Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 40
XXIX. De todas as crueldades do mundo


Notas iniciais do capítulo

Panditores do meu ♥,

eu abri os reviews todinhos pra responder agr mas já sei que eu vou demorar horas nesse processo - que peninhah né, esses reviews grandes e lindos ♥ -, então decidi não esperar finalizá-los pra publicar o capítulo novo que revisei ainda hoje. 2bj de purpurina!

Boa leitura! ♥



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Calmaria, para mim, é algo normal.

É tão normal que, caso eu não tivesse ouvido a vida toda que "Caleb, você é tão calmo", eu provavelmente nem descobriria que isto era uma característica minha, porque pensaria que todo mundo é como eu. Só que eu ouvi isto por muitas vezes de pessoas diferentes, além de várias coisas parecidas, então eu soube é algo meu.

Talvez seja por isto que, em plenos quinze anos de idade, na tal da aborrecência da qual meu irmão sempre fala, eu estranhasse que esta característica tão minha houvesse sido distorcida ao ponto de que eu estranhasse quando eu a sentia de forma habitual novamente.

Era isto o que eu pensava naquela manhã de segunda-feira.

Tendo em vista que, desde o ano passado, nada na minha vida permanecia na tranquilidade por muito tempo, estranhei que dois meses de calmaria houveram se passado sem nenhum sinal da tempestade que, nos últimos dois anos, sempre parecia sucedê-la.

— Essa é pra você, Caleb!

Pisquei, focando os olhos em Bex, que tinha um sorriso de orelha a orelha. Seus longos cabelos escuros estavam erguidos em um rabo de cavalo de forma que toda a parte verde dos fios se concentrassem apenas nos fios que balançavam. Com os fios erguidos, eu podia ver com mais clareza as bochechas, que eram rechonchudas de uma maneira fofa.

Sorri de volta, assentindo, ao observar suas mãos.

Bex gostava de fazer truques de mágica, vez ou outra, e naquele dia nos entretera durante quase todo o intervalo com eles. Dedicava o próximo a mim, quando se aproximou com um sorriso. Estendeu a mão vazia como se fosse tirar algo de trás da minha orelha e, com um gesto rápido, trouxe-a para onde meus olhos podiam ver, segurando algo entre os dedos.

Arqueei as sobrancelhas quando vi o doce de chocolate, com uma nota colada nele. Aceitei, vendo os demais aplaudirem mais um truque, e li o que dizia no post-it grudado no plástico que envolvia o doce: "De Bex para Caleb, 16.06.2019".

— Feliz aniversário! — desejou, batendo palmas rapidamente.

Ri, sem jeito. — Obrigado — murmurei, sem saber o que mais dizer.

Meu aniversário de quinze havia caído em um domingo, ontem, e apesar de havermos feito amizades novas nesta primeira metade do ano com eles, ainda passávamos mais momentos entre os seis do que entre os dez. Por isto, quem havia aparecido na minha casa havia sido o costumeiro mesmo grupo de amigos de sempre.

Então, hoje, recebi mais quatro felicitações além do normal, o que me deixava profundamente sem graça.

Além disto, não esperava receber nenhum presente. Que vergonha!

Mas é um doce, então eu é que não vou recusar.

— É só uma lembrancinha — corrigiu Bex, mesma expressão que minha mãe usa diversas vezes. — Eu sou pobre, tá?

Todos riram, e eu dei de ombros, com um sorriso, antes de abrir o pacota e dar uma mordida no chocolate. — Eu também.

— Olha, eu não trouxe presente, mas considere o de Bex por nós dois — defendeu-se Korn, jogando um dos braços por cima de sua pessoa amada, enquanto Bex revirava os olhos escuros.

— Não, não considere — retrucou, tirando o braço do namorado de cima de si.

Ele fez uma carinha de cachorro abandonado muito parecida com a do Ian, que gargalhava justo no momento em que pensei nele.

— Não sei por que vocês tão se sentindo mal — comentou Ian, apontando para mim. — Sou amigo do Caleb há mais tempo e não dei presente algum!

— E ainda tem a cara de pau de dizer? — reclamou Alex, sem saber se o repreendia ou dava risada. Na dúvida, deixou um peteleco nos cabelos do primo. — Você não presta!

— Não presta mesmo — concordei, assustadoramente ao mesmo tempo em que Grace. — Se alguém devia me dar presente, esse alguém é você! — acusei, ainda segurando o post-it de Bex. — Você é rico e pão duro!

Os demais gargalharam.

Ian pareceu falsamente ofendido. — Você não pode exigir presente de aniversário! Quem faz isto? — Riu-se ele, de alguma regra de etiqueta que não chegava à mim, porque não sou de elite.

— Eu — respondi, e Dan gargalhou.

— E tá errado? — perguntou Cristina, e parecia falar sério.

Mason olhou para ela, também em seriedade, e respondeu: — Não.

Ri, girando o post-it nos dedos, que continha a data de ontem, e o ergui para Bex, agradecido, antes de guardá-lo no bolso do uniforme por consideração. Recebi um beijo estalado no ar, que trouxe uma faceta indignada no namorado, e eu tive que segurar o riso.

Antes que Korn fizesse uma cena pelo beijo, foi arrastado por Dan para o meio do pátio, que insistia que eles deviam gravar um vídeo de dança juntos. Korn, ajeitando os óculos no rosto, reforçou que apesar de jogar vôlei, não tinha habilidade artística nenhuma para dançar qualquer coisa. Dan disse que era só seguir o que ele ensinava.

Bex encolheu-se, ao passo que ríamos, após ver o namorado imitar de forma mecânica os suaves e despojados movimentos de Dan: — Que vergonha alheia!

— O namorado é seu — riu-se Grace, achando graça.

— Que namorado? Eu não tenho namorado — insistiu, olhando para longe, enquanto ríamos.

— Eu não julgo — falei, dando de ombros —, não sei dançar também.

Mason assentiu, mecanicamente, ao meu lado. — Eu também não — fala, empurrando os óculos para cima, antes de olhar para Cristina. — Mas é por saber disto que eu não tentaria dançar nem mesmo sem uma câmera ligada, porque se já passo vergonha suficiente sem isto. E eu não faria você passar essa vergonha alheia extra, Cris, sabe né?

Cristina pegou a mão dele, com carinho, antes de assentir em seriedade.

— Claro que sei, eu também não faria você passar por isto — concordou, sabendo que não dançava bem também, como afirmara algumas vezes.

Me afoguei com a água quando virei a garrafinha para beber, rindo.

— Ah, vocês só podem estar fazendo de propósito! — reclamou Bex, com rapidez. — Tá, mas quer saber? Sim, Korn me faz passar muita vergonha — defendeu, assentindo, enquanto gargalhávamos — mas foi me fazendo passar vergonha que eu me apaixonei por ele. Não é, amor? — gritou, mais alto, para ele ouvir.

