Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 14
Corações de Vidro


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores! Espero que se divirtam tanto com este conto como eu me diverti escrevendo, apesar do "drama" rsrs.

Conto após Anjo da Morte.

Música: Heart of Glass - Blondie



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Magrí leu e releu a carta de Crânio sentindo uma centelha de felicidade que há muito tempo não sentia. Já tinha metade do que iria escrever para ele pronto na sua mente, que não esquecia de nada facilmente, e já se preparava para escrever. O último parágrafo da carta era o que a deixou intrigada.

Parecia que o namorado queria dizer alguma coisa a ela, mas não tinha coragem ou se esqueceu... Humm, não. Crânio também não esquecia facilmente das coisas, mas ele sempre teve um pouco de dificuldade de expressar algum sentimento em estágio inicial, disso ela sabia bem. O parágrafo dizia:

"[...] Estou gostando das aulas e da minha estadia por aqui e estou seguindo seu conselho de não ficar com o nariz enfiado nos livros o tempo todo e me divertir quando puder. Eu tenho um pouco receio apenas de ficar muito preso por aqui e ser obrigado a ficar mais tempo afastado. Eu não desejo isso para mim, mas as circunstâncias...[...]"

Ele não completou o pensamento e se despediu com todas as palavras de carinho e amor que Magrí adorava ouvir dele. Aquele parágrafo continuava incomodando-a de qualquer maneira.

Tantas situações ocorreram em anos interiores por palavras não ditas e meias palavras mal explicadas e por sentimentos confusos.

Lembrou-se um episódio dos anos no Colégio Elite que em parte ela fez muito esforço para esquecer, mas que agora fazia com que ela risse e quisesse chorar ao mesmo tempo...

***

— Você sabe o que aconteceu na estréia do Rei Lear? Eu ainda estou chocada! Coitado do Calú, ele estava arrasado...

A garota ruiva estalou a língua sussurrando o mais baixo que conseguia, na biblioteca apinhada de alunos, para sua amiga de óculos à sua frente.

— Coitado? Realmente, mas tenho certeza que a Magrí deve ter consolado ele bastante...

— Como assim? O que ela tem a ver com isso?

— Ué você não ficou sabendo? Ela foi com Calú para a estréia da peça de braços dados e tudo mais!

— Mentira?! Mas eu achei que ela estava namorando ou o Miguel ou o Crânio!

A amiga deu um risinho de desdém sentindo aquele gosto de uma boa fofoca.

— Mas quem resiste ao Calú, amiga? Ele é um gato! Nem a culpo por estar se aproveitando dele..

— Quem está se aproveitando do Calú?

Uma terceira garota com rabo de cavalo no alto da cabeça juntou-se as duas amigas, franzindo a testa.

— A Magrí!

— Magrí?! — a terceira menina riu de deboche — Aquela dali é mais indecisa que só Jesus! Eu jurava que ela estava namorando com aquele menino campeão de xadrez.

— Eu acho que eles estão brigados — disse a menina de óculos — Faz tempo que eu não vejo eles cochichando nos corredores no final das aulas.

— Mas eles chegaram a namorar mesmo ou só estão de rolo? — indagou a menina ruiva — Por que sério, eu tenho minhas dúvidas por causa do Miguel, aquele menino que é o presidente do Grêmio. Eu já vi dois irem para casa juntos depois da aula, e pareciam bem íntimos...

A garota com rabo de cavalo deu de ombros.

— Também não sei, eu mal falo com ela nas aulas de Educação Física, mas eu já vi o Miguel rondando o ginásio várias vezes...

— Sei que os três são amigos, apesar de não andarem sempre juntos por aqui — disse a menina ruiva — Mas sobre o Calú, eu fiquei chocada quando eu vi! Pareciam mesmo um casal.

A menina com rabo de cavalo e a ruiva deram risadinhas pelo comentário, enquanto que a de óculos apenas deu um sorriso amarelo. Não gostava tanto de fofocas, ainda mais de Magrí que sempre a tratou com gentileza quando tinham aulas juntas. Por isso sentiu-se desconfortável.

