Bela Morta escrita por Eloá Gaspar


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Só eu sou apaixonada pelo Bruno?



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Capítulo 10

 

Depois de sábado as coisas não haviam mudado só para Bruno. Ana continuava sem emoções ou qualquer semelhança com uma pessoa normal, mas as tão evitadas lembranças estavam fazendo parte da vida da moça. Sempre acostumada a viver, ou melhor, a existir no modo automático, sem lembranças do cotidiano, fatos engraçados, curiosos, ou mesmo tragédias, era muito incomum o que vinha acontecendo.

Ana constantemente lembrava-se de Bruno, lembrava de todos os momentos em que os dois estiveram juntos. Mas se você pensa que ela estava se apaixonando por ele, desculpa, mas isso não era a verdade. Para estar apaixonado é preciso sentir e Ana, continuava incapaz disso.

O que estava acontecendo, era que Ana pensava em Bruno, com muita frequência, principalmente quando mexia em suas bolsas de compra na cozinha. No dia em que chegou do mercado, logo após Bruno ir embora, ela foi guardar as compras, primeiro os produtos de geladeira, porém a cada produto que pegava lembrava cada vez mais do rapaz do marketing e acabou desistindo de guardar as compras e nem percebeu que as coisas de Bruno estavam lá. Mas era incrível como cada vez que Ana precisava de algo que estava nas sacolas e ia lá buscar lembrava perfeitamente dos braços de Bruno a envolvendo.

xxx

 

— Cheguei! Podemos ir? - Bruno falou animado ajeitando sua bolsa de frente para a mesa de Ana que terminava de arrumar suas coisas.

— Sim. - e como alguém que levanta da cama no automático pela manhã, a moça se levantou e seguiu Bruno até a saída da empresa.

O caminho do casal um tanto quanto incomum, foi completamente silencioso até a saída da Leictreonach Corporation. Bruno já tinha avisado a Tiago que acompanharia Ana até em casa e o melhor amigo lhe desejou boa sorte e estratégia, duas coisas que Bruno vinha demonstrando que não tinha muito quando o assunto era romântico.

Ana nunca que iniciaria uma conversa, Bruno não sabia o que falar e achava que era cedo demais para pedir que a moça o ajudasse na escolha do presente para filha de seu amigo. Assim que chegaram ao metrô o rapaz optou por começar uma conversa pelo assunto que seria mais seguro entre os dois.

— Você está tendo algum problema com o nosso projeto? - começou um pouco apreensivo.

— Não. - a resposta curta e monótona que esperava.

— Que bom! Eu e o Tiago teremos que acelerar algumas etapas do projeto, começar apresentar alguns resultados, e é bom saber que está indo tudo bem. Porque logo te daremos um pouco mais de trabalho. - falou ao passarem pela catraca, um "não" não seria capaz de pará-lo.

— Não será um problema. - claro que não seria um problema. Afinal o que seria um problema para Ana, além de ter emoções?

— Claro que não será, para você não parece existir problemas profissionais. Já houve alguma prestação de conta que você não conseguiu realizar? - bajulação não era uma técnica, a qual Bruno era adepto, porém ele estava disposto a tentar de tudo.

— Que eu me lembre, não. - não havia nem um pingo de orgulho ou vaidade naquela resposta.

— Não estou surpreso. Quanto tempo você trabalha na Leictreonach Corporation? - eles já haviam alcançado a plataforma e esperavam pelo metrô.

— Faz três anos.

— Começou como estagiária, ou como funcionaria regular? - perguntou observando o primeiro vagão aparecer.

— Estagiária.

Bruno esperou o metrô parar diante deles e eles entrarem, antes de continuar a insistir naquela conversa complicada, onde parecia existir somente uma pessoa e o outro ser fosse alguma espécie de brinquedo de criança que reproduz respostas curtas.

— Você fez faculdade aonde? - continuou como se Ana realmente estivesse interessada na conversa.

— Na federal de ciências contábeis daqui. - respondeu mantendo-se de pé de frente para um único lugar vazio, enquanto segurava a barra de ferro vertical.

