Agonie escrita por DarkSouther


Capítulo 8
A Praça de Mársea


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde.

Segue mais um capítulo de nossa história.

Espero que apreciem.



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15 de setembro de 1889 – Em algum lugar.

Eu sei o que vocês fizeram, e o que vão fazer... Eu, simplesmente sei, simplesmente descobri...

Realmente aquele grupo... Eles são lastimáveis, é uma escória pior do que ratos de esgotos. Mas, se eu quero continuar crescendo e tendo das melhores coisas que um homem pode ter, eu me vejo sendo “obrigado” por uma força maior da minha essência de me juntar a eles. Nunca gostei deles, daquele grupo. Porém vejo e temo que esteja vivenciando aquele ditado de que “o inimigo do meu inimigo, é meu amigo”. Não... Amigo não, tampouco talvez aquele grupo nem seja meu inimigo, mas o quanto mais longe eles tiverem de mim, melhor, mesmo que eu saiba que preciso deles para me ascender e chegar onde quero.

Enfim, sei do que eles são capazes, e do que esses homens podem fazer para também chegarem aonde querem, portanto é melhor continuar me assegurando de que estou acima deles, eu...

— Senhor – disse uma voz de fundo – Tem alguém que quer falar com o senhor, meu barão.

— Ah, diga a ele que já vou – disse o barão misterioso por fim.

—______________________________ // ___________________________________

Estevão estava quieto dentro do coche, junto dos outros homens que também aparentavam estar pensativos. Esse coche tinha o formato de um U, e na esquerda estavam sentados o imperador, com seu rifle em pé entre as pernas, apoiada no chão. O seu sobretudo preto era impecável e muito bonito, e demarcava bem um ar de imposição e certa superioridade. Ao seu lado, estava o silencioso Kramer, o médico barão. Já na direita estava sentado somente Hoye, sentado apoiado para frente, mexendo de forma incessante a sua barba ruiva cheia e seu bigode destacado, à medida que ia pensando. E na parte central, no banco menor estava somente Estevão, que tinha uma visão fácil de todos.

— Me pergunto o porquê dos rebeldes terem feito isso – disse o Imperador quebrando o silêncio e olhando perdidamente a algum ponto dentro do coche, que balançava suavemente com o avanço continuo da carruagem.

— Ora – iniciou Hoye resmungando – É porque esses porcos querem demonstrar que têm poder, querem tomar o que nunca serão deles por direito. O império.

— Mas – iniciou a voz grossa e suave de Kramer – Porque esperar 15 anos para atacar novamente, depois do atentado de D. Pedro V?

Nisso o imperador ficara sério, porém não inibiu Kramer pelo comentário, que elucidava tristes e profundas memórias sobre aquele dia, aquele mísero dia que seu irmão foi tirado dele.

— Parece que estamos chegando – disse Hoye por fim.

E de fato os homens haviam chegado. De imediato Estevão reconheceu o lugar do incidente, era a Praça de Mársea, a mesma praça em que ele ficara assim que saiu do Restaurante de Abner, e onde havia andado pela cidade até reencontrar esse lugar. O ambiente diferentemente da última visita de Estevão, estava obscuro, gélido, sombrio e não convidativo. Pois nos quatro bancos que ficavam próximos da bela e harmoniosa fonte de águas cristalinas, havia um corpo de homem jogado ao chão. Um corpo para cada banco, tendo em vista que aqueles bancos eram dispostos de forma cardeal, um era colocado ao norte da fonte, outro colocado ao leste, o terceiro ao oeste e o último ao sul. Porém todos eles ficavam em volta da grandiosa e bonita fonte. Os corpos tinham todos em si, fisionomias de agonia e aflição. Cada corpo deixara para trás uma grandiosa trilha de sangue, que tinha início na própria fonte que embelezava o local, até os seus respectivos corpos.

Com uma ordem de Hoye, os homens que se totalizavam em 6, ficaram em volta da praça, ficando do lado exterior, fazendo a guarda. Todos eles estavam bem armados e cautelosos, pois a situação requeria isso. Então, como os guardas estavam fora do círculo central da praça, os 4 homens foram direto ao centro, para investigar melhor a situação.

