Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 36
XXV. De todos os garotos do mundo


Notas iniciais do capítulo

Gente linda, gente boa, gente bela! ♥

Eu venho com três capítulos novos, mas eu vou deixar um para cada semana - são enormes, gente, e vão dar dor de cabeça, vocês devem agradecer de não ter que lerem todos juntos - pra vocês não ficarem morgando muito com 3 de uma vez enquanto eu escrevo o próximo ou os próximos, dependendo da minha inspiração e bloqueio criativo ahahaha.

Os três próximos capítulos tão entrelaçados, portanto, eu tive que escrevê-los juntos, porque o que não encaixava em um devia encaixar em outro. São dois capítulos do Caleb e um (o próximo) do Alex.

Detalhe: Eu sei que começamos a Fase 3 no capítulo anterior mas neste a gente vai começar o ano colegial, então teremos novas personagens. Eu quis informar isto aqui só pra avisar de antemão: Bex é tratade tanto no masculino quanto no feminino durante o texto. Não é erro de digitação. Lá embaixo vou explicar melhor. Beijos :3

Boa leitura! ♥



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Minha relação com o Alex sempre esteve no limbo.

Éramos amigos, mas não exatamente. Éramos parceiros, mas não exatamente. Éramos namorados, mas não exatamente.

Em outras palavras, como eu consigo enxergar, tínhamos uma relação calada. Não haviam traçados de limites, nem esclarecimentos de ações, nem tampouco diálogos sobre sentimentos. Uma relação abstrata, discreta e silenciosa. 

Às vezes, eu ponderava se sequer existia.  

Para isto, nosso relacionamento sempre seguiu o mesmo padrão. Os olhares, a conversa jogada fora no meio da madrugada, os segredos compartilhados, as indiretas soltas no ar e a forma como ele me tratava sempre com carinho e eu, sempre com admiração.

Eu era apaixonado por ele desde que o conheci.

Eu o amara desde o princípio.

Ainda assim, silêncio.

A questão era que não se pode ficar no limbo para sempre seguindo um mesmo padrão. E não seria tão cedo que sequer cogitaríamos sair deste limbo, então restou quebrar o padrão. A necessidade de fazê-lo fora crescendo ao ponto de que foi completamente inevitável, para que  pudéssemos suportar as incertezas da nossa relação calada.

Quem quebrou este padrão, pela primeira vez, foi ele.

E, apesar de saber que aquela foi uma maneira de extravasar todas as coisas ruins que guardara em seu peito, ainda assim, doeu. Minha dor iniciou uma reação em cadeia, visto que senti a necessidade irracional de infringi-la nele também, e foi assim que nosso padrão do limbo jamais se restaurou.

Afinal, existe um limite do quanto se pode aguentar calado.

*

Me encarei em frente ao espelho.

Sei que todo ano digo que é estupidez pensar que aquele ano será diferente, sendo que todos os anos colegiais são a mesma coisa. Ainda assim, não deixava de sentir um frio na barriga ao me ver prestes a iniciar o ensino médio com os meus amigos.

A ideia de que talvez as coisas fossem diferentes, embora tão improvável, conseguia fazer meu corpo sedentário e preguiçoso vibrar com uma energia positiva.

Desci os olhos para as minhas roupas, com uma careta, sentindo-me ainda mais estúpido por pensar que eu também deveria começar o ano com roupas diferentes. Afinal, o primeiro era o único dia do ano em que ninguém usava uniforme, e apesar de ser comum ver alguém sem uniforme todos os dias já que meu colégio não era rigoroso quanto a isso - ou quanto a qualquer coisa -, ainda assim esta seria a minha primeira imagem do ano. E dizem que a primeira impressão é a que fica.

Fiz uma careta, revirando os olhos e afastando-me do espelho.

Quando foi que me tornei um adolescente comum?

Juntei a mochila praticamente vazia, de enfeite devido ao primeiro dia, e virei as costas para sair do quarto. Impedi-me, no entanto, suspirando antes de voltar e tirar a roupa toda com rapidez para vestir a melhor que eu possuía.

Cogitei vestir a camiseta roubada do Alex, mas joguei-a de volta na gaveta, vestindo uma preta com um meme, uma bermuda jeans nova que eu nunca usava e o all star que Will me presenteara de natal.

Nervoso, encarei meu rosto no espelho.

Eu parecia pálido pelo nervosismo, os olhos verdes arregalados demais como em um estático pavor que tentei afastar ao piscá-los e esfregá-los com as mãos, além dos cabelos desgrenhados. Eu lavei, penteei e sequei com secador, e ainda assim havia um redemoinho do lado direito da minha cabeça. Culparia minha mãe pelo fato, já que tanto ela quanto Will também tinham a mesma desordem de fios em toda e qualquer ocasião, denunciando a característica genética.

Torci os lábios para as marcas avermelhadas de acne na minha pele. Não eram muitas, mas o suficiente para me fazerem suspirar com desânimo e dar as costas, enfim, para minha ideia de fazer qualquer coisa diferente.

Afinal, eu sou o mesmo. 

Na cozinha, encontrei minha mãe, meu irmão e Theo tomando café da manhã, entretidos em uma conversa sobre trabalho e estudos, enquanto o nosso cachorro caramelo dormia aos seus pés, feito uma perfeita propaganda de manteiga. 

Eu comecei a acostumar-me com essa vida nova com o passar dos dias, das semanas e dos últimos dois meses. 

No fundo, agradeci que houvessem reformado a casa por causa disto. Todos os cômodos estavam diferentes, inclusive o meu quarto, com a mobília nova. O que não havia sido construído, havia sido mudado, seja com mobílias ou cores das paredes, seja com a organização dos móveis.

A cozinha havia sido aumentada, tomando um pouco do espaço da sala, que era o único cômodo grande da casa, e a parede que os separava havia sido substituída por um balcão. Meu quarto continuava o mesmo, com as mesmas paredes e tetos pintados com os desenhos da infância, embora eu houvesse ganhado um roupeiro e uma mesa novos. O quarto de Will continuava o mesmo por enquanto, durante o período que ainda morasse com a gente, o que não parecia se estender por muito tempo, infelizmente. Havia um segundo banheiro e Theodore estava construindo uma espécie de galpão no limite traseiro da casa. O quarto que costumava ser da minha mãe agora era de hóspedes, e um quarto novo havia sido construído mais para o fundo da casa, em uma extensão extra, para o casal.

Minha mãe finalmente pôde abandonar o quartinho que dormia sozinha e que costumava dormir com o meu pai e isto, por conta própria, já valeu a pena por tudo.  

Nossa casa havia sido pintada por completo de amarelo claro, o que havia dado vida para a antiga cor marrom envelhecida. As telhas que costumavam cair e que faziam ter que nos virássemos para que não inundasse a casa em dias de tempestade haviam sido arrumadas e reconstruídas. O portão envelhecido da frente não mais rangia e também havia sido pintado de uma cor preta por cima da ferrugem.

Magic agradecia todo dia pela casinha - gigante o suficiente para que eu coubesse dentro - que havia ganhado também.

Parecia outra casa, outra família, outra história a ser contada. E isso tornava fácil que me acostumasse com o casamento da minha mãe, visto que se desenvolvia em um ambiente diferente.

Sorri para o sorriso dela e aceitei quando quis me levar para o meu primeiro dia.

*

No colégio, a ideia de mudança me atingiu novamente feito um murro na cara. Foi aí que me ocorreu que, além da possibilidade de estar certo sobre as coisas serem diferentes, eu ainda poderia ser surpreendido pela ideia de que isto não era necessariamente bom

A primeira diferença estava materializada na figura satisfeita de Cristina, que conseguiu ser transferida para o nosso colégio como tanto insistido por Mason. Apesar dela ser um ano mais velha e estar na turma do segundo ano do ensino médio, ainda assim seria bom finalmente poder dividir os intervalos com todos os da nossa panelinha.  

Foi aí que bateu o choque de realidade. 

Nós somos a panelinha do ensino médio agora. 