— Não vai se sentar? - Bruno questionou curioso e Ana apenas sacudiu a cabeça negativamente de forma lenta. - Então, eu vou sentar. Acho que você já percebeu que eu não tenho muito condicionamento físico. - comentou sem vergonha se sentando.

— É verdade. - ela não zombava dele, mas qualquer pessoa poderia achar graça da cara dele.

— Eu pretendo mudar isso. Mas você estudou na federal de ciências contábeis... esse curso fica no mesmo prédio do curso de administração, pelas minhas contas se você fez estágio a três anos atrás é possível que nós tenhamos estudado no mesmo prédio por um tempo. - comentou sorrindo pela provável coincidência.

— Meu último ano da faculdade foi a um pouco mais de dois anos. - ela cooperou mesmo que não parecesse.

— Com certeza estudamos no mesmo prédio. No ano em que eu e o Tiago entramos foi o ano em que você estava se formando. Como nunca nos vimos antes?

— Eu não circulava muito pelo prédio. - isso já era de se esperar.

— Que pena, eu gostaria de ter te conhecido antes, você parece ser uma ótima pessoa. - aquela era uma afirmação forçada, mas mesmo sem emoções Bruno enxergava algo em Ana que ninguém mais poderia, nem mesmo ela.

— Eu não sei o que responder. - aquele comentário surpreendeu o rapaz.

A jovem morta viva, não aparentava estar sem graça ou se sentido obrigada a continuar aquela conversa, e realmente ela não estava, mas de alguma forma Ana queria responder algo a Bruno. Ela não sentia uma obrigação, ela continuava sem sentir nada, porém ela foi movida a responder.

— Não precisa saber, eu sei que você também queria ter me conhecido antes. - seu comentário era tão genuíno quanto seu sorriso, que fizeram aquela afirmação prepotente parecesse algo fofo e inocente.

Ana não respondeu mais nada e Bruno não insistiu com mais conversas e perguntas superficiais. Ele estava satisfeito com a reação de Ana em querer respondê-lo mesmo sem saber como.

Bruno ainda não havia percebido, mas ele havia aderido a um novo hobby que ele estava amando, colecionar pequenas reações mais humanas de Ana, como fato o dela gostar de cozinhar massas e agora essa vontade de respondê-lo. Ainda era cedo, mas ele já tinha nomeado essas conquistas como "pequenas vitórias sobre Ana". O nome era ambíguo, era possível interpretar como vitórias contra a Ana, ou vitórias que se tratavam de Ana, mas talvez essas vitórias se tratavam das duas interpretações.

Os dois colegas de trabalho chegaram a sua estação de destino e seguiram o caminho até a casa da contabilista em silêncio. Bruno não estava se incomodando com o silêncio, ele até parecia apreciar bem o momento.

Ana olhava fixamente para frente, como se estivesse alheia a tudo ao seu redor e isso incluía Bruno. Era impressionante como ela conseguia parecer um robô de carne, osso e movimentos gracioso, os quais o rapaz que acompanhava e analisava com cuidado.

Bruno mal olhava o caminho a sua frente, por muita sorte ainda não tinha tropeçado em nada. Seguindo um pouco mais atrás de Ana, propositalmente é bom esclarecer, ele ia observando e gravando cada movimento do quadril largo da moça, os braços alvos e delicados balançando lentamente ao lado do corpo, as mechas negras roçando sutilmente contra a camisa social lilás. Bruno memorizava cada detalhe.

— Eu vou pegar sua sacola, não demoro. - Ana informou ao chegar no portão da sua casa.

Bruno foi pego de surpresa pelo comentário da moça e nem reagiu quando ela já com a as chaves na mão abriu o portão rapidamente, indo em direção a porta. O rapaz estava tão entretido na tarefa de desenhar cada traço e gesto da moça em sua mente, que nem se deu conta que eles haviam chegado.

— Tudo bem. - respondeu um pouco arrependido por não ter pedido para entrar.

