Depois que fui embora escrita por deadlikeme


Capítulo 6
Capítulo 6




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— Vou ter alguma chance de te encontrar novamente, ou depois de nossa doce conversa, isso é inimaginável?

Afonso perguntou na porta assim que a abrira e saíra ainda em silêncio. Eu segurava a maçaneta ainda sentindo-me uma inútil que nem sequer conseguia manter uma conversa amigável sem ofensas ao próximo. Afonso estava no corredor já fora do apartamento, e eu de meias em meu chão de madeira. Me apoiava em apenas um pé enquanto coçava o tornozelo com o outro. Estava com frio e cansada depois daquela noite em que precisei falar em público e responder perguntas de pessoas importantes.

— Você ainda quer me encontrar mais alguma vez?

Perguntei surpresa, não esperava que depois daquela troca de fagulhas na cozinha, poderíamos dar certo de alguma forma em qualquer outro dia. O ouvi rir pelo nariz. Levantei o olhar sem sorrir.

— Você não é como todas as outras garotas com quem costumo sair, como diz.

Revirei os olhos impaciente e ele continuou, ainda com o sorriso insolente.

— Posso te pegar amanhã às sete?

Encolhi os ombros enquanto sorria olhando para baixo. Afonso riu.

— Tem certeza disso? - Fiz uma careta. - Em uma única noite eu fiz dois strikes, não se esqueça disso.

Afonso gargalhou, deixando todo aquele seu olhar de magoado para trás. Consegui respirar mais calma dessa vez.

— Sim, eu insisto.

Seus olhos também sorriam com seus lábios vermelhos. 

— Tudo bem então.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas, mostrei a intenção de que fecharia a porta tentando não ser estúpida ou grossa, mas antes que eu esperasse, Afonso voltou ao apartamento dando um passo em minha direção, puxou minha cintura rapidamente e antes que eu pudesse reagir, ele bateu seus lábios nos meus, os grudando. Continuei com meus olhos abertos um tanto assustada e sem reação. Afonso ainda puxou-me mais contra ele, mas não pediu para aprofundar o beijo. Ele se afastou ainda agarrando minha cintura. 

— O que foi isso?

Sussurrei com seu rosto muito próximo do meu e minhas mãos sobre seu peitoral. Ele riu pelo nariz soltando um pouco minha cintura. Se inclinou até alcançar minha orelha. Senti seu lábio tocar meu lóbulo. Seu perfume invadia minhas narinas. Mordi meu lábio de baixo.

— Beijo de boa noite.

Ele sussurrou de volta com sua voz grossa me fazendo arrepiar por inteira e o empurrar.

— Eu disse que não sou como...

— Eu sei, eu sei. Você não é como todas as outras com quem costumo sair. Isso eu vejo. Com qualquer outra, eu já estaria na cama.

Eu sorri.

— Mas você disse que não era daquele tipo que ia com qualquer uma, toda noite para cama.

O rapaz se afastou pelo corredor, com sua pose imponente, ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e caminhou lentamente enquanto se afastava e falou mais alto.

— Foi uma situação hipotética apenas.

Continuei parada a porta tentando entender o que tudo aquilo significava. Afonso se virou tirando sua mão do bolso e tocando no corrimão da escada. Ele percebeu que eu continuava ali. Deu uma piscadela e um sorriso de canto daquele jeito provocante dele. Revirei os olhos enquanto ele continuava parado sem descer as escadas, apenas me olhando. Comecei a fechar a porta. Afonso riu e voltou a fazer seu caminho para ir embora. 

Encostei minha cabeça na porta, suspirei sentindo-me nervosa e estranhamente feliz. Revirei-me na cama sem conseguir dormir a noite inteira. O dia seguinte seria um sábado, isso significa que eu não precisaria trabalhar, e aquilo deveria me tranquilizar, mas o "encontro" com Afonso que só seria a noite, já me deixava tensa. Como sempre, eu sofria por antecedência.

