Assassin's Creed: Between Two Worlds escrita por Meurtriere


Capítulo 4
Um Menino Lobo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/747678/chapter/4

Choveu bastante no dia seguinte e por isso as crianças permaneceram abrigadas em seus lares, tendo aulas sobre a história de nosso povo, nossos guerreiros mais conhecidos e seus feitos. As batalhas travadas ao longo dos anos com tribos rivais e também sobre a chegada dos homens brancos nos últimos tempos. Após isso, minha mãe reservou um tempo para nós duas e com o leite de algumas árvores e folhas, ela fazia tintas para passar em nossos corpos.

Minha mãe era não apenas uma mulher bonita, mas também vaidosa e por isso gostava sempre de enfeitar seus cabelos com penas e pintar sua pele. Além disso, ostentava com orgulho um cordão bonito feito com dentes lapidados que me pai lhe deu ao lhe pedir para ser a mãe de seus filhos. Não existe a palavra casamento em nossa língua, mas há uma cerimônia de igual valor.

Os guerreiros mais fortes são sempre os mais cobiçados por entre as jovens, quanto melhor sua capacidade de caça e sua bravura, mais chamativos tornavam-se. Para as moças contava sua beleza, mas também seus dotes caseiros, como o de cozinhar e também o de plantar.

Quando um Mohawk apaixonava-se ele tentava de todos os modos possíveis impressionar sua amada. Vezes caçando ursos grandes e vezes ao vencer outro guerreiro em uma luta esportiva. Havia também aqueles que se destacavam ao usar o arco e flecha ou na pescaria. De qualquer modo, cabia a mulher aceitar as demonstrações de empenho ou não.

Contudo, um fator importante para a união de um casal era seu espírito protetor. Em meu povo acreditamos que todos nascem sob a proteção de um espírito da mãe natureza ou mãe terra, como costumamos chamar. E é ao longo dos anos, conforme a personalidade das crianças toma forma e amadurecem, os mais velhos podem identificar sob a proteção de qual espírito aquela pessoa nasceu.

Naquele dia eu descobri o meu e também o dele.

Eu não o via há algum tempo e minha mãe começava a insistir que eu devia aprender sobre as plantações e as estações do ano. Logo eu estava tendo menos tempo para brincar do lado de fora e encontrar Ratonhnhaké:ton se mostrou uma tarefa mais difícil do que ponderei a princípio. Depois de horas procurando no alto das árvores decidi por descansar um pouco e apaziguar minha frustração.

Fui para próximo do rio, mergulhar os pés na água e limpar a sujeira de meu corpo. Para minha surpresa lá também estava a Mãe do Clã, com seus pés enrugados mergulhados até a altura dos tornozelos. Ela não parecia estar fazendo nada de especial se não fumando seu inseparável cachimbo de ervas. Seu olhar estava fixo no horizonte e por isso julguei nem ter notado minha presença quando me sentei com alguns metros de distância entre nós.

“O que te causa insatisfação, criança?”

Olhei ao redor a procura da pessoa com quem ela estava falando, mas não havia ninguém ali além de nós duas. Eu nunca havia ficado a sós com aquela mulher emblemática e por isso não me senti nenhum um pouco a vontade quando dei que ela estava falando comigo.

“Aproxime-se.”

Hesitei a princípio, afinal me questionava mentalmente por que ela estava falando comigo? Eu era só uma criança, não havia motivos para a Mãe do Clã se preocupar comigo. Mas mesmo assim ela estava me encarando com algo que eu deduzi ser um sorriso nos lábios, era difícil ter certeza visto que ela já era tão velha e seu rosto não era firme como outrora.

Então eu me levantei e fui até ela, torcendo para que estivesse me confundindo com outra menina qualquer. A neta dela talvez e foi como em um estalo que me toquei. Ela não tinha neta e sim um neto, Ratonhnhaké:ton. Se havia alguém que pudesse saber sobre o pai dele, esse alguém era ela.

“Konwatsi'tsiaienni... Sim, eu me lembro da noite em que viera à luz. Foi um nascimento demorado.”

Eu sabia da história, me chamavam de a preguiçosa, pois eu demorei horas para nascer. Temiam até que eu estivesse morta, pois não chorei quando vim ao mundo, mas na verdade eu só estava dormindo.