Korn parou as danças por um momento, sorrindo de maneira boba, ao focar os olhos puxados em seu par perfeito. Colocou a mão no peito, como se Bex houvesse tocado ali com suas palavras, e faz uma cara de meloso que chegou a me dar diabetes.

Logo, Dan deu um tapa nos cabelos lisos dele. — Não é hora de namorar!

— Sempre é hora de namorar — defendeu ele, fazendo um coraçãozinho com os dedos para Bex.

Bex sorriu, de orelha a orelha, ao virar para nós, apontando para ele: — Viu só aquela carinha?

Revirei os olhos e tive certeza que os demais também.

Olhei de relance para Ian e Grace, que estavam estranhamente quietos e em harmonia, o que era uma raridade.

Os dois tinham nas mãos os guardanapos usados para o lanche que haviam comido durante o intervalo e de alguma forma, por algum motivo, tentavam fazer origamis de papel com eles. Concentrados de maneira quase pacífica, só podia ouvir os murmúrios concentrados, quando apontavam para os guardanapos um do outro: "não, é assim", "dobra esta parte", "agora vira assim", "eu não consegui este lado".

Franzi o cenho, estranhando, antes de cutucar Cris e Mason ao meu lado e apontar para eles também.

Cristina sussurrou: — Não façam alarde ou eles começam a brigar de novo.

Tive que segurar o riso. A fala dela parecia a de uma mãe que observa as crianças fazerem algo fofo, concentradas, e não quer desviar a atenção delas para que o momento não chegasse a um fim.

— Preciso de uma cobaia — pronunciou-se Mary Jane, depois de pintar todas as unhas, sacudindo o esmalte para todos. — Quero saber se passo uma segunda mão ou não. Alguém?

Ela dirigia um sorriso na direção de todos enquanto soprava as unhas que passara este tempo todo pintando da cor vermelha. Os olhos puxados estavam delineados em uma cor parecida.

— Aqui, pode usar — disse Alex, estendendo a mão esquerda.

Ela sorriu, animada, antes de puxá-la e começar a tingir a unha de seu polegar em uma cor avermelhada. Alex supervisionou, parecendo curioso, ao passo que ela tingia unha após unha com o esmalte e o soprava levemente entre uma e outra.

Observei aquilo com atenção, sentindo...

Pela primeira vez, sentindo uma estranha afeição por Mary Jane e a forma como ela o tratava. Sentia também, uma afeição pela forma livre com a qual Alex tinha as unhas pintadas sem qualquer receio perpassando em sua expressão. Me perguntei se ele também havia percebido isto em si mesmo, mas achei que não. 

— Consegui! — afirmou Grace, animada, ao erguer uma espécie de cisne, um tanto amassado devido ao guardanapo, de papel. 

Ian ainda parecia concentrado no que fazia, embora o guardanapo não parecesse ter forma de nada ainda.

— O que 'cê tá fazendo? — questionou ela, ao perceber também, com o cenho franzido. — Você desmanchou o cisne.

— Não tava dando certo, vou fazer outra coisa — resmungou ele, puxando as dobras do guardanapo com cuidado para não rasgar.

Grace revirou os olhos, mas logo sorriu de novo ao ver sua própria obra de arte. Em seguida, estendeu-a para mim, balançando-a.

Arqueei as sobrancelhas. — O quê?

— Pra você, anda — disse, chacoalhando-a, e eu logo peguei, com hesitação. — De aniversário.

Fiz uma careta. — Você já me deu um presente de aniversário — resmunguei, referindo-me à camiseta que ela me entregara embrulhada ontem.

Ela deu de ombros, sorrindo.

— Ei, Grace, você é a próxima! — gritou Dan, chamando-a para dançar, ao gesticular com a mão. Korn já corria, parecendo aliviado, em direção a Bex. — Vem cá!

Ela sorriu, assentindo, ao levantar com pressa. — Tá bom!

Percebi que Ian, sem tirar os olhos do guardanapo, fez uma careta para os dois, mas continuou o que fazia sem erguer os olhos para a fonte de seu desgosto. Pressionei os lábios para não rir.

— Será que devíamos gravar um vídeo passando vergonha também? — questionou Mason, gracioso, ao olhar para a namorada.

Uma careta aprofundou-se no rosto sardento de Cristina, ao passo que ela negava, com rapidez. Mason deixou-se fazer uma careta também, concordando que aquilo era uma péssima ideia.

Sorri para eles antes de desviar o olhar, de forma tão automática que só percebi quando cruzei o olhar com o Alex. Ele também parecia ter acabado de tirar os olhos divertidos do casal ao meu lado. Senti meu sorriso desaparecer, só então dando-me conta de que sorria, ao mesmo tempo em que vi o sorriso dele desaparecer também. 

Um arrepio subiu à minha espinha, os olhos escuros dele sendo o único que eu podia ver. Mas tão logo quanto nossos olhos cruzaram, ele piscou e forçou um sorriso e eu me obriguei a fazer o mesmo, desconfortável.

Talvez pela estranheza de nos depararmos um com o outro, olho no olho, Alex se forçou a conversar. — Teremos função neste sábado, não é, Caleb?

Depois de um segundo para digerir, revirei os olhos, no automático.

— Hum — resmunguei, dando de ombros.

— Por quê? — questionou MJ, ao passo que erguia os olhos escuros da mão direita do Alex.

Alex focou os olhos em mim, divertido, como se esperasse que eu respondesse. Fiz uma careta, vendo que Mary Jane seguiu seu olhar em minha direção e também esperou por algo.

— Porque eu sou obrigado a ir um ritual de festa de quinze anos — resmunguei, estalando a língua, sem animação alguma.

— Isso mesmo — concorda ele, assentindo, com diversão.

— E onde vai ser? — questionou ela, intrigada, ao passar a tinta mais uma vez nas unhas já pintadas do Alex.

— Vai ser na Ballare* — respondeu Ian, ainda com os olhos no guardanapo. — É festa customizada. Música dos anos noventa, se não me engano.

— Todo mundo vai ir ir? — questionou Mary Jane, interessada.

— Todo mundo tá convidade — corrigiu Alex, rapidamente. — Vai ir?

Ela negou, sorrindo, ao largar as mãos dele. — Assopra — instruiu, antes de torcer a tampa do esmalte para selá-lo. — Parentes vão incomodar a minha casa neste fim de semana. E vocês?

— Acho que todos vamos — confirmou Ian, apontando rapidamente para quem estava por perto.

— Se nada atrapalhar, iremos também — confirmou Bex, apontando para o namorado.

— Se você não atrapalhar né — resmungou ele beliscando a bochecha rechonchuda de Bex.

— Argh, sai! — resmungou, afastando-se. — Não é minha culpa, é que eu sou mais de cineminha básico mesmo. — Fez um beiço.

Korn observou o beiço do seu amor por tempo excessivo antes de passar os braços em torno de Bex e espremer com mais força do que necessário, a julgar pela cara que a vítima da violência sofria no momento. — O que eu não faço por você, coisa fofa?

