Alma Sombria escrita por Meraki


Capítulo 2
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746798/chapter/2

TÉPIDOS RAIOS DE SOL INUNDAVAM A TOCA POR PEQUENAS ABERTURAS NA PAREDE, trazendo a brisa fresca da manhã. A escuridão do local a envolvia, tornando-se cada vez mais difícil levantar. Parecia ter dormido por uma lua, porém seus ossos ainda doíam do dia anterior.
— Pata Partida, acorde! - A voz grossa de Pata Listrada a fez despertar, fazendo-a abrir os olhos lentamente, piscando para espantar o sonho. Há mais ou menos uma lua sonhava com a mesma coisa, mas nunca se lembrava ao acordar. - Vamos, bola de pelo preguiçosa! Risco Branco e Espinheiro estão esperando. - O aprendiz a cutucou mais uma vez antes de recuar e sair da toca. Era o primeiro dia de treinamento de Pata Partida e Pata Listrada, eram irmãos, haviam tornado-se aprendizes na noite passada. Ao lembrar-se de tal fato, a aprendiz deu um pulo, espantando de vez o sono. Mais adiante, Pata Branca e Pata de Esquilo dormiam lado a lado, as orelhas de Pata de Esquilo as vezes se agitavam, nervosas, provocando pequenos tremeliques no jovem, em quanto Pata Branca, ao lado, parecia dormir com a calma do Clã das Estrelas. Com um certo esforço, Pata Partida saiu do local aconchegante, esbarrando bruscamente com Pata Listrada, que a esperava na passagem da toca. Bufando, finalmente a jovem conseguira chegar ao lado de fora, onde teve de piscar algumas vezes para seus olhos acostumarem-se à luz forte do dia. A brisa fresca penteava-lhe sua pelagem rala, e, a espessa de Pata Listrada, que ondulavam delicadamente. Seu irmão tinha razão, Risco Branco e Espinheiro jogavam papo fora perto da entrada do acampamento, onde esperavam os aprendizes. A ponta da cauda de Espinheiro as vezes contorcia-se, impaciente. O sol era bem-vindo no acampamento e todos pareciam aproveitá-lo. Líder e representante conversavam lado à lado sob a sombra da Pedra Grande, Céu Chuvoso, Lua Nova e Folha de Outono preparavam-se para sair em patrulha, as rainhas tomavam sol na frente do berçário, onde deixavam seus filhotes brincarem de lutinha uns com os outros. Ao aproximar-se dos guerreiros, Pata Partida ronronou em bom dia, exibindo suas presas afiadas ao soltar um longo bocejo.
— Estão animados para o primeiro treino? - Indagou Risco Branco, o olhar amarelo brilhando, indecifrável.
— Sim! - Disparou Pata Listrada, ficando lado a lado a irmã. Ele era bem maior que ela, porém, Pata Partida demonstrava ser mais forte.
— Aonde vamos hoje? O que vamos fazer? - Miou, intrigante, mal podendo conter a animação. Pata Partida, com cautela, mexia as patas, depositando o peso ora em uma ora em outra, em uma tentativa frustrada de acalmar o nervosismo.
— Conhecer nossas fronteiras! - Miou Risco Branco, confiante, ao ver Espinheiro concordar, fazendo um sinal com a cauda para que os pupilos os seguissem.
— Serei o melhor guerreiro e mais leal que essa floresta já viu! - Disse Pata Listrada, sussurrando para a irmã, que seguia atenta.
— E eu a melhor lutadora! - Ronronou, divertida.
— Claro... quando eu for líder deixarei você ser minha representante. - Brincou, mexendo os bigodes, divertido, dando um empurrãozinho na aprendiz.
— Deixem de papo e prestem atenção no caminho, quem sabe assim aprendam algo de útil, ou vocês acham que nossas trilhas de cheiro ficarão aqui para sempre, guiando vocês dois pelas nossas terras? - Miou Espinheiro, rabugento, com seu olhar verde-pálido brilhando à luz do sol. Risco Branco nada disse, apenas mexeu os bigodes, divertido ao ver Pata Listrada se calar e adiantar-se para ficar ao lado dos mentores. Pata Partida fez o mesmo. A vegetação era ainda mais abundante e rica naquela parte da floresta, o ar quente que subia da superfície das rochas eram bem-vindo, tornando morna a pelagem de Pata Partida ao longo da espinha, deixando-a estranhamente confortável. As folhas no chão eram um sinal de que o renovo estava prestes a começar, e de que o Clã seria bem alimentado durante a temporada.
