Deja Vu escrita por AmanditaTC


Capítulo 5
Eternamente




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Dumbledore estava no mesmo lugar em que o deixara antes de sair correndo. Não dava nenhum significado oculto ao olhar puro e plácido que lançou ao jovem ruivo. Esperou apenas que ele se aproximasse e, quando o notou bem perto, convidou-o para um passeio.

 

- Não, obrigado! Nada mais de passeios, professor.

 

- Pensava em andar aqui mesmo pelo jardim, Sr Weasley. Mas já que tocou no assunto, por que tomou essa decisão?

 

- Porque essas viagens não vão mudar nada. Eu vou continuar aqui e as pessoas que eu amo vão continuar lá. E lembrar dos nomes e dos momentos que passamos juntos não vai me ajudar a superar a saudade e o vazio que eu sinto aqui dentro.

 

Dumbledore colocou a mão direita, a mesma que estivera machucada antes de sua morte, sobre o ombro do rapaz, encarando-o com aqueles enormes olhos azuis.

 

- Rony, essa é uma decisão que não cabe a você tomar.

 

- Claro que cabe a mim. É a minha vida, são as minhas lembranças e...

 

- E elas são parte de você – interrompeu Dumbledore de maneira delicada. – Se as deixar para trás, vai se sentir cada vez mais incompleto, até que irá perder toda a sua identidade.

 

- Eu não me importo – retrucou, embora a voz estivesse perdendo a firmeza.

 

- Importa sim, dá para ver no seu olhar. Rony, eles também vão fazer essa viagem e como será que vão reagir quando chegarem aqui e perceberem que você os esqueceu? Meu rapaz, esquecimento e remorso são duas bagagens que você não pode levar nessa vida.

 

- Eu tenho medo de lembrar o resto, professor Dumbledore.

 

- Garanto a você que ainda tem muita lembrança bonita na sua vida, Rony – respondeu, comovido. – Agora venha, você precisa descansar.

 

Com a ajuda dos curandeiros, Dumbledore conseguiu fazer Rony adormecer, e o manteve assim durante alguns dias. Não podiam arriscar outra crise nervosa e colocar em risco a total recuperação do rapaz.

 

Ele estava entre os pacientes há quase cinco anos. Já havia passado da hora de ir para um plano mais elevado. Para isso, era fundamental recobrar a memória.

 

Quando finalmente acordou, uma semana após a descoberta mais dolorosa que havia feito, Dumbledore já o esperava.

 

- Mais calmo?

 

- Bastante. Desculpe se fui estúpido em algum momento.

 

- Não precisa se desculpar. Também reagi mal quando percebi o que havia acontecido, embora a perspectiva da morte nunca tenha me assustado de verdade. Há uma grande mudança em jogo quando chega a nossa hora. Mas agora eu me sinto responsável pelo seu futuro. Está mesmo pronto para continuar?

 

Rony balançou a cabeça afirmativamente. E mal atravessaram os portões dourados, já avistaram a casa colonial. O rapaz foi até a janela, esperando observar a mulher de cabelos castanhos.

 

Ela não estava em sua poltrona. E o livro que antes ela segurava, agora repousava sobre a mesa de centro. Não perguntou nada para Dumbledore e atravessou a parede da casa, procurando pela mulher.

 

Dumbledore não entrou atrás dele. Confiava nas pessoas, e mesmo a traição de Snape não lhe fez mudar. Esperava agora que Rony soubesse honrar essa confiança.

 

Dentro da casa, o rapaz se identificava com cada pequeno detalhe. A almofada de Bichento, o meio-amasso que a mulher criava desde adolescente, o malão de Hogwarts, com o nome dela já meio apagado, e que agora servia de cama para uma velha elfa adormecida entre muitas cobertas coloridas.

 

- Do jeito que ela sempre falou que seria – disse para si mesmo.

 

Alcançou as escadas e subiu lentamente os degraus atentando para as fotografias que decoravam a parede, umas bruxas, outras trouxas. Mas ali não havia nada que pudesse lhe trazer lembranças, apesar de se reconhecer em algumas daquelas imagens.

 

Nada no andar superior trazia qualquer referência do passado. Um quarto de casal, que ele tinha certeza de não ter ocupado, um outro quarto ainda inacabado, pintado de amarelo claro, e um banheiro impecavelmente limpo.