Nós é que tomaríamos conta do chafariz durante todo o intervalo de todos os dias, nós é que estaríamos ocupando o espaço e a fama dos que saíram de lá, nós é que seríamos observados por uma galera do fundamental como os mais velhos e mais descolados do colégio.

Ok, pode ser que eu esteja exagerando.

Jamais seríamos tão legais quanto a antiga panelinha, simplesmente por sermos completos excluídos e esquisitos. Mas também seguiríamos, sim, seu legado do chafariz. Nenhum dos nossos colegas mais famosinhos no colégio poderia tirar isto de nós, porque o possuímos por direito, repassado pelos mais velhos. 

E talvez eu estivesse levando isto muito a sério, mas fui instruído por todos eles, muito seriamente, a levar.

O que me levava para mais uma mudança, ao menos, no primeiro dia em questão. Uma ausência que foi crescendo desde o começo do dia e confirmada no intervalo deste, quando ocupávamos, de fato, nosso chafariz. 

Alex. 

Ele não estava em parte alguma. 

Mais tarde, confirmaríamos que ele não apareceria por nenhum dia da primeira semana, e que sua explicação, via mensagem, era que preferia dormir. Sua primeira aparição, como se nada houvesse ocorrido, foi apenas na segunda semana. E, ainda assim, ele não veio em todos os dias dela.

A vibração de energias boas, ao passar dos dias, foi diminuindo até virar pó, apesar da clara diferença entre um ano e outro. Tudo o que restou foi um vazio, enquanto minha mente cheia me maltratava sobre como as coisas haviam mudado para pior. 

Meu irmão me disse que mudanças não são necessariamente ruins. E eu acabava de ver que também não eram necessariamente boas, e me sentia estúpido por pensar do contrário. Mais do que isto, me sentia estúpido por sequer cogitar se ambas mudanças poderiam vir ao mesmo tempo. Porque lá estava eu, patético, sentindo-me dividido entre amar estar no ensino médio, sentado naquele chafariz com aquelas pessoas, e odiar que Alex, quando entre elas, parecia querer estar em qualquer outro lugar.

Era como se ele estivesse lá, mas não estivesse.

Eu sentia tanto sua falta que podia sufocar.

E não é como se ele não estivesse presente jamais ou como se houvesse mudado tanto. 

Na terceira semana, eu já notava que Alex seguia sendo o mesmo, superficialmente, mas o que havia a fundo é que me incomodava. Ele ainda tinha o mesmo senso de humor, embora agora fosse mais sombrio e ácido do que antes; ainda falava pelos cotovelos, só que desta vez se restringia às mesmas pessoas; ainda era completamente maluco, embora agora fosse mais contido. 

Tudo o que eu podia fazer era cruzar os dedos e esperar que isso durasse apenas nas primeiras semanas de aula e que, com o tempo, ele se acostumasse com as mudanças ele próprio.

Voltei à realidade quando o vi rir de algo.

— Grace, você é minha favorita — afirmou ele, e pisquei a fim de olhar para os demais.

Grace fez uma reverência engraçada, já que estava sentada no chão, e agradeceu.

— Você diz isso a todos nós — retrucou Ian, parecendo achar graça. — Grace por achar parecida com você, eu por ser seu primo, o Mason e a Cristina por te fazerem rir, o Caleb... — Parou por um instante, e eu arqueei uma das sobrancelhas. — Por ser o Caleb — finalizou, fazendo um gesto vago em minha direção como se isso explicasse tudo. — Sabe o que você parece?

Alex desviou os olhos, que pararam por meio segundo em mim, de volta ao primo para negar. Encarei meus próprios pés.

— Hum? — questionou ele, o tom de voz risonho.

— Um pai, que diz pra todos os filhos que aquele é seu preferido — explicou Ian, e Grace riu, parecendo aprovar a constatação.

— Tem razão — concorda ela, levando mais uma bolacha crocante à boca.

Alex soltou um riso pelo nariz, antes de desviar o olhar para os outros.

— São meus bebês — explicou ele, para os demais.

Bex riu, aceitando as bolachas que Grace lhe oferecia.

— Que idade ‘cê tem, Alex?

— Dezessete — responde ele, ao dar de ombros. — Dezoito em agosto.

Dan arqueou as sobrancelhas, antes de sorrir.

— Ei! Leonino também? — questionou, animado, ao obter um aceno positivo como resposta. — Bate aí, cara! — Alex riu, se inclinando em frente para bater a mão na dele, fazendo os demais revirarem os olhos. — Só que eu faço quinze em agosto né — acrescentou, com uma careta, ao coçar o pescoço.

Korn inclinou-se para frente também, analisando Dan por detrás dos óculos redondos. 

— Você parece mais velho que quinze.

Todos o olhamos, assentindo ao concordar.

— É charme — revela ele, como se fosse mesmo algo sério.

Ri, junto dos demais.

As quatro pessoas sentadas com a gente eram uns dos motivos que fazia minha balança pesar para o lado positivo das mudanças. Quero dizer, três das quatro pesavam para este lado. Não podia dizer o mesmo sobre a quarta.

Daniel era nosso novo colega, transferido para o River Trench School por ser mais próximo da casa para a qual se mudara. Sequer parecia encaixar-se com a gente, por parecer tão descolado e extrovertido, mas fora amigável com nós quatro no primeiro dia e acabou passando o intervalo com a gente. Desde então, todos os intervalos. 

Ele é da altura do Alex e tem o corpo bonito, por ser dançarino, cabelos escuros envoltos por tranças nagô até o pescoço e olhos da cor do mel. Usa roupas confortáveis e estilosas, e seu tempo livre era usado para a dança contemporânea e para o Instagram, gravando vídeos para os muito seguidores que possuía. 

Korn e Bex eram colegas de Cristina, do segundo ano, e na real ela só conversou com eles porque já na primeira semana de aula a sala fora dividida em trios para fazer um trabalho. Ela não teve muita escolha a não ser socializar um tanto. 

Korn é um garoto tailandês, de pele escura, com cabelos pretos até o ombro, geralmente usava metade deles em um rabo de cavalo. Também usa óculos de grau redondos, como os de Grace, embora não possuísse metade da miopia dela. Ao contrário de Dan, que parecia passar longe dos esportes que não envolvessem dança, Korn já concordara em jogar futebol com a gente nos fins de semana. Logo que transferiu para o colégio, ele entrou para o time de vôlei, o que era sua paixão de verdade. 

Korn transferiu-se junto de Bex, com quem namora.

Bex é uma pessoa não-binária agênera, e confesso que levamos alguns dias para acostumarmos nos referirmos a ela da maneira correta. Ele era um indivíduo bastante simpático, e não pareceu nada impaciente com nossos tropeços. Ela tem cabelos longos e lisos divididos entre a cor natural escura e a cor verde, dos ombros às pontas deles, na cintura. Bex era uma mistura de etnias que eu não pude distinguir direito, a pele era escura, os olhos castanhos e o sorriso largo moldurava seu rosto. Gostava muito de ler e tinha um humor sarcástico, ao contrário do namorado, que parecia ser mais calmo e meigo.

E a quarta pessoa no nosso círculo de amigos ainda deixava o meu estômago agitado de uma maneira nada bacana.

Foquei os olhos nela, percebendo que se encontrava debaixo do braço direito do Alex, ironicamente da mesma forma que a via durante boa parte do primeiro ano dele aqui.

Mary Jane.

Como Alex havia reprovado no último ano, ele era colega dela desta vez e os dois haviam estranhamente se aproximado uma vez mais. Quando o questionei a respeito, ele deu de ombros e só explicou que a ideia de que ela espalharia pelo colégio sobre sua sexualidade antes dele havê-lo feito por conta própria havia sido um medo seu e não uma ameaça dela. Me garantiu que ela nunca fizera nada de mal a ele e que sempre apreciara sua companhia quando não agiam como namorados. 

Torci o nariz.

Eu, Mason, Grace e Dan estávamos sentados no chão, de frente aos demais, sentados no chafariz, Cristina, Korn, Bex, Ian, MJ e Alex.

