A vida continua. escrita por Hoffnung


Capítulo 15
XV




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Novamente era segunda-feira, e como sempre estava indo à escola de manhã. A única diferença é que o Daniel não pode me acompanhar hoje. Cheguei poucos minutos antes do sinal tocar e fui direto para a sala. 

Estava muito cansada, mal tinha dormido na última noite, por conta disso acabei deitando a cabeça na mesa e peguei no sono. Durante meu rápido cochilo lembro de ter visto várias vezes aquele sorriso que eu tanto amava. Acordei com Beatriz me chacoalhando e, quando percebeu que eu estava consciente sentou na carteira ao meu lado, estranhei afinal ela estava me ignorando desde a nossa briga. Olhei para a frente e vi a professora me encarando. 

— Desculpe. - me encolhi envergonhada. Ela suspirou, deu de ombros e começou a escrever na lousa. 

Tinha que agradecer a Bia também, mas não sei se ela vai me dar ouvidos. - Ei. - chamei sua atenção esperei Beatriz me olhar. - Obrigada. E para a minha surpresa, ela sorriu como resposta, mas aos poucos seu sorriso foi se apagando. - Por que está chorando? - perguntou depois de um longo tempo me encarando. 

Passei as mãos pelos meus olhos e percebi que estavam um pouco úmidos. Sorri ao me lembrar do motivo: durante meu curto sono, sonhei com Daniel sorrindo enquanto tocava alguma música para mim. 

— Nada. - sussurrei para não chamar a atenção da professora. Bia me olhou desconfiada, mas deixou passar, acho que ainda está chateada comigo. 

Peguei meu caderno na bolsa e quando abri na matéria de literatura me surpreendi quando vi um bilhete assinado pelo meu fantasminha. 

 

"Estou pensando em você neste exato momento. Te vejo na saída da escola, tenho uma surpresa. 

Com amor, seu Daniel." 

 

Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto, fiquei curiosa. Daniel andava muito estranho esses dias, mais pensativo que o normal, e para ser sincera mais carinhoso também, fazia questão de me lembrar todo segundo o quanto me amava. 

As aulas seguiram normalmente, talvez um pouco mais devagar que o de costume por conta da minha ansiedade. Durante o intervalo Bia veio falar comigo, até pediu desculpas e disse que torcia pelo meu namoro. Estranhei, mas aceitei e conversamos como se nunca tivéssemos brigado, isso me deixou mais calma, no fundo eu sempre soube que era questão de tempo. 

Já estava na hora da saída, arrumei meu material com pressa e corri em direção à porta da sala, mas no meio do corredor acabei tropeçando em alguém. 

— Nossa, me desculpe, sou muito desastrada. - falei me levantando. 

— Tudo bem. - reconheci aquela voz no mesmo instante. - Deixou cair isso. - Nicolas disse me entregando um caderno que deixei cair quando esbarrei nele. 

— Obrigada. - falei olhando para baixo, ainda estava sem jeito, pode ser meio infantil, mas sempre evitava falar com ele, o clima entre nós era péssimo. Percebi que o bilhete que Daniel tinha escrito para mim estava no chão também, me abaixei para pegar, mas Nicolas foi mais rápido. 

— Hum. Melhor você ir, ele deve estar te esperando. - rosnou depois de analisar o papel. 

— É... Tchau. - corri para o pátio. De longe consegui ver meu fantasminha encostado no muro perto do portão, e assim que nossos olhares se encontraram ele sorriu. Apressei mais ainda meus passos e quando me aproximei dele me joguei em seus braços. 

— Isso tudo é saudade? - perguntou rindo. 

— Mesmo quando estou com você sinto sua falta. - Daniel me olhou compreensivo, tentei ler sua alma através de seu olhar. Senti o clima esquentar e quando aproximei nossos lábios para um beijo ele se afastou. 

— Não... Ainda estamos na sua escola. - comentou olhando para os lados e tirando meus braços de seu pescoço. Acho que ele percebeu que fiquei chateada com isso então me deu um sorriso e sussurrou em meu ouvido. - Vamos para outro lugar, meu amor. - fique boba com suas palavras. Quando dei por mim, nós estávamos correndo pela calçada. Ele segurava minha mão, mas não consegui acompanhá-lo por muito tempo. 

— Aqui. - me puxou para trás de uma lojinha qualquer. Era tipo um beco, coberto por telhas furadas, havia algumas latas de lixo e uma bicicleta já conhecida por mim no canto. - Me dê sua mochila. - Pediu. Entreguei e ele escondeu em baixo de um pano atrás dos latões. 

