Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 28
Parece que estou perdendo os sentidos




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80 dias antes.

O celular de Marina tocou mais uma vez mas ela ignorou a chamada novamente e enfiou a cabeça debaixo das cobertas da sua cama, estava cansada de pensar. Guilherme vinha ligando incessantemente para ela mas a garota estava deixando de atender suas ligações, não se sentia à vontade para falar com o namorado e sabia muito bem porque...

Depois daquele momento com Eli no lago, estava mais do que claro para ela que havia um sentimento a mais ali, algo que não era só amizade e não podia continuar enganando os dois garotos enquanto tentava descobrir o que sentia, ela não era do tipo de ficar fazendo esses joguinhos. Não era justo com eles, então ambos teriam o seu silêncio até ela decidir o que fazer.

***

Rafaela estava sentada na escada tentando ouvir o que Luciana falava na cozinha. A médica estava no telefone e conversava em um tom de voz baixo, como se temesse que a garota a escutasse. Rafa presumiu que ela deveria estar conversando com sua mãe biológica e, depois de alguns minutos escutando e juntando os pontos, se convenceu de que era esse o caso.

—Eu sei, mas ela vai superar – Luciana falou ao telefone enquanto andava de um lado para o outro –Acho que devíamos ter tido mais sensibilidade, eu deveria ter preparado ela melhor para isso...

Rafaela abraçou os joelhos e respirou fundo. Não havia como prepara-la para isso, não havia como diminuir a mágoa e a frustração que sentira durante toda a sua vida por ter sido abandonada pela pessoa que deveria amá-la mais do que qualquer um. Por um momento a garota teve raiva de Luciana por dizer aquelas coisas ao telefone, era impossível justificar o abandono de um filho ou pelo menos era isso que a adolescente pensava.

—Quem sabe daqui a algumas semanas? Posso ir conversando com ela e vendo se consigo convencê-la a te encontrar de novo. Rafa passou tanto tempo curiosa sobre quem era sua família e de onde veio que não pode ficar muito mais tempo se recusando a falar com você. Sim, tenho certeza disso... Conheço a minha garotinha, ela não é capaz de guardar mágoa por muito tempo.

“Você se engana, posso passar anos me recusando a ver essa mulher”, pensou “ainda mais agora que estou no último ano e pretendo ir pra São Paulo com Marina e Luana”.

—Ok, tudo bem – houve uma ligeira pausa na fala da médica –Tenho que ir pro hospital agora mas qualquer coisa me liga, a gente vai pensar juntas no que fazer... Vai dar tudo certo!

Rafa desceu as escadas e saiu pela porta da frente apressada, não queria ter que conversar com ninguém. Enquanto caminhava até a escola, desejou que o ano acabasse logo e pudesse ir embora como ela e as amigas planejavam há tanto tempo.

***

79 dias antes.

Marina virava o corredor quando sentiu braços envolverem seus ombros e alguém começou a acompanhar seus passos. Olhou para o lado e viu Guilherme com um sorriso um pouco tímido no rosto. Ele tinha olheiras debaixo dos olhos e parecia cansado mas mantinha o sorriso no rosto mesmo assim.

—Você não atendeu minhas ligações, está tudo bem? – ele perguntou diretamente, Marina sentiu seu estômago se revirar mas forçou-se a sorrir.

—Claro que sim – ele pareceu relaxar um pouco mas ela ainda sentia-se tensa ao toque dele, com os braços do namorado ao redor dela –Eu só estava cansada, sabe como é, toda essa coisa da minha mãe...

—Sim, sim, eu entendo – ele se apressou em dizer e Marina sentiu um pouco de culpa, enquanto ele estava ali tentando fazê-la se sentir confortável e compreendida, ela se perguntava se ainda o amava ou se sentia alguma coisa por Eli. A situação parecia ficar mais complicada a cada dia –Olha, eu pensei que a gente poderia fazer alguma coisa, sabe? Pra descontrair? Você merece um pouco de descanso de todas essas coisas e acho que eu deveria te ajudar.

Ele parou no corredor obrigando-a a olhar diretamente em seus olhos, Marina tinha vontade de olhar para qualquer lugar menos para Guilherme. A loira não entendia o que estava errado com ela.