— Que cheiro sentem? - Miou Espinheiro com um tom de malícia na voz ao chegarem mais ou menos a cinco raposas de distância de um caminho largo e cinza, que estendia-se até a outra margem, sumindo por entre a encosta.
— Eca! - Grunhiu Pata Partida, torcendo o nariz e fazendo uma careta, tal era o fedor. Pata Listrada fez o mesmo, apertando o focinho contra as patas. Espinheiro abriu a boca para falar, mas sua voz foi abafada por um barulho ensurdecedor que ficava cada vez mais alto, fazendo o chão a baixo de suas patas tremerem. O fedor que no ar instalava-se ficava cada vez mais forte, assim como o barulho, que agora, parecia rugir em seus ouvidos, maltratando-os. De repente, a gata colou-se no chão com a pelagem ao longo da espinha arrepiada de medo, uma grande criatura amedrontadoramente grande passava bem à sua frente, rugindo e soltando uma fumaça mal cheirosa.
— Esse é o Caminho do Trovão. - Espinheiro falou quando, finalmente, o mostro rugia para longe, sumindo no caminho largo. Pata Partida finalmente relaxou, afrouxando suas garras que estavam doloridas numa tentativa débil de enterrá-las na superfície dura.
— Aquilo era um monstro. - Aponta Risco Branco, mostrando por onde o mostro sumira. - Não queiram passar por aqui depois de um dia chuvoso - Brincou novamente, os bigodes mexendo em malícia.
— Já ouve histórias de aprendizes curiosos que resolveram aventurar-se por aqui sem um guerreiro, e acabaram aleijados. - Disse Espinheiro, com um tom indecifrável, mas os bigodes divertidos ao ver o medo no olhar dos jovens.
— Bem... Essa é uma de nossas fronteiras. Aquele lado mais adiante, do outro lado do Caminho do Trovão é o Clã das Sombras. - Falou Risco Branco, apontando com o focinho. Pata Partida sorveu o ar para guardar bem o cheiro dos gatos inimigos na cabeça. O terreno negro do outro lado do caminho de monstros era realmente escuro, sem praticamente nenhuma proteção do vento ou da chuva.
— Esse caminho deve ter algo de útil - Grunhiu Pata Listrada, sorrindo. - Deve afastar os pulguentos do Clã das Sombras dos nossos territórios!
— Você que pensa. - Riu Espinheiro, o olhar feroz.
— E agora, para onde vamos? - Indagou Pata Partida, querendo mudar de assunto. Era realmente fascinante para Pata Partida aprender coisas novas sobre a vida no Clã, na qual a aprendiz tanto apreciava.
— Para a fronteira com o Clã do Rio, as famosas Rochas Ensolaradas! - Mia Risco Branco, com a pelagem cintilando sob a luz do sol, que agora, era mais forte. A barriga da gata roncava de vez em quando, porém ela continuava a manter o passo, sem deixar com que as presas que detectara a cada dois passos tirassem sua atenção.
— Aqui está... as Rochas Ensolaradas! - Exclamou Espinheiro, levantando a cabeça e sorvendo o ar com vontade.
— Sim... - Miou Risco Branco, dando um passo largo para ficar na frente dos aprendizes, sobre uma rocha achatada. - Um local muito cobiçado pelo Clã do Rio. - Disse ele, fazendo um sinal majestoso com a cabeça, apontando o território do outro lado do rio.
— Prestem bem atenção nesse cheiro - Falou Espinheiro, chegando bem pertinho do rosto dos aprendizes. - E se senti-los em nosso território, preparem as garras! - Falou, sério. Mais adiante, Risco Branco estava em uma parte do lago onde era possível atravessar com um pulo.
— Ali é a Árvore da Coruja - Apontou Risco Branco, fazendo um movimento ágil para pular o riacho e chegar mais perto da famosa árvore em que as rainhas tanto usavam para botar medo nos filhotinhos fujão.
— O que é aquilo? - Perguntou Pata Partida, elevando a cabeça para apontar um grande buraco que localizava-se no topo da árvore.
— Oras, se essa é a Árvore da Coruja, aquele deveria ser o ninho dela, não? - Miou, irônico, Espinheiro. Pata Partida colou as orelhas na cabeça, bufando, impaciente. Risco Branco parecia não dar muita atenção, pois abaixara sobre algumas amoreiras, farejando-as com vontade, e, elevando o focinho, com a boca semi-aberta para sorver melhor o ar.