 

Voltou para o primeiro andar e um barulho de chave rodando na porta chamou sua atenção. Procurou se esconder antes de se dar conta de que, em seu estado atual, ninguém poderia vê-lo.

 

De qualquer modo, decidiu sair do caminho e se encostou à estante de livros, enquanto observava a mulher passar carregando pesadas sacolas de compras, que foram depositadas sobre a mesa da cozinha.

 

Ela retirou a capa, pendurando-a no cabideiro da sala, e sentou com alguma dificuldade em sua poltrona preferida. A barriga, de quase sete meses de gravidez, começava a pesar e ela se cansava facilmente.

 

Rony se aproximou, cauteloso. Ajoelhou-se ao lado da mulher que lhe provocava tantos sentimentos incomparáveis. Esticou a mão na direção da barriga e tocou-lhe de leve. A mulher teve um sobressalto e ele se afastou rapidamente.

 

Ela passou a mão no mesmo local que ele havia encostado antes e sorriu, murmurando para si mesma:

 

- Acho que vai chegar o dia de você sair daí e eu ainda não terei me acostumado com seus chutes!

 

Apoiou-se no braço da poltrona e levantou com a mesma dificuldade com que se sentou momentos antes.

 

- Isso merece uma comemoração! – disse enquanto ia até a cozinha preparar um chá. – Você sempre vai ser motivo de comemoração.

 

Rony riu. Então o susto dela foi com um chute do bebê. Fleur também se assustava com isso, lembrou-se emocionado.

 

Fleur era casada com seu irmão Gui. E engravidou durante a guerra, passando muita aflição sem saber se Gui voltaria para casa cada vez que saía para realizar alguma missão.

 

Elise, sua sobrinha, nasceu forte, rosada, e Gui parecia tão criança quanto ela. Chorava comovido com a pequena em seus braços. E ali, na maternidade do St. Mungus, abraçado a mulher de cabelos castanhos, ele fez planos para o futuro. Planos que envolviam crianças, uma casa colonial de dois andares e almoços de domingo na Toca.

 

Foi até a cozinha, onde a mulher se sentara com a xícara de chá nas mãos. Mexia o líquido com uma colher pequena, sem atentar para o que realmente estava fazendo, ainda sorrindo com o chute do bebê.

 

Ela retirou a colher do chá e levou a xícara aos lábios. Rony olhou o talher de prata depositado sobre o pires. Era uma colher de chá.

 

- Colher de chá!? – pensou dando um passo para trás.

 

“Se não tivesse a amplitude emocional de uma colher de chá...” – ouvia ela dizendo para ele. Falavam do relacionamento de Harry e Cho Chang, uma garota de olhos puxados pela qual Harry se encantou antes de namorar Gina. Invariavelmente, ela tinha o dom de lhe fazer parecer um tolo.

 

Foi assim durante o Baile de Inverno, quando entrou toda produzida ao lado de Vitor Krum. Foi assim quando ele jogou particularmente bem um jogo de quadribol na escola. Foi assim quando ela o viu com Lilá. E nem mesmo quando ele quase morreu envenenado ela parou de implicar com ele.

 

E mesmo assim, a única coisa que ele sempre quis foi ficar ao lado dela. E foi com uma colher de chá, com aquela colher de chá que ele se declarou para ela.

 

Comprou a colher de prata numa das idas até o Beco Diagonal. Durante a festa de casamento de Gui, aproveitou um momento em que todos dançavam e apenas eles permaneciam na mesa, tirou a colher do bolso, entregou para a moça e perguntou:

 

- O meu coração cabe nessa colher. Se você não se importar com o fato dele ser tão pequeno, ele é seu.

 

Ela sorriu da forma mais bonita que ele já tinha visto e apenas respondeu:

 

- Não vou pegar seu coração para mim. Não é justo! Façamos uma troca: eu fico com o seu se você aceitar cuidar do meu.

 

Eles escaparam dos amigos na festa e foram para o campo, atrás da Toca, observar as estrelas. Mas o céu estava coberto por grossas nuvens que ameaçavam cair numa chuva pesada a qualquer momento. Eles não se importaram. Deitaram na relva e ela apontava para onde cada uma das constelações que aprendera nas aulas de Astronomia deveria estar, encoberta pelo céu nublado.