— E aí, galera? — cantou Dan, alegremente, para a câmera do celular. — Como pedido por vocês, venho trazer mais uma live no meu colégio! E aqui — fala, girando a câmera de forma que pegasse todos ao movimentar o celular — estão os meus amigos! Dêem oi, gente! 

— Oi! — dissemos alguns, em uníssono.

— Live de quinze minutos? — questionou Cristina, para o namorado, que deu de ombros.

— Alguém assiste mesmo? — questionou Korn para o garoto que fazia caras e bocas para a câmera.

Dan estreitou os olhos para ele de maneira brincalhona, mas logo riu.

— Tão vendo, gente? — questionou, para o celular, ao apontar para o tailandês. — Três semanas de intimidade e já tão me descredibilizando! — dramatizou, antes de levantar-se para se aproximar de Korn e apontar algo específico na tela para que ele visse. — Mas vamos mostrar a ele que somos um grupo grande. Olha só quantas pessoas assistindo!

Korn aproximou o rosto da tela para ver e, com um aceno divertido, confirmou que ele estava certo. 

Dan voltou a sentar-se onde estava, dizendo que eles deviam fazer perguntas que nós responderíamos, como se tivesse combinado com a gente e que fôssemos acatar prontamente. Algumas foram destinadas a alguns de nós, como quem ali era solteiro e quem não, em que ano colegial estávamos, qual era o nosso Instagram, e outras.

Percebi que Ian revirou os olhos quando questionaram se a garota ao lado de Dan era sua crush ou não, e ele respondeu que com certeza. Grace afogou com as bolachas que comia, e todos rimos em resposta.

Grace, como se sentisse o mesmo que eu a respeito do ensino médio, houvera começado o ano de maneira diferente. Apareceu com o cabelo inteiro raspado curtíssimo, estilo militar, óculos de grau novos, de uma cor azul, e brincos por toda a orelha direita. Parecia outra pessoa e, sinceramente, ninguém poderia culpar Dan por pensar assim.

Ou Ian, acrescentei, relanceando meu amigo que bufava.

— Ai, gente, eu não vou perguntar isso — riu-se Dan, relanceando todos antes de ler mais um pouco os comentários e revirar os olhos melados, enfim. — Ok, ok! Gente — chama, desta vez, a nós —, tem uma galera assanhada aqui que tá perguntando quem é LGBTQIA+ e eu sei bem o porquê, seu bando de interesseiros — acrescenta, de volta para a câmera, ao gargalhar com algum comentário que lera. — Quem não quiser, não responde, viu?

Korn e Bex se relancearam antes de dar de ombros, como uma comunicação silenciosa entre os dois. Bex contou sobre sua identidade de gênero e também acrescentou ser pansexual, assim como o namorado também era, que logo confirmou.

— Eu sou bi — revelou Cristina, fazendo-me arquear as sobrancelhas, porque não tinha a menor ideia.

Percebi que não fui o único surpreso, mas Mason não era um deles, porque assentiu como se recém recordasse do fato, parecendo entediado.

Alex ergueu o braço, dando de ombros: — Gay.

Mary Jane o imitou para incomodá-lo, soltando um risinho, e ele riu também quando ela revelou: — Ace*.

Arqueei as sobrancelhas quase ao mesmo tempo que Alex.

— É mesmo? — pergunta ele, recebendo um aceno em resposta. Alex sorri, assentindo ao ponderar a respeito. — Isso explica muita coisa.

Ela dá um tapa em seu braço, rindo. 

— Shh, quieto! — reprime, embora sorrisse, ao parecer saber a que exatamente ele se referia. 

Quis bufar, mas não queria ser infantil a este ponto.

Quero dizer, não havia nada de errado que eles houvessem se reaproximado. Não é como se Alex fosse começar a sair com ela outra vez. Sem falar que ela parecia animá-lo, o que acabava estimulando que aparecesse para assistir as aulas e tivesse companhia na sala de aula.

Só que eles tinham uma história ali. Eles costumavam se beijar - e muito, pelo que minha memória não falha em acrescentar -, andar de mãos dadas e sair sozinhos. E agora que voltavam a ser amigos, de uma maneira estranha, também passavam bastante tempo juntos e sozinhos.  

Podia ser que eu fosse tão ciumento e invejoso assim?

É que essa amizade diferente da que Alex mantinha com o restante de nós, ele possuía apenas comigo. E agora eu sentia mais do que se ele tivesse dividindo meu tempo com ela, mas entregando-o todo a ela, como se ele houvesse me substituído por completo por Mary Jane.

Nós já não éramos os mesmos de antes, não éramos próximos como antes, não mantínhamos mais uma amizade diferente.

Eu sabia que Alex seguia tendo insônia durante as madrugadas e que haviam dias que sequer saía da cama, mas só sabia porque estávamos com ele em algumas destas vezes. Se dependesse de aparecer na minha janela para andarmos pelo bairro de madrugada e compartilharmos o nosso banco de pedra com os nossos devaneios, eu não saberia de nada disso.

Porque ele não mais apareceu.

No início, eu pensei que era só porque estávamos de férias e ele tinha muito na cabeça, sem falar no tempo que ficou em sua cidade natal. Mas quando as aulas retornaram e as coisas deviam voltar ao normal mas não voltaram, no entanto, eu percebi que era mais do que isto.

Engoli em seco, encarando-o de longe, já que era o que eu mais fazia ultimamente. Pisquei, arqueando as sobrancelhas, quando os olhos dele se demoraram em mim também.

Só então percebi do que se tratava.

— Mais alguém? — questionara Dan, ao fundo, e minha mente absorveu a pergunta apenas depois dos olhos negros houverem pousado em mim.

Pisquei mais uma vez, alargando um tanto os olhos ao relancear todos os demais, que negavam e também se entreolhavam para ver se mais alguém se pronunciaria. Vi quando alguns pares de olhos passaram por mim, sem dar muita importância, antes de voltarem ao Dan e darem de ombro, como quem diz para seguir as perguntas porque essa já havia sido respondida por quem deveria.

Remexi-me no local, baixando os olhos para a minha calça do uniforme, brincando com um fio que escapava dela, até que Dan tornasse a falar. Permaneci com os olhos ali, minha mente zerando de uma maneira estranha, ao passo que eu permanecia em silêncio e assim seria até que o intervalo acabasse. 

— Ok — disse Dan, sem dar importância, antes de rir de algo que provavelmente havia lido. — É claro que vocês querem saber quais delus estão solteires! É claro que sim!

Todos gargalharam, antes que ele questionasse se alguém gostaria de se pronunciar, mas todos negaram - afinal, ninguém quereria fornecer tanta informação pessoal para uma galera que não conhece. Dan seguiu lendo as demais perguntas, respondendo as que eram direcionadas a ele próprio, enquanto os demais tornaram a conversar entre si.

Ergui os olhos para o Alex e encontrei as orbes escuras ainda presas em mim. Senti um calafrio subir pela minha espinha, só que desta vez não era uma coisa boa.

Alex tinha as sobrancelhas unidas em uma expressão incomodada, os lábios franzidos e o rosto inteiro tenso. Era quase como se estivesse bravo comigo.

Senti o coração esfriar e odiei a sensação.

Por que ele estava me olhando assim?

— Eu jurava que vocês eram um casal — comentou Bex, achando graça, ao se referir a Alex e MJ.

Alex demorou meio segundo para perceber que estavam falando com ele e piscou, focando as orbes negras em Bex. Mary Jane, ao seu lado, soltou um risinho. E eu, em frente a eles, soltei a respiração que nem percebia prender.

— A gente costumava ficar um tempo atrás — contou Mary Jane, achando graça. — Até lá, Alex ainda não tinha revelado a ninguém sobre ele.

Ninguém?

Reprimi a vontade de cerrar os punhos.

Cruzei o olhar com ele por um segundo antes que ele, desconfortável, se remexesse no lugar e tentasse desfazer a expressão irritada com a qual me encarara anteriormente e a incômoda pelo que Mary Jane dissera, para responder a Bex. 

