Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 8
A culpa é do álcool




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137 dias antes.

Marina encarava os hematomas de Luana do outro lado da sala. Eles já não estavam mais tão visíveis, mas tinham deixado o rasto de um estranho tom de verde para trás. Ela não tinha falado com Guilherme desde o dia que espancaram sua amiga, a loira não conseguia acreditar que o namorado deixara aquilo acontecer. Tudo bem que ele não era grande fã da amiga mas não precisava disso tudo...

Rafaela pintava a borda do seu caderno com uma caneta prateada.

—Forro de prata... – disse baixinho enquanto sorria e deu uma olhada discreta para Luana. A loira parecia concentrada na aula mas a castanha sabia que sua mente deveria estar vagando por aí, procurando formas de se vingar da violência que sofrera.

Luana encarava o quadro sem entusiasmo. Quem a olhasse poderia jurar que prestava atenção mas estava mais preocupada imaginando qual seria a comida nojenta que serviriam na cantina hoje. Ela torcia para que não fosse sopa de feijão de novo.

***

As garotas olhavam as líderes de torcidas enquanto ficavam jogadas de qualquer jeito na arquibancada. As líderes riam e conversavam animadamente enquanto Letícia lançava alguns olhares maliciosos para Luana mas a loira parecia nem notar.

—Que droga, né? – ela comentou rindo –Primeiro temos que almoçar sopa de feijão, depois temos que ver esses seres estúpidos rindo de mim. Como se apanhar de alguém fizesse essa pessoa se tonar motivo de piada...

—Você está bem engraçada com essas manchas verdes na cara – Rafa comentou segurando o riso.

—Pelo menos eu sou engraçada, você não é nem um pouco – Luana devolveu a provocação rindo e depois se voltou para Marina –E você? Já falou com o príncipe ou ele está planejando outro espancamento para mim?

—Não falei com ele e nem pretendo, tão cedo – a outra loira respondeu –Fiquei muito decepcionada com o que ele fez. Você nunca machucou ninguém e olha que você...

—Não tem respeito por ninguém? Não gosta de gente? – Luana completou sorrindo de orelha a orelha.

—Eu ia dizer “é inconsequente” mas isso também serve – a amiga riu.

As líderes de torcida foram caminhando em direção ao estacionamento e passaram ao lado das meninas. Luana não conseguiu segurar a língua:

—Vocês estão lindas hoje, tomara que suas blusas não caíam – Marina e Rafaela olharam espantadas para a amiga e as líderes de torcida se viraram furiosas.

—Ok, acho que é hora de ir! – Marina puxou as duas amigas em direção ao carro que pegara da mãe enquanto sentiam os olhares raivosos das garotas cravados nas suas costas.

***

—É incrível como você parece provocar raiva em todo mundo simplesmente por existir – Marina comentou deitada no banco de trás do carro.

Luana estava deitada no teto enquanto Rafaela estava sentada no banco do passageiro. Elas estacionaram o carro em frente à casa de Luciana que dormia pesadamente dentro já que acabara de voltar de mais um plantão.

—Uma pessoa tem que ser demais pra provocar raiva nos outros sem fazer nada – Luana respondeu.

—Sem fazer nada? – Rafa perguntou ironicamente –Claro, você nunca faz nada...

—Nunca para os outros e sim pelos outros! – a loira gritou segurando o riso –Eles não tem motivo para me odiar.

—Um dia talvez a gente entenda as coisas que você faz – Marina comentou sorrindo –Até lá vamos tentar te manter inteira.

—Vai ser difícil – a loira sentou e olhou para o céu –Tem muita gente por aí querendo me despedaçar.

***

136 dias antes.

—Você vem? – Tiago ligou para Rafa de noite. Ele e Guilherme estavam organizando uma festa no dia seguinte e tinham convidado bastante gente, claro que Rafa e Marina tinham sido convidadas mas eles não comentaram nada sobre Luana.

—Sim, claro. Tenho que ver se as meninas também vão...

—Olha, Rafa – ele começou, sem graça –Guilherme não falou nada sobre proibir a Luana de ir mas é porque ninguém teve coragem de perguntar isso a ele! Ele acha que ela não vai ter coragem de aparecer por lá...

—Ele sabe o quanto ela é cara de pau – Rafa respondeu com um sorriso no rosto –Nada pode proibir ela de fazer o que quer na hora que quer.

—Tudo bem mas não esqueça que ela vai pela própria conta e risco – ele alertou tranquilamente.