— Korn, eu vou te arrebentar na porrada — grunhiu Bex, enfim, conseguindo se desvencilhar dele ao puxar os cabelos finos e negros dele. — Me aperta de novo pra você ver, infeliz!

— Ah, o amor é tão lindo! — debochou Alex, gargalhando.

E, como se o universo concordasse, o sinal tocou logo após.

Alex levantou, abanando as duas mãos pintadas, em uma cor bastante forte de vermelho devido às retocadas de Mary Jane, para secá-las. Os demais também levantaram, cada um indo para uma direção.

Apenas quando Grace e Dan correram para se juntar a mim, Mason e Ian, que eu percebi que meu amigo grandalhão havia terminado sua obra de arte. Ele deu duas puxadinhas na camiseta de Grace, para chamar sua atenção, que conversava com Dan. Ela virou, deparando-se com uma rosa aberta de origami de guardanapo, pegando-a nas mãos para ver melhor.

Fez uma careta de quem diz "nada mal" e empurrou-a de volta para ele, andando lado a lado.

— Não, é pra você — diz ele, recusando pegá-la em mãos. Grace ergueu o olhar para ele, parecendo estranhá-lo por isto, mas não pôde dizer nada. De onde eu estava, vi que as orelhas dele avermelharam com uma rapidez impressionante. — Quero dizer — apressou-se ele —, você deu seu origami ao Caleb. Fica com este.

— Não precisa — disse ela, devagar, ao cerrar os olhos, como se ainda tentasse desvendar de onde viera aquela atitude.

Embaraçado até a alma, Ian gesticulou de forma desajeitada. — Bom, então me devolva. Eu vou jogar fora.

— Não! — apressou-se ela, desviando de suas mãos, com rapidez. Sorriu, minimamente, ao girar o origami de rosa nas mãos. — Eu fico.

Ian murmurou um "tá bom" envergonhado, coçando os cabelos de forma desajeitada, antes de afastar-se o máximo que podia dela, como se tivesse medo que ela mudasse de ideia.

Escondi os lábios para não rir, tapando a boca com a mão livre quando vi que ele passaria os olhos castanhos por mim, e continuei a caminhar até alcançar a classe. Por curiosidade, prestei atenção no que ela faria com aquele origami tão frágil, pensando que amassaria dentro da mochila, mas ela fez o mesmo que eu: deixou-o em cima da classe pelo resto da aula. E, na hora de ir embora, carregou-o em mãos.

Nunca vi Ian tão nervoso na vida, derrubando lápis no chão, inclinando-se de forma desajeitada para ver seu origami repousado na classe à sua frente, tropeçando nos pés na hora de ir embora. Quero dizer, não é de se espantar que Ian seja desajeitado por natureza, ele é meio desengonçado desde a infância. Mas vê-lo piorar neste quesito, quando em todos estes anos só melhorara, era impressionante.

Fiz um lembrete mental de conversar com eles sobre isto.

*

Durante o resto da semana, não se falou muito sobre sábado.

A princípio, eu estava tão desanimado com a ideia do ritual do Alex de quinze anos quanto sempre estive desde que ouvi falar nisto pela primeira vez. No entanto, com o passar dos dias, eu já havia me acostumado com a ideia, ficando até animado com isto.

Quero dizer, havia se tornado uma coisa nossa. 

Grace havia feito quinze anos no mês passado e ao contrário da vez do Ian, fomos junto dela para uma boate não muito movimentada próxima à sua casa. Bastante animada, ela bebeu e dançou na pista a noite toda. Ficamos em um canto, e eu evitei beber muito mais do que alguns goles, enquanto Cristina e Ian enchiam a cara. Mason, talvez tão traumatizado quanto eu, não pôs uma gota de álcool na boca, e Alex não bebeu para nos monitorar, feito um pai.

E agora era a minha vez de passar por isto. Passei tanto tempo acostumando-me com a ideia que ela já não parecia tão ruim. Quero dizer, no aniversário da Grace as coisas foram tranquilas e até um tanto divertidas. Não é que eu tenha pego gosto por baladas, mas eu gostaria de pensar que eu pudesse ser especial também para ter algo assim.

Só que parece que o universo não estava tanto ao meu favor.

Primeiro, começou com esta sensação esquisita de que o Alex, ao contrário de todas as vezes com todos os demais, não estava tão animado com o meu ritual de passagem.

Eu achei que isto pudesse ter a ver com nós dois, mas esta constatação não tornava nada melhor.

Dois meses se passaram desde que fizemos as pazes, mais ou menos, e esclarecemos o que tínhamos para esclarecer. Voltamos a agir da mesma forma, mas pouco a pouco, como se um duvidasse que o outro faria o mesmo, na defensiva, até que o fizéssemos e ficasse tudo bem. E ficou, como eu disse, foram dois meses de calmaria, só que nada era como antes.

Não importava o quanto tentássemos fingir que as coisas eram as mesmas, elas jamais seriam, era tudo atuação. E eu sentia isto toda vez que cruzávamos os olhares, toda vez que forçávamos sorrisos e diálogos, toda vez que eu acordava de madrugada com algum barulho pensando que era ele na janela mas não era, toda vez que ele me abraçava por impulso mas retesava o corpo quando percebia que o fizera, como se já não soubesse se estava tudo bem me abraçar como antes.

Tudo mudou, então era de se esperar que suas atitudes mudassem com relação a tudo que me envolvesse. Este dia, este aniversário, esta passagem, também.

Mas pela primeira vez, eu queria fazer algo mundano como isto, e ele não ajudava. Isto me deixou um tanto irritado, mas eu relevei, até as coisas realmente começarem a dar errado.

Eu sempre critiquei Alex por nos dar ideias absurdas de traquinagens, especialmente quando éramos novos demais, mas como sempre, eu não pensei duas vezes antes de pular a janela para correr até eles depois da meia-noite.

Aquele sábado estava movimentado, então foi difícil conseguir um motorista de táxi ou de outros aplicativos, e como já estávamos apressados para sair antes que fôssemos descobertos acordados à noite pela família, saímos pela rua a pé.

Alex havia conseguido um motorista para levá-lo, junto do Dan, até o Ian, que já estava com o Mason em sua casa, para buscá-los antes de vir até mim. Só que, como eles demoraram, o cara decidiu largar o Alex lá e atender outra chamada. A pé, vieram até mim, e logo seguiríamos até a festa. As meninas estavam juntas e decidiram ir direto até a Ballare, sem encontrar com a gente primeiro, e o nosso casal, como previsto por eles, desanimou na última hora e preferiram ficar em casa.

Tentamos chamar alguém por mais um tempo, enquanto caminhávamos, lado a lado, do meu bairro para o próximo, mas seria perda de tempo continuar tentando ao invés de nos deslocarmos para lá de uma vez, porque assim chegaríamos mais rápido.

Acontece que Ian, sendo o Ian, insistiu que pegássemos um atalho para chegar mais rápido por um bairro pouco movimentado, para chegarmos ao centro da cidade pela metade do tempo. Só percebemos que aquilo foi uma péssima ideia quando já estávamos na metade do caminho, a rede de algumas operadoras falhando e o cenário, sinistro. Sendo assim, não nos restou opção a não ser continuar em frente.