O desconforto dela aumentou quando a figura alta e esbelta de Marina — uma menina bonita do primeiro ano do Ensino Médio — aproximou-se da mesa das três com o seu habitual ar arrogante.

— Eu não puder deixar de ouvir o que vocês estavam conversando... — começou ela.

— Poderia sim — murmurou a menina ruiva. A amiga de óculos deu-lhe um cutucão para ficar quieta.

A expressão de Marina ficou mais azeda, mas se ela escutou não deu atenção. Continuou:

— Vocês têm certeza que Calú está namorando com aquela magrela?

A menina de rabo de cavalos deu de ombros novamente.

— Você conhece o Calú, ele sempre tem uma menina favorita até enjoar dela e trocar por outra.

— Ah mas eu acho que sim! — disse a ruiva — Talvez para fazer ciúme para o Crânio.

Marina acenou sem dizer mais nada e saiu, pisando duro. As três garotas se entreolharam sentindo aquela pontada de culpa por falarem da vida alheia, mas não passou disso. Logo voltaram-se a outros assuntos de forma animada, exceto a menina de óculos que sentia que sem querer, colocaram Magrí em uma encrenca.

***

A fofoca se espalhou como um enxame de abelhas pelos corredores do Colégio Elite. A opinião quase unânime dos alunos antes da história "vazar" era que Magrí e Crânio estavam paquerando, enquanto Miguel tentava conter seus ciúmes da menina pelo bem da amizade com os dois.

Com a entrada de Calú no "drama", para os alunos fofoqueiros e fuxiqueiros da escola — que não eram poucos — era um acréscimo excitante para uma história que estava um pouco esquecida devido a outros escândalos, sussurrados com a emoção digna de último capítulo da novela das oito.

Era engraçado como cada fuxiqueiro dramatizava cada vez mais o que começou como um simples comentário. Os envolvidos do "crime" por suas vezes tinham nada a dizer sobre aquilo — pelo menos não de forma aparente.

Magrí estava muito ocupada com as provas finais do bimestre e os treinos da ginástica olímpica para a final do competição por estados dali alguns dias, para prestar atenção em tudo aquilo. Ela sendo a melhor atleta dentre todas as escolas inscritas, iria representar o estado de São Paulo na final do solo. Havia grandes chances dela conquistar o primeiro lugar no aparelho, já que das outras vezes, ela perdeu para a atleta do Rio Grande do Sul.

Claro, ela levou a melhor nas barras e no salto, contudo ela estabeleceu como objetivo e questão de honra vencer no solo para conseguir uma excelente pontuação e uma vaga para o Mundial no próximo ano representando o Brasil.

Para isso, a garota estava treinando todos os dias com determinação, já que perdeu muito tempo de treino pelo braço ferido. Muitas foram as desculpas e pequenas mentiras que precisou inventar para a Profª Iolanda e suas outras colegas de treino sobre o braço... A menina teve uma sorte grande pela recuperação rápida, do contrário, ficaria de fora da disputa, para sua grande tristeza.

Estava com esses pensamentos enquanto se arrumava no vestiário para ir para casa depois de uma tarde longa de treinos. O corpo estava cansado e pedia por sua cama macia, mas a mente divagava e de repente, lembrou-se do ator dos Karas. Estava muito preocupada com Calú, porque ele andava melancólico desde a morte do professor Solomon Friedman e todos os acontecimentos sinistros que se seguiram.

E o beijo que deu nele a deixou ainda mais confusa com seus sentimentos. Nem ela conseguia justificar para si mesma o que fez, a única coisa que queria era ajudá-lo, mas não sabia como.

O que diabos estava acontecendo com ela? Realmente ver um garoto tão bonito como Calú triste daquela forma não era bom da sanidade de ninguém.

Não era só isso. Magrí estava "encucada" com Miguel, pois o garoto parecia estar com um pouco de raiva dela, mas não sabia dizer porquê. Quando perguntou a ele, disse que estava tudo bem, etc. Tentou de todas as formas descobrir o que ele tinha, mas tudo em vão. Se ele achava mesmo que a enganava, estava muito errado...