—Vou avisar ela – Rafaela desligou ainda com um sorriso no rosto.

***

135 dias antes.

—Que maravilhoso! – Luana disse quando chegaram em frente à casa do Guilherme.

Luzes iluminavam a entrada e uma música alta podia ser escutada. Muitas pessoas já estavam lá e podiam ser vistas sombras de casais se agarrando nos cantos. Marina e Rafaela se olharam preocupadas, tinham medo da noite acabar em confusão. Luana usava uma saia curta e Rafa procurava evitar ficar olhando para suas pernas mas não tinha sucesso. A tatuagem de lobo da amiga que ela tanto adorava também estava um pouco à mostra.

—Por que estão com essa cara? – ela riu –É uma festa!

Marina e Rafaela forçaram um sorriso e entraram na casa com a amiga. Sentiram a hostilidade assim que pisaram no recinto, Luana parecia ignorar todos. Era como se ela fosse imune às outras pessoas e isso era admirável.

Ela pegou copos para ela e as amigas e as convidou para brindar.

—Que hoje possamos encontrar nossa dose violenta de qualquer coisa! – as três bateram seus copos e viraram o conteúdo em um gole só. Até mesmo Rafaela, que já estava ficando acostumada ao consumo frequente de álcool. Guilherme apareceu e colocou os braços ao redor de Marina.

—Queria muito conversar com você – a loira balançou a cabeça concordando e o garoto encarou Luana –Não sei quem disse que você era bem vinda...

—Eu não preciso ser bem vinda para ir aos lugares – ela pegou outro copo e colocou uma mão na cintura –E foram seus amigos que me bateram, quem devia estar com raiva aqui era eu...

—Depois de ter estragado nossa final...

—Vocês iam perder de qualquer jeito, só quis deixar tudo um pouco mais divertido...

—Chega! – Marina chamou a atenção dos dois –Você disse que queria conversar, Guilherme, então vamos conversar. Luana, vê se não arrumar confusão. Rafa, não esquece de deixar ela em casa.

A loira sumiu com o namorado deixando Luana e Rafaela sozinhas mas logo Tiago também apareceu.

—Oi, sabia que você vinha! – ele a abraçou amigavelmente e cumprimentou Luana com um aceno de cabeça, ela apenas retribuiu com um sorriso azedo –Quer dançar?

Rafa encarou Luana que deu de ombros.

—Claro – ela sorriu e deixou que o amigo a levasse pela mão até a sala onde tocava a música.

***

—Eu sinto muito mesmo! – Guilherme começou –Sei que eu poderia ter feito alguma coisa pra impedir mas eu não achei que fossem realmente fazer aquilo...

—Jura? – Marina perguntou triste. Sentia falta do namorado e não queria brigar com ele.

—Juro – ele pegou as mãos da loira –Eu nunca deixaria acontecer uma coisa tão irresponsável. Sabe disso. A gente pode deixar isso pra lá? Senti tanto a sua falta...

Ele a abraçou e a loira pareceu desmontar. Ela também sentira falta dele, do seu beijo, do seu abraço, do seu toque...

Guilherme distribuía beijos no pescoço da namorada e a fazia suspirar. Ela enterrou as mãos nos seus cabelos quando suas bocas se encontraram. O garoto a conduziu pelo corredor até seu quarto e a deitou na cama. A saudade era tanta que ele mal podia suportar.

—Eu te amo tanto, Marina – ele se desvencilhou dela em certo momento com os lábios vermelhos do batom da namorada.

—Eu também te amo – ela respondeu rindo enquanto limpava o vermelho da boca dele.

***

Rafaela já estava começando a ficar tonta mas Tiago a mantinha no lugar. As mãos do garoto a seguravam pela cintura e a ofereciam mais bebida de vez em quando.

Luana olhava os dois de longe e se sentia cada vez mais incomodada com as invasão de espaço do amigo mas procurou não se meter. Ela não prestou atenção quando Tiago levou sua amiga para o quarto.

Rafaela não conseguia processar direito o que estava acontecendo. Ela se viu deitada na cama de um quarto escuro e sentiu o peso de alguém em cima dela. Deveria ser Tiago mas ele não se aproveitaria dela bêbada. Ela sentiu uma boca na sua e tentou se desvencilhar mas estava desnorteada demais para fazer qualquer coisa.

—Para, por favor – ela pediu sem forças.