As ruas ficaram mais e mais escuras, e com menos transeuntes, e as conversas, mais e mais estranhas.

— Mas então, qual é a deste ritual de quinze aí? — questionou Dan, virando para olhar para trás com humor.

Ele caminhava lado a lado com o Ian, na nossa frente, enquanto Alex e Mason caminhavam atrás comigo, um em cada lado.

— É algo que meu antigo grupo de amigos me fez passar quando fiz quinze e eu passei isto pra eles também — comentou Alex, calmamente.

— E o que é? — insistiu ele, curioso. — Grace não me contou.

— Por que ela contaria? — resmungou Ian, antes que pudesse se conter.

Dan deu de ombros. — Porque ela teve a festa dela mês passado, ué.

Alex soltou um riso rápido, e me pareceu que foi para desviar a atenção do Dan do ciúmes excessivo do Ian. — O ritual é cinco músicas dançadas no palco ou no centro de atenção e cinco shots de tequila — revela, enfim, para a minha surpresa.

Arqueei as sobrancelhas, relanceando-o.

E eu aqui pensando que o ritual já era o simples fato de ir para a balada e aprontar, e não que tinham passos específicos.

— E cinco bocas beijadas — completou Ian, quando ele não finalizou.

Arregalei os olhos, girando o rosto em direção ao Alex com rapidez, um tanto surpreso e um tanto receoso pelo fato. Ele fez uma careta, coçando o rosto com rapidez, parecendo desconfortável.

Franzi o cenho.

— É que isso é opcional, né, Ian — resmungou ele, apressando-se em dar um peteleco na cabeça dele.

— Não foi opcional pra mim — retrucou, rindo, mas Alex ao meu lado apenas revirou os olhos.

— Engraçado que eu não vi você reclamar — contrapôs, e Ian não teve argumentos contra isto.

Pisquei, processando aquela informação, antes de sentir a irritação aumentar no meu peito. — Por que é opcional pra mim?

Por que eu sentia que eu sempre era "café com leite" nas traquinagens?

Às vezes, era como se o Alex me visse da mesma forma que a minha mãe, me chamando de bebê e de neném, apertando minhas bochechas, fazendo cafuné nos meus cabelos ao me segurar embaixo dos seus braços, me tratando com mais cuidado que os demais. Era como se não acreditasse que eu realmente estivesse fazendo quinze anos, que eu não podia ser ousado, que eu não podia performar qualquer traquinagem sugerida por ele porque sou ingênuo ou frágil demais.

Alex me encarou por um momento, uma ruga entre as sobrancelhas, enquanto parecia ponderar sobre o que diria.

— Você é diferente, Caleb — limitou-se a responder, tentando amansar a voz, embora isto só a tenha tornado mais rabugenta.

Estreitei os olhos.

Mania chata de me ver feito criança!

— Por isto mesmo! — exclamou Ian, interrompendo qualquer xingamento que viria da minha boca. Não desviei o olhar do Alex enquanto ele acrescentava: — Só vi o Caleb ficar com uma pessoa na vida, se tem alguém que precisa da regra obrigatória de beijar cinco bocas, esse alguém é ele!

Dan riu, relanceando por cima do ombro ao mesmo tempo que eu desviava o olhar para ele. — É mesmo? — perguntou, risonho. — Então hoje vai e aproveita, a oportunidade tá aí!

Agradeci mentalmente por me salvarem desta posição ridícula na qual o Alex insistia em me colocar, mas eu não podia dizer que concordava com isto. Não queria ficar do lado do Alex, mas também não queria beijar nenhuma boca.

Relanceei a sua por um momento, franzida em irritação ao passo que olhava para o outro lado da rua, e logo desviei o olhar.

Nenhuma boca que eu possa beijar, corrigi, mentalmente.

— Eu não vou beijar ninguém se eu não quiser — expus, decidido.

Alex ficou quieto por uns cinco minutos, e eu estava perdido em pensamentos ruins, quando algo ao meu lado me chamou a atenção. Mason se aproximava mais e mais, até o ponto em que esbarrou em mim e não se afastou. Enlaçou o braço no meu, olhando ao redor com pavor.

— O que foi?

— Caleb — sussurrou, ajeitando o óculos com nervosismo —, tem um pessoal bem suspeito por aqui.

Franzi o cenho, finalmente olhando ao redor.

Os postes de iluminação eram falhos em toda a rua esburacada, mas para ser sincero, nenhuma das ruas ao redor era melhor do que esta, então não tivemos muita opção. Já havíamos checado no mapa e apenas atravessando alguns quarteirões é que alcançaríamos o centro da cidade, bem próximo da boate. Devido a ausência de luz extra, mal se podia ver o rosto das figuras em uma casa mais adiante, agrupadas em uma conversa baixa que cessava aos poucos, a cada passo que dávamos naquela direção.

Como não havia qualquer movimento por ali, raramente passando um carro ou outro, caminhávamos no meio da rua.

— Caleb, pelo amor de Odin! — sussurrou Maze, mais uma vez.

— Para — pedi, repreendendo-o. Eram só alguns moradores, alguns mexendo nos celulares - visíveis pela luz da tela na escuridão - e outros bebendo em frente à casa que devia ser de um deles. — Não é nada.

Só que Mason tinha razão sobre ficar vigilante, porque eles nos encaravam demaise se moveram em uma posição defensiva quando passamos ao lado, as conversas cessando por completo durante o ato. Senti o ombro do Alex esbarrar no meu e manter-se assim e, quando me virei, pude ver a testa franzida em cautela, os olhos em frente o tempo todo.

— Me solta — resmunguei, para o Mason, assim que colocamos cerca de duas ou três casas entre nós e eles. — Sai.

Mason soltou um som exagerado ao meu lado. Ele me soltou com muita dificuldade, ajeitando os óculos, enquanto Dan retornava a conversar sobre a festa, como se nada tivesse acontecido. Alex suspirou, cutucando Mason, que era o único que tinha tanto bateria quanto sinal de rede no celular, e resmungou para que tentasse chamar um táxi outra vez.

Da minha casa até ali já tinha se passado quase meia hora.

Mason insistiu que não iria ligar o celular naquela rua escura, porque ia ser assaltado e o celular era novo e continha dados importantes demais para serem perdidos. Queria parar em algum lugar seguro e iluminado antes de pegar o celular e tentar encontrar um motorista mais uma vez. Alex insistiu que não dava para esperar, mas Mason bateu o pé.

Sem muita paciência, Alex concordou, quando avistou o primeiro local que enxergamos logo que as ruas se tornaram asfaltadas. Não havia nada por ali, embora a rua e as casas melhorassem de aparência, não havia um local aberto porque era tudo moradia. Com exceção do local onde paramos, que logo percebemos ser um bordel.

— Aqui? Vamos parar aqui? — perguntou Dan, com bom humor.

