Potestatem escrita por V M Muniz, Batman


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui estamos nós com o primeiro capítulo de Potestatem. Estamos, oficialmente, iniciando essa jornada. Espero que vocês me acompanhem até o final! Já deram uma olhada na nova sinopse? Ficou uma maravilha, né? Eu adorei! ♥ Obrigada, Cat, mais uma vez ♥



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            Ninguém se preocupou quando a voz alta de Madame Peah gritou pelo castelo, chamando pela princesa Reya, logo nas primeiras horas da manhã. A mulher robusta e baixa corria pelos longos corredores, segurando as saias de seu vestido simples e procurando, de porta em porta, pela princesa fugitiva.

            Era assim todos os dias. E, sem surpresa alguma, olhando pela janela do castelo, a dama de companhia viu a princesa vestida com algumas partes de sua armadura e duelando com Lorde Mornhes, filho do Duque de Angrand. A senhora gemeu, vendo o vestido azul, lindo, que tinha separado para a princesa usar, com as barras sujas de lama.

            Negando com a cabeça, num gesto claro de desgosto, Peah continuou a andar. Que a princesa ficasse rolando pela lama como um menino, então, se é o que ela quer. A dama bufou, rumando para a cozinha, onde veria como estava o andamento do almoço real.

            No pátio, Reya observava Mornhes com um sorriso de escárnio no rosto. O lorde era lento e estava começando a ficar cansado, o que era uma grande vantagem para a princesa. Segurou no cabo de sua espada com mais força, ajeitando o escudo que ostentava um leão dourado, símbolo de sua família, e correu para o ataque. Desferiu um golpe nas pernas de Mornhes, do lado direito. O homem tentou se defender com o escudo, mas acabou pendendo para o lado com o golpe. De última hora, conseguiu apoiar-se e não cair, revidando o ataque.

            Reya se esquivou, e, com ataques seguidos, finalmente deixou Mornhes no chão, com a ponta de sua espada em sua garganta e um filete de sangue na sobrancelha do lorde.

            — Você está cada vez mais lento, amigo. Será a idade finalmente o pegando? — a princesa caçoou, afastando sua espada do pescoço do homem e lhe dando a mão para ajudá-lo a se levantar.

            — Tenho apenas trinta anos, Reya. Não sou um velho com suas capacidades corroídas pela idade — falou com um tanto de dificuldade, pondo-se em pé e ajeitando seu gibão de cor escura.

            — Está quase lá, companheiro. Mais uns dois anos e aposto que precisará de uma bengala para manter-se em pé. — Retirou a cota de malha que usava e a segurou, começando a caminhar para dentro do castelo.

            — Não fique se gabando de seus meros vinte anos, minha amiga. O tempo está correndo e não é para trás.

            — O tempo corre para todos, Morn, e eu não o temo. Temo morrer sem ter aproveitado a vida. Você não tem medo? — Ela olhou rapidamente na direção do homem, mas logo seu olhar voltou-se para frente. — A espada do inimigo atravessa seu peito, o último rosto que você pode observar é o do responsável por seu corpo cair sem vida. No tempo que ainda tem consciente, tudo o que fez em sua vida passa em sua mente. Cada ação, cada palavra dita. E no final, quando te resta segundos para viver, você chega à conclusão de que não fez nada. E seus olhos fecham, seu coração para, e você tem a certeza de que não viveu o suficiente. E que não tem um legado para deixar.

            O homem permaneceu em silêncio e logo já estavam dentro do castelo, caminhando pelos corredores iluminados pela luz do sol. Limpou a garganta e disse, desgostoso:

            — Cruzes, Reya, estamos mesmo falando de morte no seu aniversário? É melhor pararmos. Quem muito atenta, acaba recebendo o que quer. Sou muito jovem para morrer, mal noivei e você já quer me arrastar para a cova?

            A risada estrondosa da princesa encheu o ambiente silencioso.

            — Pare de ser uma mocinha assustada, Lorde Mornhes!

            — Pare de ser uma cretina sem coração, Princesa Reya! — ele devolveu, divertido.

            A garota parou de andar e virou-se para o amigo, olhando os cabelos loiros na altura dos ombros bagunçados e sujos de grama. Os olhos verdes dele a encararam, confusos.

Em sua adolescência, era óbvio que Reya nutriu, por um bom tempo, uma paixonite pelo Lorde. Era um garoto alto, troncudo e bonito e, além de aparência, ele a tratava muito bem, não ligando para títulos ou por ela ser uma garota que gostava de lutar e cavalgar, ou por ela usar calças, no lugar de vestidos de panos ricos e caros.

            Mas, graças aos deuses, Reya tocou-se de que Mornhes era apenas um bom amigo, seu melhor amigo. E que continuariam assim pelos anos seguintes.

            — Fico feliz por seu noivado, Morn. Dralgriella é uma garota maravilhosa e ela te merece.

            — Obrigado, Reya. Você não sabe o quanto fico feliz ao ouvir isso. — Ele a abraçou e apoiou o queixo na cabeça dela, um sorriso suave nos lábios. — Mas, agora vamos. Se Peah te ver com o vestido todo sujo de lama, é capaz de ela ter um ataque.

