A vida continua. escrita por Hoffnung


Capítulo 16
XVI




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Isso não está acontecendo, é apenas mais um pesadelo. Ele não pode ter me deixando. 

— Daniel? – olhei para o lugar que o tinha visto pela última vez e comecei a passar a mão na cama na intenção de achá-lo – Daniel aparece, isso não é brincadeira que se faça. – olhei em volta no quarto e não vi nenhum sinal dele. – Daniel, aparece por favor! 

Fiquei desesperada, isso é real, ele me abandonou. Ele foi embora. Mais lágrimas começaram a cair do meu rosto só de imaginar continuar minha vida sem ele. Lembrei dos meninos, eles devem estar na edícula e podem me falar para onde ele foi. Abri a porta do meu quarto com pressa e desci a escada quase tropeçando nos degraus. 

Pedrinho estava na cozinha pegando algo para comer quando eu passei correndo por ele. – O que aconteceu? – sua pergunta ficou no ar. 

Parei na frente da porta da edícula me preparando para enfrentar a situação que viria a seguir. Eu suportaria saber a verdade? Meu desespero falou mais alto. Abri a porta devagar e não vi nada tão anormal no cenário. Alguns discos estavam caídos perto da estante e a revista de lógica do Félix estava jogada no chão do lado de umas baquetas quebradas. Estranhei, ele odiava que deixassem suas coisas por aí, sem falar que as baquetas não estavam assim antes. 

— Meninos? – chamei. – Félix? Martim? Vocês estão aí? 

Nada. 

— Gente, aparece por favor, eu preciso de vocês. – gritei. 

— O que foi Julie, por que tá chorando? 

— Pedrinho! Cadê os meninos? – segurei sua camiseta pela gola de modo desesperado. 

— Não sei, eu estava com eles mais cedo, mas eles falaram que iam sair e até agora não voltaram. Por quê? - respondeu assustado. 

— Eles disseram para onde? 

— Não, mas pareciam estar com pressa... pelo menos o Martim já o Félix estava com medo... 

— Por que? – senti mais lágrimas se formando em meus olhos, mas com esforço não deixei elas caírem. 

— Não sei, eles não me disseram. 

— Falaram mais alguma coisa? 

— Algo sobre o Daniel, mas não entendi direito. 

— Droga. – não aguentei mais segurar e todas as lágrimas caíram. 

— Julie... Aconteceu alguma coisa? – Pedrinho fez uma expressão assustada, ele parecia preocupado comigo, mas eu não conseguia mais disfarçar. Olhei em volta da edícula e vi presa à guitarra de Daniel uma carta. Isso me lembrou da última vez que eles me deixaram. Lembrar desse fato me deu uma vaga esperança de que em alguns dias eles possam estar de volta. 

Caminhei até a guitarra com receio e peguei a carta, olhei para meu irmão que me incentivava com os olhos a ler. Mal compreendi as primeiras linhas e o choro foi inevitável. 

 

“Meu amor, 

Se você está lendo isso significa que eu não tive escolhas, que eu não pude cumprir minhas promessas. Peço desculpas por não ser forte o suficiente para conseguir vencer essa batalha. 

Eu fui embora, e sei que você me pediu pra ficar, porque você sempre pedia. E mesmo assim eu fui, te deixei aos prantos, mas eu precisava ser firme, embora eu ainda me sinta fraco, precisei ser forte por nós dois. Eu preciso me reorientar porque para onde estávamos indo era um caminho sem saída, aliás, só tinha uma saída, e nela nós não acabávamos bem. 
Era um caminho tão próximo, mas que me levava tão longe de seu coração... Nós tentamos, mas por mais que tentássemos, por mais amor que existisse, atingimos o limite. Nós depositamos amor onde não deveria existir, mas existiu, e foi lindo. Acredite, nossa história era perfeita, e foi por isso que acabou... Ela era perfeita demais para existir. 
Mas não se preocupe, todo os pedacinhos de amor que você depositou em mim continuarão comigo para sempre, guardados em algum lugar do meu peito bem no meu coração, e você sempre terá seu lugar reservado lá para quando não tiver mais onde voltar. 