— Não tem mais nada aqui perto — defendeu Alex, de um humor parecido, antes de se olharem e darem risada. Alex cutucou os cabelos loiros de Mason. — Vamos, liga logo!

Em frente ao luminoso e colorido local fechado, Mason tirou o celular do bolso e o ligou, chamando para alguns números específicos depois de checar os aplicativos. Alex fez o mesmo, porque já podia ter sinal no seu celular naquela região.

Um homem saiu de lá, parecendo desorientado pela bebida, nos relanceou e soltou um riso, antes de caminhar na direção oposta, perdendo-se no meio da escuridão.

A fachada era luminescente, com os dizeres: Entrada Proibida. No início, pensei que viria seguida de "para menos de dezoito anos", mas não era um aviso, e sim o nome do local. Apesar das luzes fortes que vimos há quarteirões de distância, a fachada de tijolo não era sofisticada de forma alguma. Parecia uma casa, apesar das duas portas grandes se abrirem juntas feito um real estabelecimento, dando de cara com um balcão muito próximo à porta. Percebi isto quando o cara havia as aberto para sair.

Mason nos informou que Grace e Cris estavam só esperando avisarmos para elas saírem de casa. Ele também conseguiu encontrar um motorista que logo cancelou a corrida ao perceber onde estávamos e Alex conseguiu outro que perdurou, estimando o tempo de quinze minutos para chegar aqui.

No entanto, como se mais um empecilho para a minha noite caísse no meu colo, fomos notados pela equipe do local. Na entrada de um cara que, por incrível que pareça, tinha jeito de rico para estar naquela classe de bordel, uma das mulheres que ficava na recepção nos avistou. Um minuto depois, ela abriu as portas e nos encarou com não tanta surpresa quanto eu imaginei que haveria em seu rosto.

Alex, com um sorriso de ponta a ponta, explica o que se passa para a mulher corpulenta da entrada. Atrás dela, havia um segurança sonolento, e logo mais apareceu outra mulher, mais alta, talvez fisgada pela curiosidade, e se posicionou ao lado da outra.

— Vocês não querem entrar enquanto esperam o táxi, anjinhos? — questionou a mais baixa, com grandes seios, que aparentava a idade da minha mãe.

Ponderei se o tom era materno ou se continha algo mais e me remexi no lugar pela ideia de ser a segunda opção.

Alex dá de ombros, bastante confortável com a situação, e praticamente empurra Mason - com quem anteriormente se estressara - para dentro do bordel. Desta vez, com os olhos arregalados, fui eu quem se grudou em Maze. Fiquei apavorado com a ideia de que ambos Alex e Dan pareciam confortáveis, enquanto Ian, embora envergonhado, parecia animado de adentrar no local também.

Maze e eu nos entreolhamos, em choque. 

A recepção era bem pequena, havia pouco espaço entre as portas e o balcão, cuja parede de trás traçava o limite de espaço. Em ambos os lados do balcão central, haviam aberturas de dois corredores com várias portas. Só as pude ver porque Mason me arrastou para a abertura esquerda para dar uma espiada. Todas as portas eram de uma madeira vermelha, enquanto o restante das paredes e móveis eram brancos. 

Havia música baixa ao fundo e um cara de uns trinta anos passou por nós na saída, encarando-nos como se o mundo estivesse do avesso. Eu, honestamente, pensava o mesmo.

Afinal, por que mais deixariam adolescentes entrarem ali?

Relanceei Alex, que fez uma careta ao observar o celular, não me tranquilizando de forma alguma. Quando questionado o motivo de sua careta, ele só disse que o motorista não parecia estar em movimento e os quinze minutos permaneciam inalterados, quando já deviam ter sido reduzidos a cinco.

Mais quinze minutos, pensei, tá tudo certo.

Só que obviamente as coisas tinham que dar mais errado ainda.

Ian estava se mijando nas calças já fazia um tempo e estava com muita vergonha de fazê-lo na rua, especialmente na frente de um bordel. Dan sugeriu que eles usassem o banheiro do local, e Ian negou, mas ele riu, daquele jeito naturalmente alegre dele, dizendo que o acompanharia. A mulher mais baixinha da recepção, que se chamava Rose, concordou com um sorriso simpático - e eu ainda não sabia as intenções por detrás dele - e disse que os acompanharia.

Ao ouvir que Dan acompanharia Ian, reconfortado que ele não iria sozinho, Mason finalmente se desvencilhou do meu braço e admitiu que precisava ir também, agarrando-se em Ian, desta vez.

Isto vai de mal a pior.

— Ian? — chamou Alex, sério, antes que ele entrasse no corredor à esquerda. — Vai e vem — instruiu, firme —, se você demorar eu vou atrás.

Ian assentiu, com rapidez, e os três sumiram de vista.

Eu me encolhi em um canto do balcão, com as costas grudadas nele mas afastado da recepcionista jovem, que sentava do lado esquerdo atrás do balcão. Alex também se posicionou ao meu lado direito, em silêncio, de frente para as portas entreabertas dali.

No entanto, vi quando ele mudou de postura assim que a segunda mulher, a qual não se apresentou, se aproximou. Ela era mais alta e mais jovem, e apesar da aparência peculiar com os trajes curtos, era bonita.

— Meu bem, será que você não quer dar uma relaxadinha enquanto espera? — tentou, passando um dedo pelo tronco de Alex, que desviou sem muita agilidade para o meu lado.

Engoli em seco, ouvindo-o pigarrear.

— Não, obrigado. Eu não jogo para o seu time — disse, rapidamente, com uma piscadela de olho.

As sobrancelhas pintadas dela se ergueram em surpresa.

— Ora, é mesmo? — perguntou, olhando-o dos pés à cabeça com curiosidade. Era como se aquilo fosse uma novidade tremenda, como se para ser gay agora o cara precisa estar usando frufru e glitter na cara. Ela sorriu, enfim, dando de ombros. — Bom, isto não é problema. — Alex piscou, um tanto perdido. — Pssst, Liam? — chamou, e uns dez segundos depois um cara apareceu ali apenas com roupa de couro. Alex perdeu o sorriso, engolindo em seco. — Resolvido, meu bem.

Claro que ele se sentia confortável, ele sabia que não havia nada que elas pudessem fazer para convencê-lo, mas ao ver o cara musculoso eu o senti retesar o corpo todo ao meu lado. Alex negou com a cabeça, se afastando aos poucos, com as costas no balcão, ainda mais na minha direção, até esbarrar em mim.

Desviei os olhos, alargados, para a roupa do cara. Apenas um colete de couro que não cobria em nada seu abdômen trabalhado, e abaixo uma espécie de tanga, também de couro, e que também não cobria muita coisa. Penduradas em um fio lateral de sua tanga minúscula, haviam algemas recobertas por um tecido peludo cor de rosa.

Desviei o olhar, com pressa, para o lado de fora do local, sentindo o rosto inteiro queimar.

Onde estava o bendito táxi?