Luíz fora na frente, e desviando-se dos corpos, fizera um círculo completo em volta da fonte, tentando analisar o que fosse possível daquele cenário. Ao completar a volta, ficara próximo do banco que apontava para o sul, olhou aos demais homens e disse, se agachando:

— Vocês perceberam que cada um desses corpos está seguindo a forma cardeal da rosa dos ventos? – Enquanto falava, ele tocava com cuidado o corpo de uma pessoa que em vida já fora um oficial de seu império. O corpo estava gélido, sua expressão era de tremenda surpresa.

— Sim – disse Hoye – voltando a roçar em sua barba cheia e ruiva – só estou tentando ligar os pontos, qual seria o sentido disso? – perguntou de forma aberta, sem direcionar a pergunta a alguém.

— Veja – iniciou Kramer – Cada corpo, independente do lado que fora colocado, tem uma trilha de sangue que começa na fonte e termina no próprio corpo – disse dando passos cautelosos e com um olhar fixo ao que estava dizendo - seguindo a minha linha de raciocínio isso quer dizer... – dizia querendo procurar um contexto.

— ...Que estamos sendo avisados que seremos atacados – Iniciou Estevão, de forma firme e educada, olhando para Kramer como se pedisse autorização para continuar falando, o que recebera com um suave aceno de cabeça do barão – o que significa que a qualquer momento, qualquer instância, poderemos sofrer algum ataque de um dos lados. Ou seja, tanto pelo norte, quanto pelo leste, oeste ou sul.

Ao terminar de dar o seu parecer, Hoye que estava de costas, olhou para Estevão. Só que dessa vez não dava para dizer qual era o tipo de olhar que ele estava dando. Já o Imperador que estava agachado se levantara, também olhando para Estevão quase se permitiu um breve sorriso, mas como a situação cheirava a morte, ele apenas se permitiu dizer:

— Faz sentido – disse andando para fora do círculo central – preciso tomar um ar – e saiu, ficando apenas Hoye, Kramer e Estevão dentro do círculo.

— SE ABAIXEM!!! – os 3 homens ouviram um dos guardas gritarem, como um alerta.

E de repente barulhos de tiros puderam ser ouvidos, e como instinto Estevão correu para trás da fonte, no lado Sul, e rapidamente Kramer fez a mesma coisa, não antes de puxar rudemente Hoye, para não ficar na linha de fogo.

— O imperador – gritara Estevão para Kramer.

— Eu estou bem – respondera ao grito também o Imperador – Apenas devolvam fogo - enquanto falava, começara a descarregar seu rifle longo e bonito - eles não nos emboscaram por trás. Consigo dar cobertura por aqui. Vamos, REAJEM!

E como uma injeção de vitalidade Hoye pegou sua arma e começou a atirar para frente, no lugar onde ficavam as árvores e partes da rua. Não dava para ver muita coisa, mais era possível se defender. Kramer pegou também sua arma, mas pensou de forma estratégica, e assim se levantou para atacar com mais cautela. Estevão estava apoiado de costas na fonte, sentado no chão. Estava olhando seu revólver, e não sabia o que fazer, estava suando, tremendo e estava muito tenso. Só ocorreu a ele que estava sentado em cima de uma das trilhas de sangue depois que se acalmou um pouco.

— Vamos, REAJEM! – tornava a dizer o imperador aos seus homens – REAJEM!

E então Estevão respirou fundo, e junto aos outros dois homens, ele se agachara e ficara trocando alguns tiros atrás da fonte.

A essa altura, dos 6 guardas, 3 foram abatidos pelo que Estevão pôde ver, e alguns gritos de dor podia ser ouvido ocasionalmente. A fumaça de dispersão das pólvoras era muito visível, e o barulho dos tiros era alto, quase ensurdecedor. Junto a essas coisas, Estevão sentiu respingos em sua roupa, porém não era possível que seu suor fosse tamanho, para que se banhasse todo. Ao olhar para cima vira que uma fina, porém forte garoa começara a cair de um céu escuro e profundo.

O grupo adversário começara a recuar, e um dos guardas que estavam em forma de triângulo, disparando fogo, diziam:

— Eles estão correndo, eles estão correndo, estão recuando – o grito ecoava.