Talvez você pense que esse é o fim, mas acredite, enquanto eu ainda conseguir, vou lutar por você. E cada segundo que eu estiver longe, vou pensar em você, no seu abraço, nos seus beijos, no seu cheiro... O quanto eu me sentia amado estando ao seu lado. 

Ah se eu conseguisse descrever o quanto você me fez bem, todo sofrimento que me fez esquecer. 

Nosso tempo foi curto demais, não tive oportunidade de demonstrar todo meu amor, ou de te fazer a garota mais feliz do mundo, mas esse pouco tempo que tivemos foi algo mágico que nem em meus melhores sonhos eu teria a audácia de sonhar, e mesmo que sonhasse, eu nunca esperaria acontecer. 

Sabe Julie, eu nunca acreditei no amor, achava algo estúpido, criação de pessoas com mentes vazias, desocupadas e alienadas. Porém só hoje eu percebo que é exatamente o contrário. Minha mente não está vazia, está cheia, não só ela como aquilo que eu costumava chamar de coração. Você me inundou por completo, e agora, se te tirarem de mim não sobra NADA. 

Uma vez me perguntaram: “Por quanto tempo você esperaria pelo amor da sua vida?”, na época eu apenas ri e não dei importância, e hoje percebo o quão idiota fui. Eu esperei uma vida toda por você – por mais curta que ela tenha sido – acredite, ainda não foi o suficiente. Depois de 30 anos procurando alguma razão para ainda estar aqui você chegou e mostrou que amar vale mesmo a pena. Agora estou fazendo a coisa mais difícil que já fiz em toda minha existência. Estou indo embora. Mas eu vou voltar (isso é uma promessa) nem que demore mais 30 anos. Porque durante esse curto período que passamos juntos, eu aprendi que esperar por você, seja o tempo que for preciso, vale a pena, e muito. 

Porém eu não quero que faça o mesmo. A vida é curta e você não tem tempo de esperar por mim. 

Um escritor famoso disse uma vez que "quem tenta possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela." E é por isso que você nunca será minha, mas também é por esse mesmo motivo que eu terei você para sempre. Isso já me consola, então não tenha medo, seja corajosa e siga em frente com sua vida. 

Viva Julie! Continue cantando – porque você faz isso muito bem. – Termine seus estudos, namore, case com alguém que você ama (espero que não seja com o panaca porque ele não te merece), tenha filhos, tenha um futuro, uma vida de verdade! 

E em nenhum momento fique com pena de mim, ou pense no quanto vou sofrer sem você. Quero que fique feliz pela oportunidade que tive de tentar fazer você se apaixonar por mim todos os dias que passamos juntos. Eu nunca pedi nada em troca porque você era meu consolo, minha felicidade, meu objetivo. Mas agora eu preciso pedir, e eis meu último desejo: quero que siga em frente, sem mim. 

Não vou mentir, está sendo muito difícil aceitar isso, mas eu quero o melhor para você, e espero que queira o mesmo para mim. 

Foi maravilhoso ter te conhecido, ter você ao meu lado. Prometo nunca te esquecer, afinal te guardarei eternamente nas minhas melhores lembranças.  

Eu fui embora, mas eu volto, quando tudo se acalmar. 

Ps: Amo você de qualquer jeito – mesmo que não exista nenhum eu ou nenhum amor ou mesmo nenhuma vida; eu amo você. 

Com muito amor, 

Para sempre teu Daniel.” 

 

Fiquei sem reação ao terminar de ler. Pedrinho me olhava ansioso esperando alguma notícia. 

— Ele me deixou. – uma expressão de dúvida se formou em seu rosto. 

— O que? 

— Ele me deixou. – sussurrei ainda sem acreditar. 

— Ele? Daniel? 

— Ele foi embora Pedrinho! – gritava. 

— Ele quem? 

— Todos! Eles nos deixaram, eles foram embora! – despejei as palavras e vi os olhos do meu irmão ficarem marejados, mas naquele momento isso não importava. 

