Flores e espinhos escrita por Liv Lawless


Capítulo 1
Quem me dera, você fosse louca


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus preciosos.
Digamos apenas que eu enlouqueci e me tornei uma máquina criadora de oneshots que se passam em no máximo dois cenários diferentes. Hahaha
Tenho buscado transmitir em pequenos atos, uma intensidade de sentimentos que se aconteçam mais em gestos, do que em descrições.
Essa é uma 'plataforma' relativamente nova para mim, já que até há algum tempo, eu não conseguia escrever oneshots pela mania de querer continuar e continuar as cenas.
Espero que apreciem a leitura, me digam o que acharam também. ♥



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—Foi uma boa trepada – A jovem de cabelos desalinhados voltou para cama. Havia nela o cheiro forte de tabaco e whisky.

—Que língua mais vulgar – A loira, que até então permanecia perdida em seus próprios pensamentos, puxou o lençol até o queixo e a olhou,  

—Ora.... Ainda há pouco minha língua estava em atividades muito mais vulgares e você não reclamou, Ivone – Sorriu, o mesmo sorriso que dera início a toda a trama que as levara até ali.

—Sara.... – Retrucou, corando com um sorriso.

O sorriso, porém, se desfez em poucos segundos, quando sua mente pareceu finalmente recobrar os sentidos e trouxe até ela, a realidade. Sentiu-se culpada quando se lembrou de sua casa, do marido, dos dois filhos e até mesmo o cachorro. A imagem canina tão conhecida, a fez retorcer o corpo, numa pontada de desespero.

Quis se levantar e ir embora, sair daquele quarto que parecia ecoar o som de seus gemidos. Se preparou para uma ida sem despedidas, mas seu impulso súbito se desfez quando beijos molhados tomaram a pele de seu pescoço, levando seu corpo a responder imediatamente.

Mas já havia tido dois orgasmos há pouco mais de duas horas, como alguém podia gozar tantas vezes em um só dia? É claro que essa pergunta não foi colocada em voz alta, como poderia interromper o que Sara fazia – e que tanto lhe agradava – apenas para explicar que em toda a sua vida, estivera apenas com um homem, com o qual era casada há vinte e poucos anos?

O lençol que a cobria foi puxado e automaticamente, suas mãos se agarraram ao redor das costelas do corpo esguio que estava sobre ela, apertando a pele, tentando ter um contato ainda maior do que aquele.

—Vem aqui – Sara sussurrou, sentando-se sobre o colchão e puxando-a para seu colo. Os corpos se encaixavam, como se em algum momento, o universo tivesse decidido que elas se uniriam, como duas peças de um complexo quebra cabeças.

E era isso. O meio de suas pernas estava úmido outra vez e um calor acumulava-se na região do ventre, pronto para vir à tona em um orgasmo que a faria estremecer nos braços da garota.

—Rebola pra mim – Ouviu-a pedir, um pouco antes de ter seus seios tomados pelos lábios macios e dedos firmes a invadirem, clamando por um espaço que ela ansiava ceder.

Seus quadris dançaram um ritmo cada vez mais acelerado, até por fim seus lábios se abrirem em um grito agudo, entrecortado pela respiração profunda e o estremecer de seu próprio corpo, que se contraía em um turbilhão de sensações involuntárias.

—Você é louca – Comentou, ainda com os braços ao redor do pescoço da parceira, que lhe respondeu com um sorriso e um beijo.

— Sim. E foi por isso que você não resistiu a mim – Sara sorriu – Eu era o pouco de loucura que você precisava colocar na sua vida pacata.

E ela tinha razão. Ivone pensou nisso, quando fixou seus olhos esverdeados na íris castanha que tinha diante de si. Não queria sair dali, não queria deixar para trás os braços que a seguravam com tanta firmeza.

—Não fique tão silenciosa, amor – A mais nova pediu, acariciando seus cabelos – Esqueça tudo lá fora e viva o agora comigo.

“Amor”

Há quanto tempo, ser chamada assim não fazia seu coração acelerar?

—O agora pode estar maravilhoso – Pigarreou, tentando sem sucesso, se livrar da voz embargada – Mas o lá fora é o que eu vivo. Quando sair daqui, voltarei a ser a mesma professora de história de sempre e irei para casa, onde tenho um marido que me espera e não sei como vou olhar para ele.

—Está arrependida? – Sara perguntou, puxando-a para um abraço antes de ouvir a resposta – Não se sinta assim. Você merece todas as coisas boas que a vida possa ter, merece mais do que um casamento fracassado com aquele.... Aquele homem.