— Caleb sabia — pronuncia-se, para a minha surpresa, antes de focar os olhos em mim novamente com algo que não pude decifrar. Mary Jane soltou um “ah” e pediu desculpas rapidamente, mas eu não consegui prestar atenção nela. — Não é, Caleb? — perguntou, de forma estranha.

Pisquei, sob a atenção dos demais, antes de destravar o corpo duro e assentir. Alex acenou de volta, com uma careta, antes de voltar os olhos para Bex. 

— Não se preocupe, você não é a única pessoa a pensar isso — falou ele, forçando um sorriso. — Meus pais ainda acham que estamos juntos.

Mary Jane assentiu, com uma careta.

— Eles não sabem sobre você? — questionou Bex, compreendendo.

Alex soltou um riso cínico ao assentir.

— E se eu quiser ter onde morar até o fim do ano, eles nem vão.

Bex faz uma careta piedosa e assente, entendendo.

— Sinto muito.

Mary Jane afaga o braço de Alex, com uma expressão igualmente compassiva, ao forçar um sorriso.

— Tá tudo bem — resmunga Alex, abanando como se não fosse nada, antes de desvencilhar-se dela. — Já tive tempo pra assimilar. — Relanceou-me outra vez, antes de suspirar. — Vai bater o sinal logo, eu vou fumar.

Antes que fosse dito qualquer coisa, Alex levantou e deu as costas, caminhando em direção ao ponto de fumo com rapidez. Como se as palavras fossem mágicas, o sinal soou, mas ele não pareceu se importar.

Se bem o conhecia, ele provavelmente mataria a próxima aula para ficar por lá.

Eu quis, com cada célula do meu corpo, ir atrás dele para perguntar se estava tudo bem e se eu havia feito algo de errado. Queria perguntar por que ele parecia irritado comigo, por que ele não aparecera mais em minha janela, por que ele andava tão distante. Só que ele não me convidou, como o fizera tantas vezes, para ir ao ponto de fumo com ele. E isso me fazia ter ainda mais receio de segui-lo.

Me senti enjoado pelo resto do dia.

Repassei tudo em minha cabeça, me perguntando se eu realmente houvera feito algo para que ele se afastasse tanto, porque aquilo era mais do que o fato de ter reprovado. Tinha a ver especificadamente comigo, eu sentia que sim.

Poderia que isto ainda fosse a respeito do beijo?

Eu não queria cogitar isso, mas não deixava de ponderar se aquele beijo não havia estragado tudo. Se ele não se sentia enojado pelo ato, se não se sentia traído por eu havê-lo posto naquela situação, se não achava que eu estava gostando dele e não sabia como me rechaçar.

Quero dizer, sequer dava para saber quem beijou quem?

Se eu fosse honesto, Alex realmente tentou conversar comigo sobre aquele beijo. Ele me sondou mais de uma vez para falar sobre, só que eu desconversei e nós dois sabemos que eu fingi nunca haver acontecido.

Talvez essa conversa, a qual Alex tentou fazer acontecer algumas vezes, fosse para me dizer que aquilo o havia incomodado, deixado-o desconfortável, que não sentia nada assim por mim e que não queria que se repetisse outra vez. E talvez, por eu haver ignorado essa tentativa de comunicação da parte dele, ele resolveu afastar-se de mim para evitar qualquer problema.

Senti o peito apertar e o estômago revirar por tanto tempo que ponderei se a sensação não se tornaria eterna.

Mas por que ele me olhou com irritação hoje?

Eu sei que podia ter a ver com as perguntas de Dan, e que talvez ele estivesse esperando que eu dissesse algo quando fora perguntado se alguém mais fazia parte da comunidade. Quero dizer, Alex sabe que eu o beijei tanto quanto eu, apesar de havermos seguido nossa vida como se nada houvesse ocorrido.

E eu gostar de garotos pode até confirmar que eu não seja hétero mas também não quer dizer que eu sou gay, porque eu ainda não sei se gosto de garotas - ou de garotes, acrescentei, ao relancear Bex - também. E mesmo que assim fosse, por que ele ficaria bravo de eu não contar?

Dentre todas as pessoas, Alex deveria entender que não é tão simples assim para se conhecer e se assumir para o mundo. E ok, pode ser que não fosse esse o motivo da minha negação pessoal, mas dá no mesmo. Ele praticamente confirmou que respeitaria meu tempo para admitir qualquer coisa.

Por que agia assim?

A resposta, bem detalhada, só veio na próxima semana.

*

Durante o intervalo das aulas, havíamos planejado de ir ao cinema, todos juntos, de tarde. É claro que alguns já desmarcaram, mas eu segui apoiando a ideia junto de Bex, Korn, Grace e Ian.

O problema era que Alex não havia aparecido na aula e também não respondia as mensagens que enviamos. Então combinamos que Ian iria até lá à tarde para checar se estava tudo bem e se ele iria com a gente. Depois, Ian nos buscaria na casa da Grace, onde eu estava, e viria junto do Alex se ele houvesse querido ir.

Ian, no entanto, evaporou. Não recebia chamadas ou ligações, então decidimos ir até lá para não ter que ficar esperando. Grace não morava tão longe da casa do Alex, então fomos a pé.

Se ao menos eu percebesse que o universo estava me dizendo para ficar em casa, quieto na minha, e cancelar essa ida ao cinema, que já começara errada, talvez eu tivesse evitado o que aconteceu.

Óbvio que não percebi coisa alguma.

E, sinceramente, se houvesse percebido, eu seria muito bem capaz de ignorar.

Ian estava na frente do portão, com uma cara azeda, antes de jogar as mãos para o alto e agradecer que fomos até ele.

— O que houve? — perguntei, logo que o enxerguei.

— Minha bateria acabou de novo — grunhiu ele, sacudindo o celular com raiva como se isto o fizesse renascer. — Eu disse que essa porcaria tá viciada!

Grace o olhou da cabeça aos pés com uma careta, como quem diz: “você é imbecil?”

— Por que não colocou pra carregar ou usou o do Alex, Inteligência?

Ian mirou-a com desprezo. — Porque não — respondeu, emburrado. — Eu sabia que vocês viriam mesmo.

Estranhei, olhando ao redor.

— E o Alex? — perguntei, não vendo-o por perto.

Ian fez uma careta, relanceando a casa ao fundo, antes de fazer um gesto vago e impaciente. — Ele não vai — Estala a língua. — Tá mal-humorado, tá lá resmungando feito um velho.

— Por quê? — questiona Grace, confusa.

— E tem motivo? — Ian abre os braços em um gesto para expressar que lhe escapava a compreensão. — Ele tá sempre estranho ultimamente!

— E garanto que você não foi de muita ajuda também — retrucou ela, torcendo o nariz.

— Ah, tá — reclama ele, revirando os olhos. — Então vai, Inteligência, vai “ser de ajuda” para ele pra ver se funciona! — Faz um gesto em direção à casa, cheio da razão. — Vai!

Grace cruzou os braços.

— Eu não — fala, e Ian ri, debochado. — Se ele não tá de bom humor, que fique em casa.

Franzi o cenho, olhando deles para a casa e da casa para eles.

— E ainda fala de mim! — reclama ele, indignado.

Grace revirou os olhos, impaciente.

— E você chamou um táxi, pelo menos? — questionou ela, digitando mensagem no celular para Bex e Korn.

— Que parte do “minha bateria acabou” você não entendeu?

Foi aí, no meio da discussão boba entre Ian e Grace, que tomei a decisão mais estúpida do mundo de subir até ele.

— Chamem que eu já volto — informei, dando as costas, apenas para ver Grace e Ian entrar de acordo pela primeira vez da tarde.

— Falando em Inteligência — comenta Ian, às minhas costas —, lá vai ele.

— Depois ainda perguntam por que homens vivem menos — concorda Grace, estalando a língua. — São imbecis.

— Ei!

Grace não poderia estar mais correta se tentasse.

Eu sou um completo imbecil.