— Não é perigoso deixar aí? 

— Quase ninguém vem aqui, mas de qualquer forma o Martim vai dar um jeito de levar para sua casa daqui a pouco. 

— Pensou em tudo mesmo. 

— Sempre. - sorriu convencido. 

Ele estava caminhando em direção à bicicleta quando eu me lembrei de uma coisa. 

— Posso ganhar meu beijo agora? - Daniel virou o rosto por cima do ombro e deu um sorriso malicioso, como resposta veio em minha direção e segurou minha cintura com força. Encostei nossas testas. - Não cansa de me surpreender? 

— Nunca. - disse roçando seus lábios nos meus. Não aguentei e o beijei. Logo de início pedi passagem para aprofundar, ele se surpreendeu, mas cedeu sem pensar duas vezes, o que me fez sorrir entre o beijo. O estralo dos nossos movimentos ecoaram um pouco naquele beco pequeno. Cada segundo que passava Daniel me prensava cada vez mais em uma parede. Um trovão nos interrompeu, o abracei assustada enquanto ele ria com meu susto. 

— Parece que vai chover. - comentei olhando algumas nuvens carregadas que tomavam conta do céu. 

— Então é melhor nos apressarmos. - me deu um selinho e subiu na bicicleta. Sentei logo atrás dele e o abracei com força. 

Durante o percurso deitei a cabeça em seu ombro e de vez em quando depositava alguns beijos ali, mesmo não o encarando sabia que Daniel sorria. Assim que entramos naquela estrada, - agora já conhecida por mim, - sabia para onde ele estava me levando. 

Faltavam alguns metros para chegarmos na antiga casa de meu fantasminha quando a chuva caiu aos poucos. Ele olhou para mim e quando percebeu que estava ficando molhada pedalou mais rápido. 

— Droga. - resmungou. 

— É só chuva Daniel, não precisa se preocupar, não sou de açúcar. - comentei rindo. 

— Não quero que fique doente. 

Revirei os olhos e em pouco segundos paramos em frente à casa antiga. Ele caminhou até o portão enferrujado e começou a mexer nas correntes. 

— Está trancado. - comentou surpreso. - Vem, te ajudou a pular. 

— Tem certeza? 

— Vem logo, a chuva está aumentando. 

— Daniel... - choraminguei. O portão não era muito alto, mas não tinha certeza se queria mesmo pular. 

— Não vou deixar você se machucar, confia em mim. 

Suspirei derrotada, não teria jeito. Me aproximei e ele juntou as mãos para eu pisar, formando uma espécie de suporte. Assim que coloquei o primeiro pé entre as grades senti o portão meio bambo. Mas antes que eu pudesse pensar qualquer coisa Daniel já estava do outro lado com os braços esticados esperando eu pular. Me joguei em seu colo e percebi que ele ria. 

— Medrosa. - me deu um selinho e caminhou até a porta que estava aberta. Assim que entramos ele me colocou no chão. 

— Por que o portão estava trancado? 

— Não tenho ideia, pode ser que meus pais ainda venham aqui de vez em quando. 

— Então eles ainda estão vivos? 

— Uhuum. - respondeu distraído olhando para os lados. 

— O que está procurando? - beijei sua bochecha. 

Sorriu com meu gesto. - Algo para você se secar. - segurou minha mão e caminhamos até seu antigo quarto. Percebi que por onde eu andava fazia uma trilha com alguns pingos de água que caiam das minhas roupas e cabelo. 

— Vou ao banheiro tentar dar um jeito nessa água... - ele assentiu e eu caminhei até a última porta do corredor. Percebi que o espelho estava mais limpo que dá última vez que estivemos aqui. Provavelmente alguém ainda visita a casa para matar as saudades, manter limpo ou sei lá. Torci meus cabelos e uma parte da blusa que ficava mais solta. Melhor que isso não fica. Voltei para o quarto e vi uma camiseta esticada na cama. 

— Arrumei para você. - uma voz soou atrás de mim me assustando. Senti os braços do Daniel me envolverem, ele beijou meu pescoço e riu. - Não precisa se assustar, sou só eu. 

— Insiste em fazer isso. – reclamei revirando os olhos. 

— É divertido. - deu de ombros e pegou a camisa me entregando. - Está bem velha... um pouco furada na verdade, mas pelo menos está seca. - mordeu os lábios me encarando, melhor dizendo, encarando minha blusa molhada que só depois me dei conta que marcava meu corpo. 