Para piorar a situação, havia Crânio e quando lembrava dele sentia uma pontada doída no peito. O rapazinho estava distante e conversava com ela apenas o necessário — perguntava do braço, se ela estava se alimentando e da importância de seguir à risca as prescrições do médico e coisas do tipo. E só. Se ela tentava falar de outros assuntos, ele se desviava de qualquer tentativa e saia do perto, ou desligava o telefone.

Crânio também não estava mais ficando até mais tarde na sala de música treinando no piano, já que ouviu ele comentando com Laerte, o colega do rapazinho, que ganhou um piano de mesa de presente de aniversário dos pais. Haviam as provas, claro e ela tinha certeza que ele estava ocupado estudando como sempre, mas Magrí o conhecia bem e sabia que ele usava a sala de música mais por causa dela.

O que estava acontecendo com ela e seus amigos? Porque as coisas estavam ficando tão esquisitas entre os quatro? Com Chumbinho tudo parecia normal, pelo menos...

Percebeu que as risadas e as conversas das suas companheiras cessaram de repente, num silêncio abrupto, mesmo absorta nos seus problemas. Alguém havia acabado de entrar no vestiário sem bater. Para a surpresa de todas as garotas, Marina entrou e sem cumprimentar ninguém, dirigiu-se a Magrí:

— Posso ter uma palavrinha com você? A sós.

Ela encarou as outras garotas com um olhar contido de desprezo, antes de colocar a bolsa em um dos bancos do vestiário sem a menor cerimônia, como se ela fosse a dona o local.

As outras meninas se entreolharam e encararam Magrí sem saberem o que fazer. A menina dos Karas acenou pedindo para elas saírem, já que Marina não iria fazer tal coisa, pelo jeito.

Relutantes, uma a uma elas foram deixando o vestiário. Antes de fechar a porta atrás de si, Natália murmurou um "bruaca" para as costas de Marina. Magrí segurou o riso.

— Eu não tenho muito tempo, então serei direta — começou Marina arrumando o longo cabelo preto para trás — O que há entre você e Calú?

Magrí abriu a boca em espanto, sendo pega de forma completamente desprevenida. Ela tentava se lembrar de onde conhecia a garota à sua frente. Com esforço, recordou-se de vê-la ensaiando no grupo de teatro para a próxima peça. Marina era a menina que seria Julieta que junto com Calú, que faria o papel de Romeu, formariam o casal para a peça de Shakespeare.

No entanto sentiu a raiva borbulhar no estômago. Do que ela estava falando? Elas mal se conheciam, oras!

— Não há nada e mesmo que se tivesse, não acho que seja da sua conta, não é mesmo?

Marina cruzou os braços e o olhar que dirigiu a Magrí teria feito qualquer covarde sair correndo. Mas não a menina dos Karas, que manteve o queixo bem levantado.

— É sim da minha conta, querida — a palavra saiu carregada de ironia — Já que eu e Calú estávamos saindo juntos não tem um mês, até você se intrometer.

— Mas do que você está falando? Marina, eu não estou compreendendo o assunto dessa conversa!

Marina mordeu o lábio e o rosto estava ficando vermelho.

— Ora, então você não sabe o que estão falando de vocês dois? E você principalmente? A escola inteira jura que vocês estão namorando para fazer ciúmes para o seu namorado, o menino campeão de xadrez — ela sorriu com desdém — Vejo que você gosta de garotos que se destacam, não é?

Magrí passou a enxergar vermelho pela raiva que só crescia. A provocação de Marina a acertou em cheio, e se ela fosse uma menina descontrolada, teria esmurrada a outra ali mesmo.

Marina não lhe deu tempo de replicar:

— Calú não merece nada disso, apesar de eu também estar zangada com ele! Se você quer fazer joguinhos, escolha outro e deixe ele em paz!

