Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 14
Mapas




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114 dias antes.

—Talvez eu possa te maquiar – Marina disse sorrindo para Guilherme.

Eles estavam no quarto dela. Depois de sair da escola, a loira foi até a casa do namorado e o chamara para ir até a casa dela. Ele ainda tinha o rosto coberto de hematomas mas estava bem melhor do que nos dias anteriores.

Marina não falara com Eli desde a vez em que fora vê-lo no seu apartamento. Tinha inclusive a impressão de que o garoto de cabelos platinados estava a evitando mas decidiu ir atrás dele em outra oportunidade, ainda tinha que conversar direito com Guilherme.

—Tenho certeza de que você vai me deixar lindo – Guilherme sorriu para ela, a loira ficou séria e se aproximou.

—Por que você estava nos seguindo? – o namorado abaixou a cabeça envergonhado –Sério, Gui, você não confia em mim? Esses anos todos não te ensinaram o quanto eu me importo com você?

—Não é em você que eu não confio... – ele a interrompeu.

—Ok, você não confia em Eli, isso não é novidade – ela comentou –Mas não consigo entender toda essa paranoia que você tem com ele, sério. E juro que estou tentando encontrar uma justificativa mas nada faz sentido!

—Marina – ele pegou a mão dela –Eu sei que ele é seu amigo mas você não devia confiar nele, de verdade. Tudo sobre ele me preocupa... Me preocupa o fato de não saber se você está com ele ou não. Por favor, é melhor você se afastar. Isso não é paranoia minha e vou conseguir te provar isso.

Marina encarou o namorado e ficou confusa. Não sabia mais em que pensar, em que acreditar, alguma coisa estava mudando e ela não sabia dizer o que. Havia algo de magnético em Eli, algo misterioso e escondido que a deixava curiosa e com vontade de saber mais mas não tinha certeza se ele era realmente perigoso. Quer dizer, quando fora ameaçado ele se mostrara implacável e violento mas nunca fora grosseiro ou agressivo em qualquer circunstância em que não fora acuado.

—Eu posso tomar conta de mim, não precisa se preocupar – ela disse tentando tranquilizar o namorado –Só não faça isso de novo... De verdade, me deixou com muita raiva.

Ele balançou a cabeça e enterrou o rosto no pescoço da loira que suspirou completamente desnorteada com o rumo que as coisas tomavam.

***

—Eu tive uma ideia! – Luana pulou na cama assustando Rafaela que estava distraída olhando a coleção de CDs no quarto da loira.

—Ai – ela reclamou mas sorriu ao ver a expressão boba que enfeitava o rosto da amiga –O que foi? O que essa mente diabólica está bolando?

—Que tal fazermos uma viagem nesse feriado? – Luana sorriu de um jeito que deixava Rafa aterrorizada, era aquele sorriso de quando ela estava planejando algo perigoso e provavelmente ilegal.

—Que feriado, Luana? Amanhã é quarta e temos aula até sexta! – Rafa respondeu sem entender nada.

—Ora, vamos criar um feriado – a loira não desistiu –Vamos alagar a escola ou sei lá! Ai eles vão cancelar as aulas e podemos curtir nosso feriado...

—Você é louca – Rafa comentou rindo.

—Vamos, faz tempo que não fazemos nada realmente louco e emocionante! – ela insistiu –E, com toda essa situação da Marina, Guilherme e Eli, acho que ela ia gostar de um intervalo... Vamos. Se isso te incomoda muito pode mentir para você mesma e dizer que vamos fazer isso pelo bem de uma amiga...

—Alagar a escola, Luana? Sério mesmo? Tem ideia do que pode acontecer se formos pegas? Podemos até ser presas...

—Não podemos ser presas oficialmente, ainda não temos 18 anos – Luana sorriu –E aí? Esqueceu da promessa que fizemos? De nos comprometer a encontrar nossa dose violenta de qualquer coisa?

—Ok, ok – Rafa concordou contrariada –Mas para onde vamos? E que desculpa vamos dar aos nossos pais?

—Pode deixar que eu vou bolar nosso plano, se preocupa em ligar pra Marina e a convencer a ir com a gente – Luana disse jogando seu celular para Rafaela e saindo do quarto.

Rafa ligou para a amiga relutante se perguntando o que diabos Luana tinha em mente.

***

113 dias antes.

Marina já se preparava para entrar no banho e se arrumar para ir à escola quando seu celular tocou. Viu que era Rafaela e decidiu atender.

—Bom dia! – a amiga disse animada ao telefone.

—Uau – Marina estranhou a animação –Que alegria é essa de manhã tão cedo?

—Adivinha.

—Não faço ideia...

—As aulas foram canceladas pelo resto da semana – Rafa respondeu segurando uma risada.

—Meu Deus! – Marina se assustou ao ouvir aquilo mas logo precisou segurar o riso também –O que foi que ela fez?