Nisso numa visão clara que Estevão pôde ter, ele foi avançando de forma impulsiva para o começo das árvores, no sentido Norte.

— EI, SEU IDIOTA – começou Hoye – O QUE ESTÁ FAZENDO! QUERES MORRER COMO UM PORCO?

Mas Estevão pareceu não dar ouvido, alguns berros foram dados, porém ele continuou seguindo. Algo dentro dele o motivava continuar a correr, a seguir. Mas porque, e o que o fazia ficar motivado numa situação tão arriscada, de vida ou morte, ele não sabia.

Passou pelas árvores, e os guardas disseram:

— EI, se você for segui-los, ELES ESTÃO COBERTOS POR CAPAS DE COR MARROM, SÃO CAPAS ESFARRAPADAS!

E nisso Estevão continuou correndo.

A estrada a sua frente, estava praticamente sem nenhum sinal de vida, os estabelecimentos não se ousaram em abrir ou ninguém ousou em aparecer para ver o que estava acontecendo. A chuva continuava fina e forte, e algumas vezes Estevão passava a mão em seu rosto para tentar enxergar melhor. O que conseguira ver, era três figuras que corriam muito, e essas figuras como descritas, estavam encapuzadas. Porém Estevão percebeu que a figura do meio estava mais a frente das outras duas.

Uma dessas pessoas, que estavam mais lentas e mais próximas do alcance de Estevão, inesperadamente virou-se para trás, e numa medida rápida, Estevão viu que esse ser iria apontar a sua arma para ele. Então, como reflexo e uma atitude inesperada de si mesmo, Estevão disparou, acertando o peito dessa pessoa. Logo, abruptamente essa pessoa caiu fortemente ao chão, soltando um grunhido claro de dor. Pelo o tom do grunhido, e ao passar correndo rapidamente, Estevão conseguiu ver, se tratava de um homem forte e negro. Provavelmente tenha morrido, pensou.

A “caçada” ainda continuava, e a figura do meio num instante Estevão vira, quase parou para tentar inibir a atitude do último.

Num dado momento, numa bifurcação. As duas figuras se separaram, a pessoa rápida que estava no meio pegou o sentido da esquerda, e a outra, pegou a da direita.

Instintivamente, Estevão seguiu a figura da esquerda.

Estevão estava cansado, tenso e agoniado. Porém tinha o firme foco de continuar seguindo, até que respirou fundo e berrou:

— PARE! PARE! OU EU ATIRO.

Estava sendo um beco sem saída essa situação, então num rompante a figura adentrou o fundo do que parecia ser uma sucata.

— PARE! É a sua última chance!

A figura parou num rompante.

— LEVANTE AS SUAS MÃOS, AGORA! – disse Estevão aos berros, parecendo até o imperador minutos antes.

E assim a figura encapuzada obedeceu.

— Vire-se, devagar – Estevão falou de uma forma menos agressiva.

A figura então, obedecendo aos comandos do médico, virou-se de frente para Estevão.

— Está na hora de mostrar quem você é. Vamos, tire seu capuz, sem movimento brusco ou senão eu atiro.

Então, de forma calma e sem pressa, a figura desamarrou seu capuz e o jogou para trás, revelando sua identidade. Estevão por um momento não quis acreditar no que via a sua frente. Um misto de raiva, indignação e dúvida pairou em sua mente, e em sua cabeça um breve filme começou a correr em alta velocidade, mas rápida do que a carreira que teve que dar para perseguir seus alvos. Ocorreu a Estevão que o atentado sofrido, as pessoas que estavam mortas de forma estratégica, o sangue, a pessoa que perseguira era na verdade, Stella.

— Você – disse ele, incrédulo – Mas... Por quê?

Stella continuou agora com os braços abaixados, olhando para Estevão, como se estivesse analisando o que ele poderia estar sentindo nesse exato momento, como se quisesse criar alguma conexão para compartilhar tais sentimentos.

— Não é o que você está pensando – disse ela por fim.

Mas a raiva era grande, e Estevão não queria ouvir desculpas esfarrapadas a essa altura do campeonato, onde a sua própria vida estava em jogo.

