Piper McLean

1º de Setembro de 2024

O fim de semana havia passado e eu não conseguia tirar o encontro de sábado da minha cabeça e o quão burra eu fui em mentir para Jason. O que diabos estava passando na minha cabeça?

Ontem deixei o Theo com meu pai e falei que tinha algumas coisas para resolver do trabalho, porém eu só precisava espairecer minha cabeça e ficar um pouco sozinha. Estava em meu escritório na agência quando sou tirada dos meus pensamentos quando alguém abre bruscamente a porta, vejo uma cabeleira cacheada avançar por cima da minha mesa após fechar a porta e me encarar, e digamos que não era um olhar amistoso.

— Eu juro que só não te mato porque você ainda é minha chefe – Hazel diz se sentando na cadeira a minha frente – E não me olhe como se não soubesse do que estou falando. Você mentiu para o Jason? – Suspirei e relaxei na minha cadeira desviando do seu olhar.

— Eu... eu não sei o que me deu, eu apenas soltei a mentira – digo e sinto seus olhos me acusando – E você sabe que eu poderia muito bem te demitir só pelo fato de você entrar assim na minha sala, não é Levesque?

— Sou sua estagiária mais competente aqui e você sabe disso – ela diz dando de ombros – E você foi uma covarde, agora qualquer chance de perdão que ele poderia te dar você perdeu.

— Eu sei Hazel, tive o domingo inteiro pra pensar nisso. Mas agora já fiz a merda, não quero mexer mais nisso – digo e ela abre um sorriso acolhedor para mim.

— Você é mais trouxa do que eu imaginava, McLean – ela diz me fazendo rir – Seja qual merda você tenha feito, a gente está aqui por você.

— Eu sei, amo vocês por isso – digo sorrindo pra ela – Agora você não tem mais o que fazer não? A propaganda da marca da minha mãe é pra ser entregue para a diretoria até sexta.

— Sou mais rápida que isso, deixei pronto sexta passada, está nas suas pastas para você revisar – Ela diz apontando para a pilha de trabalhos ao canto de minha mesa.

— Ás vezes eu te odeio por ser mais eficiente que os outros – digo e ela ri – Se eu souber que você falou isso fora daqui, eu mando você pro setor de cópia.

— Tudo bem – ela diz se levantando – Tenho mais o que fazer como servir café para os outros.

Ela sai da minha sala rindo e eu a encaro pela parede de vidro enquanto ela conversava com alguém do setor de design. Hazel era dois anos mais nova que todo mundo e mesmo assim parecia muito mais velha. Ela tinha tanta maturidade para lidar com tudo, mais do que qualquer um do grupo. Nós a conhecemos por conta de Nico, que é seu irmão, e desde então ela se aproximou muito de nós e assim ficou.

Quando me formei resolvi abrir minha agência de publicidade por minha própria conta, mesmo com Theo pequeno, meus pais me ajudaram financeiramente, e desde então a empresa cresceu e hoje eu posso dizer que consigo viver sossegada com meu dinheiro que vem da agência. Quando Hazel entrou na faculdade a chamei para estagiar na empresa, e está faz dois anos assim até o contrato acabar, final deste ano. E como não sou burra nem nada óbvio que irei contrata-lá. Porém, ela alcançou tudo por mérito próprio.

Volto para meus pensamentos pela primeira vez no dia para o meu trabalho, afinal nem só de pão vive o homem. Após algumas horas assinando documentos, recebendo outros projetos e marcando reuniões percebo que deu o horário do meu almoço. Encontro com Hazel que me esperava em sua mesa e nos direcionamos para o restaurante do outro lado da rua, entramos conversando sobre assuntos muito sérios, como por exemplo: guacamole deveria ou não existir.

Ao entrar paro no lugar e Hazel acompanha meu olhar até a mesa do canto. Jason está sentado junto de uma mulher de cabelos castanhos escuros e comprido, porém só consigo avistar isso. Ele sorri para ela, porém quando seu olhar se direciona para a porta seu sorriso se alarga.

— Isso é um sinal do destino de que mentira tem perna curta, acredite no que estou falando – Hazel sussurra em meu ouvido e sorri para Jason acenando. Ele se levanta e vem nos cumprimentar – Ah, meu Deus, que saudades.

— Digo o mesmo, mas não foi por falta de convite que você não foi me visitar – ele diz a abraçando e ela sorri envergonhada, ele me olha ainda sorrindo e eu retribuo.

— Quanto tempo, Grace – digo irônica enquanto o abraço e ele ri.

— Quanto tempo, McLean – ele se separa e me encara, desvio o olhar para o garçom que está vindo em nossa direção – O que estão fazendo aqui?

— Horário de almoço, trabalhamos ali do outro lado – Hazel diz apontando para o prédio da agência – Sou estagiária da Piper.

— Leo me contou que você é dona da agência de publicidade, cresceu rápido – Jason diz me parabenizando.

— Lábia boa – Dou de ombros – Hm, a gente devia ir Hazel, não queremos atrapalhar seu almoço.

