Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 7
Forro de prata




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142 dias antes.

—Você se acha muito esperta, não é? – Letícia se aproximou das três amigas que descansavam no pátio da escola, ela era a capitã das lideres de torcida que ficaram com os seios expostos na final do campeonato de basquete.

—Mais do que você, com certeza – Luana respondeu com um sorriso provocador, deixando a garota fervendo de raiva.

—Não quer dizer que só porque não foi pega nada vá acontecer com você, acho bom você prestar atenção em tudo – Letícia retrucou e virou as costas sendo seguida pelo time de basquete e as outras líderes de torcida que estavam com ela.

—Ok, acho que você está um pouquinho encrencada – Marina comentou preocupada.

—Olha como eu estou preocupada – a loira riu enquanto via o grupo se afastar –Deixar pessoas como eles com raiva é a melhor coisa que faço da minha vida.

—Você tem um código moral bem estranho, sabia? – Marina riu enquanto olhava o céu nublado.

—É bem simples se você parar pra pensar – Luana começou a explicar com uma expressão divertida –Aqueles que fazem mal a outras pessoas merecem pagar por isso, às vezes tendo os peitos exibidos para a escola toda ou às vezes de outro jeito. Podem falar o que quiser de mim mas nunca faço nada ruim gratuitamente para outras pessoas, apenas pra mim mesma.

—Que ser humano perfeito você é – Rafa disse rindo.

Luana se limitou a encará-la rindo.

***

Depois da aula, as três amigas caminharam até o lago mas se arrependeram pois assim que chegaram lá começou a chover. Marina e Rafaela queriam ir até algum lugar coberto mas Luana as fez ficarem.

—Quanto tempo faz que vocês não brincam na chuva? É ótimo! – a loira as puxou pelo braço e correu com elas pela chuva.

Era difícil enxergar pois a água entrava nos olhos delas o tempo todo mas a risada de Luana, que ia na frente, era o suficiente para as guiar. Estavam tão encharcadas que não se importaram de pular com roupa e tudo no lago. Ficaram lá até a chuva diminuir e foram para a casa de Marina, que estava vazia.

***

Marina emprestou roupas para as amigas e as três ficaram jogadas no chão da sala de estar comendo um resto de bolo que o pai dela tinha feito.

—Sabe que esse pessoal não brinca, você pode se dar muito mal pelo que fez – Marina comentou preocupada, ela se referia ao episódio com Letícia mais cedo.

—Não tenho medo deles – Luana respondeu e olhou para a amiga sorrindo –E sei que seu namoradinho comentaria alguma coisa com você caso soubesse, e você me avisaria. Não tenho motivos para me preocupar.

—Guilherme não me conta as coisas dele e dos meninos, assim como eu não conto as nossas... – Marina respondeu.

—Que pena – Luana riu –Parece que estou por minha conta então.

***

141 dias antes.

Luana tinha saído à noite para beber. Não havia nenhum motivo especial, ela apenas decidira se dar esse presente mas fora um erro ter ido sozinha.

Ela sabia que podia ter chamado Marina ou Rafaela mas era começo da semana e não queria atrapalhar toda a programação delas. A loira sempre saía sozinha e sempre se virava caso acontecesse alguma coisa mas ela não esperava pelo que outras pessoas planejavam.

Luana caminhava calmamente pela calçada sob a luz da lua e se sentia em paz. Ela tinha dito ao pai que dormiria na casa de uma amiga e iria para a escola no dia seguinte com ela mas tinha deixado todas as suas coisas na casa da árvore para passar a noite lá. A loira começou a sentir algo estranho e foi aí que percebeu...

Ouvia passos atrás dela mas não teve coragem de olhar. Pareciam ser meia dúzia, talvez mais. Fez algumas curvas aleatórias para ver se estavam mesmo a seguindo e concluiu que sim. Então simplesmente parou e encarou os perseguidores. Reconheceu alguns garotos do time de basquete, algumas líderes de torcida e Letícia na frente de todos.

—Boa noite pra você, quer falar comigo? É mais fácil falar do que ficar me seguindo... – Luana provocou quando eles estavam perto o suficiente.