—Não sei, Guilherme – ela abaixou o olhar tentando disfarçar seus sentimentos o máximo possível –Eu tenho que estar disponível para a minha família nesse momento, não importa como eu me sinto. Tenho que estar lá por eles...

—Eu entendo totalmente – ele sorriu tranquilamente, nem parecia o garoto que vinha se irritando fácil e se descontrolando nas últimas semanas –Quer saber, quando sua mãe sair eu vou organizar uma puta festa pra ela. Vocês todos merecem isso!

Marina sorriu sem força. Ele estava ali na frente dela, sorrindo com total devoção, falando sobre o que faria quando as coisas melhorassem enquanto ela pensava em como queria ficar sozinha. Teve a sensação de que estava suja mas não fisicamente, era mais uma sujeira na sua alma.

—Obrigada – foi tudo que conseguiu responder, Guilherme balançou a cabeça ainda sorrindo, deu um breve abraço nela e voltou a caminhar pelo corredor.

***

75 dias antes.

—Ela está me evitando, tenho certeza disso – Eli comentou e mexeu o canudo do seu milk-shake de morango distraidamente enquanto Rafa mantinha o olhar fixo nele.

Os dois decidiram dar uma passada na sorveteria perto da escola depois que Marina foi ao hospital fazer companhia para a mãe e Luana sumiu, como sempre. Eli até se ofereceu para acompanhar Marina até o hospital mas foi recusado firmemente. Rafa decidiu que seria uma boa ideia levar o garoto para tomar alguma coisa visto a expressão decepcionada que ele não conseguiu disfarçar.

—E por que você acha isso? – ela perguntou dando um longo gole no líquido gelado que estava em suas mãos –Ao meu ver, ela está evitando todo mundo...

—Não, parece ser mais do que isso – ele começou, os olhos negros encontraram os castanhos de Rafaela –Ela nunca recusou minha companhia antes, eu sempre conseguia fazer ela se sentir melhor mas parece que ela não me quer mais por perto. Acha que isso pode ter alguma coisa a ver com Guilherme?

A garota pensou por alguns segundos e balançou a cabeça negativamente.

—Ele já deve ter pedido pra ela se afastar de você há muito tempo. Se fosse pra fazer o que Guilherme diz, Marina já teria feito isso antes. É outra coisa, tem que ser...

Rafa viu o maxilar de Eli se contrair e teve a sensação de que o garoto estava escondendo alguma coisa. A curiosidade dela fazia com que sentisse vontade de perguntar o que ela havia dito de errado mas não sabia se deveria fazer isso, aliás, não sabia se deveria saber se algo havia acontecido entre os dois. Por fim, Rafaela falou:

—Não sei se aconteceu alguma coisa entre vocês mas sei de uma coisa – Eli a fitava totalmente concentrado, ele parecia ansioso para ouvir o que a garota ia falar –Sei que Marina é uma pessoa totalmente justa e não gosta de fazer mal ao outros. Sei que se ela se afastou deve ser por um bom motivo e talvez até pelo seu próprio bem. Só precisa ter paciência, em algum momento as cosias vão voltar ao normal...

A garota esperou que sua fala pudesse ter ajudado Eli mas, ao ver a expressão no rosto dele, soube que nada poderia ser dito pra fazê-lo se sentir melhor. O garoto abaixou a cabeça e passou a mão pelos cabelos pintados de branco. Depois de um minuto ou dois ele confessou:

—Eu gosto dela, sabe?

Rafa se limitou a encará-lo, o garoto ainda estava de cabeça abaixada o que tornava impossível ver sua expressão.

—Sei que ela tem namorado e que ele é provavelmente bem melhor do que eu porque Guilherme é rico, popular, carismático e todas essas coisas que as garotas devem achar atraente em um cara mas gosto dela mesmo assim. E o pior é que, mesmo eu sendo só um cara encrenqueiro e sem nenhuma coisa boa na vida, ela me faz ter vontade de ser melhor. E acho que eu faria ela mais feliz do que ele. Pelo menos eu nunca discutiria com ela como ele faz, nunca gritaria, ignoraria ou viraria as costas pra Marina. Eu a trataria da melhor forma que eu pudesse... E acho que ela sabe disso.