— Você já falou demais com tudo baseado em fofocas mentirosas. Isso diz muito sobre seu caráter — Magrí não escondeu a acidez na voz — Calú é meu amigo e eu não sou esse tipo de garota manipuladora que brinca com os sentimentos dos outros. Não posso dizer o mesmo de outras nessa escola.

A menina encarou Marina com orgulho, e sem deixar ela falar, continuou:

— E se você e Calú estavam namorando, bem, não é da minha conta, mesmo ele nunca ter mencionado seu nome para mim em todo esse tempo que eu o conheço. Acho melhor você repensar esse seu relacionamento, não é mesmo?

Marina bufou.

— Não ouse me dar conselhos, porque não somos amigas e nem me interessa sua amizade! O recado está dado!

— Não sinto nenhuma pena por você pensar mal de mim, já que não me interessa a amizade de uma menina arrogante como você!

Marina não replicou, limitando-se a olhar feio para Magrí. Ela saiu pisando duro e batendo a porta. A menina dos Karas queria ficar sozinha, mas suas companheiras retornaram querendo saber o que a "chata que se achava a rainha do colégio" queria com ela. Magrí não pode se conter em indagar sobre as tais fofocas que rolavam sobre ela e Calú.

— Achei que você estava sabendo, mas não estava nem aí. Está rolando o maior falatório sobre você e Calú, e acho que envolveram também envolveram outros amigos seus... O presidente do grêmio e aquele garoto que chamam de Crânio.

— Esses alunos não têm mais o que fazer? — desabafou Magrí raivosa e chorosa — Como por exemplo, estudar para as provas e entregar os trabalhos do que sair falando mentiras? Por causa desse falatório é que a Marina veio até aqui!

Natália e Ana Paula, as companheiras mais próximas de Magrí, tentaram acalmá-la. Elas conseguiram superficialmente, mas a menina estava muito perturbada.

— Sabe — disse Ana Paula — aquele menino que é campeão de xadrez e que é seu amigo disse a mesma coisa quando foram encher o saco dele.

— Verdade? — indagou Magrí curiosa, os grandes olhos chorosos aumentando de tamanho — O que mais ele disse?

— Achei fofo a atitude dele em te defender dos fofoqueiros, dizendo para eles para deixarem você em paz e que você não é nada disso dos que estão falando por aí. Ele disse algo como "ela é a garota mais gentil do colégio inteiro e vocês deveriam sentir vergonha por desrespeitá-la", algo do tipo. De verdade, achei lindo.

Magrí teria chorado de verdade se estivesse sozinha. Por mais que ele mesmo talvez não estivesse muito contente com ela — Deus sabe o que ele estava realmente pensando de tudo aquilo — Crânio manteve sua lealdade e até a honra em defender a amiga de mentiras. Ela sentiu uma gratidão tão grande e uma vontade de vê-lo e agradecer pela gentileza, que ela teria ido atrás dele se não estivesse tão cansada, de todas as formas.

Agora que estava mais calma, repassando a conversa desagradável com Marina, ela se questionava se não era mesmo uma manipuladora. Será que ela estava brincando com os sentimentos de Crânio, Miguel e Calú sem perceber?

— Magrí, onde que esse povo tirou essa história? O que está acontecendo?

A menina dos Karas levantou os olhos bonitos com o rosto inexpressivo e triste.

— Nem eu entendo o que está acontecendo, Natália...

***

O ginásio do Colégio Elite estava lotado para a final da ginástica olímpica. As melhores atletas do Brasil disputavam uma acirrada vaga para o Mundial. Somente as três primeiras colocadas no inter-estados iriam fazer parte da delegação brasileira que embarcaria para o EUA.

Magrí conseguiu o primeiro lugar nas barras assimétricas, no salto, e o segundo lugar na trave de equilíbrio — a atleta do Rio de Janeiro conseguiu o primeiro lugar com apenas meio de ponto de diferença.

