Alma Sombria escrita por Meraki


Capítulo 1
Prólogo




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A NOITE ILUMINAVA A FLORESTA. As estrelas do Tule de Prata exibiam seu brilho gélido, que reluziam na copa das árvores mais altas. No centro do planalto rochoso, o vento soprava levemente entre as hastes das gramas, agitando as folhas secas no chão e fazendo subir o odor pesado da floresta depois de um dia quente. Um emaranhado de samambaias mexiam-se eventualmente, revelando a pelagem maltratada de um filhote em pânico. Na floresta eram ouvidos apenas seus sonso habituais, e o céu permanecia calmo quando um barulho ensurdecedor de uma coruja rasgou o ar silencioso, criando um eco agudo no local. Em pânico, o filhote começou a debater-se debilmente no chão, tentando que, por um milagre, ficasse protegido da ameaça que voava acima de si, ameaçando pegá-lo. Como se atendesse a um pedido silencioso do filhote, uma figura azulada de um felino apareceu correndo vigorosamente como um vulto sobre o local aberto, com a pelagem do pescoço eriçada e as garras à mostra, pronto para o embate que pudesse vir a começar. Com passadas rápidas e firmes, o gato pega o filhote pela nuca, que choramingava assustado. A Coruja, logo dando a perceber a perda da presa, bateu em retirada, deixando assim, o céu calmo novamente. Vendo que a coruja foi em bora, mais dois gatos saíram do esconderijo de folhas mais à frente, com o semblante crispado em medo.
— O que você acha que estava fazendo? você viu o tamanho daquela coruja? - Miou a gata branca em quanto aproximava-se com passos desajeitados do guerreiro azulado.
— Eu vi, sim, Flor de Aurora. - Miou abafadamente o guerreiro, que colocava o filhotinho gritante no chão. - E o que eu pensei? o Código dos Guerreiros diz bem o que eu pensei. - O gato azulado fez uma pausa, recitando assim, junto a Flor de Aurora, o código tanto respeitado por eles.
— Não ignorar um filhote em dor ou perigo, mesmo que seja de outro Clã. - Terminou Flor de Aurora, revirando os olhos. - Eu sei, eu sei.... é que eu.. eu fiquei com tanto medo de te perder, Rocha Negra... - Ela aproximou-se, esfregando seu focinho rosado contra o azulado de Rocha Negra.
— Quanto drama! - Miou Pelagem de Chumbo, um recém guerreiro acinzentado que chegara junto a Flor de Aurora. - Eu teria feito o mesmo! - Disparou, elevando vaidosamente a cabeça.
— Então por que não foi? - Retrucou Rocha Negra, elevando uma das sobrancelhas, divertido.
— O filhote está ferido, precisamos levá-lo ao Clã... - Miou Pelagem de Chumbo, trocando rapidamente de assunto.
— É uma fêmea... - Disse a gata branca, que estava inclinada ao lado do filhote, que tentava desesperadamente seguir as cegas o cheiro morno de leite que vinha da barriga da delicada gata branca. - Eu.. eu posso cuidar dela, tenho leite de sobra, você sabe, Rocha Negra, quando eu perdi o nosso bebezinho.... - A voz da gata morreu na garganta, lançando um olhar significativo à Rocha Negra. Alguns dias antes Flor de Aurora dera cria a dois lindos filhotes de Rocha Negra, um deles havia morrido no parto, era fraquinho de mais, agora, Flor de Aurora tinha um lugar de sobra em sua ninhada.
— Vamos levá-la antes que morra de frio e fome. - Miou Rocha Negra, dando uma lambida confortante na orelha da gata.
A noite permanecia fria, porém clara. Ao longo do caminho os odores começavam a ficar diferentes, e, os sons, mais altos. Ao alcançarem o topo da ravina, sem falarem nada durante a viajem, os guerreiros se entreolharam, curiosos, e com um lampejo de expectativa no olhar.
