O milagre de uma lágrima escrita por NanyBecks


Capítulo 6
Momentos


Notas iniciais do capítulo

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

Fernando Pessoa.



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No capítulo anterior: Angélica e Victor se encontraram no La Porte.

Victor: Você que deveria estar olhando para frente e não mexendo no celular enquanto anda. -Respondeu rude-
Angélica: Quem é você?

     Quem é esse garoto para dizer o que eu deveria ou não estar fazendo? Pensou Angélica. Victor continua:

Victor: Victor e você?
Angélica: Angélica. -Apresentou-se- Nunca te vi por aqui. Está procurando alguém?
Victor: Não. Eu me mudei pra cá ontem.
Angélica: Ahhh! Então quer dizer que é o vizinho novo que as meninas tanto falam.
Victor: Então já ouviu falar de mim.
Angélica: E de seu amigo também.  -Puxou pela memória- Cléris não é?
Victor: Nossa! Vejo que está muito bem informada.
Angélica: Não tem muita coisa que passe despercebido por algumas pessoas do condomínio, principalmente pela Cibele.
Victor: Sei quem ela é.
Angélica: Quem não sabe e então... Por quê se mudou para cá?
Victor: Eu era de São Paulo. Minha mãe conseguiu um emprego aqui e acabamos vindo para cá.
Angélica: E sua mãe trabalha com o quê?
Victor: Ela é diplomata.
Angélica: E seu pai?
Victor: Eu não tenho pai. Ele morreu à 3 anos. Eu tinha 13 anos e meu irmão 4. -Entristeceu-se- Me desculpe não querer falar mais sobre isso.
Angélica: Tudo bem! -Deu de ombros-
Victor: E você?
Angélica: Eu vivo aqui desde que nasci. Moro com minha mãe.
Victor: E seu pai?
Angélica: Meu pai é ausente. Não tem tempo para nossa família. Ele é médico mas prefere muito mais estar com seus pacientes do que comigo e com a minha mãe.
Victor: Entendo, mas é por uma boa causa, não?
Angélica: Que boa causa pode ser melhor que a família da gente? -Questionou-
Victor: Você tem razão.
Angélica: E o que achou daqui?
Victor: Não tenho muito o que dizer. Ainda não conheço o bairro e nem meus próprios vizinhos.
Angélica: Aqui é meio entediante. Não tem muito o que fazer. 

     Ouve-se um barulho no celular. Angélica olha e é uma mensagem de André continuando a conversa por SMS que ela não deu continuidade desde que cruzou com Victor.

—Eu já vou. -Finalizou desligando a tela do celular-
Victor: Tchau e... Prazer, Angélica! -Fitou-a-
Angélica: Até! -Sorriu-

     Angélica saiu do La Porte ligando a tela de seu celular para responder André enquanto tomava seu cappuccino. Já são três horas da tarde e eles tinham que decidir logo aonde iriam. Victor fica à olhá-la sair. Aquela menina linda parece não ter um gênio fácil mas ela tinha algo de especial que ele ainda não conseguira decifrar. Ao mesmo tempo em que se mostrava uma menina rude, sua essência denunciava uma menina extremamente frágil. Victor sentiu seu coração vibrar ao vê-la, uma sensação que jamais sentiu com qualquer outra garota com quem já se relacionou. Não foi apenas sua beleza que lhe chamou a atenção. Já havia visto meninas tão belas quanto Angélica mas não deixou de sentir aquele frio na barriga ao encontrá-la por acaso. Ele fica a olhá-la entrar em casa sem entender muito bem o que aconteceu naquele encontro casual e ao vê-la fechar o portão vai até Simone para comprar a torta pedida por sua mãe.

     Um carro Aston prata adentra o condomínio. É Ventura que acabara de chegar de seu exaustivo plantão de 12 horas no HUE. O que mais deseja é chegar em casa e ficar com sua família. Espera que Angélica esteja em casa para que possam fazer alguma coisa juntos como andar de bicicleta ou jogar um jogo em seu Xbox enquanto Sônia com certeza ficará a preparar um lanche super gostoso para eles como sempre faz. 

Casa da família Mercantelly Alves

      Ventura estaciona seu carro na enorme garagem de sua casa e sobe as escadas que dá para a imensa sala do primeiro andar. A casa está silenciosa. Sônia deve estar na cozinha e Angélica em seu quarto como de costume. Ele então sobe as escadas que dá para a sala do segundo andar.

Ventura: Boa tarde família! Mas será que não tem ninguém para me receber? -Gritou chegando na sala-

     Sônia que estava na cozinha preparando algumas coisas coisas para o lanche da tarde chega à sala secando as mãos na toalha.

Sônia: Amor! Não te ouvi chegar. Você não ia chegar só mais tarde? -Deu-lhe um beijo-
Ventura: Surpresa! -Sorriu-
Sônia: Você sempre me surpreendendo danado. -Abraçou-o-

     Sônia estava feliz por tê-lo em casa tão cedo. Já tinha algumas semanas que ela não podia contar com sua presença nas tardes de finais de semana.

Ventura: Cadê nosso anjo indomável?
Sônia: Angélica? Saiu!
Ventura: Não avisou onde ia? -Sentou-se no sofá-
Sônia: Saiu aqui no condomínio mesmo.
Ventura: Ela te falou sobre esse suposto "amigo?"
Sônia: Não me deu detalhes, apenas que o conhece do colégio e é do 2 ano. Nada além disso.
Ventura: Angélica está entrando em uma fase complicada e este silêncio não é nada bom. Não sabemos nada desse garoto com quem se relaciona sabe-se lá desde quando. -Preocupou-se-
Sônia: Não acredito que Angélica esteja gostando de verdade dele. Não a vi falar dele com tanto entusiasmo como quando acontece numa paixão.
Ventura: De qualquer jeito acho que devemos pelo menos conhecê-lo.

     Angélica que se perdeu conversando com André por SMS no jardim de sua casa nem vira seu pai chegar. Não que ela estivesse esperando-o mas gostava quando chegava cedo como na tarde de hoje. Ela entra pela cozinha dirigindo-se à sala respondendo André. Finalmente conseguiram chegar em um acordo de onde irão mais à noite.

Sônia: Oi filha! Onde estava?
Angélica: Fui comprar um cappuccino no La Porte. -Guardou o celular no bolso no short-
Ventura: Filha, estávamos pensando, sua mãe e eu de chamarmos esse seu amigo com quem saiu para um almoço aqui em casa. O que acha?
Angélica: Péssimo! Isso só podia ser ideia sua.
Ventura: Mas qual é o problema em conhecer o amigo com quem minha filha sai?
Angélica: O problema é que ele não é meu namorado. Não faz nenhum sentido trazê-lo aqui para almoçar. Pirou? -Olhou para seu pai indignada com sua proposta-
Sônia: Nós só queremos saber quem é o garoto sendo ele namorado ou não filha. Qual é o problema? Nós conhecemos todos os seus amigos independente disso.
Angélica: Mãe, eu não vou trazer o André aqui! -Finalizou-
Ventura: Olha, descobrimos o nome. Já estamos caminhando. -Brincou-

     Angélica suspirou irritada.