A disputa agora era o solo e Magrí não conseguia esconder sua ansiedade, pois temia a atleta gaúcha, pois o aparelho era o forte da moça, enquanto que a menina dos Karas sempre se saiu melhor nas barras. A disputa pelo primeiro lugar seria com ela, pois por Magrí ter ficado em segundo na trave, a média das notas das duas ginastas estavam dando o mesmo valor. O solo seria o desempate.

Ela não se lembrava de ter ficado tão nervosa como naquele dia. No vestiário, iniciou o pré aquecimento antes de se arrumar, para tentar se manter ocupada antes do início da disputa.

As aulas foram suspensas, então toda a escola estava presente para torcer por ela, mesmo em meio às fofocas que a envolveram nos últimos dias.

As fofocas foram aumentadas por meninas invejosas "partidárias" de Marina (que não eram poucas) para o seu total desgosto. Ela percebeu isso mais cedo quando passou às pressas se dirigindo ao ginásio e uma delas gritou:

— A Magrí Magricela não vale nada!

A menina as ignorou enquanto riam dela, mas ficou tão distraída que acabou esbarrando em alguém sem querer.

Sem graça, pediu desculpas para o garoto até perceber que era Calú.

"Droga, era tudo o que eu precisava agora", pensou ela. Era a primeira vez que não estava feliz de encontrar um dos Karas e daria qualquer coisa para fugir dali. Calú, por sua vez, estava no seu bom humor habitual, que não se afeta com nada de ruim.

— Relaxa, Magrí. Precisaria de mais força para me derrubar e eu espero que você ela para a competição.

— Obrigada, Calú.

O garoto deu seu sorriso charmoso e galante. Mesmo estando confusa, Magrí foi afetada pela beleza do amigo e pela mão carinhosa que ele colocou no ombro dela quando falou de forma mais baixa:

— Olha Magrí, sobre o que estão falando de nós, eu estou tentando fazer eles calarem a boca, mas não tem surtido muito efeito — ele deu um sorriso amarelo — Mas eu não dou bola e espero que você também não. Apesar de... Bem... Eu não consigo parar de pensar em você.

Ele parou e parecia deliberar alguma coisa, enquanto a mão que estava no ombro da menina foi para a cintura. Calú estava muito próximo, a meio centímetro de distância. A mente de Magrí entrou em curto pela proximidade, mas antes que ele encostasse os lábios nela, a menina o afastou delicadamente:

— Calú, não...

O ator dos Karas se afastou sem dizer nada, mas em seus olhos era nítido o desapontamento e que ficou magoado pela recusa. Magrí sentiu pena e teria ficado para conversar com ele, se não estivesse com pressa. Com um pedido de desculpas, ela entrou no vestiário com o coração em frangalhos.

Repassou aquele acontecimento várias vezes enquanto se aquecia, aproveitando a solidão do vestiário, sem sucesso em se sentir melhor. Queria ajudar o amigo, mas tinha a sensação que Calú estava tão confuso quanto ela em relação aos seus sentimentos...

Olhou o relógio da parede e viu que já era hora dela se trocar e se maquiar.

Tomou banho rapidamente para tirar o suor e quando saiu do chuveiro, foi até o armário onde guardava a bolsa. Para sua surpresa, o zíper estava aberto e suas coisas espalhadas. Porém, o que a fez ficar completamente zonza, foi ver os pedaços de tecido do seu lindo collant todo picotado ao chão.

***

Faltavam exatamente trinta minutos para o início da competição. Todas as atletas já estavam no ginásio se aquecendo e recebendo as últimas instruções. Profª Iolanda estava uma pilha de nervos, porque Magrí havia desaparecido e não fazia ideia onde a menina estava àquela hora!

Magrí por sua vez, contendo o desespero o máximo que conseguia para não desabar, saiu correndo para ver se conseguia pegar o outro collant — não tão bonito quanto o primeiro — em casa. Ela sempre andava com os dois, mas para o seu azar, naquele dia não colocou o de reserva na bolsa. E agora pagava o preço pelo descuido.

Ela não fazia ideia de quem fez aquilo, porém sabia que era comum sabotagens acontecerem em competições daquele nível. Só esperava que não fosse uma aluna do Colégio Elite a culpada, pois do contrário...