— Ah! Cale-se – ordenou, apontando mais firmemente a arma contra a bela mulata a sua frente – É melhor que você não me diga nada, não saberei se será verdade, e não caberá a mim a julgar você. Considere-se presa, e condenada pelo império.

— Realmente eles são bons – rebateu Stella – eles já conseguiram fazer uma lavagem cerebral em você, com dinheiro, armas, segurança e status. Não pensei que você fosse tão fácil de sucumbir.

— E QUEM É VOCÊ PRA FALAR DE MIM, SUA PIRANHA! – berrou novamente Estevão, mais tenso do que nunca. Respirando visivelmente mais fundo, tornou a dizer – tu não sabes quantas vezes fiquei pensando em você, pensando se estava bem, viva ou no que estava fazendo. Por eu acreditar em que você era uma escrava fugitiva.

— Me xingar não vais ajudar em nada seu tolo! – disse uma Stella mais agressiva. Começou a andar para perto de Estevão.

— Fique parada, não me obrigue a atirar em você – disse Estevão, trêmulo.

— Você não vai – disse Stella – senão já o teria feito.

Na hora que Stella estava se aproximando, um vulto surgiu atrás de Estevão, e antes que ele pudesse fazer algo para se defender, ou ao menos reagir, esse vulto o pegou pelas costas, encaixando perfeitamente um mata-leão em Estevão.

— NÃOO – disse berrando Stella – Ele não.

— Ele matou Brad!! – exclamou o vulto.

Nessa conversa, como Estevão estava sendo pressionado, o ar que já era pouco em seus pulmões pela a corrida de antes, estava se esvaindo junto com sua força. Sua arma caiu no chão barrento e mole pela chuva.

— Mas ele não, logo você saberá o porquê – replicou Stella.

E contra sua vontade, o vulto soltou Estevão, que caira imediatamente de joelhos no barro molhado, ofegante, louco pra conseguir um pouco de oxigénio. Estevão não conseguia dizer nada, apenas olhava para o chão, tentava se recompor.

— Olha – iniciou Stella – não terei tempo de te explicar nada por agora. Mas se você quiser conversar melhor – disse ela pegando dentro de um bolsinho que tinha embaixo do capuz, um pergaminho amarrado por um elástico, que estava dentro de um saquinho – Vá para esse lugar.

Como Estevão não reagiu e não pegou o saquinho na mão de Stella, ela o jogou na frente dele. Estevão continuava ajoelhado olhando diretamente aos olhos da mulata, seu corpo completamente encharcado pela chuva que agora estava mais forte, deixando de ser uma garoa consistente.

— Estevão, eu espero por você – disse por fim partindo em retirada com o homem negro que abordava Estevão de surpresa.

A chuva ainda caía, e o frio se alastrava pelo corpo do Estevão, ainda ajoelhado com o pequeno pacote transparente a sua frente. Ele pegou o pacote, guardou dentro de seu paletó. Então como se tivesse perdido o último trem de sua vida, ele se jogou de costas e ficou naquele chão barrento e úmido. Recebendo em seu rosto, naquela sucataria, a chuva que caia agora muito mais forte e impiedosa.

Lá estava ele, deitado com a perna esquerda dobrada, a direita estirada e com seus braços abertos, como se estivesse disposto a querer abraçar o mundo, o céu escuro, as estrelas, ou a lua. Estava em fortes devaneios, estava confuso e não sabia no que acreditar.  Estaria Stella promovendo o caos em Lisboa, sua terra natal, a mesma terra que passara brincando muitas vezes com Herbert. E se estivesse, por qual motivo estaria fazendo isso?

Seus devaneios se interromperam quando Estevão ouviu a voz de Hoye, inconfundível, ao longe, aos berros dizendo:

— Vamos continuar, ele deve estar por aqui!


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Notas finais do capítulo

Bom galerinha, eu espero que vocês tenham se convencido da minha escrita na parte de ação, pois estou treinando e não sei se está sendo compensatório.
No demais, agradeço grandemente a vocês por estarem lendo, seguindo e favoritando minha fic.
Isso é gratificante.
Até a próxima =)



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