Começava a ficar mais barulhento quando desceram a ravina rochosa. O filhote percebeu uma agitação nas sombras e, por todo lado, figuras ágeis e escuras andavam furtivamente sobre a clareira. Pelagens lustrosas brilhavam à luz da lua, e os olhos curiosos e atentos cintilavam como âmbar. Então, obedecendo a um sinal silencioso, as criaturas começaram a agrupar-se na frente de uma extensa pedra. Sobre os miados questionadores, surge um grito agudo de cima da pedra, chamando a atenção de todos os felinos no local. De repente, o silêncio instalou-se na clareira e a concentração de todos estavam focadas numa figura preta e branca que subia agilmente sobre a grande pedra. Era o líder do Clã, Estrela Oculta. Ele falava com a voz alta e claramente quando o grito agudo de medo do filhote abafou-lhe sua voz. Todos os olhares questionadores viraram-se em direção aos guerreiros que a carregavam, mal conseguiram conter o arrepio de desconforto que percorria suas espinhas, fazendo-lhes o pelo arrepiar. Um silêncio apavorante derramou-se sobre o local, e então, os três gatos entraram, com as cabeças respeitosamente abaixadas sob o olhar indecifrável do líder.
— O que significa isso? - Miou o líder, olhando firmemente os guerreiros, mais especialmente Rocha Negra, seu representante.
— É.. é um filhote... - Miou Rocha Negra, perdido em suas próprias palavras. - Achamos em nosso território, está ferida e com fome... parece ter sido abandonada. - Miou ele, um pouco confuso, mas o olhar amarelo brilhando em determinação e confiança. - Flor de Aurora pode cuidar dela, um de seus filhotes morreram recentemente, e ela tem leite de sobra. - Com o miado agudo da filhote, logo uma figura tricolor surgiu da entrada da boca de uma caverna nas extremidades do acampamento, trazendo consigo ervas cheirosas e as depositando nas feridas da gatinha.
— Rocha Negra, venha à minha toca. - O líder fez um sinal encorajador com a cabeça para o representante, que logo o seguiu.
Em quanto eles não voltavam com respostas, Flor de Aurora decidiu levá-la ao berçário até que tivessem uma resposta definitiva sobre a permanência da filhote no Clã do Trovão. Ao sentir o cheiro morno e aconchegante de leite, a filhote começou a debater-se sobre a mandíbula da rainha, que logo a soltou na segurança de seu ventre, junto a seu outro filhote, que acordara com o cheiro familiar. Depois de longos e tortuosos minutos, o líder salta vigorosamente sobre a pedra grande, o olhar firme transmitia confiança. Rocha Negra, por sua vez, ocupou-se de seu lugar de representante, na base da pedra grande.
— Que todos os gatos com idade suficiente para caçar a própria comida que se reúnam a base da pedra grande para a reunião de Clã. - Disse o mesmo, com a voz soando firme. Assim que todos os gatos já se agruparam novamente na clareira, o líder continuou. - Não podemos negar, precisamos de guerreiros mais do que nunca... - Disse ele, fitando o semblante de cada um. - O Clã do Trovão está sofrendo com a estação sem folhas, perdemos muitos filhotes e com isso o Clã está caindo em decadência, ficando exposto a ataques dos outros Clãs. - Miou o vigoroso, porém pequeno gato, elevando a cabeça com confiança. Uma voz velha elevou-se na multidão, todos os gatos ali viraram-se para observá-lo, revelando a pelagem maltratada de um ancião.
— Mal temos presas frescas para nós! ela seria um fardo! - Ele cuispiu.
— Eu sei disso. Estamos na estação sem folhas, mas, um dia, ela irá passar, e o renovo virá em breve, trazendo bastante comida ao nosso território. - Ele fez uma pequena pausa, elevando a voz para que todos ouvissem-o - O que adianta a estação do Renovo trazer riqueza para nossas terras e não termos garras para defender-nos dos Clãs inimigos? - O ancião não pareceu satisfeito, mas abaixou a cabeça, encolhendo-se sobre o grupo de gatos.
— Ótimo! - Miou ele, saindo da pedra com um único pulo ágil, e, debruçando-se ao lado da filhote que chorava ao ter sido tirada do conforto do berçário. - Ela vai dar uma ótima e resistente guerreira... que nome lhe caí bem?... - Miou quase que para si mesmo, tento então, de repente, um lampejo feroz no olhar, encarando um ponto que só ele podia ver. - Meio a Meio - Miou baixinho quando um barulho ensurdecedor de um trovão cortava a noite calma. - Que assim seja. - Falou o líder, confuso, fitando o céu, que começava a cair os primeiros pingos de chuva, lavando o chão da floresta para uma nova Era. Era uma noite agitada, dentre outras milhares que estavam por vir.


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