Na manhã seguinte fiquei o dia inteiro sem conseguir me concentrar em alguma coisa. Tinha fotos para escolher, editar e cropar, mas quem disse que consegui fazer? Ruía a unha, comia sem parar, ficava mordendo a parte de dentro da boca. Falei com meus pais que passeariam pela cidade enquanto eu usava a desculpa que estava trabalhando muito e depois à noite os veria.

— Que saco, Clara! Vê se cresce. É só um cara qualquer. 

Mas as sete horas chegou. Havia me distraído tanto, e finalmente, que não vi a hora passar e simplesmente não havia me arrumado.

— Que droga!

Larguei o livro em cima do sofá e corri para o quarto. Vesti a calça jeans. A campainha tocou. Corri até a porta.

— Oi.

Falei assim que a abri e encontrei-o parado em minha frente, com uma camiseta lisa branca e uma calça preta. A camiseta marcava seus músculos naturais.

— Oi.

Ele respondeu com um sorriso.

— Eu estou atrasada, não me vesti ainda. Entra.

Apontei para dentro de casa dando passagem para ele. Afonso puxou minha cintura, mas coloquei minhas duas mãos em seu peito.

— Epa. Espera aí.

Resmunguei com ele extremamente perto de mim. Parecendo surpreso, Afonso levantou as sobrancelhas e deixou sua boca aberta.

— Se você acha que pode sair me beijando assim a qualquer hora que quiser, você está muito enganado, ok?

Dei alguns tapinhas em seu peito. Ele riu.

— Sim senhorita. Mas eu só iria te dar um abraço.

Cerrei meus olhos e o afastei.

— Vai nessa.

Voltei meu caminho para o quarto e fechei a porta procurando uma camiseta qualquer e uma calça jeans para vestir. Arrumei meu cabelo bagunçado da melhor forma que pude. Saí do quarto vendo Afonso sentado em meu sofá com a perna cruzada olhando em minha direção.

— Pronto.

Respondi pegando meu celular de cima da estante. Afonso se levantou e passando por mim sussurrou em minha orelha, me fazendo arrepiar de novo.

— Está linda.

Ele percebeu meu nervosismo e enquanto caminhava em direção a porta jogando a chave do carro para cima, apenas riu dizendo:

— E não precisa ficar tímida perto de mim.

Revirei os olhos e corri para fora da casa, trancando a porta e o seguindo, já que Afonso já descia as escadas me deixando para trás.

— Que tipo de homem chama uma garota pra sair e sai andando na frente dela sem nem esperar?

Reclamei alto o bastante para que ele ouvisse, enquanto descia as escadas com passos rápidos e ao mesmo tempo segurava no corrimão com medo de cair. Afonso parou na escada, me olhou e estendeu a mão.

— Madame.

Ele falou com tom de deboche. Passei por ele sem aceitar sua mão.

— Não preciso disso.

O ouvi rindo atrás de mim enquanto me seguia.

— Sim senhorita.

Afonso explicou dentro do carro que estava em Nova York à alguns meses e tinha alugado aquele carro assim que seu avô disse que iria vir para a cidade para ficar mais fácil a locomoção para onde seu avô queria ir, já que como dizia ele: “apenas sirvo de chofer para ele”.

— E ele sabe dirigir, mas por eu ter a documentação daqui, ele me faz leva-lo para todos os lados.

Resmungou depois de explicar-me que morava na França mas estava resolvendo alguns negócios em Nova York.

— Então você mora mesmo em Paris desde que nasceu?

Perguntei realmente curiosa. Afonso olhou para os dois lados do cruzamento, saindo da minha rua, e acelerou o carro.

— Sim, sou parisiense. Mas conheço o Brasil, passei um tempo lá assim que terminei o ensino médio, com meus avós quando eles decidiram voltar para a fazenda deles.

Levantei as sobrancelhas.

— Nossa, que bom.

Ele balançou a cabeça concordando.

— Também estagiei aqui durante um tempo.