— Tímido? — perguntou ele, percebendo a forma como Alex se afastara.

Nem um pouco, respondi mentalmente, por ele.

— Não — respondeu, me relanceando com certo receio. — É q-que eu estou com ele — falou, enlaçando a mão na minha com força.

Nem pude digerir a informação na mão dele apertada na minha, que formigava, porque a moça sorriu imediatamente em resposta. Engoli em seco, mordendo os lábios. 

— Que fofinho — disse, e eu quase estreitei os olhos.

Os dois se relancearam em uma comunicação silenciosa, antes dele voltar-se a nós. — Aqui também podemos fazer a três, se preferirem — acrescentou o cara, em um dar de ombros casual.

Alarguei os olhos, involuntariamente, ao encarar o sorriso malicioso dele. Senti Alex apertar a minha mão tanto quanto eu apertava a dele, engolindo em seco ao meu lado.

Eu mal faço a um, imagina a três!

Alex pigarreou.

— Acho que iremos negar, mas obrigado — optou por responder, educado, ao virar-se levemente na minha direção, como se colocasse um ponto final no diálogo.

Às suas costas, eu vi quando os dois se entreolharam, soltaram risinhos e deram de ombros, como se aceitassem a desistência. A mulher sentou-se na poltrona branca ao mexer no celular ao mesmo tempo em que o tal de Liam retornava para onde estava antes, com tanta casualidade como quando apareceu.

— Cadê eles? — sussurrei, nervoso, esperando que meu rosto esfriasse logo, querendo tirar da cabeça a imagem daquele cara vestido naquilo. — E cadê o motorista?

Alex suspirou, relanceando às suas costas como se para checar, também, que o cara havia sumido. Retornou, um tanto aliviado, na minha direção, antes de retirar o próprio celular do bolso, o cenho franzido, antes de chacoalhá-lo sem muita paciência.

— Acho que meu aplicativo travou, por isto eu não vejo o cara se mexer — contou, chacoalhando-o mais uma vez, enquanto eu espiava.

O porquê do Alex não comprar um celular novo, sendo que este sempre falhava quando mais precisávamos, eu não faço a menor ideia. Ele vinha de família rica, podia ter o que quisesse na hora que quisesse, mas não parecia querer abandonar o celular que já tinha certa idade.

Só tirei os olhos da sua tela quando vi que ele girou o rosto para me olhar, em silêncio, com uma sobrancelha arqueada. 

— O quê?

— Caleb, você vai quebrar a minha mão — comentou, baixinho, com certo humor.

Arregalei os olhos rapidamente, olhando para a união das nossas mãos com rapidez antes de soltá-lo, como se levasse choque. Senti o sangue subir para o meu rosto mais uma vez, havendo esquecido que elas estavam entrelaçadas, devido ao pavor de vê-los oferecerem os corpos a nós dois.

Alex moveu os dedos em seguida, como se os alongasse, com um riso, e eu desviei o olhar para o outro lado do cômodo. Uns instantes depois, ouvi-o pigarrear e, pela visão periférica, balançar os ombros, como se já não mais aguentasse o silêncio.

Eu o encarei.

— Não se preocupe — comentou, ao olhar para longe. — A boate fica aberta até às cinco da manhã. Não perdemos muito tempo, não passou nem uma hora desde que saímos da sua casa — acrescentou, dando um riso forçado. — Vai poder aproveitar sua festa logo — finalizou, fingindo entusiasmo.

Uni as sobrancelhas em irritação, confirmando que ele não estava nem metade animado para a noite de hoje quanto estivera em todas as outras festas que sempre insistia em nos arrastar.

Por quê, justo na minha vez, ele tinha que agir assim?

Por que eu não sou tão especial quanto os outros?

Era como se ele não só não estivesse animado, mas como se realmente preferisse nem ir. Inclusive, pareceu mais animado em adentrar em um prostíbulo com a gente do que nos acompanhar na minha festa de aniversário atrasada.

— Você pode ficar, se quiser — reclamei, fazendo-o arquear as sobrancelhas.

Alex piscou, focando os olhos em mim.

— Eita, mas eu não quero — falou, estranhando-me, ao me fitar com cautela.

Desviei o olhar.

Eu nunca quis celebrar nem aniversário, quanto mais passar por um ritual ridículo de quinze anos de idade, como se esta data fosse importante. Só que aceitei a ideia, e agora não só ele agia assim, como esta atitude também era apenas uma das coisas que haviam dado errado hoje.

Estamos em um bordel, pelo amor de deus!

— Por que nos fez entrar aqui? — perguntei ao encará-lo, subitamente irritado, mas então o vi fechar a cara também.

— Porque o Mason ficou meia hora reclamando nos meus ouvidos — resmungou, uma ruga entre as sobrancelhas escuras. — Queria estar seguro? — perguntou, retoricamente. — Bom, agora ele tá!

Estreitei os olhos.

— E precisava ser aqui? — reclamei, assim mesmo, apesar de saber que não tínhamos muitas opções.

— Caleb — começou, o tom falsamente manso, como se tentasse manter a paciência —, você viu algum lugar aberto em toda essa rua? Em todos os, o quê, dez quarteirões acima e dez abaixo dela?

Na ausência de uma resposta ou uma solução, mesmo sabendo que pareceria com a criança que ele pensa que sou, eu cruzei os braços, girando o rosto para o outro lado. Alex permaneceu me encarando, eu podia sentir minha pele formigar pelo ato, com incredulidade.

— O quê? — resmunguei, desconfortável, ao relanceá-lo.

Só que Alex fez exatamente o mesmo que eu, de forma talvez ainda mais infantil, ao fazer uma careta e virar o rosto para o outro lado do cômodo, onde a mulher sentada estava.

Observei-o, emburrado também, mas me recusei a dizer mais nada.

— Sabe, quem sabe seja você quem deva ficar — sugeriu ele, depois de uns segundos, a testa tão franzida que eu quase podia ver fumacinhas saindo pelas suas orelhas.

— Eu? — perguntei, ultrajado, ao descruzar os braços. — A ideia foi sua de entrar aqui!

Alex virou-se para mim, também, com uma velocidade surpreendente.

— É, mas talvez não tenha sido uma péssima ideia — ponderou, em um tom amargo. — Você não está se descobrindo? — questionou, retoricamente. — Pois bem, este é o lugar perfeito para as suas experiências — falou, quase que cuspindo a última palavra.

Abri e fechei a boca, sem saber como replicar, ao sustentar seu olhar irritado no mesmo nível de emoção. Franzi os lábios, o peito subindo e descendo pela adrenalina que me impulsionava a querer esmurrar a cara dele.

— Com quinze eu já transava, então por que não você? — continuou logo após, deixando o questionamento no ar com tanto rancor que me peguei perdido.

No mesmo instante, ele já olhava para a rua, uma vez mais, com a mandíbula cerrada com força.

Embora eu tenha precisado de alguns instantes para digerir a informação, engolindo em seco, e acalmar o nervosismo pela discussão que surgira do nada, forcei-me perguntar: — Por que tá agindo assim? 