—Cansei dessa sua atitude superior, garota – Letícia respondeu fervendo de raiva –Você acha que é melhor que todo mundo? Que pode fazer o que quiser e não vai ter consequências? Isso não é o seu mundinho particular, não é você que manda aqui.

—Quer dizer então que é você que manda? – ela riu –Quando uma pessoa realmente tem autoridade, ela não precisa ficar lembrando a todos que tem...

Letícia empurrou Luana até ela encostar em um poste.

—Você vai se arrepender de tudo que tem feito...

—Faz o que você tiver que fazer, eu não tenho medo – a loira desafiou, seus olhos cinzentos fuzilavam todos os presentes ali.

O primeiro soco a pegou de surpresa mas Letícia não tinha muita força então ela nem sentiu. Luana não tirou o sorriso do rosto um segundo sequer, o que deixou todos ali loucos e fez com que batessem ainda mais nela. Ela sentia os socos e pontapés mas não deu um grito sequer. A agressão ficou cada vez pior mas ela não se permitiria dar a eles o que queriam, ia resistir o máximo que pudesse. Mesmo quando caiu de joelhos eles não pararam. A puxavam, arrastavam alguns centímetros para bater nela novamente, rasgaram parte da sua blusa e só pararam quando ficaram realmente cansados. Riam para a garota agachada no chão mas se espantaram quando ela começou a rir junto com eles.

Luana ergueu a cabeça e soltou uma gargalhada. Eles a encaravam confusos e com raiva. A garota sentia gosto de sangue na boca, os joelhos ardiam, as roupas estavam rasgadas, ela estava suja de terra e podia sentir o sangue escorrendo da testa mas nada machucava o seu espírito. Todas diziam que ela tinha um coração de pedra e isso era totalmente verdade. Nem mesmo um espancamento poderia alterar o estado de sua alma. Não existia medo dentro dela, nem raiva, apenas uma revolta contida que ela iria lançar contra eles na hora certa.

—Pode me bater o quanto quiser, ainda tenho peitos mais bonitos que os seus e a escola toda sabe disso – Luana disse o que levou os estudantes a recomeçarem as agressões.

A loira deve ter perdido a consciência por alguns instantes pois quando se deu conta, eles já tinham ido embora e ela estava sozinha na escuridão da noite.

***

Marina descansava o peso do seu corpo no peito de Guilherme, seus braços fortes a envolviam enquanto ele a encarava com uma expressão apaixonada.

—Meu Deus, você é a coisa mais linda que eu já vi... – ela sorriu ao ouvir isso e o beijou delicadamente.

—Eu sei – ela sussurrou e ele riu.

Eles foram interrompidos quando o celular dele tocou. Ele levantou um pouco chateado para atender.

—Alô? O que? Meu Deus, o que vocês fizeram?! Não! Isso vai dar uma merda... Fiquem na de vocês, vão pra casa de alguém e não saiam. Eu já vou pra aí.

Ele desligou e começou a se vestir.

—O que aconteceu? – Marina perguntou preocupada se cobrindo com um lençol, o namorado a ignorou e ela insistiu –Guilherme, me diz o que aconteceu!

—Não é nada! Não quero que você se preocupe à toa – ele respondeu nervoso.

A loira se inclinou e segurou o braço dele, ela parecia implorar com os olhos e ele acabou cedendo.

—Os meninos... E algumas das líderes de torcida... Eles foram atrás da Luana...

—Ai, meu Deus! O que houve? – a loira entrou em pânico.

—Eles bateram nela mas não foi nada de mais, foram só uns tapas. Ela já deve até ter chegado em casa...

—Uns tapas?! – Marina pareceu ficar com raiva –Não pareceu apenas uns tapas pelo jeito que você ficou nervoso! Você vai buscar ela e a levar até um hospital!

—Eu não! – ele protestou –Não sou amigo dela, não tenho essa obrigação...

—Foi você? – a loira parecia pensar alguma coisa.

—Eu o que?

—Foi você que mandou baterem nela?

—Claro que não!

—Mas não deve ter desencorajado também! – Marina brigou.

—Olha, eu tenho que ir lá resolver esse negócio. Prometo que a gente conversa depois... – ele se aproximou para dar um beijo na namorada mas ela desviou o rosto, ele a encarou magoado mas foi embora mesmo assim.