Rafaela sentiu seu peito se apertar. Ela sabia o que era gostar de alguém que você não poderia ter, sabia o que era ter certeza de que ninguém trataria a pessoa que você ama melhor do que você e mesmo assim se vir privado de estar com quem você tanto quer.

A imagem de Luana veio à sua mente e uma tristeza sem tamanho pareceu apertar seu peito. Se Eli sentisse metade do que ela sentia pela amiga já seria ruim o suficiente. A garota sabia que nunca ficaria com Luana mas torcia para que Eli conseguisse ficar com Marina, pelo menos alguém tinha que ser feliz, certo?

—Ela tem sorte – Eli levantou a cabeça e encarou a garota sem entender o que ela queria dizer com aquilo –Ela tem sorte por você gostar dela e um dia ela vai ver isso. Guilherme já não é o mesmo, Eli, e em breve Marina vai perceber.

O garoto balançou a cabeça melancolicamente e deu um gole no milk-shake que já começara a derreter.

***

Luana voltava a mesma boate sempre que podia, queria saber se Guilherme e os amigos continuavam indo para lá e levando garotas com eles mas depois da discussão que tivera com o garoto naquele dia nunca mais vira nenhum deles lá. O provável era que tivessem mudado de lugar para não correr mais o risco de encontrar a loira mas ela descobriria onde eles iam e ficaria de olho no garoto, devia isso pra Marina já que não podia contar para a amiga o que tinha visto por causa da chantagem que o namorado da garota fizera com ela.

A música estava alta como sempre e o ambiente escuro tornava difícil se mover sem esbarrar em algum corpo bêbado, mesmo assim a garota conseguiu encontrar um caminho até o bar e pediu uma caipirinha. Já que aparentemente as pessoas que procurava não estavam ali, ela pelo menos poderia aproveitar a noite, beber um pouco e, quem sabe, arrumar um garoto bonitinho pra se distrair. Fazia tempo que ela não transava e não sabia explicar porque, Luana já não se sentia mais tão atraída por transas de uma noite e caras aleatórios mas estava em uma festa e talvez encontrasse alguém que conseguisse fazê-la se interessar por isso de novo.

—Não entendi o que houve com o Guilherme e os meninos – Luana, ao ouvir o nome, começou a prestar atenção na conversa, identificou dois garotos que não deveriam ser muito mais velhos do que ela conversando bem ao seu lado –Ele simplesmente disse que não estava mais interessado em vir aqui, que tinha perdido a graça mas olha pra esse lugar! Isso nunca vai perder a graça, fala sério!

—Também acho e ainda quebrou o esquema com as líderes de torcida – o outro garoto reclamou enquanto tomava um longo gole de uma bebida vermelha e brilhante –Aposto que aqueles filhos da puta querem ficar com as meninas todas pra eles...

—Total! – o outro concordou –Achei que eles iam pra boate do centro mas quando perguntei onde eles ficariam nas sextas-feiras agora que não viriam mais pra cá ele me respondeu que iam fazer todas as festas na casa do Tiago. É óbvio que eles não querem ninguém com aquelas garotas, estão fazendo isso pra afastar a gente...

“Ou pra me afastar”, a loira pensou desconfiada, “para que eu não possa ver o que eles fazem”.

—Quer saber, mano, a gente não precisa deles. Vamos arrumar nossos próprios esquemas a partir de agora – os dois garotos riram e bateram os copos para brindar –A gente consegue as putas que a gente quiser...

Luana revirou os olhos e deixou de prestar atenção na conversa. Aparentemente, Guilherme e seus amigos não queriam mais ir em festas onde houvesse outras pessoas ou, para ser mais sincera, onde pudesse haver alguém vigiando o que eles faziam e que poderia contar a alguém o que tinha visto. A loira teve um péssimo pressentimento, isso definitivamente não significava uma coisa boa e ela sabia que seria muito mais simples contar o que tinha visto para Marina mas não podia, Guilherme a havia chantageado e tudo que a loira poderia fazer era ficar de olho nele e tentar fazer Marina enxergar de alguma forma o que estava acontecendo.


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