Quanto mais corria, tinha certeza que não daria tempo e o desespero começava a dominá-la.

Em um corredor vazio viu uma figura parada com um livro na mão. A menina se aproximou e sentiu o coração se aliviar de forma incompreensível.

— Crânio!

O rapaz se virou surpreso ao vê-la correndo até ele. Sem a menor cerimônia ou explicações, ela agarrou a mão do garoto e o arrastou até as portas dos fundos do vestiário. Estava um pouco escuro e não havia ninguém ali.

Magrí tomou as duas mãos de Crânio, que não escondia sua confusão — era nítido o ponto de interrogação gigante pairando na sua cabeça.

— Crânio, eu preciso da sua ajuda. Vamos fazer um roubo!

— O quê?!

— Mas é por uma boa causa. Preciso que você arrombe um armário para mim!

— Mas...

— Rasgaram o meu collant e eu não tenho outro! Vou ter que "pegar emprestado" o collant de uma outra competidora! Por favor, por favor! Eu não posso usar força, porque vão perceber...

O gênio dos Karas ainda estava um pouco confuso.

— Mas porque você não apenas pede emprestado...?

Magrí apertou as mãos deles com impaciência, sem deixar ele terminar a frase.

— É contra as regras! E não temos tempo, Profª Iolanda está atrás de mim e já deve estar furiosa...

— Ok, ok. Eu já entendi, fica calma.

Sem dizer mais nada, Crânio entrou no vestiário feminino, que para sorte deles ainda estava vazio. O garoto fitou as portas dos armários com senha, que mais pareciam cofres, onde as competidoras guardavam seus pertences, até escolher um e passar a fazer tentativas de combinação.

O tempo passava e Magrí ficava cada vez mais aflita vigiando a porta. Nem sinal da Profª Iolanda, porém ela com certeza iria checar de novo o vestiário...

— Consegui!

Com um sorriso de satisfação, Crânio abriu o armário, como se o que ele fez foi a coisa mais fácil do mundo. Magrí retirou o collant reserva da competidora sem esconder seu assombro.

— Eu ainda vou descobrir como você faz isso.

O garoto riu sem responder, e já estava saindo para dar privacidade para a garota se trocar. Magrí, contudo, o segurou e o abraçou com fervor, dando leves beijos no rosto do garoto. Sussurrou com a voz embargada.

— Obrigada, meu querido. Eu te adoro, muito e muito.

A porta do vestiário se abriu como um furacão.

— Magrí, menina! Graças a Deus! Te procurei por toda parte, eu já estava apavorada achando que derrubaram você da escada do colégio! Onde estava?! E o que esse garoto faz aqui?!

***

Na competição, Magrí chegou bem a tempo de ser convocada para se apresentar. Confiante e com um belo sorriso, ela saudou rapidamente a plateia se dirigindo ao tablado. A roupa e a maquiagem estavam impecáveis.

Teria exatamente noventa segundos de uma variação instrumental da música Heart of Glass da Blondie para apresentar a coreografia com os exercícios. Estava feliz por não ter escolhido uma música lenta, pois do contrário, perderia a concentração muito rápido. Ainda não entendia o que fez e disse na última meia hora, e era um milagre que a coreografia estava fresca em sua mente.

Todos os olhos estavam nela. De rabo de olho conseguiu ver todos os Karas na plateia, mas suas expressões e o que estavam pensando não pode distinguir. Não viu o olhar de raiva com mistura de desapontamento de Marina quando se posicionou no tablado.

A música começou e não demorou para os presentes a reconhecerem e alguns começarem a bater palmas para ela, como uma forma de animá-la.

A execução estava até o momento, sem nenhum erro ou desequilíbrio. Faltava apenas o último flic flac para o salto final — o que sempre errava nas outras competições — para encerrar a apresentação.

Respirou fundo, correu, jogou as mãos para o chão ficando de ponta cabeça, impulsionou o corpo para cima aproveitando a força, girou o corpo ainda de cabeça para baixo até ficar em posição vertical novamente.