Marina ficou sentada na cama pensando no que fazer. O pai veria se ela saísse com o carro, ela não poderia ir ao resgate de Luana. Então ligou para a única pessoa que podia.

***

Luana andou se arrastando por muitos quarteirões até chegar à casa de Rafaela. Era mais próxima do que a casa de Marina e ela sabia que Luciana estava de plantão mais uma vez, não queria alarmar a família de ninguém. Ficou estirada na calçada em frente à casa da amiga sem forças para chegar até a porta. Se surpreendeu quando a garota saiu de casa e correu ao seu encontro.

—Meu Deus, Luana! A Marina me ligou contando o que aconteceu, eu já ia sair para te procurar – Rafa levantou a amiga com delicadeza e a levou para dentro.

—Como Marina sabe o que aconteceu? – Luana falou se sentindo tonta e apoiando todo o peso na amiga.

—Ligaram para o Guilherme, ele ficou nervoso e acabou contando pra ela...

—Aquele merda – a loira reclamou –Ele devia saber de tudo desde o começo e agora quer pagar de santo...

Rafaela levou a amiga com dificuldade escada acima e a deitou na sua cama. Desceu até a cozinha para pegar alguns itens médicos básicos e voltou para junto dela. Por sorte, a mãe adotiva a ensinara primeiros socorros e outras coisas simples como por exemplo saber se uma pessoa está com hemorragia interna, identificar ossos quebrados e verificar a presença ou não de uma concussão.

A garota limpou os ferimentos sujos de terra nos joelhos e braços da loira, que procurava não demonstrar qualquer desconforto. Limpou o sangue no rosto com um lenço umedecido enquanto ela gemia baixinho de dor. Enfaixou os joelhos que ainda sangravam um pouco e passou remédio nos cotovelos levemente arranhados dela. Fez um curativo no nariz e na testa e tirou a roupa rasgada e suja da amiga.

Luana ficou deitada na cama enquanto Rafaela jogava tudo no lixo. Ela cobriu a amiga com um cobertor grosso e sentou ao lado dela.

—Podia ter acontecido uma tragédia hoje, ainda bem que você só se machucou... – Rafa comentou preocupada.

—É preciso ser muito mais forte do que eles para me matar – a loira sorriu com o rosto cheio de hematomas e curativos mas Rafa se surpreendeu ao perceber o quanto ela ainda estava linda. Era como se nada nesse mundo pudesse manchar a beleza da amiga –Incrível, não é?

—O que? – Rafa teve medo de que ela pudesse ler seus pensamentos mas logo relaxou pois sabia que isso não era possível.

—A gente se esforça pra fazer coisas boas mas as pessoas não entendem – a loira disse sorrindo tristemente  –E aí elas fazem coisas ruins com você só porque não te entendem  e você fica sem saber como resolver esse problema. Tudo parece ficar uma merda cada vez maior e nada dá certo... E eu não consigo pensar em uma solução para isso.

Rafaela ficou pensativa. Depois de pensar um pouco ela disse:

—Já ouviu falar em uma expressão em inglês mais ou menos assim:”she is every cloud’s silver lining”? Aparece bastante em poemas...

—Nunca ouvi falar – a loira respondeu –O que significa?

—Traduzindo literalmente, é algo como “ela é o forro de prata de toda nuvem” mas é preciso analisar um pouco pra entender o que significa. Quando o sol é coberto por nuvens, sua luz ainda pode ser vista porque as bordas das nuvens refletem seus raios, essa borda é o que as pessoas chamam de forro de prata. Do mesmo jeito são os problemas, algumas coisas podem cobrir a solução mas você ainda pode enxergar uma saída. É só procurar pelas bordas, pelos forros de prata.

—Entendi – Luana sorriu –Quer dizer que você é meu forro de prata?

—Eu não quis dizer isso...

A loira se sentou rindo e encostou a testa no ombro da amiga.

—Eu sei que sim, Rafaela. “Ela é o forro de prata de toda nuvem”, você é a solução para todos os meus problemas.

A garota abraçou a amiga hesitantemente. E pensou:

“Você está errada, não sou forro de prata de ninguém. Você que é o meu”


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