Ainda assim, eu queria ir até ele e ver se estava tudo bem ou se algo específico havia acontecido. Talvez conseguisse arrancar alguma informação dele para que eu pudesse ajudar, talvez conseguisse fazê-lo se sentir melhor ou que, por fim, mudasse de ideia sobre vir com a gente.

Alex não ia mais em nenhuma programação que não envolvesse álcool e música. Parou de sugerir traquinagens e, quando planejadas pelos demais, não se juntava à gente. Eu não o julgava, mas acho que seria bom que ele quebrasse essa nova regra de vez em quando. Não só para mim, mas para ele.

Entrei no quarto, já que a porta estava aberta, enquanto ele dedilhava o violão que abraçava, jogado em sua cama.

Alex ergueu os olhos para mim, as sobrancelhas unidas em irritação, preparado para dizer algo, mas relaxou um pouco a postura ao perceber que era eu. Me encarou por um instante quando murmurei um “oi”, mas voltou os olhos negros para o violão. 

Aquilo só podia significar que o pai não estava em casa, caso contrário, o violão estaria escondido ou, ao menos, a porta cerrada.

Quando Alex nada disse, só me atrevi a sair do batente da porta para dar uns dois passos em frente e ficar parado feito uma múmia.

— É seu? — perguntei, apontando para o instrumento, confuso ao perceber que aquele não era o costumeiro violão do Ben.

Ao contrário daquele, em uma comum cor marrom amadeirada, o que ele segurava em seus mãos era preto, com detalhes pequenos em azul. Reluzia como novo, não continha nenhum arranhão, e a case estava atirada ao lado de sua cama, um tanto maior que a case que pertencia ao Ben.

— Eu comprei nesse fim de semana — contou ele, dando de ombros.

Franzi o cenho, ligando os pontos, antes de alargar os olhos em um misto de sentimentos que não pude identificar de primeira.

— Gastou o dinheiro?

Alex houvera economizado por quase um ano para que pudesse seguir seu plano de sair de casa abastecido o suficiente para começar uma vida nova.

— Uma parte dele — respondeu, como se não importasse. — Dá igual. Eu tenho mais um ano pra economizar mesmo — resmunga, o tom de voz amargo. 

Engoli em seco, sentindo o coração pesar.

A julgar pela aparência sofisticada do violão, eu só podia assumir que uma parte do dinheiro usado, na realidade, devia significar, no mínimo, metade dele.

— Mas e os seus planos? — perguntei, chateado por haver amaldiçoado os planos sobre ir embora do Alex.

Alex soltou um riso, sem a menor graça.

— Planos mudam.

Observei-o continuar a dedilhar melodias aleatórias, os olhos presos no violão, embora sua mente parecesse longe, como se sequer o visse. Apesar da quietude de Alex e o silêncio do quarto que não fosse música, em um primeiro momento, Alex estava o oposto de tranquilo. Os dedos estavam rígidos, errava constantemente as notas que tocava, os sobrancelhas unidas e o pé balançando sem ritmo com impaciência.

Eu queria poder fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas nem tinha ideia de como começar.

— Você tá bem? — decidi começar, para testar as águas, mas não adiantou muita coisa.

— Maravilhoso — responde, de uma forma estranha.

Aquilo me fez querer recuar para a porta, de onde nunca devia ter entrado, com o rabo entre as pernas. E era exatamente o que eu devia fazer, eu sabia disso, porque ele não parecia no menor humor para qualquer tipo de conversa.

Ficar ali seria o mesmo que cutucar a onça com vara curta, mexer com quem está quieto, acordar o que dorme.

Mas algo dentro de mim, em uma voz maldosa, me fazia acreditar que apesar do mau humor, ele jamais me trataria dessa forma. Apesar de não querer conversar, jamais usaria esse tom de voz comigo. Apesar de querer estar sozinho, jamais me chutaria porta afora. E se estava me tratando assim, independemente do que se passou com ele o restante do dia, era porque era pessoal. Era pessoal comigo, como vinha sendo há tanto tempo, como foi uma semana atrás em que me encarara com tanta amargura no intervalo das aulas. 

Algo dentro de mim se recusava a ir embora sem ao menos descobrir o que eu havia feito de tão errado. 

— Tem certeza que tá bem? — insisti, apenas para ouvir um suspiro de sua parte, sem que erguesse os olhos para mim ou fizesse menção de responder. — É só que... Você tá diferente — comentei, estranhando o rapaz que eu via e que não parecia nada com o Alex de sempre. 

Desta vez, ele fixa os olhos em mim, irritado. 

— Você também? — grunhe, chateado, e imaginei que Ian devia ter mencionado algo parecido ainda hoje. 

Arregalei os olhos antes de negar veemente. — Não! — verbalizei, desviando os olhos para os meus tênis, em nervosismo. — Eu não tô julgando, eu só... Eu só... Desculpa.

Alex estalou a língua, voltando a atenção para o violão, sem importar-se em me dar uma segunda olhada.

Fiquei dividido entre ir embora sem dizer mais nada ou tentar mais uma vez, ao menos, fazê-lo entender que eu não estava julgando e que entendia o porquê dele andar estressado naquele ano. 

E foi mais uma oportunidade ignorada deliberadamente por mim, de evitar o que viria, feito o imbecil que Grace constatara que eu sou.

— E-eu só queria que soubesse que pode falar comigo, já que...

— O quê? — interrompe, rapidamente, a voz tomada de sarcasmo. — Já que dividimos segredos?

Ouch.

Arqueei as sobrancelhas, em choque.

O quarto caiu em um silêncio, visto que ele parara de dedilhar as melodias por completo, desta vez, a atenção toda em mim. Abri e fechei a boca algumas vezes, vendo que ele não desviou os olhos dos meus e que o sarcasmo não desvaneceu de sua expressão cínica.

Meu coração pareceu encolher-se dentro do peito ao passo que eu percebia que aquilo era minha culpa. Quero dizer, eu acabei de me colocar nessa situação. Certamente não devia ter vindo, ainda mais sabendo que ele estava passando por algo hoje.

O que eu esperava?

— Certo — consegui formular, falhando em não demonstrar mágoa, antes de começar a me movimentar para sair. — Não tá mais aqui quem falou.

Antes que eu pudesse sequer virar em direção à porta, no entanto, ele me interrompeu no mesmo tom ácido: — Vai embora? — perguntou, com um olhar sinistro. — Assim, tão cedo?

Franzi o cenho, a mágoa se transformando em irritação com a situação em meio segundo. Sem saber o que fazer, sentindo-me um completo idiota, sustentei seu olhar até que deixasse escapar a pergunta que rodopiava em minha mente. 

— Qual é o seu problema? 

— Não, qual é o seu problema? — perguntou, largando o violão na cama de qualquer jeito ao levantar com brusquidão. 

A voz havia perdido qualquer rastro do humor ácido e sinistro que o rodeava e eu quase suspirei aliviado, antes de perceber que foi substituído por completa irritação.

— O que faz aqui, Caleb? — questionou, incisivo, ao fazer-me unir as sobrancelhas ainda mais em confusão.

— Eu vim te convidar para...

— Não — interrompe, mais uma vez. — O que faz aqui? — questiona, mais uma vez. Pisquei, não compreendendo. — Por que veio? — insistiu, olhando-me com pura chateação. — O que quer de mim?

Fiquei estático, sem saber o que dizer ou o que exatamente ele gostaria de ouvir.

— Eu... — comecei, murcho. — Eu queria ver se você estava bem.

Alex franziu os lábios, desgostoso. 

— E o que mais? 

Pisquei, sentindo-me pequeno. — Do que você tá falando? 

— Eu quero saber o que mais você quer de mim, Caleb? — repete ele, impaciente. — Quer que eu desabafe, que eu conte mais segredos, mais argumentos? — enfatiza, praticamente cuspindo as palavras. — Vamos, me diga o que é que você quer, que eu faço. Eu sou um livro aberto — fala, abrindo os braços como se para confirmar o que dizia.

Abri e fechei a boca algumas vezes, a vontade de chorar aumentando a cada palavra proferida por ele.