Angélica: O que mais querem saber dele? Telefone? Endereço? -Ironizou-
Ventura: Conhecendo ele já nos basta. -Concluiu-
Angélica: Não sei porquê levam isso tão à serio. A gente só saiu uma vez. Vou tomar banho e antes que me esqueça de avisar, eu vou sair com o André.
Ventura: E aonde vocês vão?
Angélica: Isso é importante?
Ventura: Claro que é! Você não é uma adulta para sair e fazer o que bem quiser sem avisar ninguém.
Angélica: Vou ao cinema. Satisfeito?
Ventura: Satisfeito.
Angélica: Será que eu posso tomar banho agora?
Ventura: Pode.

     Angélica retirou-se da sala em direção à seu quarto. Tinha que se aprontar logo. A sessão é as 18 e ela demora quase 2 horas para ficar pronta. Sônia que ficara a observar a filha adentrar o corredor comenta:

Sônia: Eu disse. Não se consegue tirar nada dessa menina.
Ventura: Isso me preocupa e muito.
Sônia: Quem diria... Nossa filha começando a se envolver amorosamente. O que acha disso?
Ventura: Ahn?

     Ventura perdeu-se em seus pensamentos e não ouvira nada do que Sônia lhe dissera. Ele não estava preocupado por não saber com quem a filha estava se envolvendo mas sim com a possibilidade de sair de vez de sua vida. Por sempre terem mantido uma relação de muita proximidade, Ventura sente-se enciumado com a possibilidade de alguém envolver-se com sua filha e tomar o lugar que até então sempre fôra dele. Sônia repete sua pergunta:

Sônia: Eu perguntei o que acha da Angélica estar meio que namorando alguém?
Ventura: Não sei se tenho condições de opinar sobre isso Soninha. -Respondeu em um suspiro preocupado-

     Sônia é uma boa esposa e mãe mas não consegue perceber alguns detalhes que às vezes acabam sendo de suma importância para o desenvolvimento de uma boa relação. Ela poderia ter sentado ao lado de Ventura e perguntado o porquê de seu incômodo frente à um possível namoro de Angélica já que estava nítido em seu semblante mas ela não se atentou à isso e foi para a cozinha retirar o bolo do forno já que sentiu o cheiro de queimado. Ventura continuou sentado no sofá pensativo. Foi-se embora seus planos de fazer algo com a filha. Obviamente, ela não abriria mão de sair com o possível namorado para fazer algo com ele que tanto deixou a desejar com sua família.

     Já é de tardezinha. O relógio marca 18 horas. Carlos e Clara saíram logo após o almoço e foram passear pela Lagoa. Ambos ficaram um bom tempo vendo algumas pessoas fazerem manobras de patins no Parque e em seguida seguiram para o Jockey. Clara faz hipismo à 3 anos e chegou a competir algumas vezes. Ela tem um cavalo chamado Polly e o mantém em um lugar próprio no Jockey para que cuidem dele já que não tem qualquer espaço para deixá-lo. Érika não deixa de reclamar todos os meses quando fecha a conta mensal de reclamar do enorme dinheiro gasto na manutenção do cavalo que para ela, é uma tremenda besteira. Carlos comprou Polly quando era ainda um filhote e Clara sempre nutriu um imenso carinho por ele. Ela visita-o 3 vezes na semana quando tem suas aulas de hipismo e desfazer de Polly à essa altura lhe causaria muito sofrimento.  

Praia da Lagoa

     Carlos e Clara estavam correndo pela orla da praia à quase 1 hora. Ele e Érika sempre realizavam essa atividade juntos desde que se conheceram. Ele queria uma melhor qualidade de vida já que era fumante à quase 20 anos e ela queria manter a forma. Depois de tudo que aconteceu, Carlos passou a realizar essa atividade sozinho até que Clara aos 13 anos optou por uma vida mais natural e se ofereceu para correr junto com ele. Eles até chegaram a correr na maratona no final do ano passado só por hobby. Carlos adorou a ideia de ter a filha como companheira, assim, poderia dedicar à ela todo o tempo que necessita. 

Carlos: Chega! Corremos o suficiente. -Disse cansado sentando-se na areia-
Clara: Acho que se treinarmos um pouco mais dá pra correr a maratona no fim do ano que vem. -Sentou-se à seu lado-

     Carlos e Clara carregavam uma garrafa de água nas mãos. Enquanto Clara toma um gole Carlos molha a cabeça com o restante da água que ainda há em sua garrafa.

Carlos: Nossa! Achei que você fosse falar deste ano.
Clara: Deste ano sem chance pai. Já estamos quase no fim do ano.
Carlos: Sabia que estava sentindo saudades de fazer um programa assim com você? -Olhou-a com ternura-
Clara: Uma pena a mamãe não ter vindo.
Carlos: Deixa sua mãe com as coisas dela. Já tivemos inúmeras discussões por isso e nunca resolveu nada.
Clara: Tenho medo de que vocês se separem por conta disso. -Preocupou-se-

     Mesmo que Érika seja uma mulher distante e que muitas vezes acaba trazendo solidão à Carlos, Clara não quer que sua família se separe. 

Carlos: Nunca pensei em separar da sua mãe por mais distante que ela estivesse. Apesar de tudo, eu ainda a amo.

     O apesar de seu pai chamou a atenção de Clara para algo que possa estar acontecendo sem que ela pudesse estar sabendo. É certo que seus pais tem inúmeros problemas por conta da vida que Érika optou levar. Já ouvira muitas brigas de ambos de seu quarto mas será que haveria algo mais além disso? Curiosa ela pergunta:

Clara: Por quê disse apesar de tudo? 
Carlos: Porque sua mãe não é mais a mesma de 7 anos atrás. Nem a mesma de quando nos conhecemos, mas você não tem que se preocupar com isto. É problema de adulto.
Clara: Mas você é meu pai e eu me preocupo com você e com a minha mãe também mesmo que às vezes eu ache que a pior coisa na vida dela parece ter sido eu. -Lamentou-
Carlos: Filha, sua gravidez foi uma surpresa para nós mas não foi indesejada, muito pelo contrario, sua mãe e eu ficamos radiantes com a notícia. O fato da sua mãe ser distante agora não indica que ela não te ama. Por acaso você não lembra dos momentos bons que tiveram? Quando viajamos para a Itália ou para a França? Dos passeios no zoológico?

     Carlos mentiu ao dizer Érika ficara feliz com a gravidez. Essa é uma mentira que ele faz questão de não desmentir. Se Clara já acha que é um problema na vida de sua mãe sabendo que foi uma gravidez desejada o que sentiria ao saber que Érika já pensou por várias vezes em abortá-la por nunca desejar ser mãe? Há verdades que não precisam ser ditas e essa é uma delas.