A forma como pronunciou "experiências", deixando claro que não era a primeira vez que pensava a respeito, me pegou desprevenido. Ponderei se ele ainda estava chateado pela ideia de que o usei para ver se gosto de garotos, o que não era verdade, mas ele não podia saber disso, então eu não podia reclamar.

Era exatamente isto que eu o havia feito acreditar.

Sentindo uma pontada de culpa, vi quando ele virou o rosto na minha direção, um vislumbre também culpado em seus olhos escuros. E ainda algo a mais neles, tanto mais do que eu podia ler. Virou-se na minha direção, descruzando os braços que eu sequer o vi cruzar, com uma expressão quase aflita.

Soltou o ar pelo nariz algumas vezes, parecendo derrotado, ao me encarar com tanta súplica.

Súplica pelo quê?

— Porque você me frustra — declamou, simplesmente.

Pisquei, um tanto confuso, mas não fui capaz de desviar o olhar.

— Por quê? — tornei a perguntar, incrédulo.

Alex me encarou por mais um tempo, parecendo tão transtornado pelo que se passava em sua cabeça que deixou-me da mesma forma.

Alarguei os olhos, vendo como parecia estar em mais uma briga intensa em seu interior, antes que a expressão relaxasse por completo como se um lado vencesse. Engoli em seco, vendo que os olhos em toda a sua escuridão pessoal pareceram intensificar seja qual fosse a mistura de emoção estampada neles.

Alex subitamente desgrudou do balcão e grudou em mim, de maneira tão inesperada que engoli um arquejo, vendo seu corpo pairar sobre o meu. Pisquei repetidamente, tentando raciocinar, tentando falar, tentando reagir, mas nada veio.

— Por que você acha? — perguntou, ainda parecendo frustrado, ao me encarar tão de perto.

Desviei o olhar para baixo, vendo que ambas as mãos apoiavam-se no balcão branco às minhas costas. O balcão pressionava justamente no meio da minha coluna, de tal forma que meu único escape foi inclinar o rosto e os ombros para trás, voltando a encará-lo. Contorci as mãos, já que não tinha para onde fugir, e sentia as orbes negras me engolirem. O aroma fraco de cigarro e colônia invadiu minhas narinas, confirmando que ele estava próximo demais, mais uma vez depois de tanto tempo.

Seu rosto relaxou aos poucos ao observar que eu nem piscava, em choque, preso pelo seu corpo. Os olhos pretos perpassaram pelo meu rosto, como em uma análise minuciosa, mas eu ainda não conseguia raciocinar o suficiente para reagir.

Só então lembrei que ele havia feito uma pergunta.

— Eu não sei — sussurrei, honestamente confuso.

Será que isto ainda se tratava do beijo?, pensei, forçando a minha mente a funcionar, mas ela demorou a formar esta simples pergunta.

Como se pudesse ler meus pensamentos, Alex desceu os olhos para os meus lábios, fazendo com que minhas pernas quase fraquejassem e minhas mãos espalmassem no balcão atrás de mim por auxílio.

— O q-que você...?

Mas ele não pareceu me ouvir e eu fui incapaz de continuar, meus neurônios falhando em manter sua função por tempo o suficiente.

— Caleb... — murmurou ele, parecendo muito concentrado em algo, ao levar uma mão ao meu rosto.

Senti formigar onde os dedos tocavam, com tanta leveza que me fez arrepiar dos pés à cabeça. Os olhos ainda estavam focados na minha boca, entreaberta para que eu respirasse com mais facilidade, já que meu nariz sozinho parecia falhar também em sua função.

Tudo estava falhando.

— Não importa — murmurou ele, parecendo em transe, ao roçar o nariz no meu. Pisquei algumas vezes pelo ato repentino, segurando a respiração quando senti a sua perpetuar em minha boca. — Não importa que não goste de mim...

E se eu estivesse ao menos um pouco em minha santa consciência, não embriagado por seu aroma de Alex e não concentrado demais em sua mão em meu rosto, eu teria prestado atenção na frase que ele soltara em um murmúrio baixo.

— Se quiser fazer isto, a gente faz — sussurrou, passando o polegar pelo meu lábio inferior de tal forma que eu achei que fosse morrer de um infarto ali mesmo. — Se quiser me usar, tudo bem — murmurou, deslizando a língua, em seguida, por meus lábios, em um movimento rápido e molhado.

Revirei os olhos nas órbitas, perdendo o equilíbrio, mas o Alex levou uma das mãos para a minha cintura e firmou seu corpo, anteriormente separado, no meu. Deslizou os lábios, com tanta lentidão que considerei torturante, por sobre os meus, de tal forma que mal os tocava.

— Te usar? — sussurrei, confuso, o cérebro derretido.

— Uhum — assentiu, em um murmúrio rouco, antes de interromper meus pensamentos uma vez mais ao deslizar a língua, de um lado ao outro, pelo o meu lábio inferior.

Fechei os olhos mais uma vez, levando uma mão ao seu cotovelo para me firmar, e logo senti os lábios unirem-se ao meu em um beijo lento, antes que eu retribuísse de prontidão. O beijo selado, por si só, durou tão pouco que devia ser considerado um crime.

O som de buzina do lado de fora acabou me tirando do transe.

Abri os olhos, de súbito, recém digerindo suas palavras, além das suas ações. Pisquei, vendo que os seus olhos, semicerrados, também abriam mais ao ver a expressão em meu rosto.

Ele tinha mesmo dito que eu podia usá-lo, como um objeto?

Senti a respiração acelerar, agora com o coração pesado no peito, ao me dar conta do que o Alex dizia. Ele queria que eu o usasse como experiência, que não importava que eu não gostasse dele, porque não era nada significativo de forma alguma, que ele faria isto por mim de qualquer jeito. Afinal, eu já havia o beijado, não é mesmo? O que era um pingo d'água para quem já está molhado?

Senti o coração bater tão alto, de maneira tão dolorida, que jurei que era isto que havia me deixado tonto.

Ele havia mesmo sugerido que a gente...? Na porta de um bordel, cercado de prostitutas?

Abri a boca, porque não podia respirar direito, e só quando tentei empurrá-lo, percebi que meu corpo inteiro estava contraído. Alex se afastou, percebendo o que eu tentara fazer, e o desempenhando por mim. Ele piscava demasiadas vezes, como se recém se desse conta, também, do que havia feito.

Ele nem gosta de mim.

— Caleb — sussurrou, tentando se aproximar mais uma vez, com o semblante preocupado. Pudera, eu mal podia enxergar dada a quantidade d'água nos meus olhos!

Senti raiva por estar chorando, raiva por ele haver me beijado outra vez, raiva por eu haver retribuído também, raiva por toda a situação e o dia de hoje. Segurei sua camisa com a mão, amassando-a ao fechar em punho, quando finalmente senti meus músculos obedecerem os meus comandos.