 

- Aquela ali é Lira. A constelação dedicada a Hermes. A minha constelação – brincou, enquanto explicava que seu nome era uma variação do deus da mitologia grega.

 

- Eu não tenho uma constelação – respondeu, tentando parecer desapontado. – Mas tenho uma foto bem acabada do meu tio Ronald. Ele deve ser tão velho quanto essas estrelas.

 

Eles ainda riram muito quando a chuva chegou. Os pingos grossos e gelados machucavam a pele e eles correram, procurando um lugar para se abrigarem até a tempestade passar.

 

Estavam quase alcançando uma árvore quando ele estancou. Segurou o pulso da moça e a puxou, virando-a de frente para si. Hesitou um segundo, mas a alegria estampada no rosto dela foi mais que um convite para um beijo. O primeiro beijo, com o qual mais tarde ela zombaria da cunhada, dizendo ter sido bem mais romântico que aquele no meio do Salão Comunal.

 

Estar com ela era bem diferente de ficar com Lilá Brown, sua primeira namorada. Não havia nenhuma “paixão hormonal” entre eles. Era só amor. Amavam-se todos os dias, mesmo que não se vissem. Amavam-se em cada gesto e em cada pensamento.

 

Passaram meses viajando ao lado de Harry, caçando pedaços de alma presos em objetos mágicos. Enfrentaram todos os tipos de desafios e problemas, mas ele sentia que enquanto ela estivesse ali, ao seu lado, seria capaz de tudo.

 

A guerra estourou e o campo de batalha não foi outro senão o vilarejo de Hogsmeade. Muitos bruxos tomaram partido, apoiando o Lorde das Trevas ou a Ordem da Fênix, que saíra do anonimato para assumir a oposição às crueldades dos comensais da morte.

 

Eles deveriam seguir para Hogsmeade junto com os outros. Faziam parte da guarda de Harry, o único que sabiam ser capaz de destruir Voldemort de uma vez. Esconderam-se no número 12 do Largo Grimmauld. E despediram-se ali, na sala aquecida pela lareira.

 

Não havia mais ninguém na casa além deles e de Harry, que havia se trancado no quarto para tentar controlar os nervos, muito abalados nos últimos dias.

 

A primeira vez de ambos. Ela tremia, emocionada, enquanto se despia. Ele passeava as palmas das mãos por cada parte do corpo da namorada. Os olhos fechados para sentir tudo com mais intensidade.

 

Um beijo molhado, apaixonado, quente. Um abraço febril e um momento que ele jurara que não esqueceria. Como pôde deixar que justo essa lembrança se perdesse em sua mente?

 

Quando se abraçaram, mais calmos, ele sussurrou ainda mais apaixonado:

 

- Você faz parte de mim agora! Isso não foi uma despedida, foi um casamento.

 

Ela sorriu de volta e o beijou ternamente. Olhou para as mãos entrelaçadas e perguntou, em gracejo:

 

- Então agora eu sou uma legítima Srª Weasley?

 

- Com todas as honras. Só me lembre de lhe comprar um relógio igual ao da minha mãe quando a guerra acabar.

 

Antes de amanhecer, eles deixaram a segurança do Largo Grimmauld e foram para a guerra. Lutaram como verdadeiros heróis. Derrotaram comensais, lobisomens, vampiros e dementadores.

 

No meio da batalha, ele percebeu que ela estava encurralada. Era sem dúvida a bruxa mais brilhante do mundo e, quando o exército inimigo percebeu isso, resolveu que teriam mais sucesso se a eliminassem.

 

Aos poucos, cinco comensais foram empurrando a jovem para um beco sem saída e sem saber o que fazer para ajudar, ele seguiu o grupo. Sua namorada já havia desarmado quatro deles, mas a última, Bellatrix Lestrange, não era tão fácil de ser derrotada.

 

Se tivesse tempo, sabia que ela preferiria torturar a garota até deixá-la completamente louca. Mas o momento era crucial e Bellatrix ergueu a varinha e começou a conjurar a Maldição da Morte.

