Ainda não havia começado a chover canivetes do lado de fora. O que só podia indicar que meu irmão e sua equipe haviam falhado mais uma vez. Poucos minutos se passaram antes que minha teoria fosse comprovada e a porta principal se abrisse.

BLAM

— Ken! Voltamos - meu gêmeo gritou escandalosamente da porta.

Eu estava sentado no sofá, assistindo a mais um episódio de “How to get Away with Murder” quando os três entraram. Pausei a TV e me virei para onde eles se encontravam:

— E como devemos celebrar sua derrota? Comida italiana ou japonesa?

— O que? - Dan disse. - Por que acha que falhamos outra vez?

Neste mesmo momento, Thea apareceu ao lado da lareira, onde uma sombra se formara. Com seus escuros olhos ela me encarou e disse:

— Vou querer uma Pepperoni Duplo, por favor. Para afogar as lastimas do nosso mais recente fracasso.

— Era uma pegadinha, poxa! -  Meu irmão reclamou com esta.

— Não fale comigo. Ainda não consegui tirar da cabeça aquela cena de hoje de manhã quando fui te chamar no seu quarto e...

— SILÊNCIO! - Dan aumentou o tom de voz sem querer.

Analisei a cena delicadamente. Os quatro estavam com um estado cansado e de derrota, confirmando o que eu já pensava: eles perderam mais uma vez. Dan encarava Thea fixamente, como se ela estivesse lhe guardando um segredo profundo. E eu odeio segredos. Desliguei a TV e me levantei do sofá antes de me dirigir aos outros:

— Espero que vocês três não vejam isso como um ato machista, por que está longe de ser. Mas eu preciso ter uma conversa de irmão para irmão com Dan. - Fiz uma pausa e encarei Dan antes de prosseguir - A sós!

Ele com certeza entendeu o que eu quis dizer. Eu me dirigi as escadas e subi calmamente para meu quarto. Meu irmão vindo logo atrás de mim. Um papo familiar era a melhor forma de conseguir a verdade dele, e dado aos acontecimentos de hoje, tenho uma boa ideia do que está ocorrendo.

Hoje mais cedo, eu havia convocado uma reunião com os membros da equipe para planejar nosso próximo ataque. Mas por algum motivo, Dan, Elize e Paloma estavam atrasados. Pedi a Thea que fosse aos quartos chamá-los e ela voltou em choque, mesmo que tenha tentado disfarçar. Minutos depois, os outros membros apareceram. Nós discutimos o ataque e eles seguiram para a base inimiga. Tudo terminou como o planejado. Mas obviamente, não se requer uma mente genial para deduzir o que havia acontecido esta manhã. A única dúvida que me restava, seria esclarecida em poucos momentos.

Chegamos ao segundo andar e eu entrei em meu dormitório. Dan fechou a porta atrás de si:

— O que foi desta vez?

— Paloma ou Elize? - perguntei simplesmente.

— Que? - ele devolveu confuso.

— Quem foi que Thea viu no seu quarto hoje de manhã? Paloma ou Elize? – Expliquei.

Ele deu uma risada e respondeu:

—Paloma. Como você...? - Meu irmão ia perguntar “como você soube”. Mas não o deixei terminar antes de dar a resposta que ele buscava.

— Não precisa ser um gênio para perceber. Mas honestamente, depois de uma semana?

— Olha, Ken. Sei que pode ser difícil para você entender, mas seres humanos normais tem sentimentos. Você é uma desevolução para nossa espécie.

— Atraso- corrigi.

Ele rolou os olhos e, como sempre, aumentou o tom de voz antes de seguir:

— Eu gosto dela, ela gosta de mim e ponto. Somos maiores de idade e fazemos o que quisermos. Sinto muito se você é um ser incapaz de amar. - Dan disse tudo de uma vez.

Fiquei em silêncio por uns minutos, apenas raciocinando. Até que virei para meu irmão mais uma vez e continuei:

— Desde que isso não afete o rendimento da equipe...

— Por favor! Não vai acontecer nada - ele me interrompeu.

— Bom, pelo que estou vendo algo já aconteceu! Algo catastrófico. A derrota de vocês me faz deduzir que encontraram a base dos Guardiões e que, consequentemente, levaram uma surra deles. - Disse com o intuito de que ele contasse o que ocorreu na batalha. Afinal, já havia adquirido o segredo que buscava dele. Agora tinha que ir ao que realmente me interessava.