— Idiota. - dei um tapinha de leve em seu braço. 

— Sou o idiota mais sortudo do mundo. - sorria malicioso. 

— É? Por que? 

— Porque tenho a namorada mais linda que existe. - Me deu alguns selinhos, ri fraco. 

— Até parece. 

— Falo sério. - sorriu abertamente e sentou na cama. 

— Não vai sair? 

— Por que? - como resposta mostrei a camisa que ele me emprestou. - Veste aí. 

— Assim que você sair. - apontei para a porta. 

— Relaxa Jú, sou seu namorado, não precisa ter vergonha de mim. - sorriu convencido enquanto eu corava. - Mas se vai fazer você se sentir melhor eu fecho os olhos. - sorriu brincalhão. 

— Não confio em você. 

— Deixa de frescura e vai logo. 

Suspirei derrotada. - Não vale espiar. - avisei virando de costas. O vi uma última vez por cima do ombro, estava de olhos fechados como o prometido, e tinha um sorriso sapeca no rosto. Estava começando a tirar a blusa quando ele perguntou: 

— Já se trocou? 

— Não! - olhei para ele antes de vestir de vez sua camiseta. 

Passei minha cabeça pela gola larga um pouco rasgada e os braços pelas mangas que estavam longe de parecer inteiras, mas antes que eu tivesse chance de arrumá-la em meu corpo, senti dois braços envolvendo minha cintura. Sorri e me virei ficando de frente para ele, me surpreendi ao ver que Daniel ainda estava com os olhos fechados. 

— Já pode abrir. - sussurrei encostando nossas testas. 

— Demorou muito. - reclamou brincalhão enquanto eu ainda sorria. Ele se afastou um pouco e me encarou dos pés à cabeça. - Está linda. - me deu um selinho que aos poucos foi se tornando um beijo desesperado, ambos traçavam uma batalha por espaço. 

Segurei sua nuca com minhas mãos impedindo que Daniel se afastasse. Comecei a sentir falta de ar, mas isso não me impediu de continuar, pelo contrário, comecei a aproveitar melhor o beijo. Fomos diminuindo a velocidade e logo começamos a intercalar com alguns selinhos. Novamente um trovão nos interrompe, e o barulho da chuva parece aumentar. 

— Parece que não vamos embora tão cedo. – diz após olhar o tempo pela janela e sentar em sua cama. 

— Eu não estou com pressa. – sorri, mas meu gesto não foi retribuído. – O que foi? – perguntei me aproximando dele. 

— Eu te amo muito. – falou sério. 

— Eu também, mas o qu— 

— Não, eu te amo mesmo. - Sorri. 

— Eu sei disso. Também te amo, mesmo. – comentei rindo. – De verdade. – Daniel se deitou no colchão velho e me puxou para deitar ao seu lado. 

— Só quero que saiba que você vai me ter pra sempre, não importa o que aconteça. – prometeu e em seguida me abraçou forte. 

— Você tá me assustando. Por que está dizendo isso? 

— H-uh. – se engasgou. – Você é a garota mais perfeita que eu conheci, acho que preciso demonstrar meu amor de alguma forma. 

— Então não vai embora, assim que vou acreditar. – o encarei e percebi que ele estava muito nervoso. Passei a mão pelo seu rosto tentando acalmá-lo. – Daniel, tá tudo bem? 

— Tá sim. – beijou minhas mãos. 

— Não parece... 

— Apenas acredite em mim. – me apertou mais em seus braços. 

— Eu acredito, mas você está meio diferente esses dias. 

— Diferente? Diferente como? 

— Mais distraído, muito carinhoso. Não sei, diferente só. 

— Desculpe, prometo tentar melhorar. 

— Tudo bem, só queria saber o porquê. 

— Hum... – ficou quieto por alguns minutos, para ser sincera até achei que ele tinha dormido, mas assim que fechei os olhos para pegar no sono também ouvi ele começar a cantar baixinho uma música com a melodia familiar: 

“[...] Quem sou eu pra mudar 
O que o mundo escolheu 
O que o mundo escolheu para mim 
Tenho que aceitar 
Que é melhor assim....” 

— Julie! – ouvi alguém me chamar. 

— Hum? 

— Julie, amor, acorda. – senti vários beijos em meu rosto e aos poucos abri os olhos. – Só assim para acordar, hein? – Daniel comentou brincalhão. 