Percebo que em meu tom tem um pouco de ciúmes e me repreendo na hora, ouço Hazel fingir um ataque de tosse para disfarçar uma risada, porém Jason não percebe e dá um sorriso tímido.

— Aquela é Reyna... uma, hum, amiga... da faculdade. Ela se mudou para cá faz uns 2 anos, aí marcamos de nos encontrar – ele diz nervoso desviando o olhar do meu – Bom, acho melhor eu indo, não quero deixar ela plantada esperando a comida esfriar.

— Tudo bem, a gente marca de se ver qualquer dia. Afinal, temos muito o que colocar em dia desde a última vez em que nos falamos – Hazel diz e sorri.

— Pode deixar, quem sabe um encontro a moda antiga – ele sugere sorrindo – E não ache que eu esqueci do nosso café, McLean.

— Eu também não esqueci, me ligue para marcar – digo pegando um guardanapo no balcão e uma caneta em minha bolsa e escrevo meu número, ele se vira em direção à sua mesa e guarda o papel em seu bolso, olho para Hazel que está com um sorriso de canto a canto – Nenhum pio, senão você está despedida.

Ela solta uma risada alta, fazendo alguns clientes nos olharem torto, vamos em direção a uma mesa que não deixava a mesa de Jason em meu campo de visão. Durante o almoço Hazel fazia piadas da minha cara e de Jason. Ignorei boa parte. Voltamos para a agência e seguimos com nossas rotinas normais, ou seja, papeladas e reuniões atrás de papeladas e reuniões.

Vou buscar o Theo na escola ao sair do trabalho. Quando ele entra no carro, vejo que ele está agitado demais, e ele só fica assim quando está curioso por conta de alguma coisa. Dou partida no carro e percebo pelo retrovisor que ele me encarava, abria a boca para falar e depois fechava e balançava a cabeça negativamente, quando ele fez isso pela terceira vez decidi perguntar o que está acontecendo.

— Jogo de perguntas e respostas? – pergunto e ele sorri animado.

— Sim! Eu começo – ele diz se ajeitando na cadeirinha.

— Três perguntas apenas, sem roubar – digo e ele ri.

— Eu sei, mamãe – ele diz e então finge pensar – Essa não vale como pergunta, mas você sempre me disse que minhas tias de verdade eram a Tia Tha e a Tia Si, né?

— Tenho quase certeza que isso é uma pergunta.

— Mamãe!?

— Tá bom, tá bom – digo rindo, porém percebo onde ele quer chegar – Sim, elas são suas tias de verdade.

— Então, para elas serem minhas tias elas tem que ser irmãs dos meus pais – ele diz para si mesmo – Então, se a tia Si é sua irmã e a tia Tha não é... lá vai a primeira pergunta, a tia Tha é irmã do meu pai?

Piso no freio um pouco forte demais, fazendo o carro atrás de mim buzinar. Eu nunca neguei ao Theo que ele “não tinha um pai”, sempre deixei claro que ele tinha e caso quisesse saber sobre Jason, ele poderia me perguntar. Porém, não esperava isso agora.

— Mamãe?

— Sim, filho, seu pai é irmão da tia Thalia – digo um pouco séria, olho pelo retrovisor e parece que ele faz uma anotação mental.

— Hum, interessante – ele diz e eu o olho curiosa.

— Era só isso que você queria saber? – sorrio para ele e ele abre o sorriso banguela.

— Não, mas não sei se estou certo disso – ele diz colocando a mão no queixo, como quem pensa, mania que pegou de Percy – Tá, segunda pergunta, Jason, aquele seu amigo, é meu pai?

Dou graças a Deus que estávamos parados no sinal, pois assim não tinha risco de eu cometer nenhum acidente. Me mexo nervosa no banco e respiro fundo.

— Por que o interesse repentino, filho? – digo e percebo ele cruzar os braços me encarando bravo.

— Você não pode responder uma pergunta com outra pergunta, mamãe, é regra do jogo – ele diz e eu solto uma risada pelo nariz nervosa, por que esse menino tem que ser tão inteligente?

— Sim filho, Jason é seu pai – digo e ele sorri convencido.

— Acabei com minhas perguntas – ele diz e olha pela janela – Sua vez agora.

— Tudo bem – respiro fundo e viro na rua do nosso prédio – Por que esse interesse repentino na história do seu pai?

— Tia Tha falou sábado que... hm, Jason era irmão dela. E hoje na escola a professora passou como era composto nosso paren... paren...

— Parentesco.

— Isso, essa palavra aí, e ela falou de tios e tias e papais e mamães. Aí me lembrei do que você disse e fiquei com essa dúvida na cabeça – ele diz simplesmente e eu sorrio nervosa. Meu Deus, como pode esse menino pode ser tão inteligente com apenas 6 anos.

— Hum, entendi – digo simplesmente – Segunda pergunta então, tem mais alguma coisa que você queira saber?

