorte se desfizesse.

Chegou até o quadro de avisos bem quando os alunos voltavam a sua posição normal, com lágrimas nos olhos e a mão no coração. Levantou os olhos e leu mentalmente, com a velocidade voraz com que costumava ler seus livros:

“PROCURA-SE

Participantes para o quase finado clube de literatura. Encontros semanais para promover a leitura de novos contos sugeridos pelos membros, que podem dividir seus pensamentos, lamúrias e emoções com os demais.

Vá até a secretaria se inscrever. Não prive outros leitores ávidos de uma boa aventura; talvez isso mude a vida deles, ou mesmo a sua”.

Repentinamente sentiu-se consciente do peso do seu livro favorito em sua mochila, que havia terminado de reler mais cedo daquele mesmo dia. Sorriu não muito grande, sem sequer mostrar os dentes, porém com satisfação verdadeira. Havia desistido de buscar um clube que combinava consigo, e o achara quando não estava mais procurando. Iria procurar se inscrever o mais cedo possível!...

...No dia seguinte. Não trouxera seu guarda-chuva, e também não tinha um carro para ter um motivo para se aventurar naquele temporal.