— Você também não é tão fácil. – falei coçando os olhos ainda com sono. 

— A chuva parou e já está um pouco tarde. É melhor nós irmos... 

Olhei pela janela e vi que já estava escurecendo, suspirei, mas logo me levantei. Já estava andando em direção à porta quando senti puxarem meu braço. 

— Ei. – Daniel segurou minha cintura. – E meu beijo? – sorri e dei um selinho molhado, ele tentou aprofundar mais, porém eu não deixei, ainda estava com sono. 

— Abusado. – dei um soco fraco no ombro dele enquanto o mesmo ria. Segurei sua mão e saímos para o quintal onde ele me ajudou a pular o portão pela última vez. 

... 

Já estávamos na minha casa, meu pai ainda não tinha chegado do trabalho e Pedrinho estava em seu quarto. 

— Vou tomar um banho, você sobe lá daqui a pouco? – perguntei. 

— Sim, só vou ver os meninos na edícula, avisar que cheguei. – assenti e demos um selinho demorado antes de cada um seguir sua direção. 

Tomei banho, me troquei e quando cheguei em meu quarto Daniel estava sentado na minha cama com uma expressão preocupada, o que me deixou assustada. 

— Dan, tá tudo bem? 

— Julie... E-eu. – se levantou e me abraçou com força. – Eu te amo muito tá? Por favor, nunca se esqueça disso. 

— O que tá acontecendo? – ele afundou o rosto em meu pescoço, a cada segundo que passava eu ficava mais nervosa. 

— Promete que nunca vai se esquecer de mim? 

— Daniel? - já estava me assustando. 

— Promete? 

— Prometo. – me abraçou mais forte. 

— Eu não quero te esquecer. 

— Ei, você não vai. – toquei seu rosto. 

— Julie, você foi a melhor coisa que me aconteceu. Você me mostrou como é se sentir vivo de novo, eu juro que você vai ser única para mim. Você terá meu amor para sempre. – sorri, senti algumas lágrimas escorrerem e na mesma hora que elas caíram ele limpou. – Não chora. Não agora, deixa eu te admirar sorrindo uma última vez... 

Segurei suas mãos com força. – Uma última vez? Daniel, o que está acontecendo? – mais lágrimas escorreram. 

— ... – Seu silêncio me assustava. 

— Daniel, por favor, me fala, o que tá acontecendo? 

Ele suspirou triste. – Eu tenho que ir... 

— Ir? Ir para onde? 

— ... – o abracei. – Não me force a falar Julie. – sussurrou. 

— Você está me deixando? – comecei a soluçar. Daniel me pegou no colo e sentou na minha cama sem me soltar. 

— Eu nunca faria isso... 

— Mas está fazendo. 

— Não, eu não estou. – disse firme. - Eu não te deixaria mesmo se quisesse. – sorri fraco com isso. – Mas eu tenho que ir agora. – falou olhando para algo atrás de mim. 

— Posso te pedir uma última coisa? 

— O que? 

— Um beijo. 

— Julie... – me repreendeu, mas antes que eu pedisse de novo ele colou nossos lábios. Aproveitei ao máximo aquele beijo, o puxava cada vez mais para mim, não queria perde-lo, esse era o pior pesadelo de todos. Quando nossas línguas se encontraram senti um arrepio passar por toda minha espinha, sorri e continuei naquela lenta batalha por espaço. Daniel pareceu esquecer o que estava prestes a fazer, pois me segurava com força e a todo momento tentava falar algo, mas eu não deixava por medo de nos separarmos de vez. Quando ele percebeu que eu já estava com falta de ar passou os beijos para meu pescoço. – Eu te amo. – sussurrou perto do meu ouvido. Sorri e apertei seus cachos. Ele olhou para trás de mim como se algo o chamasse e depois me encarou. 

— Você não vai me esquecer, né? – Perguntei tocando seu rosto só para ter certeza. 

— Eu não te esqueceria mesmo se tentasse. – Sorriu triste, o que me fez abrir um leve sorriso. Me deu um breve selinho. Nos encaramos em silêncio novamente e pela última vez nossos olhos se encontraram, pela última vez aqueles olhos castanhos tristes sustentaram meu olhar, pela última vez eu tentei ler sua alma, e pela última vez eu pude esquecer como era meu nome por me perder naquele olhar sincero e profundo. 

Ele sorriu triste mais uma vez, e essa foi a última coisa que vi antes dele partir. 

 
 

 


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