Clara: Pai, eu era pequena. Não consigo me lembrar de muitas coisas.
Carlos: Pois estes momentos sempre existiram mesmo que você não se lembre deles.
Clara: Tenho fé de que isso tudo mude.
Carlos: Estou morrendo de sede e minha água acabou- Sacudiu a garrafa- O que acha de tomarmos uma água de coco e depois dar uma volta no parque?
Clara: Eu acho ótimo! -Entusiasmou-se-
Carlos: Então quem chegar por último no quiosque vai ter que beijar um sapo. 
Clara: Eca!!! -Reclamou com cara de nojo-

     Carlos levantou-se correndo em direção à água de coco. Que disposição ele tem para atividades físicas. Clara já está com dificuldade de se levantar da areia que dirá correr até o quiosque. Carlos que corre mais à frente a olha sentada ainda na areia e gesticula para que se levante e o siga. Clara ri da expressão engraçada de seu pai e levanta-se da areia correndo em sua direção. Com dificuldade para correr por estar de tênis aproxima-se de Carlos que a abraça carinhosamente e em uma conversa animada seguem até a água de coco um pouco mais à frente.

     O condomínio está bastante movimentado por conta do La Porte. Ainda é cedo para que as meninas estejam lá, elas preferem sair um pouco mais tarde quando o movimento é maior. A família de Mariane respira um ar mais sereno. Desde que Rogério saiu do hospital tem se mantido em casa e se dedicado aos cuidados da sua filha mais nova. Cristina acredita que dessa vez possa haver uma possibilidade de mudança. Já Mariane, conhece muito bem o capitulo dessa novela e sabe que sua saída para procurar bebida é só uma questão de tempo. Já dera muitos votos de confiança à seu pai e ele nunca conseguiu cumprir nenhum deles. A única coisa que espera é passar para uma faculdade onde possa estar bem longe da família.

Casa da família Fernandes Grácia

    Mariane está em seu quarto com Cristina e Anabela. Em frente ao espelho preso em uma das portas de seu guarda-roupa ela experimenta um de seus vestidos da festa de 15 anos que ocorrerá no sábado que vem em uma casa de festas muito conhecida no Rio. Adepta de nenhuma dessas convenções sociais, Mariane achou todo o gasto milionário com sua festa desnecessário. O dinheiro que gastaram dava para pagar quase 1 ano de mensalidade no CVM mas Cristina não poupou esforços para dar à filha a festa de seus sonhos. Ela realizou por anos alguns bicos com cabelo escondida de Rogério para compor o que faltava para a festa já que Mariane exigiu que não queria qualquer dinheiro de seu pai envolvido nela. Ter a ajuda financeira de Rogério implicaria em automaticamente convidá-lo para a festa, coisa que ela não queria. Ao vê-la experimentar um de seus vestidos de festa Cristina comenta:

Cristina: Você vai ficar linda no seu vestido!
Mariane: Ai mãe! Eu não sei para quê dois vestidos. Que bobagem! -Reclamou-
Cristina: Filha não reclame. Foi tudo feito com muito carinho para você.
Anabela: O papai estava experimentando o terno dele hoje. Disse que estava guardando para sua festa Mari.

     Cristina e Mariane se entreolharam após o comentário cheio de entusiasmo de Anabela. Ela ainda não sabe que seu pai não foi convidado para a festa e Cristina nem imagina qual desculpa dará quando à filha não vê-lo na festa. Mariane sem querer dar continuidade à conversa iniciada por Anabela muda de assunto.

Mariane: Os convites já foram todos enviados não é mãe?
Cristina: Sim. Nós não temos muitas pessoas para chamar. Minha família mora longe e a do seu pai nem ele sabe onde encontrar.
Anabela: Por quê o papai não conhece a família dele mãe?

     Rogério era de Minas Gerais e rompeu o contato com sua família aos 18 anos quando mudou-se para o Rio para estudar Matemática. Ele não suportou todas as imposições dadas por sua mãe em relação à sua questão com a bebida que desenvolvera desde os 15 anos. A mãe de Rogério nunca conheceu o pai de seus 3 filhos e teve que criá-los sozinha. Todas ás vezes que se envolveu sexualmente com alguém estava bêbada e por isso o esquecimento. Rogério após uma briga agrediu-a tão intensamente que seus irmãos o proibiu de aproximar-se de sua mãe e consequentemente, deles. Cristina já fizera contato diversas vezes com a família de Rogério para pedir ajuda financeira em relação à seu vício e foi ignorada todas ás vezes com o discurso de que o irmão está morto, principalmente por sua mãe que acabou desenvolvendo uma lesão cerebral por conta das pancadas que levou. Agora ela não tem mais qualquer contato telefônico caso precise. Nenhuma de suas filhas sabem dessa história, Cristina achou prudente não relatar essa parte íntima da vida de seu marido às meninas e prossegue com a mentira: 

Cristina: Porque ela mora bem longe daqui.
Anabela: Mas hoje tem internet, tem chat que dá até pra falar por vídeo. Não importa muito se ela mora longe. -Indagou-
Cristina: Você adora se meter em conversa de adulto não é?

     Essa pergunta é bastante clichê quando Cristina vê-se encurralada por algumas colocações de Anabela. Mariane apesar de não saber da verdade imagina que o motivo do não contato de Rogério com a família deve-se à seu problema com a bebida. Se ele foi capaz de agredir ela e Cristina, provavelmente, agrediu também sua mãe em algum momento da vida. Anabela justifica-se:

Anabela: Ué, não tenho nenhum amigo para conversar mãe. Eu nem posso ter celular para conversar com minha amiga.
Cristina: Criança não tem celular. Criança tem que brincar. -Disse com firmeza-

     Anabela é a única criança do condomínio e da escola que não ostenta celular caro em suas mãos. Cristina nunca concordou que crianças utilizassem esse aparelho para se divertir. Como manda o bom figurino da educação que teve, criança tem que brincar com brinquedos, sujar-se de areia e andar descalça e não utilizar-se de aparelhos que a prendam em uma única atividade. Mariane só ganhou seu celular aos 13 anos quando passou à ir para a escola sozinha, pois poderia precisar fazer contato com Cristina para avisar que chegou e que saiu da escola. Anabela continua com sua reclamação:

Anabela: Sozinha não tem graça né mãe.
Cristina: Você pode chamar uma amiga da escola para vir te visitar filha.
Mariane: Para o Rogério matar a menina de medo? -Brincou com um tom venenoso-
Anabela: Por quê? Meu pai gosta das minhas amigas.

     Anabela não entendeu o comentário tão ardiloso feito à seu pai. Ela não podia reclamar, Rogério sempre foi gentil com todas suas coleguinhas de escola. Por quê Mariane estaria dizendo que ele colocaria medo em suas amigas? Cristina sem querer dar brecha para que o assunto prossiga desconversa:

Cristina: Mariane, me mandaram as fotos da decoração da sua festa. Você quer ver?
Mariane: Claro mãe. -Sentou-se à seu lado-
Anabela: Eu quero ter uma festa de 15 anos bem bonita também mãe! Quero entrar com aqueles vestidos grandes de princesa e com uma rosa na cabeça. -Fantasiou-
Cristina: Meu Deus! Ainda tem 8 anos pela frente. Espero até lá ter conseguido juntar dinheiro para dar uma festa pra você também filha.
Anabela: Pode ter o painel das princesas?
Cristina: Pode filha. Pode ter o que você quiser. -Sorriu-
Anabela: Oba! Eu estou doida para fazer 15 anos. -Comemorou-
Mariane: Me mostra as fotos mãe.
Cristina: Está aqui no celular. Vem ver.