Eu sequer entendia o que estava acontecendo.

— Por que tá agindo assim? — questionei, enfim, dando meu melhor para controlar a tremedeira da minha voz.

Alex passa a mão no rosto, rapidamente, parecendo incômodo na própria pele.

— Porque eu tô cansado! — exclama, e eu engulo a vontade de me afastar fisicamente dele. — Porque eu tenho tentado pensar no melhor pra você esse tempo todo! — grita, fazendo-me engolir em seco.

Melhor para mim?

Do que ele está falando?

Antes que eu pudesse questionar, ele continuou, engrenando na linha de pensamento de uma maneira muito parecida com o Mason. A diferença era que as coisas que ele vomitava não eram aleatórias e sem importância, eram coisas que continham certo peso. 

— Porque eu tenho me virado do avesso pra manter a nossa amizade, pra tentar fazer você se sentir cômodo perto de mim de novo! Eu tenho me desdobrado pensando no que você quer, no que sente, no que pensa, sem nunca saber, porque você nunca fala! — reclama, frustrado. — Eu tenho me colocado de lado por tanto tempo e então eu parei pra pensar que... — Solta um som desacreditado pelo nariz. — O que você tem feito pela nossa amizade, Caleb?

Dei um passo para trás, tentando absorver a quantidade de informação jogada em mim com tanto rancor.

O que eu tenho feito?

— De que forma você tem se importado comigo?

Abri a boca para responder que não havia pessoa que se importasse mais com ele no mundo do que eu, mas eu não consegui. Não teria coragem de jogar essa informação nele e mesmo se tivesse, eu não saberia explicar o que ele pedia de mim. 

De que forma eu tenho me importado? 

De que forma? 

Minha mente ficou em branco. 

— Eu...

Eu não tenho uma resposta.

— Sequer se importa? — pergunta, mais chateado do que irritado, desta vez.

Franzi o cenho, desta vez, refletindo a mesma chateação dele.

— É claro que eu me importo — retruquei, ofendido pelos dois anos que se passaram.

Machucava que ele pensasse tão pouco de mim.

Dei um passo em frente, fechando as mãos em punho.

Como ele podia dizer isso?

Quem deixou de aparecer em minha janela foi ele.

Quem começou a agir de maneira estranha foi ele.

Quem sumiu por tempos e mal trocou mensagens com todos foi ele.

Quem está passando por um período difícil, se afastado e mudado de comportamento, é ele.

Alex inclinou o corpo para frente quando abri a boca para me defender de suas palavras completamente injustas, mas as que ele disparou antes varreriam qualquer linha de pensamento indignada que corria pela minha mente.

— Amigos não beijam e fingem que esquecem.

Senti todo meu sangue esvair do meu rosto, as mãos gelarem e o meu coração subir à boca.

Ora se aquilo não foi finalmente exposto em voz alta.  

Nós dois sabíamos que aquilo era verdade, mas ainda assim a minha boca abriu para negar, na base do pânico. Alex foi mais rápido, ao fechar a distância entre nós em um vulto, os olhos negros tomados por uma raiva que sequer compreendi até que se pronunciasse.

— E não ouse mentir na minha cara mais uma vez — grunhiu, me conhecendo melhor do que eu imaginava, ao me fazer engolir em seco. — Se queria que nunca tivesse acontecido, pronto — fala, impaciente, ao abrir os braços. — Pronto, Caleb. Nunca aconteceu. Sua sexualidade tá intacta!

Exceto que isto não tem nada a ver com sexualidade. 

Mas eu não podia dizer isso.

Tentei formular alguma outra coisa por entre minha respiração descompassada, incapaz de desviar o olhar dos dele, sentindo-me culpado. — Não é isso — murmurei, perdido. — Eu só... — tentei, sentindo o gosto da bile na boca. — Eu só...

Como eu me explicaria sem mentir?

Ao mesmo tempo, minha mente disparava tentando entender por que isso estava o chateando tanto a ponto de pensar que eu sequer me importo com ele.

Ele pensa que eu estive me sentindo enojado por haver beijado um garoto? Ele está ofendido por achar que eu me sinto incomodado com ele? Ele pensa que eu me incomodo que ele seja gay? Ou ainda, que eu o culpe pelo beijo ter acontecido?

Ou talvez ele só se incomode que eu não tenha falado sobre a minha sexualidade com ele, como ele falou comigo sobre ele próprio?

Sequer pude concluir meus questionamentos antes que ele continuasse, engrenando uma vez mais, ao responder uma parte deles.

— Você teve meses pra falar alguma coisa, sabe? — diz ele, esfregando os olhos com frustração, a voz tornando a elevar-se. — Eu te dei meses! Meses fingindo que nada tinha acontecido, por respeito a você! — exclamou, e eu engoli em seco, desviando o olhar. — Meses me sentindo culpado e me virando do avesso pra tentar fazer as coisas se acertarem! Eu tentei me afastar, eu tentei me aproximar, eu tentei te tratar igual antes, eu tentei fazer diferente — lista, enquanto eu me sentia minúsculo. — Esse tempo todo eu tentava me certificar de que nossa amizade ainda existisse, porque você é importante demais pra mim — revela, a voz trêmula. — Esperei que se sentisse confortável comigo outra vez e nada! Você nunca falou nada, nunca me procurou, nunca pareceu confiar em mim! 

Senti um nódulo se formar na minha garganta e a respiração acelerar, e tudo o que eu queria era que o tempo voltasse atrás. Queria entender como é que toda essa conversa se desviou em um minuto e como eu faria para pará-la por um instante e poder absorver o que estava acontecendo com mais calma. 

Para eu poder respirar. 

Mas tudo o que eu podia era observar como tudo continuava a se desenrolar, com ou sem a minha permissão, em frente aos meus olhos.

— Amizade é uma via de mão dupla, sabe? — continuava ele, enquanto eu lutava contra as batidas dolorosas do meu coração. — Eu te conto as coisas mais patéticas do mundo, você sabe tanto sobre mim — dita, chateado, ao colocar uma mão no peito. — Como é que pode ainda não me conhecer o suficiente pra saber que pode me contar qualquer coisa, que pode confiar em mim e que eu jamais — enfatizou — te julgaria por coisa alguma?

O desabafo já não era mais tão irritado quanto era magoado e chateado pelo que ele dizia ser a minha completa falta de consideração à nossa amizade. 

Abri a boca para negar, mas fechei em seguida. 

O nódulo em minha garganta não me permitiria dizer coisa alguma, e eu estava chocado demais para pensar em algo que não o chateasse ainda mais.  

E como eu poderia me defender de tudo isso?

Eu estava me sentindo um lixo.

Enquanto eu pensava em me defender e dar provas de que ele estava errado, nada vinha, e eu não podia deixar de me perguntar se ele não tinha razão. Não conseguia evitar me sentir culpado pela probabilidade de que sim. Eu havia desenvolvido sentimentos por ele, e isto podia sim, ter atrapalhado minha amizade com ele. 

Será que eu fiquei tão focado em mudar o que sinto que deixei de dar valor para os laços que tínhamos?

Mas ele estava tão errado em pensar que meu silêncio sobre o beijo tinha algo a ver com a nossa amizade. Era do contrário, era sobre o sentimento nada amigável que eu sentia por ele.

Será que eu devia ter me forçado a conversar a respeito, mesmo que mentisse e fingisse que nada sentia, apenas para manter as coisas bem entre nós?

Fechei os olhos, a resposta me atingindo com força desmedida.

É claro que devia.

Isso é o que um amigo faria.

— Me desculpa — pronunciei, sentindo-me vazio, com a voz murcha. Era tudo o que eu podia dizer. — Eu não quis... — comecei, mas mordi os lábios. — Me desculpa.

Vi quando o olhar dele mudou, tornando-se o do velho Alex mais uma vez por um instante. Parecendo piedoso, seus olhos se tornaram carinhosos por uma milésima de um segundo, antes de voltarem a se tornar incômodos. A voz perdeu a irritação, embora não a mágoa, quando falou: — Eu não entendo como você pode ter sentido que não podia falar comigo, dentre todas as pessoas, sobre isso.