Franzi as sobrancelhas.

— Aqui em Nova York?

Ele concordou ainda atento a estrada.

— Sim. Eu havia ganho uma bolsa para estágio de um professor meu lá da universidade, então vim para cá e fiquei em um estágio de seis meses.

Uma pessoa vivida. Pensei enquanto o observava. Ficamos em silêncio enquanto eu olhava pela janela.

— E agora você está aqui fazendo o que?

— Minha avó está com negócios com o MoMA, eu estou fazendo alguns projetos para o museu, projetos de reforma e novas construções.

Balancei a cabeça concordando, sem saber mais o que dizer, ele parecia tão jovem e tão experiente e responsável. Afonso se curvou sobre o volante, olhando para fora como se procurasse por alguma rua.

— Você está perdido?

Perguntei na terceira vez que ele fez isso.

— Não.

Respondeu rápido, ainda atento à rua.

— Tem certeza?

Tive vontade de rir. Eu tinha certeza que ele estava perdido. Afonso me encarou e freou o carro em frente a um restaurante.

— Absoluta.

Ele levantou uma sobrancelha e sorriu de lado, vitorioso. Revirei os olhos. Ele desligou o carro e descemos indo em direção a um pequeno lugar de janelas de vidro tomando grande parte da fachada, uma luz amarelada vinda de dentro com toldos verdes escritos: Veselka. Veselka? Encarei Afonso que estava parado ao meu lado também encarando o nome, parecendo tão confuso quanto eu. Ele me olhou e mostrou um sorriso.

— Vamos?

Estendeu a mão abrindo a porta para que eu entrasse. O local amarelado por conta de sua luz incandescente, tinha um ar abafado e gentil. Aquele restaurante parecia maior por dentro.

— Olá, gostariam de escolher uma mesa? Aqui estão os cardápios. Sejam bem vindos.

A atendente estendeu a mão para as mesas vazias, sorrindo simpaticamente. Haviam três casais no local, espalhados por todo o salão. Afonso tocou na parte de baixo de minhas costas, calmamente, para que eu fosse à frente. Segui até escolher a mesa de minha preferência. Afonso caminhou até o lado para puxar minha cadeira. Franzi as sobrancelhas o encarando.

— O que foi?

Ele perguntou.

— Não precisa disso.

Sussurrei em sua direção. Afonso abaixou o olhar para a cadeira em que tocava e depois para mim.

— Da cadeira? - Concordei rapidamente. - Mas qual o problema de eu puxar a cadeira pra você?

Ele perguntou ainda em voz baixa. Olhei em volta, a atendente já não estava perto de nós.

— Nenhum, é só que... - Cocei a nuca. - Me deixa sentar, vai.

Me enfiei entre ele e a mesa e puxei a cadeira onde me sentaria. Afonso sentou-se em minha frente me encarando com aquele sorriso de sempre.

— Então a madame não gosta que alguém puxe sua cadeira para se sentar?

Revirei os olhos enquanto ele apoiava os braços sobre a mesa, me encarando e segurando suas próprias mãos. Dei de ombros.

— Eu só não acho algo necessário. Mas obrigada pela intenção.

O lugar era, de certa forma, silencioso, com apenas alguns murmúrios daqueles outros clientes a nossa volta. Havia um casal com uma garotinha de mais ou menos três anos, sentada em uma cadeirinha para bebês que o restaurante oferecia, enquanto balançava os pezinhos.

— Nenhum homem nunca puxou a cadeira para que você sentasse?

Afonso perguntou me fazendo parar de olhar para a garotinha e o casal feliz. Seria uma humilhação lhe falar que só tive um namorado em toda a minha vida? Na realidade, eu não precisava citar o nome de Marcelo, não é? E nem especificar a quantidade.

— Como eu disse, nunca me importei com isso. Acho que posso puxar minha cadeira sozinha.