      Cristina ligou a tela do celular e procurou em seu whatsapp algumas fotos da festa para mostrar à filha. Anabela fica à olhar as fotos encantada. Ela diferente da irmã sonha com uma festa como as das atrizes que acompanha nas novelas infantis que assiste. Mariane fica à olhar sem muito entusiasmo. Claro que sua mãe estava projetando nela a festa de aniversário que nunca teve, mesmo assim, tenta demonstrar interesse afinal, sua mãe batalhou para fazer o melhor que podia para proporcionar esse momento especial e ela deve ao menos, ser grata à tudo que fizera. 

     Angélica está se arrumando à quase 2 horas. O som alto do La Porte adentra diretamente em seu quarto e por isso ela está ouvindo Mozart às alturas para que não possa ouvir todo o barulho das músicas eletrônicas que toca todo sábado e que considera uma barulho sem fim. André já deixou pelo menos umas 6 mensagens dizendo que está esperando-a na portaria do condomínio mas por conta do som nem conseguiu ouvir o toque no celular. Angélica então termina de se arrumar. O imenso calor a obriga usar um vestido colorido de alça acima dos joelhos e uma sandália de salto que não uma das suas preferências para uma simples ida ao cinema. Animada ela pega sua bolsa e desliga seu som. Ventura e Sônia estão na sala assistindo à TV e rindo do programa de comédia que passa em um canal da TV à cabo. Sem dizer qualquer palavra, Angélica cruza à sala seguindo as escadas que dá para o andar inferior. Ventura observa-a sair como sempre muito bela mas prefere não comentar nada, não quer criar uma situação constrangedora em um momento que para a filha parece ser bem especial. Ao pegar seu celular, Angélica depara-se com as inúmeras mensagens de André que já está esperando-a com o motorista à quase 10 minutos. Ela então abre o portão e avista Victor conversando com uma outra pessoa em uma das mesas externas no La Porte, curiosa ela segue até eles tapando seus ouvidos por conta da música alta. Como é insuportável esse tipo de música!

La Porte

     Cléris fôra incumbido por sua mãe Elisa de fazer com que Victor sinta-se bem no novo condomínio. Elisa conhece bem o jeito introvertido de Victor e acredita que Cléris com toda sua extroversão possa ajudá-lo a adaptar-se. Cléris que estava ajudando seu pai com resto da montagem de alguns móveis passou na casa do amigo e o chamou justamente para o lugar que mais detesta frequentar, pubs. Victor não é nem de perto um apreciador de música alta, baladas e barzinhos noturnos. Ele gosta de tudo aquilo que todos os meninos de sua idade consideram careta como museus de arte, atividades ao ar livre e uma boa música que nada tem a ver com esses estilos que Cléris insiste em querer que ele ouça. A única que coisa que tem em comum com o amigo é o gosto por vídeo-game e isso é o que faz a amizade ser tão duradoura. Emburrado em uma das mesas, Victor está à olhar toda aquela diversão com tédio. Ele queria mesmo era estar em casa e terminando de cumprir as missões em seu GTA que deixou em aberto desde que saiu de São Paulo.

Cléris: Muda de cara Victor! Aqui não é tão ruim assim.
Victor: Não disse isso. Só estou tentando me adaptar.
Cléris: Veja o lado bom das coisas. Olha quanta gata tem nesse La Porte.

    Victor olhou para o ambiente interno do La Porte onde alguns jovens dançam e bebem alegremente e comentou:

Victor: Nenhuma que me interesse.
Cléris: Ninguém quer que você arrume um compromisso. Apenas que se divirta.

     Angélica entra no La Porte e dirige-se à mesa de Victor.

Angélica: Olha quem eu encontro aqui. -Cumprimentou-
Victor: Oi Angélica! Esse é Cléris, meu amigo. -Apresentou-
Angélica: Ahh! Quer dizer que você é o famoso Cléris? Já ouvi falar de você.
Cléris: Olha que maravilha! Adoro estar na boca de garotas lindas assim como você. -Disse com safadeza-

      Cléris levantou-se de onde estava e deu-lhe um beijo no rosto. Angélica não esboçou qualquer reação com a atitude daquele menino atirado que acabara de conhecer. Além de já estar acostumada com esse tipo de cantada, ela definitivamente não tem qualquer tolerância para garotos com esse tipo de atitude e lançou para Cléris um olhar de desprezo. Victor ao perceber a reação da colega muda de assunto.

Angélica: Senta Angélica e não liga para as cantadas baratas do Cléris.

     Angélica sentou-se em uma das cadeiras vazia da mesa.

Cléris: Não custa tentar. Vai que cola? -Sentou-se onde estava-
Victor: Bebe alguma coisa?
Angélica: Não. Já estou de saída. Vim só cumprimentar você.
Cléris: De verdade? -Estranhou-
Angélica: Algum problema? -Perguntou rude-

    Cléris já estava ficando deveras chato com suas cantadas e indiretas e ela sem paciência.

Cléris: Não. Nenhum. -Respondeu com um sorriso no canto dos lábios-

     Cléris percebeu o interesse mútuo entre Angélica e Victor. O amigo havia mudado sua fisionomia assim que Angélica aproximou-se e ela por sua vez, não iria lá apenas para cumprimentá-lo. Ele conhece bem as garotas e nenhuma delas tomaria aquela atitude se não estivesse interessada em alguém.

Angélica: Então você também vem morar aqui no condomínio?
Cléris: Semana que vem. Já vi que aqui tem muita menina gata. -Fitou Angélica-
Victor: Pára Cléris! -Interveio-

     Seu amigo já estava começando a ser inconveniente jogando sua cantada para Angélica que demonstrou desde o início não tolerar brincadeiras como essa.

Angélica: E da onde vocês se conhecem?
Cléris: Somos amigos de infância. Sempre passamos as férias juntos em São Paulo. A minha mãe e a do Victor são melhores amigas. Você é amiga das Cibele e da Thaís?
Angélica: Sim. Somos amigas à um tempo. 

     Ouve-se um toque no celular. Angélica que trazia-o nas mãos olha para a tela. É outra mensagem de André querendo saber porquê ainda não apareceu. Teme ter levado um bolo da companheira e por isso a insistência.