            Reya riu e continuaram a andar, lado a lado.

            A princesa encarou seu reflexo no grande espelho de corpo inteiro que tinha em seu quarto, ornamentado com arabescos dourados e pequenas joias cintilantes, que brilhavam com a luz das lamparinas. Seus olhos azuis encaravam-na de volta, receosos pela grande festa que estava ocorrendo no castelo do reino de Guthbeorth, em homenagem aos seus vinte anos.

Reya tentara de todas as maneiras se esquecer de que era seu aniversário e continuou com suas tarefas reais pelo resto do dia. Depois do treino de espadas com o lorde, trocou-se e trancou-se no escritório do pai, estudando diplomacia e táticas de batalha, como gostava de fazer sempre que podia. Durante a tarde, ela e seu pai, o Rei Kilian, foram visitar o túmulo de sua mãe no cemitério real e deixaram flores para a falecida rainha.

Aquele era o motivo da princesa não querer comemorar seu aniversário: porque além de ser o dia  de seu nascimento, também era o dia que o reino ficava em luto pela perda da rainha Theadael.

            Suspirou, olhando o retrato que tinha de sua mãe, reconhecendo as semelhanças que herdara de sua progenitora. Os grandes olhos azuis, a pele pálida, o cabelo tão negro quanto o céu noturno...

            Duas batidas na madeira chamaram sua atenção, e seus olhos desviaram-se em direção à porta, que estava entreaberta, revelando o rosto jovial, mas cansado, de seu pai.

            — Entre, por favor — ela disse, suavemente.

            O homem entrou, com sua pose altiva e soberana, e observou sua amada filha. Os olhos escuros a olhavam com amor e devoção, e ele sorriu.

            — Esse vestido lhe caiu bem, minha filha. Está encantadora, como sempre.

            — Obrigada, papai. — Ela sorriu, voltando-se para o espelho e vendo o vestido verde esmeralda que Madame Peah separou especialmente para ela usar no jantar da noite. Ele era longo e arrastava-se no chão, o decote quadrado mostrava sua pele alva e delicada como porcelana e um colar simples, mas bonito, enfeitava seu colo.

            Olhou para a faixa dourada que havia em sua cintura e caía ao longo do vestido, assim como as faixas douradas na altura de seu cotovelo, que antecediam as mangas longas e abertas.

            — Aqui, deixe-me ajudá-la. — O rei andou até a pequena almofada que havia na penteadeira da princesa e pegou com as duas mãos a tiara simples de ouro branco encrustada de diamantes.

            Reya virou-se para seu pai e curvou-se, logo sentindo o peso leve em sua cabeça e, assim que a tiara já estava ajeitada em seu devido lugar, levantou-se.

            — Obrigada, papai — agradeceu, abrindo um sorriso de lado.

            A mão do rei subiu até seu rosto, acariciando com carinho a pele macia da filha, e falou, em tom baixo:

            — Gosto de vê-la vestida desse jeito. Às vezes culpo-me por tê-la criado como um garoto, trocando todos os ensinamentos femininos por táticas de batalha, a como usar espadas e cavalgar.  Teria eu criado um varão ao invés de uma princesa?

            — O senhor criou uma garota forte, papai, não uma garota de porcelana, que precisaria de um cavaleiro de armadura montado num cavalo branco para se proteger. — Ela abriu um sorriso grande. — Eu sou o meu cavaleiro de armadura, papai. E monto um garanhão negro.

            O pai riu e a abraçou, seu peito inflando-se de orgulho da filha.

            — Certo, Sr. Cavaleiro de armadura. Vamos para sua festa?

            — Já que não tenho outra escolha... — Ela deu de ombros, enganchando seu braço ao do pai e saindo de seu quarto.

            Caminharam em silêncio até as escadas que davam para o grande salão de festas, onde uma banda tocava músicas alegres para nobres e camponeses dançarem. Esta era uma qualidade do Grande Rei Kilian: uma festa dada ao palácio era motivo para todo o reino festejar, não importando-se com status ou a falta dele.

            — Recebam o magnífico rei Kilian e sua filha, a princesa Reya! — os dois foram anunciados assim que apareceram no topo da grande escada.

            O povo sorriu, animado, e curvou-se, fazendo reverências para os nobres. Reya entortou o lábio em desgosto, nunca gostara de ter ninguém curvando-se para ela, nem a chamando de minha senhora ou pelo seu título real. Rei Kilian sorriu, sabendo do desconforto da filha, e assentiu minimamente para começarem a descer os degraus, cobertos por um tapete vermelho, ricamente bordado nas bordas com fios de ouro, dando um charme nobre para a peça.

            Quando enfim chegaram ao final da escada, o rei pediu gentilmente para todos se levantaram e continuarem a festejar. Antes do jantar, Peah — que apesar de ser a dama de companhia também era uma espécie de governanta, cuidando de assuntos do castelo — achou melhor fazer um pequeno baile, com alguns petiscos para abrir a fome e alguns músicos para alegrar o povo.