Abri a porta da edícula meio atordoada com tanta informação. Finalmente tinha aberto meus olhos para a realidade, quando eu acho que algo vai dar certo, tudo começa a desmoronar. 

Quando percebi já estava caminhando sem rumo pelas ruas. 

— Julie, onde você vai? - escutei Pedrinho gritar, mas não dei importância. - O papai vai chegar logo. - comecei a correr para o último lugar que me restava. 

... 

Já estava em frente ao portão da casa velha, ele continuava trancado então novamente eu teria que pular, só que dessa vez, sozinha. 

Eu não estava totalmente em mim naquele momento, então me apoiei nas grades sem pensar duas vezes e passei um pé por cima, o portão tremeu um pouco pois já estava velho e enferrujado, mas me machucar era o menor dos problemas. Passei o outro pé e pulei sem problemas, atravessei o quintal correndo até chegar na porta, onde abri sem pensar duas vezes. 

— Daniel? - chamei. 

Nada. 

— Daniel, você está aí? Aparece, por favor! - implorava. Tentei gritar mais algumas vezes, mas novamente nada aconteceu. 

Pouco tempo se passou até que eu percebesse que não importava o quanto eu gritasse, implorasse ele não iria voltar. Uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto. 

— Por que você me abandonou? - sussurrei caminhando até o seu quarto. Parei na porta hesitante. Acho que agora eu sentia o mesmo que seus pais: Não trocaria nada de lugar no quarto de Daniel para manter as últimas lembranças dele vivas ali. 

Coloquei a mão na maçaneta e respirei fundo tentando controlar as lágrimas. Fechei os olhos e abri a porta lentamente. Entrei no cômodo e foi impossível imaginar que ele tinha me deixado. O Daniel que em tão pouco tempo roubou meu coração havia desistido de mim.  

Minha visão ficou embaçada, já não enxergava os móveis direito, tudo por conta das lágrimas que não consegui segurar. Caminhei até o guarda-roupa antigo e abri uma das portas, vi várias camisetas penduradas, não pensei duas vezes antes de pegar uma e vestir. Enquanto passava meu rosto pela gola não pude evitar de sentir, bem no fundo, o cheiro de Daniel, talvez fosse minha cabeça fantasiando algum consolo, mas nada importava mais, mesmo fazendo poucas horas desde a última vez que tinha sentido o aroma, já fazia muita falta. 

Me abracei tentando fazer o cheiro ficar em minha pele. Respirava fundo inalando cada vez mais. 

Depois de tanto chorar chegou a vez do soluço. Ele ecoava pelos cômodos vazios. 

Passava a mão pelo meu rosto ensopado de lágrimas tentando secá-las, mas a cada segundo que se passava isso se tornava mais impossível. Ainda tinha esperanças de Daniel surgir e me consolar como aconteceu das últimas vezes, mas agora eu sabia que não seria igual. 

Esses pensamentos me abalaram mais que o normal, estava me sentindo sozinha. Deitei na sua antiga cama e abracei o travesseiro afundando meu rosto nele. Ali seu cheiro era mais forte o que me fez chorar ainda mais, se isso é possível. Lembro de sussurrar várias vezes seu nome implorando para que ele voltasse, até que o cansaço e o nervosismo me tomaram e eu acabei dormindo. 

... 

— Ei. - escutei alguém me chamar, mas não conseguia abrir os olhos por conta do sono e das lágrimas que grudaram meus cílios. - Ei garota, acorda! 

— Hum...? - cocei os olhos para conseguir abri-los melhor. Acordei com dor de cabeça por ter ido dormir chorando, sentia meus olhos inchados e acho que por conta disso, minha visão estava embaçada. Pisquei várias vezes tentando focar o olhar na pessoa que estava na minha frente. 

— Finalmente acordou. - pude ver uma silhueta fina a poucos metros me encarando. Ela se aproximou e colocou a mão em meu rosto. - Está com febre. – afirmou com uma expressão preocupada. 