—Meu casamento não é fracassado – Ivone retrucou, saindo do abraço, mas permanecendo sentada sobre o colo da outra – E não, eu não estou arrependida. Mesmo que esteja me sentindo culpada, não consigo me arrepender.

—E nem deve – Se olharam, num silêncio que durou cerca de cinco minutos – Quando você sair daqui eu vou voltar a ser só uma aluna da faculdade, que te deixa uma rosa ou outra as vezes. Mas eu vou estar mais feliz.

—Valeu a pena? – Perguntou, recebendo um olhar confuso – Você me rodeia há tanto tempo, perdi as contas quando passou de cinco anos.

—Valeu – Sara deu de ombros – Pode ter certeza que vou estar por perto nos próximos cinco também – Ivone sorriu – Você realmente não se dá conta do quão especial é?

— O que? – A mais velha arregalou os olhos, surpresa pela pergunta que a pegara desprevenida.

—Você é tipo.... Uma Deusa. Espera – Sinalizou, quando Ivone fez menção de falar – Você sabe que é linda, seu corpo é tão escultural – Como que para dar ênfase no que dizia, apertou levemente a cintura da professora – E é tão culta, com uma voz suave. Eu podia passar o resto da minha vida te ouvindo falar baixinho no meu ouvido.

—Sara.... – Ivone não sabia o que responder. Lembrava-se levemente de ouvir palavras bonitas como aquelas, quando ainda era jovem e namorava o homem que era atualmente seu marido. Nos anos que seguiram o casamento, nunca houve outra declaração e acabou sendo inevitável que uma lágrima solitária traçasse o caminho de sua bochecha, emocionada por ser vista dessa forma por alguém como Sara.

—Viu só....

Mas Ivone não queria ouvir. Não queria confirmar através das palavras dela, o que seu coração parecia saber já há algum tempo.

Selou os lábios de Sara com um beijo profundo, carregado mais de sentimentos, do que de tesão.

—Assim você torna difícil.... – Sara mordeu o lábio inferior, quando o beijo terminou – Eu me esforço para não querer ter você de novo.

Ivone apenas sorriu, beijando-a novamente e então se levantou, enrolando o lençol ao redor do corpo.

—O que aconteceu hoje.... – Falou, vendo nos olhos da mais jovem, que o que diria já era esperado – Não pode acontecer de novo – Sara suspirou – Eu sou uma mulher casada, tenho idade pra ser o que? Sua mãe? Não posso permitir que minha vida saia dos trilhos desse jeito.

—Tudo bem – Sara respondeu, esticando-se sobre a cama a fim de pegar o maço de cigarros e o whisky que estavam sobre o criado mudo.

—Tudo bem? – Ivone arregalou os olhos. Definitivamente, depois de tudo, não era aquela resposta que esperava.

Mal conseguia se lembrar da primeira vez em que percebera a mirada de Sara sobre ela. Na época, a moça nada mais era do que uma adolescente. Obviamente, Ivone se sentiu bem, sua autoestima se elevou, afinal, como poderia não se sentir assim, quando tinha sobre si o olhar de uma adolescente?

Por anos a fio essa situação se estendeu e seu auge se deu quando Sara passou a estudar na mesma faculdade onde Ivone lecionava. Suas provocações se tornaram constantes e apesar da intensa relutância da professora, a jovem permanecia imbatível.

E naquela tarde, por fim, quando a chuva caiu de repente, Ivone se viu diante de uma escolha que definiria o rumo dessa história. Podia ter enfrentado a água e pedido um táxi, podia também ter pedido carona para o reitor, que passara por elas de carro enquanto caminhavam. Mas não fez nada disso.

Ao ser convidada por Sara, para esperar no apartamento até que a chuva cessasse, não pensou muito antes de permitir que um sim convicto escapasse de seus lábios. Deixou-se guiar sob o guarda-chuva até o pequeno prédio, bem como deixou que os braços da jovem a amparassem pela escada – na qual teve certa dificuldade, graças aos degraus estreitos e seus sapatos de salto alto – e quando após poucos minutos de conversa, sua boca foi tomada em um beijo, não relutou.

Ivone não percebeu que chorava.

Tinha os olhos fixos nas roupas espalhadas pelo chão, mas sequer as via. Jamais podia lhe passar pela mente, que sua alma guardava tantas lágrimas, todas as mágoas acumuladas em anos de uma aparência perfeitamente esculpida, desabrochavam naquele instante.