            Reya seguiu seu pai até o trono, sentando-se na poltrona ricamente decorada posta no lado direito de seu pai. Observou a todos com pouco interesse, seus olhos vagando pelo local sem realmente prestar atenção nas coisas.

            Um a um, os cidadãos de Guthbeorth e alguns nobres vindos de outros reinos vieram prestar suas felicitações à princesa. Reya agradeceu polidamente cada um, usando da boa educação que recebera e sorrindo para todos, com classe.

            Mas, ao ver Lorde Cenneon, das Ilhas ao Sul, aproximar-se, Reya levantou-se num impulso e virou-se para o pai, fazendo uma mesura e dizendo:

            — Minha boca está seca, papai, irei buscar algo para beber. E também tentarei encontrar Morn e sua noiva.

            O rei, mesmo não gostando de ver sua filha fugir do homem que estava disposto a pedir a mão dela em casamento, assentiu e viu-a partir rapidamente, logo tendo que lidar com a presença do lorde.

            — Lorde Cenneon! Como vai?

            O homem de cabelos ruivos e olhos tão escuros, que pareciam pretos, curvou-se em uma reverência e saudou o rei:

            — Salve Rei Kilian! Folgo em vê-lo em tão ótima saúde.

            Dando uma rápida olhada na direção do pai, Reya suspirou, aliviada e alegre, por ver o rei entretendo Cenneon – na verdade, enrolando – para que ela pudesse ficar longe da presença do lorde.

            O pequeno baile findou-se e todos se reuniram na grande mesa real, onde seria servido o jantar. Kilian ficou na cabeceira, com sua filha ao lado e, vendo todos acomodados, ele levantou-se, chamando a atenção do povo:

            — Primeiramente, obrigado a todos por terem comparecido ao vigésimo aniversário de minha única e amada filha. É uma honra tê-los em meu castelo mais uma vez e espero que possamos continuar a fazer isso através dos anos, em uma aliança sólida e duradoura! — Todos ergueram suas taças de vinho, saudando o rei e apoiando seu discurso.

            — Belo discurso — Reya falou, dando um sorriso zombeteiro. — Um jantar em honra ao meu aniversário, que é apenas uma fachada para reafirmar antigas alianças. Matou dois coelhos com uma cajadada só, Rei Kilian.

            O rei riu, levando a taça aos lábios e sorvendo um gole do vinho.

            — Um bom rei sabe aproveitar as oportunidades, querida.

            O resto da noite passou como um borrão para Reya, que nem prestou atenção em nada e tentou, ao máximo, manter-se longe dos olhares do povo. Quando enfim a festa acabou, a princesa se recolheu para seu quarto.

            Queria com todas as forças de seu corpo ter uma noite de sono tranquila, diferente de todas as outras que havia tendo ao longo do mês. Mas, infelizmente, não foi isso que ela teve.

            Ela estava numa caverna, imunda e mal cheirosa. Podia ouvir os ruídos de pequenos animais noturnos. Morcegos, talvez. Sua respiração estava descompassada, seu coração batia forte em seu peito e a sensação de estar sendo observada causava-lhe calafrios, fazendo-a olhar para todas as direções, em busca de algo para se proteger.

            Viu algo brilhar logo à frente e deu um passo na direção do objeto, mas o barulho de seu pé pisando em algo duro a fez olhar para o chão. Ossos, de variados tamanhos, de animais, humanos...

            Levou a mão à boca, abafando um grito de pavor involuntário. Correu em direção ao objeto brilhante e viu uma espada. Pegou-a, segurando-a com as duas mãos e virando para os lados, em proteção e cuidado.

            — Não tem como fugir do destino, princesa... — uma voz sibilante sussurrou ao fundo, seguindo de ecos e os guinchos dos morcegos, que saíram voando para fora do local.

            — Quem é você? Diga seu nome! — ela gritou, ordenando.

            A voz riu macabra.

            — Eu tenho muitos nomes, princesa. Em muitas línguas, com muitos significados. Eu sou mais de um, eu sou toda uma raça... — Ouviu um arrastar de pés do lado direito e virou-se, apontando a espada. Da escuridão, um corpo alto e esguio surgiu. A pele pálida e enrugada, corroída pelo tempo. Vestido em trapos velhos escuros que arrastavam-se pelo chão, enquanto com passos lentos ia em direção à princesa. Reya deu um passo para trás, brandindo sua espada, e os olhos vermelhos de seu predador brilharam no escuro, com diversão. — Apesar de sangue bruxo correr por suas veias, você é tão pateticamente humana quanto seu pai. — Ele riu, suas unhas grandes deslizando pela espada da garota. — Eu sou Hungrat, o Sugador das Sombras, princesa. E estou aqui para cobrar uma dívida antiga.

            E em um movimento, a espada fora jogada para longe e suas mãos frias e mortas foram ao pescoço de Reya, apertando-o.

            — Eu concedi um pedido a sua mãe, mas nada é de graça, Reya Theonan. Principalmente a vida.

            E Reya acordou, suada e assustada, com um grito de terror preso em sua garganta.


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Notas finais do capítulo

♛ Capítulo betado por Glenda Cortelletti.



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