Engoli em seco, mas o nódulo na minha garganta permaneceu ali.

Eu entendia o porquê dele pensar isto.

Se eu não sentisse nada pelo Alex, ele seria a primeira pessoa com quem eu conversaria sobre garotos. Mas o problema não era e nunca foi que eu gostasse de meninos ou que eu houvesse gostado de beijar um.

Era ele.

Sempre foi ele.

Não é como se eu pudesse explicar que eu evitei conversar sobre o beijo porque evitei expor que não o via apenas como um amigo e que estava dando o meu melhor para vê-lo assim. Não podia explicar que meu silêncio era minha forma de valorizar nossa amizade, assim como esse tempo todo ele também valorizava ao respeitar esse silêncio. Não podia dizer que esse silêncio não era por não confiar nele, por pensar que me julgaria ou por não sentir o mesmo carinho que ele sentia por mim, mas sim porque evitava admitir até para mim mesmo que gosto dele.

Eu não estava preparado, e eu sequer entendia o porquê.

Então, o que eu diria?

Eu não tenho como me defender sem contar a verdade.

Deveria?

No entanto, levou apenas um instante para que sua postura mudasse após o último comentário. Alguma coisa passou pelo seu rosto e a expressão magoada morreu, mais uma vez, dando início a uma sinistra. Os olhos, que pareciam foscos pelo cansaço, pousaram em mim com uma análise desconfiada.

— A não ser que o problema não fosse sexualidade.

Alarguei os olhos, sentindo-me subitamente exposto.

Sob os olhos analíticos e enojados de Alex, como se a ideia lhe desse repulsa, senti meu coração acelerar como se quisesse sair do peito e fugir para longe - e eu não poderia culpá-lo -, e minha respiração entrecortar com dificuldade.

A expressão de Alex era dura quando pronunciou, em tom azedo, já que minha postura pareceu confirmar o que ele pensava: — Me diz, Caleb, o que mais te incomoda? Que você tenha beijado um cara ou que esse cara fosse eu? — cospe, os olhos ferozes em mim.

Certo, sobre meu problema girar em torno dele, errado, sobre pensar que estou incomodado com isso. Eu estou assustado, por motivos que eu sequer entendia por completo ainda, era bem diferente. Mas eu não seria louco de apontar o erro.

Meu silêncio pareceu ter respondido por mim e eu vi quando a compreensão passou por seu rosto. Prendi a respiração, sentindo um calafrio pela expressão sombria que tomava conta de seu rosto. Me encolhi quando ele engoliu em seco algumas vezes, a mandíbula trincada, ao parecer querer recuperar a compostura.

Aquilo pareceu magoá-lo pessoalmente, provavelmente imaginando que eu me sentisse enojado de haver beijado ele, dentre todos os garotos do mundo, mas tentou não deixar transparecer.

Eu só podia haver ferido seu ego.

Pior do que isto, agora ele pensa que eu realmente não dei a mínima para a nossa amizade porque me sentia enojado de que fosse ele quem eu beijei. E que foi por isto que eu falhei como amigo.

Dei um passo em frente, querendo desfazer tudo. 

Fala alguma coisa, Caleb! Qualquer coisa! 

— Alex...

Alex me interrompe ao erguer a mão, como se para me calar, ao inflar as narinas com irritação. — Não se dê ao trabalho.

— Mas eu... 

— Não — interrompeu, de forma tão dura que eu engoli o que estava prestes a falar. — Se o problema sou eu — fala, e eu quis chorar —, então por que diabos você... Por que você...

Passa a mão no rosto, frustrado, ao dar as costas e deixar a pergunta morrer. Passou a caminhar de um lado ao outro, exalando tanto sentimento e energia ruim que eu não pude deixar de me sentir agoniado. 

— Sabe o que mais me deixa puto? — pergunta, obviamente não esperando uma resposta, ao passar a mão nos cabelos com irritação. — Não tem a ver com o beijo, tem a ver com você — fala, virando na minha direção mais uma vez e apontando para mim com um movimento brusco. — Eu tô cansado! — fala, e o rosto se contorce em uma careta de dor. — Cansado o tempo todo! 

Dei um passo para trás ao perceber que ele começava a se alterar uma vez mais e retorci as mãos, como se isto me ajudasse a me acalmar e preparar para a próxima onda de palavras metralhadas por Alex que provavelmente me machucariam. 

— Cansado de ser deixado pra trás! — continua ele, gesticulando muito. — Cansado de-de estar... — Gagueja, parecendo querer encontrar a palavra certa. — Aqui. — Apontou para o chão que pisava, mas eu soube que não se referia a localidade. Percebi que os olhos marejaram quando continuou, balançando a cabeça negativamente como uma criança: — Eu não quero estar aqui! E eu não posso fazer nada a respeito. Eu não posso fazer... — Engoliu em seco, coçando os cabelos com irritação. — Nada. Eu não posso ter... — Suspira. — Nada.

Mordi os lábios, sentindo-me agoniado por ele.

— Eu não posso ter minha liberdade. Eu não posso ter minha família. Eu não posso ter minha música. Eu não posso ter um namorado. Eu não posso ser quem eu sou — choraminga, a mão no peito. — Eu não posso ter nada do que eu queira. E eu tô tão cansado de não ter nada, Caleb! E você...

Bufa, mexendo nos cabelos outra vez, ao dar passos desajeitados no tapete. Me olha, então, com descrença, ao bufar pela segunda vez.  

— Você tem tudo, Caleb, tudo! — exclama, indignado. — E pode ter ainda mais. Você pode ter tudo o que eu sempre quis! E ainda assim, aqui está você — fala, fazendo um gesto em minha direção, como se houvesse cometido um crime. — Tem uma família que te apoia, que te ama e que faria qualquer coisa pra ver você feliz! E você sequer se importa! — grunhe, coçando o pescoço outra vez, como se a pele o incomodasse. — Aqui está você, descartando isso todo dia como se não fosse nada de mais, não dando o menor valor, desmerecendo todo o privilégio que você tem!

Meus olhos encheram d’água e eu pisquei para não deixar que caíssem.

— Eu tô aqui, me debatendo para ter ao menos um gosto da felicidade da qual você tá correndo para longe! E então, você aparece aqui querendo saber se eu tô bem? — questiona, gesticulando demais. — Não! Não, Caleb, eu não tô bem! — grita, fazendo-me segurar um soluço com força. — E a última coisa da qual eu preciso é de você aqui pedindo por mais desabafos de mim como se eu tivesse quebrado e você precisasse me consertar! Como se isso fosse de qualquer ajuda e não é! 

Em um segundo, o quarto caiu em um silêncio tão ensurdecedor que eu pensei em cobrir os ouvidos. Só então percebi o volume que eu ouvia internamente de ambos minha respiração e meu batimento cardíaco.

Minhas mãos tremiam, meu peito estava frio.

Alex focou os olhos em mim mais uma vez, e por um segundo eu pensei haver visto arrependimento ali, mas logo aquilo pareceu se misturar com tanto sentimento que eu não soube se o próprio Alex sabia distinguir. A expressão mudava a cada segundo quando desviou o olhar, e abriu a boca para falar mais antes de fechá-la novamente, coçar os cabelos, a pele, levar à mão ao rosto e suspirar.

Foi só então que percebi.

Ele estava pálido de uma maneira assustadora, o que fazia com que as sombras escuras abaixo dos olhos se destacassem ainda mais, deixando-o com a aparência de esgotado. As mãos tremiam, uma gota de suor caía por sua têmpora e no momento que a percebi, notei que os fios negros - já relativamente longos pelo tempo sem cortar - estavam úmidos pelo suor.

Alex parecia mais do que doente, parecia um fantasma.

Eu já o havia visto assim poucas vezes, de madrugada, quando ele não conseguia dormir, mas nunca desta forma. Me perguntei há quanto tempo ele não dormia para que chegasse no estado que se encontrava na minha frente.