Retruquei com minha grosseria habitual, esquecendo que poderia e deveria ser um pouco mais educada com ele. Afonso riu. Continuei de cara fechada o encarando, a atendente se aproximou.

— Já escolheram? Gostariam de fazer o pedido?

Ela sorriu.

— Ahn desculpe, eu nem cheguei a ver o cardápio.

Resmunguei voltando minha atenção ao cardápio.

— Eu também não vi ainda. - Afonso respondeu. - Mas pode nos trazer alguma de suas entradas, então? Seria ótimo.

A moça concordou e se retirou ainda sorrindo. Abaixei meu cardápio sobre a mesa e o encarei.

— O que é isso aqui?

Perguntei com os olhos arregalados. Os nomes dos pratos no cardápio verde, estavam praticamente em grego para mim.

— O que?

Afonso ainda olhava o cardápio, levantado em minha frente.

— Esse lugar. Já viu os nomes dos pratos no cardápio? Sabe o que é isso? Onde estamos? Os pratos estão escritos em outra língua, e não são nomes nem ingleses, nem italianos, nem mexicanos e nem franceses. Como vou comer uma comida que nem sei pronunciar o nome?

Eu falava sem parar, mais uma vez. Afonso mordeu a parte de dentro da boca e ainda não havia me olhado e nem abaixado o cardápio completamente, eu apenas podia ver parte de seu rosto. Estiquei minha mão e abaixei a prancheta verde em sua mão, ele finalmente levantou o olhar parecendo culpado. Cerrei meus olhos.

— Você também nem sabe que restaurante é esse, não é?

Falei baixo apenas para ele em minha frente me ouvir. Afonso olhou para o lado, ainda com seus olhos azuis mais abertos que o normal.

— E você só parou aqui para mostrar que não estava perdido, não foi?

Curvei-me mais para frente, apoiando o braço na mesa. Afonso deixou sua boca abrir como um O e logo depois fechar, sem resposta. A garçonete voltou para nossa mesa e nos serviu um prato com umas três pequenas massas dobradas e bronzeadas, como uma fogazza, com alguns filetes de salsa sobre eles.

— Aqui está. Já escolheram o que irão pedir?

Ela sorriu novamente preparando seu caderno de anotar pedidos. Mordi a parte de baixo de minha boca, e olhei novamente o cardápio.

— Você pode me dizer do que esse Creamy Cucumber é feito?

Perguntei apontando para o cardápio.

— Ah, é uma deliciosa salada de creme com tomate, pepino, e se quiser acrescentamos macarrão.

Ela explicou. Concordei levemente com a cabeça.

— Então pode ser uma dessa e um suco de laranja. Vocês têm suco de laranja aqui, né?

Perguntei assustada. A moça riu.

— Sim sim, temos. E pro senhor?

— Hum... - Afonso ainda olhava para o cardápio. - Um Haluski e um suco de laranja também. Obrigado.

Ela concordou e se afastou rapidamente.

— Você nem sabe o que é Haluski!

Afirmei apoiando o queixo em minha mão fechada, pronta para rir e dizer “nessa escola que você está cursando querido, eu já me formei!”. Afonso fechou o sorriso para mim, se recostou na cadeira, cruzou os braços sobre o peito e apertou os lábios vermelhos.

— Você é chata, ein?

Um sorriso surgiu em meus lábios.

— Você que me chamou pra sair.

Ele deu de ombros e se aproximou estentendo as mãos sobre a mesa em direção à minha mão direita, estendida sobre a mesma, para tocá-la.

— E não me arrependo.

Tentei conter um sorriso que eu soube que começava a surgir em meus lábios. Ele segurou minha mão.

— Admita que estava perdido, errou o caminho e entrou aqui só pra dizer que venceu.

Resmunguei ignorando sua resposta anterior. Afonso revirou os olhos.

— Eu admito. Está feliz agora?

Meu sorriso contido agora apareceu.

— Muito. Obrigada por isso.

Afonso também sorriu e disse:

— Você é inacreditável.


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