—Aparentemente alguém ligou dizendo que havia uma bomba na escola. Chamaram os bombeiros, o esquadrão anti-bombas e a polícia pra revistar a escola mas mal entraram no corredor principal e sentiram cheiro de gás. Isolaram o bairro inteiro e cancelaram as aulas...

—Caramba, como ela consegue fazer essas coisas? – Marina perguntou mais para ela mesma do que para Rafa, acrescentou rapidamente –E aí? Qual é o plano?

—Você diz que vai dormir na minha casa mas vai encontrar eu e Luana no lago daqui a algumas horas. É tudo que eu sei, ela não me falou mais nada. Só disse pra levar roupas, comida e irmos de tênis.

—Isso vai ser uma bagunça...

—Bem, você conhece Luana... – Rafa comentou ao telefone. Marina apenas concordou e desligou enquanto avisava o pai que ficaria uns dias na casa de Rafaela.

***

Luana estava deitada na grama enquanto admirava o sol. Estava um dia lindo, elas deram sorte...

Rafa e Marina já deviam estar a caminho, Luana sorria ao imaginar a curiosidade das duas. Ela não dera nenhuma indicação de para onde iam, tudo que dissera foi para se encontrarem no lago onde três bicicletas estavam encostadas em uma árvore perto dela. Ah, isso era outra coisa que não tinha dito às meninas, elas iriam pedalar até o destino delas, nada de carro.

—Por favor, me diz que você não fumou maconha – Marina pediu. Luana abriu os olhos ainda sorrindo.

—Claro que não, eu preciso fumar maconha pra ficar feliz? – Luana se levantou com um sorriso enorme no rosto.

Marina a olhou desconfiada, a loira não conseguiu evitar rir ao ver a expressão da amiga.

—Não sei, só sei que você está me assustando com essa cara feliz e esse sorriso de tonta...

—Só diz isso porque você teve uma semana de merda – Luana deu uma piscadinha e olhou para a entrada do bosque de onde Rafaela chegava caminhando lentamente.

—Acontece... – Marina comentou quando Rafa chegou até elas.

—Então? O que vamos fazer? – ela perguntou olhando para Luana, a loira conseguia ver toda a apreensão que ela tentava esconder sem sucesso e isso a deixou satisfeita. Ela sabia que com Marina se passava a mesma coisa mas ela era melhor em esconder seus sentimentos do que Rafaela.

—Bom, tudo que vocês tem que fazer é me seguir nas bicicletas... – Luana começou.

—Espera! – Marina a interrompeu –Vamos pedalar até o lugar?

—Sim – Luana disse sorrindo.

—Sabe quanto a minha bolsa está pesando? Além do mais, não sabemos até onde você quer ir. E se você nos fizer pedalar até Manaus? Vamos morrer no meio do caminho...

—Então torçam para eu não querer ir pra Manaus... – Luana deu as costas e montou em uma das bicicletas –Vocês vem ou não?

Marina olhou para Rafaela que parecia tão perdida quanto ela.

—Vai ser divertido – a garota tentou encorajar a amiga.

—Diga isso de novo e juro que vou te empurrar na frente de um caminhão – a loira respondeu mas por dentro estava ansiosa e mal podia esperar para seguir Luana.

As duas montaram nas bicicletas restantes e Luana começou a pedalar. O lago já era praticamente nos limites da cidade então não demorou muito pra elas chegarem na estrada que estava praticamente vazia visto que era quarta-feira. Luana pedalava animada e de vez em quando olhava para trás lançando um sorriso para as amigas.

Rafa não pôde deixar de pensar que aquele momento foi um dos melhores que as três amigas tiveram nas últimas semanas. Marina ria e de vez em quando gritava com Luana para ela ir mais devagar mas logo reclamava que ela era lenta demais e a loira de olhos cinzentos voltava a pedalar mais rápido. Quando Marina começava a falar um milhão de palavrões, Luana olhava para trás rindo e sorria para elas. Rafa pensou que o sorriso de Luana nesses momentos era a coisa mais linda que ela já havia visto. Não estava cheio de ironia e sarcasmo como de costume mas sim carregado de felicidade verdadeira e ela desejou intensamente que a amiga sorrisse assim mais vezes.

O cheiro da estrada era como uma droga para elas e as fazia se sentir como se estivessem em um sonho, era libertador. Era um misto de liberdade e perigo que nunca haviam sentido. Ninguém sabia onde estavam e isso era emocionante mas também era assustador pois se algo desse errado não haveria ninguém para salvá-las. Por mais incrível que parecesse, isso as fazia querer ir mais longe e não parar. Talvez pudessem pedalar até suas pernas desgrudarem dos seus corpos tamanha era o êxtase que sentiam...

Mas perceberam que Luana começara a pedalar mais devagar e isso significava que estavam chegando perto do lugar onde a loira queria leva-las. Rafa e Marina não faziam ideia de onde estavam mas sabiam que já pedalavam havia horas e deviam estar bem longe de Quixote.