Meu irmão sentou-se na cadeira que eu tinha em minha mesa de estudos. Ele virou a cadeira e ajeitou-se com as pernas abertas ao redor do encosto.

— Nós estávamos ganhando. Paloma inclusive chegou perto de matar um dos membros. Mas o Feiticeiro do Oeste apareceu e arruinou nossos planos.

— Prossiga - eu disse ao ver sua leve hesitação.

— Ele criou uma barreira de proteção. Ninguém consegue entrar ou sair ao menos que ele enfraqueça o feitiço. - Ele narrou -  Mas não podemos ficar lá esperando até que isso aconteça.

Não disse nada. Apenas escutei enquanto meu irmão narrava tudo o que aconteceu durante sua luta. Uma barreira protetora? Isto sim era uma dificuldade a qual deveríamos sobrepor o mais rápido possível.

— …Ken? - Meu irmão chamou por mim após narrar os fatos e ver que eu estava imóvel.

Os neurônios em meu cérebro trabalhavam incansavelmente enquanto mais uma ideia me ocorria. Não precisávamos ultrapassar a barreira para lutar contra os guardiões se pudéssemos fazer com que eles saíssem de lá. Um plano simples:

— Atacaremos a cidade. - Disse por fim - Eles virão resolver o problema e ai podem brigar com eles a vontade até conseguirmos prendê-los e trazê-los para a máquina.

— Simples e certeiro. Por que não? Vou avisar as outras - ele disse se dirigindo a porta - AH, e não mande ninguém ir ao meu quarto amanhã cedo. Não diga que eu não avisei! - Meu gêmeo me alertou.                       

— Tudo bem. E, vai devagar… - sugeri.

— Ken, negue o quanto quiser, mas eu fiquei com todo o charme da família - ele esbanjou um sorriso - Não existe “ir devagar” comigo. Até mais!

Ele finalizou antes de fechar a porta e deixar o cômodo. Ainda escutei seus altos passos descendo as escadas antes do meu melhor amigo aparecer em meu quarto: o silêncio. A tranquilidade e ausência de ruídos são os melhores companheiros para uma mente engenhosa como a minha. Atrair os guardiões para fora era o melhor a se fazer no momento, até que eu pense em algo mais eficaz. Ainda tinha vários problemas por resolver, como a questão do oráculo. Thea havia ido ao orfanato, todas as pistas apontavam para lá. Eu tinha certeza que iriamos encontra-lo naquela noite, mas Will se revelou apenas como mais um guardião.

Estávamos despencando em termos de vantagem numérica. Pesquisarei mais um pouco para ver se consigo descobrir quem são o oráculo e o guardião do metal. A esta altura, precisamos também de aliados fortes. Mas estas constantes lutas como o lado oposto me tiram tempo de concentração, já que nesta equipe só há brigões e nenhum cérebro ativo. E agora, estamos com um cérebro a menos graças ao envolvimento do meu irmão com Paloma. Caso nenhum sucesso venha da próxima batalha, serei obrigado a tomar medidas drásticas. Colocar em ação meu plano para me livrar temporariamente dos guardiões e assim, ter mais tempo para pesquisar.

Meu irmão não ficará contente com a ideia, mas caso ele fracasse mais uma vez será necessário. Pelo menos, nossa máquina estava concertada e 5% carregada. Ainda restam 95% antes de ressuscitarmos o mestre. Paloma e Dan combinaram suas magias para reconstrui-la nos últimos dias. Vai ver foi por isso que eles ficaram mais próximos. Com isso, tinha um problema a menos para minha incansável cabeça se preocupar com. Sentei na cadeira em frente a enorme janela que tenho em meu quarto, apenas contemplando a vista. Por mais que tenhamos tido altos e baixos em nosso plano, eu não podia deixar de me alegrar. Pelo que tenho visto, uma grande revelação acontecera na próxima batalha. E isso será uma grande vantagem para nós. Por mais que olhar no futuro não seja sempre sábio e certo, estou positivo sobre pelo menos uma boa notícia no próximo confronto contra os guardiões.  Ahhhh, o futuro é realmente algo emocionante!