O rapaz pegou o celular do bolso na tentativa de se distrair, enquanto Ana ia buscar seus pertences. Ao desbloquear a tela do celular viu que havia uma chamada perdida de sua mãe e antes que ela começasse a fantasiar mil motivos para o filho não ter atendido, Bruno retornou à ligação.

— Oi, mãe. - falou de bom humor assim que Dona Omara atendeu.

— O que você estava fazendo que não me atendeu? - exigiu como sempre fazia.

— Andando e não ouvi ele tocar. - em outra situação a voz de Bruno já demonstraria irritação, mas não hoje.

— Já está em casa?

— Ainda não. Por que?

— Eu quero saber o que está acontecendo com você. Eu percebi que você estava diferente no domingo e finalmente consegui arrancar do seu pai que realmente está acontecendo algo. - Bruno sentiu pena do pai na hora, ele sabia bem do que a mãe era capaz.

— Eu estou apaixonado, mãe. - respondeu com uma convicção olhando fixamente para porta da casa do motivo da sua paixão e como em um filme romântico ela abriu a porta na hora, sendo recepcionada pelo olhar revelador do rapaz.

xxx

Vontade, assim como fome, não eram realmente considerados sentimentos dependendo de seu contexto, mas mesmo vontade era algo que Ana não costumava ter. Contudo, naquele momento, naquele metrô ela teve vontade de responder Bruno, teve vontade de não deixar aquela conversa morrer.

Ela não conseguia deixar o rapaz entrar mais uma vez em sua casa, ele havia deixado lembranças ali, lembranças que ainda a acompanhava e tudo aquilo não era normal para ela. Ana não se sentia incomodada com a presença de Bruno, nem com suas conversas, ou com a repentina vontade de continuá-las. Entretanto, era involuntário o movimento de não permiti-lo se aproximar mais.

Talvez se Ana pudesse sentir ela estaria incomodada com essa situação, ou ansiosa para vencer suas barreiras para deixar Bruno chegar. Porém Ana não tinha barreiras, paredes ou muros. Ela era como um jardim aberto, sem cercas ou limites, onde qualquer pessoa ou pássaro pudesse chegar, mas ela era um jardim sem flores, ou até mesmo espinhos, somente canteiros vazios.

Com rapidez foi até a cozinha, buscou a sacola com as coisas de Bruno, a resgatou do meio de suas coisas e saiu de casa sendo recepcionada pelo olhar profundo e significativo de Bruno. O olhar que deixaria muitas mulheres constrangidas, outras apaixonadas, mas emxa Ana nada havia provocado.

— Mãe, depois conversamos preciso desligar. - o rapaz falou ao telefone enquanto Ana se aproximava.

— Aqui está sua sacola. - falou a entregando.

— Obrigado. - pegou a sacola tocando a mão da moça propositalmente antes de guardar o celular.

— De nada. - respondeu simplesmente pronta para voltar ao interior de sua casa, mas as palavras de Bruno a impediram.

— Ana, eu preciso te pedir um favor. - falou sem hesitar.

— No que posso te ajudar?

— Eu preciso comprar um presente para uma menina de dois anos, se não estou enganado, e não faço ideia do que dar. Você poderia me ajudar? - a expectativa estava cravada em seus olhos.

— Acredito não ser a pessoas mais indicada para isso. - era óbvio que ela tentaria recusar.

— Eu não acho. Você é uma garota e já teve dois anos, a pessoa perfeita para essa missão. Além de que, segundo as convenções sociais você me deve um favor por causa de sábado. - aquela não era uma atitude nada nobre, mas ele tentaria de tudo.

— Já que você insiste, eu te ajudo. - ela não estava contrariada, nem satisfeita.

— Ótimo! Amanhã após o trabalho vamos até o shopping comprar o presente da menina. Até amanhã. - respondeu radiante antes de abraçá-la sem a menor cerimônia, Ana como da última vez não respondeu ao abraço.

— Até amanhã. - respondeu após ser liberta dos braços magros e morenos.

 


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