—É por aqui! – Luana gritou e desviou a bicicleta para fora da estrada. Entraram então em uma estrada de terra onde era desconfortável pedalar e logo sentiram as pernas começarem a doer. A dor nas pernas piorou depois que começaram a pedalar em um morro. Rafa sentia as coxas queimarem mas não faria as meninas pararem agora, deveriam estar tão perto...

Marina pensava a mesma coisa, não iria parar. Estavam todas a ponto de pedir uma pausa quando chegaram ao topo... E tudo pareceu valer a pena.

O sol já estava quase se pondo e o céu adquirira uma coloração dourada. As três amigas pararam para admirar a vista, era como se elas estivessem acima de tudo. Era como se tivessem encontrado o ponto mais alto do universo e, agora que estavam lá, não queriam mais descer.

Podiam ver hectares infinitos de campos se prolongarem até o horizonte. Conseguiam ver casinhas simples feitas no meio de plantações e as luzes de alguma cidade grande bem longe mas elas não faziam ideia de que cidade era essa. Isso era um sinal do quão longe estavam de Quixote.

—Não é o suficiente pra fazer vocês se sentirem melhor depois de todas as merdas que tem acontecido? – Luana virou-se para elas e sorriu, o mesmo sorriso cheio de felicidade que dera durante a ida –Não faz vocês sentirem como se ainda valesse a pena viver nesse mundo?

—Com certeza – Marina respondeu, Rafaela continuou calada desejando que aquele momento durasse para sempre.

***

Depois de escurecer, elas montaram a barraca que Luana trouxera e fizeram uma fogueira no topo do morro. Observavam os quilômetros de tranquilidade e quietude que se estendiam logo abaixo delas em silêncio.

—Ainda vamos ter mais dois dias pra fazermos o que quisermos até precisarmos voltar – Luana comentou quebrando o silêncio –O que querem fazer?

—Eu poderia ficar deitada aqui pra sempre... – Rafa suspirou e Marina e Luana sorriram para ela.

—Eu também – Marina concordou –Mas, Luana, a especialista aqui é você. Não tenho ideia de onde estamos e do que pode haver por aqui perto que seja melhor do que isto... Sinta-se à vontade pra decidir por nós.

—Agora vocês confiam em mim pra tomar as decisões? – Luana lançou um olhar interrogativo à loira –Pensei que eu fosse imprudente e irresponsável...

—E é! – Marina riu e continuou –Mas de vez em quando a sua inconsequência nos presenteia com alguma coisa que vale a pena.

Luana sorriu e voltou a ficar em silêncio. Disse logo em seguida:

—Tenho um mapa na minha bolsa com alguns lugares marcados onde podemos ir. Quem sabe fazemos um tour pelo interior de Santa Catarina? Desde que não fique muito longe de Quixote, claro...

—Ou podemos fugir – Rafa comentou inocentemente mas as duas amigas a encararam um pouco surpresas e foi aí que a garota percebeu o significado que suas palavras tiveram nas outras duas.

Elas não viam a hora de ir embora, as três. Depois de todas as merdas que tinham acontecido, não havia nada que todas elas quisessem mais do que isso. Elas poderiam simplesmente sumir, ninguém as acharia nunca mais mas Rafa sabia a responsabilidade que carregavam, sabia que havia pessoas que as amavam e não poderiam fazer isso. A garota não pôde deixar de pensar que o amor era como uma prisão às vezes.

—Bem ousada você... – Luana riu e lançou um daqueles seus sorrisos cheio de ironia para a amiga mas Rafa ainda conseguia ver em seus olhos aquele brilho, aquela vontade de fazer o que não podiam e desaparecer para sempre juntas.

—Verdade – Marina comentou também rindo –Mal reconheço você, Rafaela. Parece que, de todas nós, você é a mais próxima à dose violenta de qualquer coisa.

—Acha que ela está trapaceando e procurando sem a gente, Marina? – Luana se virou para a outra loira –Porque se estiver, vamos esperar ela dormir e ir embora. Vamos deixar ela pra trás por ser tão desleal com a gente...

—Acho justo! – Marina concordou –Podemos amarrá-la e jogá-la do morro também!

—Perfeito – Luana concordou.

—Vocês são umas idiotas – Rafa comentou rindo –Eu nunca faria nada sem vocês. Estamos juntas nisso, vocês sabem...

Luana e Marina olharam para Rafaela com sorrisos brilhantes e poucas coisas poderiam ter feito ela mais feliz do que aquele momento entre as três.

—Bom, acho melhor irmos dormir – Luana se levantou e começou a chutar terra em direção à fogueira para apaga-la –Vamos ter dias bem cansativos pela frente.

As outras duas concordaram e se acomodaram na barraca. Rafa observou através do tecido da barraca o fogo ficar cada vez mais fraco até desaparecer. A última coisa que sentiu antes de desmaiar de cansaço foram os braços de Luana abraçando sua cintura.


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