Caiu no fim do tablado como uma pluma, sem perder o equilíbrio.

Nem ela acreditou que tinha executado tudo de forma perfeita! Os aplausos e assobios da plateia eram ensurdecedores, que encheu seu coração de alegria.

***

Grande foi a glória do Colégio Elite por ter levado sua melhor atleta para o Mundial de Ginástica Olímpica em primeiro lugar na classificação por estados. Os louros e as congratulações à Magrí pela conquista preencheram todas as conversas de corredores da escola, com as antigas fofocas completamente enterradas pelo seu feito, que não era pouco.

Um mar de abraços, congratulações, risadas e gritos de alegrias de amigas e amigos — incluindo seus queridos Karas — professores e vários colegas preencheram as horas após a final da competição.

No dia seguinte, não foi diferente e parecia que a garota já havia ganhado o Mundial, pelo nível do furor que estava o colégio e até alguns jornalistas esportivos vieram entrevistá-la.

Para auxiliá-la em responder as perguntas e escrever a matéria para o jornal da escola (e não passar vergonha, pois não era acostumada com tanta atenção daquele nível) alguns alunos do Grêmio Estudantil acompanharam a entrevista, incluindo Miguel.

Magrí estava feliz, claro, por ter a ajuda do amigo. Ele, no entanto, continuava esquisito com ela, até mesmo na hora que foi parabenizá-la. Enquanto ela respondia animadamente as perguntas dos jornalistas, ela sentia os olhos de Miguel observando-a da mesma forma como o conheceu, quando ele costumava assistir os treinos dela. A menina não sabia o que pensar e a angústia por tantas dúvidas eclipsava um pouco sua alegria.

Além disso, ela desconfiava de Marina como a responsável pelo seu collant estragado. Não conseguia conter a raiva que sentia toda vez que via a garota pelos corredores. Jamais foi dada ao sentimento de vingança por causa de sua nobreza de coração, e com muito custo se conteve.

Desistiu de forma definitiva de qualquer retaliação com a garota pela pena que sentiu quando descobriu que Calú deu um fora nela. Marina chorou no banheiro feminino a tarde inteira.

Estava ainda absorta nesses pensamentos enquanto percorria o caminho para casa, quando escutou alguém chamá-la. A menina parou e viu Crânio se aproximar rapidamente.

— Acho que eu não te dei os parabéns direito.

O garoto a abraçou ali mesmo, bem apertado, tirando-a do chão. Magrí arfou de surpresa pela ousadia dele, porém não pode mentir para si mesma dizendo que não gostou da demonstração de carinho, já que o gênio dos Karas não era dado a exibicionismo do tipo em público.

Mais tarde, ela se questionou quais eram as motivações dele, porém estava zonza pela proximidade e não conseguiu raciocinar direito por vários segundos enquanto Crânio a segurou. Quando ele soltou, Magrí estava vermelha como um tomate e o rapazinho parecia inebriado pela coragem que teve e por ela não o ter rejeitado (como temia).

Ela riu de nervoso e quase tropeçou nos próprios pés quando falou.

— Obrigada, Crânio.

— Eu estava pensando... — o gênio dos Karas tinha um sorriso entre a timidez e o nervosismo e não a olhava diretamente — Eu estava pensando se você não queria tomar um sorvete comigo agora?

Magrí abriu a boca em surpresa. Ela ouviu bem? Ele a estava convidando para tomar sorvete? Só os dois? Como se fosse um encontro romântico? Mas ainda estava com o uniforme da escola! E o cabelo estava feio e preso por estar muito embaraçado pelo laquê...

Ela empurrou esses pensamentos para o fundo da mente. Sorriu da sua forma mais bonita.

— Eu adoraria...


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Magrí está ocupada demais para se juntar aos meninos para comer pizza, jogar e conversar na casa de Miguel, como tinham costume de fazer. Sendo assim, somente os meninos, incluindo Chumbinho, se reúnem para jogar. Mas Crânio, Calú e Miguel estão se estranhando...

Bjos!



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