Sentiu os braços de Sara ao seu redor, sem nenhum resquício da sensualidade que emanava de ambas mais cedo e só então se deu conta do próprio rosto encharcado e dos soluços altos, que competiam com o som da chuva.

—Desculpe – Sussurrou, após vários minutos – Isso não devia ter acontecido, eu não queria estragar nossa tarde, chorando como uma louca.

—Quem me dera você fosse louca – Sara sorriu, beijando-lhe a testa e em seguida se afastando, para voltar até o cigarro que ainda queimava no cinzeiro sobre a cama.

—Quanto tempo falta para que termine a faculdade? – Ivone optou por mudar de assunto, tão drasticamente quanto podia.

—Não muito, termino esse ano – A jovem tragou profundamente o cigarro, olhando-a em seguida – Estará livre de mim, então.

Houve no fim da frase uma piscada, um meio sorriso, um indício de que talvez não passasse de brincadeira. Mas ambas sabiam, que não era bem assim.

—Hey.... Eu não quero estar livre de você – Ivone voltou a se sentar sobre o colo de Sara, beijando-a rapidamente – Eu gosto de você.

—Eu estava brincando – A mais jovem sorriu – Isso é a vida, não é? Cada pessoa seguindo seu próprio rumo.

—Na maioria das vezes sim – Conforme Ivone falava, Sara traçava o contorno de seus lábios com a ponta do dedo indicador – Me beija, Sara.

E Sara beijou.

Não havia nenhum traço de que o beijo poderia evoluir para algo a mais e nenhuma delas se importava. Aquele toque era intenso, profundo e mesmo que soubessem que não conseguiriam resgatar a leveza que a tarde possuía algumas horas mais cedo, nenhuma delas desejava que aquele tempo acabasse.

Ivone se sentia segura, porém, sentia-se também exposta. Desde que podia se lembrar, mantinha-se sempre implacável em qualquer situação e diante de qualquer pessoa, mesmo de seu marido. Mas Sara, naquele dia, conseguira destruir todas as suas paredes, tomou-a de corpo e alma, sem nem ao menos saber que o fazia.

—Eu sempre gostei de chuva – Sara comentou, com um sorriso maroto – Mas eu nunca agradeci tanto por uma chuva repentina, quanto agradeci hoje – Ivone riu – Eu com certeza adoraria que chovesse mais vezes assim – Essa última parte, foi dita com um tom de seriedade, que fez a professora a encarar.

—Se eu fosse um pouco mais jovem, talvez me entregasse a esse delírio – Respondeu – Talvez eu viesse aqui todas as tardes, mesmo que nem sempre chovesse.

—O que é a idade? – Sara puxou-a para junto de si, colando seus corpos – Se não um número que imposto para nos limitar? Sim, eu sei, nem precisa dizer – Calou-a com um gesto – Você tem responsabilidades, um marido, filhos. Mas seus filhos são homens a essa altura, mais velhos que eu, não é? – Ivone concordou com a cabeça – Seu marido.... Ah pelo amor de Deus.

—O que tem ele? – A mais velha mordeu o lábio, ainda incerta de que gostaria realmente de ouvir aquela resposta – O que você pensa do Rodolfo?

—Ele é um zero à esquerda – Sara suspirou – Ele não te acompanha em nada, nem parece que fica feliz quando você alcança alguma coisa. Você sabe que eu estive em quase todas as suas palestras, apresentações e tudo isso, nesses últimos anos e eu não o vi uma única vez.

—Ai Sara.... Essas coisas acontecem depois de tanto tempo de casamento – Deu de ombros – Vai cansando. Mesmo minhas apresentações de dança, ele já conhece todas, porque teria que ficar indo?

—Porque você está lá, Ivone – A professora arregalou os olhos – Essas coisas acontecem mesmo em um casamento, ou aconteceram no seu, porque seu marido simplesmente não se interessa? – Sara segurou-a com firmeza, quando ameaçou levantar – Você sabe que é verdade, por isso se esconde o tempo todo atrás dessa pose de inatingível.

—Ok, meu marido é uma droga – Ivone gritou, surpreendendo a outra – Era isso o que você queria ouvir? Ele é uma droga. Nunca está lá por mim, não me apoia em nada, a cada dois meses sobre em cima de mim e geme como um porco e essa é a maior interação que temos há seis malditos anos. Era isso o que você queria ouvir?