— Sim, por que eu nunca conheci o papai antes? Ele parece ser bem legal – ele me encara com um olhar interrogativo e até mesmo um pouco triste. Theo nunca teve problemas com o fato de “o pai não ser presente”, afinal ele sempre tivera a mim, mas também meu pai vivia colado nele. Além dos meninos, como Percy, Leo, Frank, Nico e até mesmo o Will. Porém, ele sempre soube que eles não eram seus pais.

— Ele é filho – nesse momento entramos na garagem do prédio e estaciono em minha vaga, me viro para ele e faço um carinho em suas pernas – Só que o papai morava muito longe, e...

— Mamãe – ele me interrompe agora com um olhar mais triste ainda, aquilo quebrou meu coração e eu quase cai no choro ali na frente dele – Ele sabe que é meu pai?

Foi nesse momento que eu senti os muros de vidro de mentiras que construí em todos esses anos se estilhaçando, com apenas uma pergunta. E aquilo doeu, eu sempre imaginei que todas essas mentiras que eu alimentei durante anos fossem para não machucar Jason ou o privar de algo, porém não havia pensado no quanto aquilo magoaria a pessoa que eu mais amava e me importava no mundo. Theo.

— Mam..

— Não filho, ele não sabe que é seu pai – digo baixinho e o vejo engolir o choro. Respiro fundo e saio do carro pegando minha bolsa e a bolsa dele, o tiro do carro e ele me dá a mão em silêncio. Vamos em direção ao elevador, quando entramos sinto uma pequena lágrima escorrer pela minha bochecha e a limpo rapidamente. Chegamos em nosso andar e entramos em casa, fecho a porta e respiro fundo antes de me virar.

— Mamãe, meu pai não sabe que eu sou filho dele por que? – engulo um soluço e sento no sofá com ele em meu colo de costas para mim enquanto o abraço.

— Lembra que a mamãe sempre fala para você não ser egoísta? Que nem tudo pode ser seu? – pergunto e ele confirma com a cabeça e começo a fazer carinho em seu cabelo – Então, a mamãe acabou sendo egoísta, eu estava pensando só em mim. Então, quando você era uma sementinha na barriga da mamãe eu não contei para o papai e deixei ele ir embora sem saber que você era nossa sementinha. Então, o papai não sabe que você é filho dele.

Theo parece assimilar as coisas em sua cabeça e vira para mim, tento limpar as lágrimas o mais rápido possível, porém ele me vê chorando e com suas mãozinhas limpa minha bochecha.

— Mamãe, você tá triste – ele diz enquanto deposita vários beijos em meu rosto e eu abro um pequeno sorriso – Por que você tá triste? Não precisa ficar triste não, mamãe, eu sei que você tá assim porque você foi egoísta, e ser egoísta é ruim, mas eu não to bravo com você.

 - Você é muito pequeno ainda para entender algumas coisas, meu pequeno superman – digo sorrindo para ele que sorri com o apelido – Mas um dia você vai entender que o que a mamãe fez pode deixar muitas pessoas tristes.

— Mas eu ainda vou te amar mesmo assim – ele diz e eu não contenho a lágrimas e sorrio para ele e deposito um beijo em seus cabelos castanhos – Se você não contou para o papai que ele é meu pai, isso é um segredo?

— Sim filho, mas não quer...

— Então eu guardo esse segredo se isso for te fazer feliz – ele diz e eu fico sem reação – Eu só conto quando você contar.

— Filho, mas você não quer que ele saiba que é seu pai? – pergunto ainda sem reação com as palavras dele.

— Quero, ele parece ser legal e parece que seria um pai muito, muito, muito, muito legal, mas como a tia Annie diz “tudo tem uma razão para ser feito” – ele diz dando de ombros – Então, você tem suas razões por não contar para ele sobre isso, e pra mim tá tudo bem.

Olho para ele ainda atônita, enquanto ele brinca com meus cabelos. Ele estava inquieto, mas percebi que ele tinha dado o assunto como encerrado. E deuses, não é atoa que ele pulou um ano logo no ensino fundamental I.

— A mamãe jura, que o mais breve possível, eu vou contar para ele que ele é seu papai, tá bom? Juro de dedinho – eu digo levantando o dedo mínimo e ele me olha incerto, então entrelaça o seu pequeno dedinho no meu.

— O vovô disse que ele é legal, então se o vovô acha ele legal eu também acho – ele diz dando de ombros e sorri.

— Abraço de mamãe urso e ursinho? – digo e ele sorri mais abrindo os bracinhos e me apertando o mais forte que pode, enquanto eu o aperto mais sobre mim, sentindo o cheirinho de shampoo infantil em seus cabelos.

— Mamãe urso forte demais – ouço Theo dizer e solto uma risada o soltando do abraço.

— Você sabe que mamãe sempre vai te amar né?

— Um ursinho fofinho como eu é impossível não amar – ele diz fazendo uma pose e eu dou uma risada.

— Acho que esse ursinho já se achou demais – digo e belisco fraco sua barriga e ele ri – Porém, até os ursos mais fofos tem que tomar banho.