Quis lembrar de ter isso em mente quando fosse me lembrar desse momento e sentir-me tão doído quanto me sentia agora. Quis lembrar de não culpá-lo, não completamente, mas não soube se eu me recordaria. No fundo, porque eu não queria lembrar de nada que havia acontecido agora.

Doeu.

Doeu por tantos motivos que eu sequer podia numerá-los. 

— Foda-se tudo isso — murmurou ele, rancoroso, ao quebrar o silêncio e me fazer perceber que eu ainda estava ali em tempo real. — Vá embora, Caleb — informou, dando-me as costas para voltar à cama e juntar o violão com raiva antes de sentar nela. — Eu não tenho mais nada a oferecer.  

Eu ainda demorei alguns segundos para a digestão do que acontecia e para mandar meu corpo se mexer e correr dali o quanto antes, até que enfim, ele fizesse o ordenado - por ambos eu e o Alex. 

Ele também queria me ver longe dali. 

Dei as costas, finalmente não mais precisando segurar o choro, e saí dali o quanto antes. Saí do quarto, desci as escadas com pressa e percorri o restante da casa em direção à porta da frente como se minha vida dependesse disto. Demorei-me um pouco antes de abri-la, recém lembrando da existência dos outros dois ali em frente, e logo forcei-me a engolir o choro uma vez mais. 

Funguei algumas vezes, limpei o rosto outras e pisquei muito para que as lágrimas parassem de se formar. Inspirei todo o ar que pude, ordenando meu corpo a parar de tremer e a aceitar que estava tudo bem, que não foi nada demais, que passou. 

Soltei o ar, uma mão espalmada no meu peito e outra espalmada na porta. 

Eu estou bem, reafirmei para mim mesmo. Está tudo bem. 

Abri a porta e fui para casa, desejando não haver saído. 

*

Aquela havia sido a nossa primeira discussão. 

Um tanto unilateral, pode-se dizer, mas eu compreendia o meu papel ali para que ela se fizesse possível. 

O padrão da nossa relação silenciosa houvera se quebrado a fim de que pudéssemos aguentar todo o fardo de emoção que carregávamos. Quebrou-se a perfeita imperfeita relação cheia de carinho, amor e respeito; todo o encanto calado e intocado de madrugadas e momentos divididos entre nós, toda a cautela destinada ao silêncio, aos olhares, aos cafunés afáveis. Encheu-se de rancor e mágoa e de palavras não ditas, porque aquela chuva verborrágica de Alex jamais teria sido o suficiente para cobrir toda a extensão de sentimentos que nos envolvia. 

E, ao relembrar tudo o que aconteceu ao longo dos anos que dividi ao lado do Alex, acho seguro afirmar que inicíavamos essa maré ruim.

Nós dois.

Nunca havíamos discutido antes, mas depois da primeira vez, logo veio a segunda. E não havia uma que não doesse de verdade. Mas eu viria a descobrir, mais para frente, que mais e mais discussões viriam, e ainda mais dolorosas. 


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Notas finais do capítulo

EDIT:
*Eu tinha que ter dado mais uma revisada no capítulo antes de postar mas eu já tinha programado então saiu assim. Esqueci de explicar aqui que Ace** quando mencionado, quer dizer assexual, orientação sexual em que a pessoa sente pouca ou nenhuma atração sexual (embora isso não queira dizer que não pode se apaixonar, ter sentimentos românticos), quer dizer, basicamente, que a pessoa tem pouco ou nenhum interesse em transar com ninguém. Eu também queria ter deixado dito aqui que eu VOU responder os reviews (muito obrigada, gente, e me desculpa a demora, eu li todinhos anteontem e ontem de tarde e reli outros tb e ainda percebi que anta do jeito que sou tem uns bem antiguinhos já que eu não tinha visto e não respondi, perdão 3), era pra ter respondido ontem, mas aconteceu comigo que me deixou beeem desorientada de ontem pra hj. Esqueci que o cap seria publicado hj e, portanto, que eu tinha que revisar; não consegui nem pensar em responder os reviews, e enfim, me desculpa. Vou tentar me acalmar, focar nos meus planos iniciais aqui com a fic, e fazer isso agorinha. Beijo, viu?*

Hihi, tô querendo fugir depois desse capítulo.

Ah gente, mas eu avisei que era a fase vermelha, né não? Hahahhahaha.

Mas ok, vamos lá:
Foi bem difícil para mim escrever este capítulo, sob o ponto de vista do Caleb - mas precisávamos ver pelos olhos dele - porque eu estive tão concentrada no ponto de vista do Alex. Como autora, eu sei o que tá se passando com ele hahahaha, e é nisto que eu tenho focado durante muitas horas dos meus dias, pra que eu possa desempenhar tudo o que envolve o Alex de uma maneira que faça jus ao que ele tá passando. Deste lado, foi fácil e natural pra mim fazer toda a explosão dele, porque eu sabia exatamente como ele tava se sentindo.
Agora, a parte do Caleb foi mais difícil. Ele não sabe o que eu sei, não sabe parte do que vocês sabem também, e mais outra parte que estão por saber. Mais do que isto, ele também tem seus próprios medos, dilemas e conclusões - erradas ou não - sobre as coisas. Vê-lo tão confuso, por não saber o que tá rolando, foi de partir meu coração, mas precisava ser feito.
Vocês vão perceber que essa não vai ser a última vez que ambos tomam decisões, achando ser o melhor pro outro, que acaba sendo o pior pra tanto o outro quanto pra eles mesmos. Aiai, essas crianças. Hahahahhahah.

ENFIM, me falem aí o que tá passando pela mente de vocês, vamos conversar sobre isto nos comentários!
Mas só pra alívio da incompreensão de vocês, já digo de antemão que o próximo capítulo é narrado pelo Alex. Vocês vão poder entender um pouco do que tá se passando ali ♥
Aiai, a primeira discussão sempre dói.
Vou fugir agora.

Ah, e sobre BEX:
Eu sei de toda essa confusão e guerra em torno da linguagem e pronomes neutros na língua portuguesa e para evitar toda a treta, eu decidi contornar isto da maneira que pude dentro da atual ortografia. Me referi a Bex como tanto o pronome masculino quanto o feminino durante o texto, como vocês devem ter percebido. Elu é âgenere, ou seja, não é homem e não é mulher, então como chamá-le? A gente nem ao menos tem um manual de linguagem neutra preparado e pronto - mesmo que não oficializado - pra eu usar, sabe? Eu encontrei alguns, pra ser sincera, só que eram diferentes entre si, então fica difícil. Em uma comunicação verbal e informal, eu até entendo que seja mais fácil, mas quando se trata de escrita a coisa complica, porque toda a língua portuguesa precisa ser reformada para encaixar ali, cada palavra, cada verbo, cada pronome, cada preposição, cada detalhe.
É por isto que quando se trata das falas dos personagens, a história é outra. Usei SIM a linguagem neutra nelas porque fala de personagem não requer regra cagada não (fiz o mesmo em meu novo projeto com outre personagem não binárie). Vocês devem ter percebido que em fala os personagens usam “pra” ao invés de “para”, “tavam” no lugar de “estavam”, “cê” ao invés de “você”, "tô" ao invés de "estou", entre outros, porque é a maneira informal de se comunicar e não tem nada de errado nisto. Seria outra história se fosse inserido dentro da narrativa do capítulo todo (me avisem se encontrar algo assim).
Enfim, eu só queria esclarecer isto rapidão, e pedir que me informem se acharam que assim tá ok ou se preferem de outra forma. Eu sou aberta a sugestões, ok? No momento, a gente vai ter que ser criative com relação a isto, sabe? Hahahha. É ruim, mas por outro lado, é bem bom também. Façamos as regras por conta própria.
Por fim, eu tô meio por fora, me contem algo que notaram que eu não sei ou não entendo sobre o assunto, talvez me ajude no futuro. Amo vocês ♥

Beijos de purpurina orgânica! ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! ♥
Att: 06/2021.



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