Eu estava calada, ainda tentava assimilar tudo. Quando me lembrei do que ocorreu algumas horas antes voltei a chorar. - Por favor, pare de chorar. - a mulher estranha me abraçou. - Eu tenho água, vou pegar para você. - ela saiu com pressa e quando voltou acendeu a luz. Fechei os olhos com a claridade e pela primeira vez pude analisar bem aquela figura. 

A mulher que estava na minha frente segurando uma garrafa de água aparentava ter quarenta e poucos anos, seus cabelos loiros estavam presos em um coque mal feito. Ela era branca e bem magra, parecia até um pouco doente, mas suas bochechas rosadas e os olhos cheios de vida desmentiam isso. Suas feições eram familiares. Usava uma blusa rosa bem claro que estava para dentro de sua calça jeans larga. 

Aceitei a água e assim que comecei a beber ela sentou do meu lado e esperou pacientemente eu terminar para fazer sua pergunta. 

— Está aqui pelo Daniel? - não consegui dizer nada, apenas assenti limpando algumas lágrimas em vão, já que elas insistiam em continuar caindo. - É a irmã dele? 

— I-irmã? - solucei. 

— Sim... Fiquei sabendo que Lúcia adotou uma filha um tempo atrás. Nunca a vi então pensei que... Enfim. - pausou pensativa e depois me encarou. - Quem é você? - perguntou desconfiada, colocou a mão no bolso, com certeza era onde seu celular estava...  

— Calma, não precisa chamar ninguém... Eu sou J-Juliana, mas pode me chamar de Julie.  - ela sorriu fraco. - E você? 

— Camila. - congelei na mesma hora. 

— Ca-camila?! - perguntei para ter certeza. Não poderia ser ela, eu não poderia estar diante a mesma pessoa que Daniel citou... 

— Você não quer ficar comigo? – perguntou sério, ia responder, mas ele me interrompeu. – Achei que me amasse. – seu rosto não esboçava reação nenhuma, mas eu conseguia ver a dor em seus olhos. 

— Não! – acabei falando um pouco mais alto. – Eu te amo, eu sei... demorei muito para perceber, mas agora tenho certeza disso... Só quero que entenda o meu lado, tá acontecendo tudo muito rápido... Nicolas, você. Tudo. – ele fechou os olhos com força, parecia nervoso ou... com raiva. – Daniel... – toquei seu ombro, mas ele se afastou de uma maneira bruta, se virou ficando de costas parar mim e puxou seus cachos de modo desesperado. 

Estava assustada com sua mudança de humor então esperei pacientemente até que ele se acalmasse. Passou pouco mais de um minuto quando eu vi seus dedos – finalmente- se afrouxando e soltando seus cachos que, magicamente voltaram a ser como eram antes, como se nunca tivessem sido tocados. 

Seu semblante era triste, acho que se pudesse estaria chorando. 

— Por que isso agora? – disse com a voz rouca. 

— Eu... a-ch— Não completei minha frase pois fui interrompida por Daniel. 

— Sabe, eu tenho que me acostumar... Sempre vai ser assim. Sempre. – percebi que ele não falava comigo, apenas pensava alto. – Nunca vou conseguir ser feliz de verdade, sempre vou ter que ficar contente com as realizações dos outros, nunca com as minhas, porque elas não dão certo, quando eu finalmente acho que vou ter esse gostinho de vitória tiram isso de mim. Mesmo quando eu estava vivo, nada dava certo. Primeiro com meus pais, depois com a Camila, e por último a banda. Achei que acabaria por ali, mas o destino adora brincar comigo. Adora! – elevou a voz, mas se acalmou rapidamente após um longo suspiro. Nunca tinha pensado desse jeito, para falar a verdade, nunca tinha me importado muito com seu passado e suas realizações... 

... 

"– Quem é Camila? 

— Hu-h – engasgou. – Vai dormir Julie, depois nós falamos sobre isso. 

— Quem é Camila? – repeti. 

— Boa noite. – bufei, como era teimoso." 

... 

— Quem é Camila? – o interrompi 

Bufou. - Mas de novo isso Julie? - parecia irritado. 