“Acredito que estava esperando o seu espírito não?” – ela riu fracamente e eu apenas ouvia sem saber o que lhe responder.

“Uma loba... Interessante. Não temos muitos lobos e agora há dois crescendo. Lobos migram e às vezes se distanciam de suas famílias, mas eles são fiéis. Os tempos estão mudando, acredito.”

“Dois lobos? Quem é o outro lobo?”

Mais uma vez aquele sorriso sem dentes, um leve desenho em seus lábios. Eu não sabia se ela estava feliz em conversar ou em ouvir minha voz pela primeira naquela incomum interação entre nós.

“Ele nasceu sob o lobo, mas seu espírito irá imergir como uma águia. Eu sinto, mas eu o vi antes mesmo de sua mãe nascer.”

Então havia alguém além de mim nascido sob a proteção do mesmo espírito e era um garoto. Em um futuro nossos espíritos se atraíram um para o outro e assim dar início a uma nova família. Contudo, eu não sabia de quem exatamente ela estava falando.

“Os lobos vivem juntos.”

“A maioria sim, minha criança. Mas ele é diferente. Ele não tem mais uma família e logo irá esquecer o sentimento de ter uma. Aliados e inimigos, é como ele irá enxergar, feito um selvagem.”

“Ratonhnhaké:ton... Ele é o outro lobo? Ele é o meu lobo?”

“Ele não é de ninguém se não dessa terra e dela ninguém irá tomar até que seu propósito seja enfim concluído. Mas sim, há entre vocês alguma semelhança. Uma morte poderá separá-los ou uni-los de forma definitiva.”

Medo. Foi o que senti na hora. As palavras da Mãe do Clã não fizeram nenhum sentido na época, ainda mais para uma criança. Mas elas ficaram marcadas em minha memória por dois motivos em especial. O primeiro é que havia certo contentamento de minha parte ao entender que eu não estava errada em ter tanto interesse sobre Ratonhnhaké:ton. Mas a menção de que alguém precisava morrer para selar nossos destinos me amedrontava.

“Cresça e encontre seu caminho entre dois mundos.”

Assenti e deixei o rio de volta para a aldeia. O que eu poderia dizer a ela? O que ela esperava causar em mim ao me dizer todas aquelas coisas? A verdade é que até hoje não tenho certeza sobre suas palavras. Muitas coisas aconteceram e eu simplesmente não sei onde encaixar cada peça. Muitos homens já morreram entre nós dois.

Naquela noite pedi à minha mãe para me ensinar a fazer a pintura que representa um lobo e com certa estranheza no olhar ela me questionou o porquê.

“A Mãe do Clã me disse que eu nasci sob o espírito de uma loba.”

Ela torceu o lábio e franziu o cenho enquanto preparava as tintas dentro de uma cuíca de barro.

“Você é ainda muito nova para descobrirmos seu espírito protetor. Eu mesma só soube do meu com dezessete anos.”

“Não. Tenho certeza que ela está certa.”

“E por que tem tanta certeza? Mesmo a Mãe do Clã pode errar às vezes.” – ela deslizou um dedo molhado com tinta branca sobre o meu rosto de forma delicada desde o olho até os ossos da mandíbula.

“Sinto que está.” – dei de ombros e ela se conformou com minha resposta simples e rasa.

Ela terminou a pintura que lhe pedi usando tinta branca e preta nos olhos. Depois ela penteou meus cabelos como em todas as noites e amarrou algumas penas em suas pontas. Não tínhamos um espelho para que eu pudesse me olhar, logo só me restava imaginar como estava minha aparência a partir do comentário de meus pais.

Quando eu fosse mais velha e escolhesse um homem para formar nossa família, eu deveria usar aquela pintura na cerimônia de união e ele usaria a pintura de seu espírito protetor. Meus pais eram nasceram sobre o espírito da raposa, por isso eram inteligentes e belos. Mas também havia aqueles casais que continham um membro de cada espírito e isso não os impedia de serem felizes e unidos.

Todavia eu estava convencida de que Ratonhnhaké:ton iria fazer parte da minha vida e de que ele seria o meu jovem e belo lobo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Assassin's Creed: Between Two Worlds" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.