— Eu preciso ir. -Levantou-se-
Cléris: Já?
Angélica: Já. Combinei de fazer algumas coisas por aí.
Cléris: Uma pena! -Lamentou-
Victor: A gente se fala depois? -Perguntou com certo entusiasmo-
Angélica: Claro! -Sorriu-

     Angelica saiu do La Porte respondendo a mensagem de André. Victor fica a observá-la sair. Não resta dúvida de que aquela menina linda mexe com ele, estava mais bonita com seu vestido e seu salto do quê quando a encontrou de blusinha, short e chinelo no La Porte. Não pôde esconder sua alegria ao vê-la se aproximar da mesa. Cléris que percebera o olhar de entusiasmo para Angélica comentou:

Cléris: Unnn! Acho que tem alguém à fim de uma garota nesta mesa e não sou eu.
Victor: Angélica foi só uma colega que conheci. -Disfarçou-
Cléris: E que colega hein! O quê acha dela?
Victor: Não começa Cléris...
Cléris: Victor, eu só quero saber se rola algo. Somos parceiros pô.
Victor: Não rola nada. Ela é bonita, apenas isso.
Cléris: E estupendamente sedutora. -Disse ao vê-la sair do condomínio- Cuidado, garota assim é fácil se enrolar.
Victor: Desde quando me viu erolado com alguém desde que terminei com a Patty?
Cléris: Bom, ela está à fim de você.
Victor: Bobagem! Nos conhecemos hoje. Como pode estar à fim de mim?
Cléris: Ai Victor! -Tédio- Você é tão desligado. Ela não viria aqui só pra te cumprimentar. Você está solteiro. Não tem nada à perder.
Victor: Eu não fico com mulher por ficar Cléris.
Cléris: Tudo bem, mas acho Angélica uma menina gata. É simpática. Vai que rola?
Victor: Pára de ficar dando uma de cupido pra cima de mim.
Cléris: Só quero que você perca esta cara de enterro nem que eu tenha que colocar uma menina no seu braço.

     Victor riu do comentário do amigo. Talvez nao fosse tão ruim assim se relacionar com Angélica já que sentiu algo por ela desde o primeiro momento que a viu. Algo nela os tornavam muito semelhantes, mas o que seria? Não se interessou por Angelica apenas por ser uma menina bonita, havia algo mais que ele não consegue entender. Como alguém que acabou de conhecer pode mexer tanto ao ponto de sentir sua respiração ofegante? O jeito para descobrir seria aproximar-se daquela menina linda mas distante de qualquer contato. Victor ficou à pensar em maneiras de aproximar-se sem dar qualquer atenção à conversa de Cléris que está à comentar sobre meninas dançando no interior do La Porte.

     Érika está na sala pensando em toda a vida que leva desde que sua mãe morreu. Quem a olha agora pensa que como a maioria que ostenta sua classe social, nasceu em berço de ouro mas com ela aconteceu o contrário. Filha única de uma família que vivia em um vilarejo na zona rural do Mato Grosso, nunca conheceu seu pai. Ele morreu em um infarto fulminante quando sua mãe estava grávida de 6 meses que desde então, criou Érika com todo esforço até que completasse a maioridade. As duas sempre foram confidentes uma da outra. Por Érika nunca ter amigos, sempre contou tudo à sua mãe isso as tornou além de unidas, dependentes emocionalmente uma da outra.
     Sempre ambiciosa, Érika queria concluir uma faculdade que lhe desse muito dinheiro. Amália, sua mãe, sempre achou os sonhos da filha desmedidos. Como uma menina da zona rural e com uma escolaridade ruim poderia ingressar em uma faculdade federal? Ela tinha era que terminar de estudar e trabalhar naquilo que oferecessem naquele pacato vilarejo, quizá conseguisse ser professora mas Érika sempre foi muito esforçada. Seu sonho era poder dar uma condição de vida melhor àquela que sempre cuidou dela com todo carinho. Quando completou 18 anos, Érika foi morar em um quartinho cedido por uma igreja católica para estudar pre-vestibular. Sem dinheiro, ela ajudava na limpeza e com alguns afazeres em troca de um lugar para dormir e se alimentar. Sua mãe achou uma loucura a filha sair de um vilarejo e se meter em uma cidade grande sem conhecer nada. Ouvia falar do Rio pelos noticiários e era inadmissível que Érika fosse para lá. Com certeza ela acabaria morrendo de fome mas isso não foi o suficiente para segurá-la. Érika juntou algumas roupas que tinha e em uma única mala e alguns trocados pegou o ônibus e se foi. Depois ela pensava no que fazer para se manter, mas o primeiro passo tinha que ser dado. Foi aí que ela encontrou a igreja que a abrigou por dois anos. Sem qualquer condição de bancar qualquer curso pré-vestibular, ela pegou todo o conteúdo programático da prova e todos os dias ia à biblioteca municipal. Estudava todos os dias 18 horas por dia. Sabia que a entrada em uma faculdade federal não era fácil e precisava se dedicar ao máximo já que ia disputar vaga com pessoas que sempre estudaram em bons colégios e puderam pagar bons cursos de pré-vestibular. Escolhera administração por conta da sua facilidade com números.
     Dois anos ela ficou nessa rotina de estudos. Cada reprovação no vestibular a incentivava à cada dia mais à seguir em frente e a não desistir daquilo que sempre desejou. Além disso, ela precisava mostrar à sua mãe o quanto era capaz de tornar alguém bem sucedida mesmo tendo sido criada em um vilarejo rural. Por residir em Mato Grosso, Érika só podia visitar a mãe uma vez por ano e era ás festas de fim de ano a data escolhida. Depois de dois anos de estudo intenso ela foi a primeira colocada no curso da UFTS. Além dela, tinha sido aprovada em outras duas Universidades Federais da cidade mas optou pela UFTS por ser mais perto da onde estava ficando no momento. Seis meses depois conseguiu uma bolsa de estudos dada pelo governo. Não era um dinheiro que possibilitava luxos, mas ajudava a dar uma vida confortável até que terminasse a faculdade. Ela então saiu de seu quartinho cedido pela igreja e foi morar com sua melhor amiga Marlene e mais 2 pessoas em uma república. Nessa época, a vida no Rio de Janeiro não era tão cara e até conseguia mandar uns trocados para a mãe.
     Érika estava no 2 ano da faculdade quando conheceu Ventura. Ele estava no 4 ano de Medicina e se conheceram cruzando o corredor. Hoje a UFTS tem um bloco para cada área mas à 20 anos atrás, todos os cursos se concentravam em um único bloco. Eles se formaram praticamente no mesmo ano. Antes de trabalhar no HUE e montar a Climédia, Ventura começou sua trajetória médica no Vitte, hospital onde Érika trabalha atualmente. Érika saiu da faculdade voltada à trabalhar com administração de empresas, administrar um hospital sequer passava pela sua cabeça já que acabou conseguindo trabalho na empresa onde fez estágio. Ventura pensando no bem estar da mulher que sempre amou e também em uma forma de ficar mais próximo dela já que sua residência consumia quase que seu tempo total, ao saber de um processo seletivo para duas vagas de administração que abriu no hospital achou que pudesse ser uma boa para sua namorada. Érika de jeito nenhum queria sair da empresa que ficou por 1 ano para se meter em um lugar que não gostava e sequer conhecia, mas Ventura com seu discurso de ficarem próximos e principalmente, pelo salário ser um pouco maior convenceu-a a fazer o processo. Erika e Marlene que estava sem emprego na época acabaram ficando com as vagas. 
     Sete anos de intensa paixão e cumplicidade mútua uniram Érika e Ventura. Ambos vindo de outra cidade e tendo que se adaptar no corre-corre do Rio de Janeiro acabaram encontrando apoio um no outro. Érika ajudou Ventura a montar a Climedia, toda a decoração foi pensada por ela, eles até dividiram o mesmo apartamento por longos 5 anos até Érika conseguir todo o dinheiro para comprar a casa que reside atualmente. Claro que seu interesse era mudar-se para lá após casar-se com Ventura de quem estava noiva à 3 anos mas acabou percebendo que a relação não poderia continuar e rompeu com ele meses depois após a compra. Érika percebeu que não poderiam dar certo ao sentir-se pressionada pelos desejos de Ventura. Ele queria ter uma casa cheia de crianças enquanto ela nunca desejara ser mãe. Se as mulheres nascem com instinto materno ela era uma mulher diferente. Era abominável essa ideia e para não criar problemas para quem sempre amou, preferiu terminar a relação e manter a amizade com Ventura que dura até hoje. Ela conheceu Carlos e Ventura conheceu Sônia na mesma época, 3 meses após o rompimento e por uma ironia do destino, ás duas acabaram ficando grávidas também na mesma época. Ventura acabou comprando uma casa no condomínio e desde então Clara e Angélica são criadas juntas.