— Cuidad.... - A voz de Risco Branco morreu na garganta quando um gato alaranjado, saindo do esconderijo de folhas, arremeteu-se sobre Risco Branco, que debatia-se com ferocidade para soltar-se do inimigo que o prendia. Pata Partida e Pata Listrada em imediato colocaram as garras de fora, e, colando as orelhas à cabeça, rosnaram em um silvo desafiador. Espinheiro fez o mesmo, colocando-se sobre a retaguarda dos aprendizes assim que viu mais deles saindo dos arbustos à volta. Três gatos grandes pularam das samambaias, os olhos faiscando de fome e desafio. Com fúria, Espinheiro pula nas costas de um gato magro amarelado, atirando-o no chão e rolando com ele para dentro das samambaias. Pata Partida fez o mesmo, pulando sobre uma gata malhada, que tomara vantagem, desviando-se da patada feroz de Pata Partida e virando-a no chão, a imobilizando. Trocando olhares desesperados com o irmão, ela se deu conta de que a dupla ainda não sabia lutar, esse era seu primeiro treinamento e os mentores haviam optado por mostrar-lhes a floresta! Não havia tempo para pensar, a gata preparava-se para dar uma mordida perigosa no pescoço de Pata Partida, que, pensando rápido, resolveu fazer o que, em algumas vezes, vira os guerreiros fazerem. Com um impulso forte nas patas, ela jogou a gata longe, que levantou-se rapidamente, pronta para o contra-ataque, aliviada da mordida feroz que escapara de levar. Pata Listrada lutava bravamente contra um gato escuro, que o fazia perder o equilíbrio todas as vezes que optava por um ataque aéreo. Risco Branco imobilizara o gato alaranjado, que, cuspia em agonia ao ter o flanco rasgado. Espinheiro lutava com a ferocidade do Clã das Estrelas quando tentou por um fim no agressor, dando-lhe uma mordida mortal na espinha, que acabou desviando-se e pegando de raspão no ombro do inimigo. Espinheiro conseguiu atirar-lhe mais a frente, e, sem esperar, deu-lhe uma mordida feroz na perna traseira, prendendo-o sob seu corpo forte. Pata Partida iria virar-se para procurar o irmão, mas foi puxada bruscamente pela gata atartarugada, que a arrastava pelo chão macio. Pata Partida contorceu-se, lançando as garras para frente, ferindo acima do olho da agressora, a cegando por alguns segundos. Sem se dar conta, a aprendiz deixara a barriga fofa exposta a inimiga, que viu claramente a oportunidade de rasgá-la. Fechando os olhos e preparando-se para ferroada de dor que lhe atingiria, a gata ficou surpresa por não sentir nada. Quando abriu os olhos, Pata Listrada havia reaparecido, e lutava para ficar em cima das costas da gata, que rolou no chão, livrando-se do aprendiz. Pata Partida apreciou o momento e pulou no pescoço da mesma, pronta para usar sua força e não deixá-la escapar. Cuspindo em raiva, a gata debatia-se, mas, com as presas de Pata Partida enterradas em seu ombro, e as garras fincadas em sua costela era difícil se mexer. Os gritos da batalha agora havia sessado, deixando apenas a gata malhada que gritava em dor. Assim que percebeu que a luta havia acabado, Pata Partida a soltou, dando-a uma mordida de advertência na perna traseira da gata, que saiu aos berros.
Espinheiro lambia uma ferida na cauda, mas não demonstrava dor, apesar de trazer muitas cicatrizes, que, algumas delas, ficariam por muito tempo na pelagem do guerreiro. Risco Branco caminhava meio atordoado até os aprendizes, que trocaram olhares, orgulhosos.
— O que eles pensam que estavam fazendo?! - Grunhiu, feroz, Espinheiro.
— Não sei, mas, seja o que for, parecia um motivo banal. - Acalmou Risco Branco.
— Acabamos com eles! não é mesmo Pata Partida?! - Miou Pata Listrada, quase em um grito.
— Sim! Eles fugiram aos choros! - Sorriu a aprendiz, a dor mal a incomodava, pelo ao contrário, traziam-lhe um estranho conforto.