— Como você pode ser tão cruel? — sussurrei, esperando soar enraivecido, mas a voz tremida e embargada do choro que eu engolia me denunciou.

Empurrei-o para longe, desta vez, tendo sucesso nesta ação, e passei pelo segurança e a mulher na entrada antes de descer as escadinhas em direção à rua. Limpei o rosto, quase com raiva, mas soluços estavam ameaçando vir mais uma vez, então procurei com rapidez pelo carro que buzinara.

Eu já havia checado o modelo, placa e cor do carro no aplicativo do Alex, então soube que aquele cara era o nosso motorista dos não exatamente quinze infernais minutos. Era o nosso táxi, atrasado o suficiente para que meu coração se estraçalhasse mais uma vez.

— Caleb!

Ouvi-o chamar, mas ignorei, adentrando no banco da frente com rapidez e fechando a porta. O homem de cabelo grisalho, na casa dos cinquenta, pareceu bastante intrigado, mas sequer checou o próprio celular para ver se havia sido eu quem o chamara.

— Quer que eu arranque, garoto? — perguntou, indeciso, ao perceber meu estado e o Alex, que me chamava do lado de fora.

Neguei, querendo dizer que estava esperando meus amigos, mas não consegui abrir a boca para não deixar o soluço escapar. Girei o rosto na direção do motorista, os olhos desfocados, ao ver que Alex parou ao lado da janela, para que ele não me visse chorar.

Eu me sentia estúpido, ridículo, sensível.

Não me importava que eu havia reagido assim, tão explicitamente, porque eu não conseguia pensar em nenhuma outra forma de reagir. As lágrimas foram automáticas, tanto quanto o meu coração apertado, que parecia bater com dificuldade contra as minhas costelas, e a sensação vazia no meu estômago embrulhado.

Sequer queria pensar em como ele interpretaria isto.

Não importa.

Eu não me importo com ele, reforcei, sentindo o lábio inferior tremer.

— Caleb — pediu, soando arrependido, ao bater no vidro —, me desculpa. Abre a porta pra mim — pediu, nervoso, ao bater novamente com a dobra dos dedos.

Fiz o único que podia para que não ouvisse minha voz tremida e nem enxergasse meu rosto inchado: ergui o dedo do meio e colei no vidro do carro para que ele entendesse o recado.

Ouvi o suspiro quase imediatamente.

A voz do Ian invadiu meus ouvidos logo em seguida: — Alex?

— O que houve? — A voz abafada de Dan soou, também, preocupada.

— Nada — respondeu Alex, desanimado.

— O que você fez? — perguntou Mason, soando irritado pela primeira vez em muito tempo. — O que você fez de novo? — reclamou, se referindo a outra vez em que ficamos brigados por três dias.

Só que ele não esperou por uma resposta, dirigindo-se ao carro.

— Foi sem querer, eu não achei que ele fosse... Eu não quis... — interrompeu-se o Alex, bufando, ao parecer desorientado.

Limpei o rosto com rapidez, com raiva, tentando pensar no que fazer a seguir e esquecer a sensação dos lábios dele nos meus, que ainda estavam dormentes.

— São seus amigos? — questionou o motorista, soando perdido, quando Mason tentou abrir a porta algumas vezes.

Assenti rapidamente e ele os deixou entrar. Um por um, eles entraram e sentaram no banco de trás, enquanto eu me recusava a sair da frente para não olhar ninguém na cara com o meu rosto inchado.

— Caleb — chamou Ian, ao adentrar no carro após Mason, colocando uma mão em meu ombro como se para me consolar.

Desvencilhei-me para não chorar ainda mais, tentando manter a voz firme ao dizer: — Me deixem em paz.

— Caleb... — tentou Alex, mais uma vez, mas eu o cortei com rapidez.

— Cala a boca!

Ele obedeceu quase imediatamente e eu frisei os lábios.

Dan, Mason, Ian e Alex se espremeram no banco de trás de uma maneira que sequer entendia. Dan não soltou uma palavra, parecendo perdido, Ian ainda sussurrava perguntas ao Alex sobre o que aconteceu mas sem obter respostas e Mason bufou algumas vezes.

O motorista, sem mais perguntas, pôs o carro em movimento para tirá-lo daquele fim de mundo.

Mas, quando Alex explicava o endereço da festa onde nos deixar, eu o interrompi, com frieza: — Não — grunhi, firme. — Primeiro você vai me deixar no Bairro das Magnólias — expliquei, vendo o cara assentir.

— Caleb...

— Eu disse Bairro das Magnólias — falei mais alto, irritado, para calar a sua boca uma vez mais.

Ninguém questionou mais nada.

Contorci minhas mãos no meu colo, sentindo o rosto gelar devido às lágrimas pelo vento que vinha da janela, e observei as casas passarem com rapidez por ela com desalento. O silêncio que se seguiu no carro, com exceção do som das rodas no asfalto e o vento que entrava pelas frestas dos vidros, trouxe de volta a mesma falsa sensação de calmaria de antes.

Meu coração parecia encolher-se a cada batida dolorida, minha mão direita formigava onde a mão dele estivera entrelaçada e meus lábios ainda sentiam, como um reflexo, o movimento dos dele de minutos antes. Nada devia estar calmo, mas em contradição, minha mente havia ficado em branco.

Sequer tinha força para repensar ou entender o que havia acontecido.

A calmaria houvera durado tanto tempo que sequer vi a tempestade chegar e, quando percebi, ela já havia passado e novamente me encontrava em um mar de calmaria.

Desta vez, ela parecia cruel. 


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Notas finais do capítulo

*Ballare: eu usei este mesmo nome para uma boate em MOF e no caso, como se passa na mesma cidade, é a mesma daqui.
PS.: A título de curiosidade, esta era uma boate que tinha na minha cidade, once upon a time, e inclusive foi a primeira que eu fui, tandandan, com quinze anos também. Não precisei de id falsa, não lembro o porquê, mas acho que rolava uma exceção quando era aniversário de alguém e tu era convidade, se não me engano não tinha restrição de idade se tu tinha o convite hahahha. Gente, isto faz quase dez anos, pqp.

Outra curiosidade boba: Eu acabei de perceber que tenho 4 personagens míopes, quando escrevi este capítulo KKKKKKKKKKKK. Mason, Cristina, Korn e Grace. Todos de oculinhos :3

Uns capítulos atrás eu tava: mds essas crianças não crescem nunca, e agr eu tô aqui emocionada que o Caleb JÁ tem 15 anos, feito uma mãe. Aiai, bons tempos que não voltarão. A gnt põe no mundo, cria, educa, vê crescer e quando ver já tão grandes. Meu coração num guenta.

Brincadeiras à parte - nem tanto assim - HAHAHAHAHHA, eu vou fugir pras colinas com unicórnios depois deste capítulo. Achou que eu diria algo? Na-hã. Realmente, não tenho a dizer, essa função vai ficar pra vocês hoje.

Surtem, pois.
Adiós!
HAHAHAHAHAHAHHA ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!
Att: 06/2021.



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