Casa da família Guimarães Diáz

     Érika sente-se solitária. Queria estar aproveitando o momento em família junto com Clara e Carlos que ela sequer sabe onde estão. Em sua memória surge a lembrança de 2 meses antes de seu casamento quando fez uma despedida de solteiro em sua casa. Ventura e Marlene estavam presentes, Carlos havia viajado à trabalho mas sabia da tal festa regada com muita comida e cerveja que Érika planejou dar. Se não tivesse bebido tanto não teria cometido o erro que cometera e que até hoje à atormenta. Como ela e Ventura poderiam ter tomado tal decisão? Eles só podiam estar mesmo bêbados. Quando voltou à si deu-se conta da besteira que tinha feito mas era tarde demais para voltar atrás e desesperada pediu ajuda à sua mãe que aconselhou a manter segredo afinal, ambas as famílias já estavam devidamente estruturadas. Érika conseguiu segurar bem tudo que sabe até que um aneurisma acabou por tirar a vida de sua mãe e agora ela não tem nada além de uma mala pesada sobre as costas. Sufocada e desesperada optou por afastar-se de qualquer pessoa que pode fomentar novamente essas lembranças e fazê-la lembrar que muitas vidas podem ser destruídas se não conseguir segurar seu segredo conforme prometeu à sua mãe em seu leito de morte. Érika seca as lágrimas, Carla acabou de entrar na sala onde está.

Carla: Dona Érika? Quer alguma coisa para a janta?
Érika: Não. Onde estão Carlos e Clara?
Carla: Saíram.
Érika: Não disseram para onde foram?
Carla: Não senhora. Acho que foram caminhar. Estavam falando sobre isso na hora do almoço.
Érika: Está bem Carla. Pode ir descansar.
Carla: Boa noite senhora.-Retirou-se. – 

     Érika sobe até seu quarto. Ao senta-se em sua cama pega na gaveta seu diário. Ela escreve diários desde que era ainda uma criança. Sua mãe disse que era muito importante escrever sobre tudo que não podia ou não quisesse falar e isso sempre a ajudou a entender seus sentimentos. Hoje ela tem um espaço no guarda roupa com caixas repletas de diários. Sua história está toda naquelas folhas de papel. Carlos sempre soube da existência dos diários de Érika mas sigiloso como é, nunca aproximou-se deles. Mesmo quando ela esquecia de guardá-lo em sua gaveta com chave ele pegava e colocava embaixo de seu travesseiro sempre alertando do perigo que é deixar coisas pessoais expostas. Dessa vez foi ele mas poderia ter sido a Carla ou até mesmo Clara. O respeito que Carlos tem por sua privacidade é algo que a faz admirá-lo ainda mais.  Ao abrí-lo, retira algumas fotos. A primeira, está com Ventura quando eram ainda noivos ficando a lembrar de alguns momentos que viveram juntos. A próxima foto, está com Clara pequena e Carlos, como se adoram! Pensou. Em seguida, pega uma foto em que está com Clara já com 7 anos e fica a lembrar dos momentos em que brincava com sua filha no jardim. Ao pegar outra foto em que está com sua mãe, fica a olhá-la começando a chorar. Por quê prometera tal coisa? Ela não devia e nem podia. Sente-se injustiçada, desprotegida e desamparada.

Érika: Mãe! Mãe quanta falta você me faz! -Disse chorando deitando na cama abraçada a foto-

     Cai a noite, todos estão se divertindo no La Porte, inclusive Cléris e Cibele que trocaram beijos na noite passada. Victor não aguentou todo aquele barulho e foi para casa. Ele preferiu instalar seu video-game e terminar de jogar seu GTA à ficar naquele espaço ensurdecedor e aguentando as garotas que Cléris insistia em arrumar para ele. Cléris é tão sem noção que chegou a sugerir que ficasse com Isabel que declarou mais de uma vez não se relacionar com meninos. Victor entende que o amigo só quer que ele fique bem e para não criar uma situação desagradável preferiu ir embora com a desculpa de que precisava ajudar sua mãe a terminar de ajeitar a casa.

Casa da família Grégis

  Lucas está alegre arrumando o quadro na parede da sala tentando achar qual é o melhor lado à ficar enquanto Olga tira da caixa algumas coisas ajeitando na prateleira. Victor fica sentado no sofá vendo tudo com certa austeridade. Ele e um objeto de decoração exercem a mesma função dentro da casa. Se não fosse Lucas e Elisa, talvez Olga não tivesse conseguido colocar tudo no lugar. Ela precisa deixar a casa mais ou menos organizada já que no dia seguinte começará à trabalhar.

Lucas: Mãe? Posso colocar esse quadro aqui? -Perguntou colocando o quadro na parede para que sua mãe olhe-
Olga: Pode meu filho. -Disse ao ver onde Lucas pretende colocar o quadro- Victor você vai ficar com essa cara até quando? -Perguntou ao vê-lo sentado no sofá pouco interessado em ajudar com a arrumação-
Victor: Até eu me acostumar com mais uma mudança.

     Olga senta-se ao lado de Victor aà fim de lhe explicar sua decisão.

Olga: Filho agradeça a Deus por temos conseguido essa casa por um bom preço senão não sei o que seria da gente. -Cochichou-

    Lucas finge estar arrumando o quadro e fica a prestar atenção na conversa. Ele não consegue entender com clareza o motivo de todas as mudanças repentinas que passou durante esses 3 anos. 

Victor: Por culpa dele que passamos por tudo isso. Além de ter nos deixado cheios de dívidas, nos desestruturou completamente. Me fez ter que me afastar dos meus amigos, do meu colégio. Estou aqui vendo você arrumar a mudança. Até quando vamos ficar vivendo em função de um morto que não fez nada para nos salvar? Só para nos prejudicar? -Disse com raiva-

    Lucas que escutava a conversa chateou-se. Não gosta quando Victor refere-se à seu pai com tanta severidade. O que ele teria feito para odiá-lo tanto? Se pergunta sempre que ouve o irmão à falar daquela forma.