— É, dessa vez. - Miou sério o gatão branco, preocupado. - De onde eles vieram, podem ter mais. - Ele fez uma pausa teatral. - O que importa é que expulsamos-o de nossos territórios, mas, eles podem voltar, então é melhor voltarmos ao acampamento e relatarmos o acontecido a Estrela de Rocha. - Miou ele, caminhando com a cauda baixa de exaustão. Pata Partida e Pata Listrada mal contia o orgulho, comentando a luta o caminho inteiro. O sol já estava a pino a medida em que andavam, Pata Partida era capaz de detectar o cheiro da patrulha do sol alto, que parecia ter passado recentemente ali. Assim que desceram a encosta, rumo ao acampamento, seu pai, Estrela de Rocha - o líder - parecia esperar-lhes, mas pareceu confuso ao ver o brilho de orgulho nos olhos dos jovens, e suas caudas erguidas de satisfação.
— Até que enfim vocês chegaram... Já estava quase mandando uma patrulha para buscá-los. - Miou ele, cheirando Pata Partida e Pata Listrada para ver se estavam bem.
— Pois não viriam sem tempo. - Disse Espinheiro, abaixando o olhar, respeitoso ao aproximar-se do líder. - Fomos atacados por gatos vadios perto da Árvore da Coruja, pareciam atrás de comida mas já os botamos para correr. - Relatou.
— Sim.. o Clã das Estrelas falou-me algo sobre isso... só não sabia quando... - Disse ele, mudando de assunto rápido. - Cauda de esquilo, lidere uma patrulha naquela região, verifique se ainda estão por ali. Leve com você Bigode de Alvorada, Pelo de Leopardo e Pelagem de Girassol. E renove as marcas de cheiro. - O representante, sem esperar segunda ordem afirmou, correndo em direção a toca dos guerreiros.
— E vocês, vão ver Aveleira. - Ele inclinou com a cabeça negra em direção a toca da curandeira. Obedecendo as ordens, Pata Partida e Pata Listrada tomaram rumo a toca cheirosa da gata. A pequena figura marrom parecia já saber do ocorrido, pois vinha em suas direções, os olhos azuis brilhando.
— Posso te fazer uma pergunta? - Miou Pata Partida para a curandeira, que afirmou com a boca cheia de eras, que usava para depositar sobre os ferimentos de Pata Listrada. - Você também recebeu o recado do Clã das Estrelas? - Perguntou a jovem, o olhar bicolor brilhando de curiosidade.
— Com.. como assim você também? - Indagou ela, meia trêmula.
— Meu pai também recebeu! - Ronronou ela, orgulhosa.
— En.. então ele.. ele já sabe? - Perguntou ela, o olhar azul arregalado em curiosidade e preocupação.
— Sabe! ele disse que o Clã das Estrelas disse-o algo sobre os gatos vadios que invadiram nosso território... - Ela miou, na mesma hora, Aveleira pareceu mais aliviada, voltando o olhar clínico para os ferimentos do aprendiz, porém, suas orelhas pequenas estavam retraídas, atentas.
— Mas não é sobre esse aviso que você falava? - Miou Pata Listrada, olhando ingênuo para a curandeira.
— Ah..sim.. era. - Disparou ela, mudando de assunto. - Ainda doí? - Miou em quanto pressionava uma ferida na perna de Pata Partida.
— AI! - A dor a fez soltar um gritinho abafado. - Dói! - Miou, sarcástica, elevando uma das sobrancelhas.
— Tome, coma estas sementes de papoula, vai tirar a dor, mas vai te fazer ficar sonolenta e tirar-lhe sua fome, por hora. - Disse ela, apontando umas sementinhas redondas no chão. - Depois disso, você poderá ir, irá sobreviver. - Ronronou, séria - Mas passe aqui pela manhã, tenho de dar uma olhada nessa feria no focinho. - Respondeu, voltando a tratar de seu irmão.
— Certo.. já vou indo, então. - Ela miou fazendo um sinal com a cauda, dando tchau.
Já pegando no sono, Pata Partida sonhava. A floresta era escura e cheia de fumaça, a gata conseguia enxergar apenas vários pares de olhos brilhando em maldade, que a faziam arrepiar. "Atacar" uma voz aguda e grossa soou mais a frente, fazendo com que, em meio as samambaias escuras, revelassem várias silhuetas de gatos ferozes, pulando para a luta. Horrorizada, Pata Partida virou ligeiramente a cabeça, em uma busca frenética de enxergar quem era o dono daquela voz amedrontadora que colocara os gatos em uma luta mortal contra o talvez, Clã do Trovão. Uma gata grande, invejavelmente forte, com as garras enormes e grossas à mostra e músculos bem definidos sobre a pelagem salpicada. Em pânico, Pata Partida deu-se conta de que a gata amedrontadora que iniciava uma guerra sangrenta não era nada mais nada menos do que ela mesma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Alma Sombria" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.