—Tudo bem, Rafa. É só você ficar calma... – ele sussurrou no ouvido dela e começou a tirar sua blusa. A garota começou a falar mais alto.

—Para! – mas ainda não era o suficiente para ser escutada com o volume da música alta.

***

Luana, entediada com a festa, procurava um banheiro onde pudesse passar o tempo sem ser incomodada mas, ao passar em frente a um quarto, ouviu a voz de Rafaela pedindo para alguém parar. Ela se aproximou e ficou escutando.

—Sou eu, Rafa, pode confiar em mim. É só ficar quieta.

—Não, por favor...

Ela deu duas batidinhas na porta.

—Rafaela?

—Sai daqui! – Tiago gritou e voltou a falar baixinho com a garota.

—Abre essa merda, Tiago – ela começou a socar a porta –Não está escutando ela pedindo pra você parar?!

Houve um silencio que pareceu durar uma eternidade até Tiago abrir a porta, sem camisa e com os cabelos bagunçados, segurando o braço de Rafaela que ajeitava sua blusa envergonhada.

—Leva sua amiga embora daqui! – e fechou a porta na cara da loira.

—Seu filho da puta, acha que pode fazer isso... – ela ia dar um chute na porta quando a amiga pediu.

—Por favor, vamos embora – Luana a encarou e se assustou com o quanto ela parecia vulnerável. Rafa tinha se tornado bem mais desinibida nas últimas semanas mas por um momento Luana conseguiu vislumbrar a garota que conhecera quando tinha 11 anos, inocente e sensível. Ela ajeitou a blusa da amiga, passou os braços pelo seu ombro e a conduziu até o carro.

—Me dá a chave, você bebeu demais – Rafa entregou a chave para ela obedientemente e sentou-se calada no banco do passageiro. Ficaram caladas o caminho todo até chegar na casa da loira que estava com todas as luzes apagadas.

***

134 dias antes.

Marina sentiu Guilherme a abraçando apertado e se aconchegou mais perto dele. Seus pais com certeza ficariam loucos se soubessem que tinha dormido com o namorado e não na casa das amigas, como prometera, mas não havia outro lugar no mundo onde ela preferia estar.

Guilherme abriu os olhos devagar e sorriu.

—Você fica me olhando dormir? Isso é estranho...

—É estranho agradecer mentalmente por ter alguém como você? – ela sorriu e afundou o rosto no peito dele.

—Eu que tenho que agradecer... – ele beijou o topo da cabeça dela e permaneceram abraçados por longos minutos.

***

Luana encarava a amiga com tristeza. Ela se sentia uma idiota. Ela sempre incentivara Rafaela a ficar com Tiago mas nunca imaginou que ele fosse o tipo de garoto que embebedaria uma garota para depois fazer o que quisesse com ela. Luana sentia nojo dela mesma por ter apoiado os dois.

Rafa se revirou na cama e sentou. Os cabelos bagunçados caíam sobre sua testa e seu rosto tinha uma marca de tristeza que apertou o coração de Luana. A loira se aproximou e tirou os cabelos da amiga de seu rosto.

—Eu prometo nunca mais te incentivar a ficar com um garoto sem antes verificar todo o caráter dele – Luana disse e a amiga sorriu com tristeza.

—Não é sua culpa, Luana – ela tinha os olhos marejados, tentava desesperadamente segurar as lágrimas.

Algo dentro de Luana se revirou, ela sabia muito bem o que a amiga estava sentindo...

Apenas se aproximou e a envolveu em um abraço apertado, o mais apertado que pôde.

—A culpa também não é sua, sabe disso – ela sussurrou, a garota desmontou em seus braços e começou a chorar –Não é culpa sua.

Luana descansou o queixo no topo da cabeça da amiga e passou as mãos pelas suas costas devagar. Ela sentia seu coração se apertando a cada soluço que Rafa dava. Ela beijou seu rosto delicadamente, só queria faze-la parar de chorar. Rafaela se acalmou depois de um tempo e olhou fundo nos olhos cinzentos da amiga.

—Eu sei – ela concordou depois de muito tempo –Não é culpa minha.

—A gente pode botar a culpa nas pessoas, no mundo, na bebida – a loira disse fazendo Rafa sorrir –A culpa nunca é nossa, Rafaela. Somos boas demais pra assumir essa responsabilidade.

Rafa balançou a cabeça concordando novamente e se esforçou para sorrir. Ela afundou o rosto no pescoço da amiga e deixou que ela a consolasse o quanto achasse necessário.


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