Olga: Não fala assim do seu pai Victor! -Repreendeu-
Victor: Que pai? Uma pessoa que se mata não pode ser pai de ninguém. Não tem amor nem à si próprio. Por quê eu tenho que respeitá-lo se nem ele se deu ao respeito? Era um viciado em jogos de mesa. Fazia contrato com mafiosos para o crescimento da empresa. Nos fez sofrer muito e nos faz ainda.

    Olga mesmo não concordando com a atitude de seu marido sempre compreendeu todo o processo em que se encontrava. Ela também já vivenciou situação semelhante já que sabia de grande parte dos contatos do marido. O que ela não esperava é que se mataria por conta de toda a situação deixando-os ainda mais vulneráveis. 

Olga: Filho eu entendo sua revolta, mas pensa, não tem motivos para se comportar assim. Seu pai estava doente. Era um viciado em jogos. Saiba perdoar!
Victor: Perdoar alguém que se matou? E o amor que tinha pela nossa família onde ficou? Não pensou em mim, nem no Lucas, muito menos em você. Por quê eu devo perdoá-lo? A cada dia o odeio mais por me fazer sempre sofrer. Quantos colégios tive que deixar por ameaças dos outros? Quantos amigos eu perdi por isso mãe? Ele morreu, mas eu estou vivo! -Levantou-se e foi para o quarto-

     Victor passou longos 3 anos chorando a morte de seu pai, sente-se injustiçado por tamanha covardia. Para ele, seu pai ter tomado a atitude de suicidar-se foi uma decisão covarde já que não pensou em todo o problema que poderia causar em sua família. Além de terem que conviver com sua morte ainda tinham que aturar mafiosos ameaçando-os de morte todo o tempo caso não pagassem toda a dívida deixada por seu pai. Sempre o teve como exemplo de homem, forte e batalhador. Encontrá-lo enforcado no jardim de sua casa foi extremamente doloroso e até hoje Victor visualiza com clareza toda a cena em sua mente. Tinha acabado de chegar da escola, sua mãe estava na empresa e Lucas em suas atividades extra-curriculares. Foi ele quem teve todo o trabalho de retirar a corda do pescoço de seu pai, acionar a polícia e dar a notícia à sua mãe. Seu pai não deixou qualquer justificativa para seu suicídio. Se tivesse deixado ao menos uma carta, talvez sua raiva não fosse tão grande. Sua mãe não o compreende porque não viu a cena que viu. Nem sequer teve tempo para desesperar-se. Precisava dar apoio à Lucas e à Olga que ao saber da notícia acabou indo para o hospital por conta do problema de pressão alta que sempre teve. Se os dois conseguiram chorar a morte de seu pai, Victor nunca conseguiu, não teve tempo! Sua vida depois disso virou um turbilhão por conta das inúmeras ameaças que recebeu e do sequestro relampago que sofreu. Desde então sua vida resume-se à mudanças, trocas de escola, confinamento e medo. Ele não pode ser compreensivo com seu pai uma vez que sua morte deliberada trouxe tantos problemas. Hoje, o único sentimento que guarda dentro de si é a raiva. Não querendo reviver todos estes sentimentos ele retira seu playstation da caixa e começa a instalá-lo na TV. Ao menos jogar o desligará de toda essa situação.

Angélica e André saem do cinema. Eles acabaram de assistir à um filme cult em um local próprio para esse estilo. André não entendeu muita coisa do filme e ficou à toda hora solicitando que Angélica explicasse cada situação. Em outro momento ela se irritaria com a perguntação de André mas dessa vez o viu realmente interessado em querer entender todo o filme e não se importou em responder todas as suas indagações. André sente-se mais aberto em conversar com a menina por quem é apaixonado. Se antes ele era cheio de dedos ao relacionar-se com ela,  agora atreve-se à fazer alguns questionamentos sem medo de que Angélica se irrite e saia deixando-o falando sozinho.

Espaço Itaú de Cinema

          Enquanto esperam o motorista de André que acabara de ser avisado para buscar os dois, Angélica e André conversam em uma das mesas próximas à livraria. Eles já haviam percorrido alguns minutos antes alguns livros e discutido sobre seus gêneros favoritos. Angélica relatava da sua preferência por líricos e explicava à André sobre as subjetividades colocadas em cada texto como uma forma de compreensão do mundo e não deixava de lançar críticas sobre as leituras hots que André gostava. Para ela, nada tinha de ensinamento para vida uma leitura desse tipo. Talvez por isso que André fosse tão bom de beijo, pensou enquanto discursava seu falatório sobre o quão simplória era esse tipo de leitura. André que segurava desde à hora que se encontraram um envelope embaixo dos braços fica à questionar o  gosto excêntrico da companheira.

André: Por quê você não gosta de filmes normais?
Angélica: O quê seria um filme normal? -Irritou-se-
André: Esses hollywoodianos.
Angélica: Porque coloca sempre o americano como herói de tudo. Todos os filmes sempre tem um salvador e eu não gosto desse tipo de enredo. O filme que assistimos por exemplo os protagonistas morreram.
André: E eu não gostei nadinha. -Reclamou-
Angélica: Os filmes cults não tem o objetivo de agradar o público.
André: Como você aprendeu a gostar dessas coisas?
Angélica: Não quero falar nisso! -Finalizou rispida-

     Todos os gostos que mantém hoje foram induzidos por seu pai e como não poderia abandoná-los à essa altura já que não consegue ver qualquer sentido em outras coisas do mundo se não a que seu pai sempre ensinou como sendo belas. Ela prefere esquecer que todos os seu gostos tiveram forte influência de seu pai. Sem qualquer interesse em manter uma proximidade com suas lembranças paterna quando perguntam algo desse tipo ou ela não responde ou mente dizendo que aprendeu sozinha.

André: Tudo bem. Lembra que eu te falei que tinha uma surpresa? -Continuou-
Angélica: Lembro.

     André colocou o envelope que carregara sobre à mesa.

Angélica: O que é isso? -Perguntou curiosa-
André: Eu fiz uma resenha do livro que me emprestou. Passei a madrugada toda resenhando alguns capítulos que li. Ainda faltam alguns mas acho que se eu continuar nesse ritmo eu termino rapidinho.
Angélica: Mentira que fez isso? -Admirou-se-

    Angélica abriu o envelope. Não podia acreditar que André finalmente se dedicara a ler o livro que ela deixou com ele à quase 6 meses. Ele realmente resenhou alguns capítulos do livro, pensou enquanto folheava as folhas escritas à mão.

André: Fiz. Fiz por você. Porquê estou apaixonado por você Angélica. -Fitou-a-

    Ouvir a palavra apaixonado da boca de André assustou-a. Mesmo gostando de se relacionar com ele definitivamente não quer firmar nenhum compromisso sério com alguém, ao contrário, acha que não deve se privar da liberdade de ficar com quem quiser tão cedo. Aos 14 anos, Angélica quer mais é pegar os meninos que a interessa antes de se comprometer com alguém.