 

- Hermione! – berrou enquanto se jogava na frente da namorada, absorvendo todo o clarão verde que saía da varinha de Bellatrix.

 

Rony não viu o reforço chegar, atraído pelo seu grito. Não viu Hermione cortar Bellatrix ao meio conjurando um Sectumsempra com ódio, antes de se jogar sobre ele, chorando desconsolada. Não viu Harry vencer a guerra e acabar seriamente ferido, ficando cinco anos em coma no St. Mungus.

 

Apesar da dor que sentiu ao lembrar aquele momento, Rony se sentiu aliviado. Finalmente havia lembrado o nome dela. E ali, parado na cozinha da casa de Hermione, ele sentia o que provocava tanta saudade. Era a presença dela aconchegada em seu peito, como ela ficou tantas vezes, como ela dizia que ali era o seu lugar desde sempre, colada a ele.

 

E agora ela estava ali e ele não podia tocá-la. Aproximou-se mais uma vez para se despedir. Sua memória se recuperou e ele sabia que isso significava a evolução pela qual ele vinha esperando. Tentou passar a mão pelos cabelos fofos e perfumados que ele tanto amava, mas sua condição atual impedia que ele a tocasse.

 

- Hermione, se eu pudesse... Só mais uma vez... – falou para si mesmo.

 

A jovem mulher sentada à mesa da cozinha olhou para os lados. Teve a impressão de ouvir seu nome. De ouvir a voz dele chamando seu nome.

 

- Estou delirando, mais uma vez! – disse a moça com um suspiro.

 

Tornou a mexer o chá distraída e levantou a colher para depositar no pires. Olhou o talher que guardava com tanto carinho e soltou-o, assustada. Pensou ter visto o rosto de Rony refletido na prata. Riu da própria imaginação e pegou a colher de volta. Mas a imagem de Rony atrás de si continuava a refletir na colher e ela levantou da cadeira mais rápido do que pensou conseguir.

 

Apesar de não conseguir vê-lo, esticou a mão na direção de onde ele deveria estar, permanecendo incrédula diante da própria atitude.

 

- Feche os olhos – ouviu a voz dele dentro de seu coração.

 

Obedeceu sem questionar. Apesar da leve tontura que sentiu, logo divisou entre a escuridão provocada por suas pálpebras, um clarão incomum.

 

- Rony – pensou, emocionada. – Você veio me ver?

 

- Eu sempre vejo você, Hermione. Eu carrego seu coração dentro de mim, esqueceu? Não tem como nos separar.

 

Do lado de fora da casa, Dumbledore sentia o quanto aquele momento era especial. E desejou com força que aquele jovem casal tivesse mais uma chance.

 

O pedido do velho bruxo foi atendido pelas forças superiores e logo uma luz muito forte iluminou a casa colonial e ofuscou a visão de Hermione. Quando ela finalmente se acostumou com a luminosidade, Rony estava de pé, parado a sua frente.

 

Ela riu, com os olhos marejados, vendo que ele estava bem. Os cabelos vermelhos cortados de um jeito displicente, um traje de pano cru e sapatos leves.

 

- Você está lindo! Não está de marrom.

 

- Eu só queria lhe dizer o quanto você ficou ainda mais maravilhosa com essa barriga e realizando todos os sonhos que foram nossos.

 

- Não é justo que eu não os realize com você.

 

Ele esticou a mão, tocando de leve o rosto dela.

 

- Então, os realize por mim. Aproveite cada momento por nós dois.

 

Hermione levantou o braço e pegou a mão com que ele lhe acariciava o rosto.

 

- Amo você!

 

- Também amo você, Srª Weasley. Vou amar sempre e mais um pouco depois disso.

 

A luz foi sumindo, a imagem de Rony se esvaindo e Hermione estava novamente em sua cozinha, como se nada tivesse acontecido.

 

- Rony? – chamou, esperançosa.

 

Não obteve resposta. O rapaz já estava ao lado de Dumbledore, rumo ao centro de recuperação, onde arrumaria suas coisas para seguir em frente.

 

Sentada na poltrona de veludo vinho, Hermione acariciava a barriga, enquanto fitava o horizonte.

 

- Sempre e mais um pouco depois disso – repetiu para si mesma.

 

 

 

 


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