— Por favor. – estava quase implorando. Olhei para os lados e não vi ninguém, aproveitei a ocasião e comecei a distribuir beijos por todo o rosto dele. – Por... Favor...- supliquei entre os beijos. Senti ele começar a sorrir, ótimo, estava dando certo 

— Hum... Tá. – disse emburrado. – Só vou falar uma vez e depois nunca mais tocamos no assunto, pode ser? 

— Mas pra que tanto mistério? 

— Quer saber ou não? 

— Grosso – resmunguei, mas minha curiosidade falava mais alto. – Quero! 

Suspirou. – Camila foi uma “namorada” do Martim. 

... 

Quando voltei a realidade percebi que ela falava comigo. - Sim. – Camila riu do meu espanto. - Algum problema? 

— Ãhn, nenhum. É um nome bonito. - tentei dar uma desculpa, mas ela não se importou. Ainda estava pensativa quando percebi que ela me chamava. 

— Julie...? 

— Oi. - ela suspirou derrotada, talvez cansada de me chamar, e passou a mão pela minha testa novamente. 

— Parece estar cada vez mais quente. - sussurrou e me olhou compreensiva. - Por que está chorando tanto? - a resposta de sua pergunta era simples, mas lembrar dela me fez voltar a chorar. - Desculpe perguntar, mas eu realmente preciso saber para não chamar a polícia - bufou, mas me abraçou e esse seu jeito até me fez lembrar um pouco do meu fantasminha. 

— D-dan... Da-niel. - falei entre soluços. - Ele... E-le m-e de-ixou. 

— Você o conhece? - Ela apontou para o porta-retratos dele no criado-mudo e eu assenti. Com minha confirmação apertou mais o abraço. - Ele não nos deixou, ele nunca quis ir embora. 

— Mas ele foi! - chorei. 

Ela suspirou. - Tudo bem chorar, é bom, alivia. - alisava minhas costas. Ficamos assim por um longo tempo, até que ela quebrou o silêncio. - Como você conheceu ele? Digo, você parece ser bem nova, e ele morreu a tanto tempo. 

— E-eu... - engasguei. - Eu não quero falar sobre isso. - Camila pareceu decepcionada, mas não insistiu por conta de meu estado. - E você, como conheceu ele? - essa era minha hora, tinha que aproveitar para saber tudo o que ele não havia me contado. 

Ela riu fraco. - Nem me lembro, acho que desde que me entendo por gente aquela peste estava na minha vida. - pausou pensativa. - Quando meu pai morreu minha mãe ficou descontrolada, e como eu ainda era criança acharam melhor eu não morar com ela por uns tempos, até ela melhorar... Então fui morar com uma tia distante, mãe de Daniel. - então eles eram primos? Eu fiquei com ciúmes da prima dele? - Nesse tempo nós nos aproximamos muito sabe? Ele era quase um irmão pra mim, só que na mente dele não era bem assim. - ela riu. 

— Por que? 

— Acho que ele tinha uma quedinha por mim, sempre fazia de tudo pra me impressionar, era uma graça. Vira e mexe ele me roubava um beijo inocente. Teve uma vez que ele disse para todo mundo que eu era namorada dele, fiquei morrendo de vergonha na época, mas todos levaram na brincadeira, era coisa de criança. - sorriu se lembrando. - Depois que eu voltei a morar com minha mãe nós nos afastamos. Quando já éramos adolescentes voltamos a nos falar, nesse tempo ele estava formando a banda... Bom, passávamos o tempo todo juntos, até desconfiei que ele ainda gostava de mim, mas eu me apaixonei pelo amigo dele, Martim. Daniel ficou revoltado, dizia que eu não merecia um cara assim, mulherengo, mas a gente não manda no coração. – suspirou com a lembrança. - Então nós brigamos e novamente ficamos um bom tempo sem nos falar. Passou alguns meses, ele percebeu que o que sentia não era nada mais que um carinho de irmão, aquele sentimento de proteção sabe? Mas antes que nos acertássemos de vez, aconteceu o acidente, e ele teve que ir. - abaixei a cabeça. - Foi difícil no começo, o remorso é maior que tudo, mas depois de uns anos você aceita e entende que ele está em um lugar melhor. - assenti sabendo que não era totalmente mentira. 