Angélica: André mas eu...
André: Psiu!!!! -Interrompeu colocando o dedo indicador em seus lábios-

     André não quer que Angélica dê qualquer justificativa sobre sua atitude pára com ele. A conhece muito bem para saber que não quer abrir mão de sua vida de pegação para entrar em um relacionamento sério aos 14 anos. Ele só precisava falar sobre o que sentia por ela já que nunca tivera oportunidade em todo tempo que saiam juntos. Angélica nunca permitiu que esse tipo de assunto viesse à tona.

—Eu sei que você não sente por mim o que sinto por você e nem quero que finja sentir. Eu só precisava dizer que estou fazendo de tudo para tentar te conquistar. -Beijou-a-

     São 22 horas, Érika abre a porta de sua casa e sai caminhando sem rumo. Carlos e Clara ainda não chegaram e ela não faz ideia da onde possam ter ido. Clara deixou seu celular em casa e Carlos não atende suas chamadas, ou não ouviu ou de fato não quer qualquer tipo de contato com ela. Em um lento caminhar senta-se em um dos bancos da praça, é o único lugar que mostra-se tranquilo em meio à musica alta do La Porte. Ao seu lado está um casal de namorados, Érika olha-os e dá um sorriso ao lembrar do tempo em que era mais nova e cheia de amor para dar. Agora parece que não consegue dar nada além de repreensões e desafetos. Marlene tem razão ao dizer que se tornou uma megera, sua falta de alteridade a tornou uma pessoa dura. Nem todos são obrigados a viver como vive e nem à fazer as coisas mirabolantes que fez para obter sucesso e prestígio. Ela então fica à olhar algumas pessoas na praça enquanto relembra toda sua vida.

Praça dos Amores

Ventura que voltara do mercado no bairro à pedido de Sônia cruza a portaria do condomínio segurando algumas bolsas. Sônia prometera um almoço para o domingo e ele cavalheiro como sempre ofereceu-se para comprar tudo que era necessário. Trajado de camiseta, chinelo, short e uma felicidade estampada no rosto ele sorri para o porteiro. Sua casa não é muito distante da praça e enquanto dirige-se à ela avista Érika sentada em um dos bancos da praça. Mesmo com uma roupa de final de semana, vestido, chinelo e sem maquiagem Érika é uma mulher bonita. São dez horas da noite, o que ela faz sentada sozinha no banco da praça à essa hora? Se perguntou e preocupado dirigiu-se à ela. Com certeza aconteceu alguma coisa para que estivesse fora de casa tão tarde.

Ventura: Érika? -Chamou-

    Érika que estava perdida em seus pensamentos voltou a realidade ao ouvir seu nome. Ela estava tão concentrada que sequer percebeu a aproximação de Ventura.

Érika: Ventura?
Ventura: O que faz aqui à essa hora? -Sentou-se à seu lado-
Érika: Nada. Estava calor em casa e eu vim apreciar a noite. Está tão bonita! -Olhou para o céu-

     O Rio contempla uma bela noite de lua cheia.

Ventura: É verdade. -Olhou-
Érika: E você? Vindo de algum lugar? -Perguntou ao ver as bolsas no chão-
Ventura: Não. Hoje eu estou livre do plantão. Fui ao mercado comprar algumas coisas para a Soninha.
Érika: Sônia te incumbiu de fazer ás compras para o domingo?
Ventura: Sabe que é uma atividade que gosto de fazer? Comprar coisas para casa. Logo viro 2 em 1.
Érika: Só você mesmo! -Riu-

     Ventura ainda conseguia manter sua graciosidade de tempos atrás. Ao perceber sua risada em meio à um semblante triste de alguém que chorou por horas à fio Ventura pergunta:

Ventura: Está acontecendo alguma coisa? 
Érika: Não. Por quê? -Disfarçou-
Ventura: Não sei. Parece triste. Cadê o Carlos, a Clara?
Érika: Saíram. Foram caminhar e até agora não voltaram.
Ventura: E você não quis ir com eles?
Érika: Eu preferi ficar em casa. Tinha coisas do trabalho para resolver.
Ventura: Ás vezes é muito difícil ter que conciliar isso, família e trabalho. -Suspirou descontente-
Érika: Você sempre conseguiu fazer isso muito bem Ventura.
Ventura: Será? Muitas vezes penso que minha ganância por querer ser melhor à cada dia me afastou da minha família e principalmente da minha filha.
Érika: Problemas com Angélica além daqueles que nós dois bem conhecemos?

    Érika referiu-se as brigas que as duas sempre arrrumavam na escola por pura competição e que sempre acabavam na diretoria. Elas não são irmãs mas brigam como se fossem. Por diversas vezes Érika e Ventura tiveram que ir à escola para tomar ciência da briga das fihas.

Ventura: Acho que Clara e Angélica estão se entendendo melhor agora, mas não sei... Sempre tivemos uma relação de muita proximidade. Angélica é o meu xodózinho.
Érika: Eu sei. Você é um pai super babão. -Brincou-
Ventura: Quando entrei para o doutorado minha pesquisa me sugou demais e quase não tive tempo para ela. Não podia mais ir às festas das escola, ao cinema e em 4 anos um abismo se formou entre nós.
Érika: Ventura, Angélica está em uma idade complicada. São muitas coisas que se passa com eles nesta fase. Tem que ter um pouco de paciência.
Ventura: Angélica está saindo com um menino. Sempre esperei que ela me contasse algo assim. Sobre seu primeiro beijo, paquera, mas ela não me contou nada. Não sei nem quem é esse tal de André.
Érika: Nem para a Sônia ela contou?
Ventura: Não. Angélica criou um mundo para si. Não sei tem alguma amiga de confiança. Não sei se esta apaixonada por esse menino. Não sei se precisa de alguma coisa para a escola. Não sei de mais nada sobre minha filha. -Triste-
Érika: Ventura, agora que está mais tranqüilo tudo vai se ajeitar e você vai conseguir se reaproximar de Angélica. É só uma questão de tempo. -Confortou-

     Ventura sorriu.

Ventura: Apesar de 14 anos terem nos separado e nossa vidas terem tomado rumos diferentes...

    Érika corta sua fala.

Érika: Não tão diferentes, estamos nós dois aqui, morando no mesmo condomínio, com filhas na mesma escola e na mesma série. O destino insiste em nos unir de alguma forma.
Ventura: Mas quero que saiba que sempre será minha grande amiga e que sempre terei um carinho enorme por você. -Acariciou seu rosto-
Érika: Ventura, ficamos juntos por 7 anos. O carinho é recíproco. -Sorriu-
Ventura: Bom...Eu te contei sobre minha angústia e você? Não vai me contar sobre a sua?
Érika: Não estou angustiada.
Ventura: Não? 14 anos nos afastam mas eu ainda te conheço bem. O que está havendo?

     A fala de Érika é interrompida por Carlos que acabara de entrar no condominio com Clara que os encontrou juntos conversando.

Carlos: Boa noite! -Cumprimentou rude-

Continua...


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Notas finais do capítulo

Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.

Paul Valéry.



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