—Não – Sara respirou fundo e com cuidado, tirou a mais velha de seu colo, colocando-a sobre a cama antes de se levantar – Eu queria ouvir que você não está disposta a aceitar essa miséria pro resto da sua vida. Que vai pensar em si mesma e deixar esse cara que não dá a mínima pra você.

Ivone a olhava, em silêncio.

Como era possível que aquela garota estivesse jogando diante dela tudo o que foi capaz de negar por anos?

—Desculpa, Ivone – Sara suspirou, passando ambas as mãos nos cabelos. Porém, antes que pudesse obter uma resposta, o celular da professora tocou e elas trocaram um olhar rápido antes que a ligação fosse atendida.

Dois minutos de conversa, várias concordâncias, poucas palavras longas e no fim, o endereço do prédio, com a promessa de que Rodolfo chegaria as nove em ponto.

—Meu carro está na oficina – Ela comentou, após desligar o aparelho – Parece que temos mais algum tempo.

Sara, que havia se sentado na cama, estendeu os braços e Ivone encaixou-se entre eles, acariciando os cabelos negros da outra.

—Eu não gostaria de estar em nenhum outro lugar, agora – Confessou, sentindo os olhos de Sara se voltarem lentamente para ela – Com nenhuma outra pessoa. Vir aqui hoje, foi a melhor decisão que já tomei por mim mesma.

A moça não queria responder, não queria conversar, por saber que tudo o que fosse dito dali em diante, seria num ritmo inevitável de despedida. Sorriu, da melhor forma que pode e se levantou, beijando-a.

Alguns cigarros, algumas doses de whisky e as duas mulheres se amando outra vez. Entre os gemidos de Ivone e os trovões que se faziam ouvir a distância, parecia não haver nada fora daquelas janelas.

As roupas de Ivone foram vestidas sem pressa, sob os olhos atentos da mais nova, que apenas colocara uma camiseta sobre o top que usava. Cada fecho da saia social, cada botão da camisa branca foi selado com uma lentidão desnecessária e proposital.

—Eu levo você até lá embaixo – Sara não permitiu recusas, já abrindo a porta.

Ainda antes de descerem, Ivone beijou-a outra vez, numa despedida definitiva de algo que não poderia se repetir. O que ela não esperava, era ser invadida por tantos sentimentos contraditórios, quando ao chegar do lado de fora, se deparou com o marido, esperando-a, como ficara combinado.

Ele, mexia no celular e mal se deu ao trabalho de levantar os olhos quando ela se aproximou, ao passo que várias pessoas que passavam pelo local, se viraram para ver a bela mulher.

Olhou-o, com sua barba malfeita e cometeu o engano de virar para trás, apenas para ver uma Sara completamente inexpressiva, encostada sob a faixada do prédio. Não havia nos olhos da moça nenhum resquício da alegria que mostrava naquela tarde ou mesmo a raiva, presente com intensidade, quando falou sobre Rodolfo.

Seria possível que naquela altura de sua vida, estivesse diante de uma escolha? Pensou um pouco, agarrando com firmeza a própria bolsa. Devia ir para casa, teria tempo o suficiente para reconsiderar sua capacidade mental, tempo o suficiente para se arrepender, contar tudo para Rodolfo e ganhar o divórcio. Se é que o ganharia, pelo que conhecia da acomodação do esposo, sabia que era bem provável que ele apenas decidisse esquecer o que acontecera.

Mas.... E se voltasse? A hipótese era quase hilária, que ela, uma mulher de cinquenta anos, ia se deixar levar por uma aventura com outra mulher e jogar fora toda a sua estabilidade. E mesmo que aparentemente, as chances de isso acontecer fossem mínimas, se arriscou a olhar para trás outra vez.

E no momento seguinte, sem que pensasse muito, sua escolha foi feita.

A palavra “acabou”, se perdeu em algum lugar em meio aos faróis dos carros que passavam, bem como se perderam os olhos de Rodolfo, ao ver a esposa dar meia volta e se afastar dele.

Ivone atravessou a rua depressa, observando sem nenhuma cautela o sorriso que lentamente se espalhou pelo rosto de Sara. A outra caminhou em sua direção e tão logo se encontraram, seus lábios voltaram a se tocar, diante do olhar mortificado de vários pedestres – e alunos de Ivone – que assistiam pasmos, o momento em que uma das professoras mais corretas, se entregava a um delírio sonhado até pelos mais jovens.


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