Novamente ela me abraçou, acho que dessa vez não era para me consolar e sim por necessidade da parte dela. - Sempre vai doer Julie, aquele orgulhoso vai fazer uma falta enorme, mas a gente se acostuma... E se não acostumar, a gente finge. 

Suspirei, sabia que isso era verdade. - Obrigada... 

— Imagina. Os pais de Daniel ainda não aceitam isso então é complicado falar sobre esse assunto com eles, mas sempre que quiser alguém para falar sobre ele, conte comigo. - ela sorriu e limpou uma lágrima que não caiu. Olhou para o celular e comentou. - Bom Julie, tenho que ir embora agora, ainda preciso abrir o restaurante. - suas palavras me assustaram, quanto tempo passei aqui? Olhei para fora e ao ver o sol bem no alto, conclui que passei a noite toda fora - ... Mas como você está com febre não me sentiria bem te deixando sozinha. Posso te dar uma carona se quiser. 

— Seria ótimo. - sorri fraco agradecendo. 

... 

Já estava na porta de casa. Durante o percurso Camila contou mais sobre o Daniel, e falar sobre ele me ajudou de certa forma, fez com que ele parecesse vivo novamente. Ela insistiu algumas vezes em saber de onde conhecia ele, mas depois de ver onde eu morava não perguntou mais nada, acho que ela reconheceu o lugar. Mas sei que ainda tem suas dúvidas, as quais eu farei o máximo para não responder. 

Me virei e acenei para a mulher que me olhava de dentro do carro. 

— Julie. - chamou. 

— Sim? 

— Essa era a camiseta preferida dele. - apontou para a peça de roupa que eu usava. – Se cuidar bem pode ficar com ela e as outras. 

— Sério? - pela primeira vez naquela manhã dei um sorriso sincero. 

— Sim! Vou deixar a casa aberta também, caso queira ir lá mais vezes, matar as saudades sabe? Sempre faço isso, e acho que você também andou fazendo já que vi algumas coisas diferentes por lá. 

— Obrigada... – abaixei a cabeça envergonhada. 

— Tenho que ir agora, até mais. - sorriu. 

— Tchau! - acenei e vi o carro acelerar até sumir no fim da rua. 

Suspirei de saudades. - Queria tanto que você estivesse aqui. - sussurrei. Tive a impressão de ver alguns galhos se mexendo, mas talvez fosse apenas uma alucinação por conta do cansaço. Ignorei e segui em direção à minha casa já me preparando mentalmente para a bronca do meu pai. 

Abri a porta lentamente e o vi assistindo televisão de modo relaxado. 

— Oi filha, já chegou da escola? - esqueci que tinha perdido aula. Droga. - Você poderia ter me avisado que ia passar a noite na casa da Bia, mas o Pedrinho disse que ela precisava de você urgente para um trabalho escolar então eu vou deixar essa passar... - finalmente ele me olhou. - Que blusa é essa? É a que você usou na apresentação da escola? 

— Ahaam. – concordei para não inventar outra desculpa. 

— Poderia ter escolhido uma mais nova... – deu de ombros e se virou de volta a televisão para assistir o jornal. - O almoço está na geladeira, daqui a pouco eu volto para o trabalho. 

— Ok. - comecei a subir as escadas sem entender nada. Pedrinho teria inventado uma desculpa pro meu pai e me livrado do castigo? Estava abrindo a porta do meu quarto quando o pirralho apareceu do nada com os olhos marejados e declarou: 

— Você me deve essa. - assenti, ele realmente me ajudou, não posso esquecer. 

Entrei no meu quarto, tranquei a porta, deitei na minha cama e voltei a chorar. Já não tinha mais nada, perdi o Nicolas, os fantasmas, o Daniel... Só me restava a Bia, mas já não tinha forças para falar com ela. Suspirei. Não sabia até quando suportaria essa dor... 

 


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