O milagre de uma lágrima escrita por NanyBecks


Capítulo 5
Vizinhos novos


Notas iniciais do capítulo

A curiosidade está sempre acompanhada pela maledicência.

Plauto



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No capítulo anterior: Victor flagrou Thaís e Cibele espionando sua casa.

Cibele: Oi! Desculpa! Não queríamos assustar você.
Thaís: É que vimos as mudanças chegando e viemos ver quem era. -Justificou-se-
Victor: Espionando minha casa? A campainha já está funcionando. -Tocou-
Cibele: Me desculpa mesmo. Foi apenas uma curiosidade.
Victor: Ainda não me disseram quem são.
Cibele: Ah sim. Eu sou Cibele e essa é minha amiga Thaís. Nós somos moradoras aqui do bairro e você?
Victor: Eu sou Victor! -Apresentou-se com aspereza-
Cibele: E aquele outro caminhão que chegou junto com o de vocês?
Victor: É de um amigo meu.
Cibele: Que legal! --Comemorou-
Victor: Bom... Já nos apresentamos, agora vou terminar de arrumar os móveis. Me dão licença.
Cibele: Claro! Fique à vontade! Prazer em conhecê-lo.
Victor: O prazer foi meu! -Fechou a porta sem esboçar qualquer gentileza- 
Cibele: Nossa! Que garoto estranho não é? -Estranhou-
Thaís: É. Meio grosso!
Cibele: Está difícil encontrar alguém da nossa classe Thaís. Vamos embora! -Saiu-

     Cibele seguiu irritada para o La Porte inconformada com a forma em que fôra tratada por Victor. Ela nunca fôra destratada por um garoto como GORA. Aquele garoto era bem estranho, refletiu mas não se preocupou com isso. Ela e Thaís tem que se arrumar para o show que irão em algumas horas.

A casa de angélica tem pequeno um sótão onde Ventura e Sonia guardam coisas que não utilizam mais. A casa está silenciosa, Ventura como sempre saiu para o hospital e só retornará de manhã, Sônia está assistindo à TV com Cíntia na ampla sala de estar do 2 andar. As duas gostam de assistir à novela juntas e comentar sobre o capitulo assim que acaba. Enquanto as duas ficam a conversar sobre a novela que assistem Angélica está encaixotando algumas coisas antigas. Desde que decidira não chorar mais por seu pai ela decidiu também tirar de seu quarto qualquer lembrança que pode trazer recordações sobre sua infância, menos seu violino, ele ela não teve coragem ainda de encaixotar. Entre suas lembranças estão algumas fotos que guardou em suas agendas escolares. Ela sempre carregava uma foto dela com seu pai em sua agenda para sanar a falta que sentia dele quando viajava por muito tempo. Ao olhar as fotos sente uma profunda tristeza, não é fácil para livrar-se daquilo que sempre a apoiou e a construiu enquanto Ser Humano. Livrando-se das lembranças, Angélica terá o árduo trabalho de reconstruir-se novamente e à sua maneira. Sem esboçar qualquer sentimento começa a rasgar as fotos e com essa atitude, rasga também a memória de seu pai. Após colocar todas as suas agendas em uma caixa e jogar as fotos que rasgara em um sacola de lixo própria, vira-se para uma pilha de livros à seu lado. São seus livros de música e alguns cadernos de poesia, ao folheá-lo depara-se com a poesia escrita para seu pai quando completou 10 anos mas recusa-se à lê-la e fecha o caderno colocando em outra caixa junto com outros livros e cadernos. Com uma fita adesiva ela sela todas as 5 caixas compostas de lembranças infantis. Angélica não sabe como vai viver de agora em diante, mas sabe que todas essas sensações não farão mais parte da sua memória.

Casa da família Mercantelly Alves

Com dificuldade Angélica fica a colocar as caixas em uma gigantesca estante cheia de gambiarras e parafernálias. São tão pesadas que ela até se desequilibrou da escada ao guardar uma delas. O Sótão está tão empoeirado que acabou sujando sua roupa e ela torce para que não desenvolva uma alergia após remexer em todas aquela bagunça na tentativa de encontrar um lugar para guardar suas memórias. Ouve-se a campainha, Angélica espera que não seja nenhuma de suas amigas chamando-a para sair. 

Angélica: Oi Emília! -Cumprimentou ao vê-la entrar-
Emília: Sua mãe me disse que estava aqui. O que você está fazendo?
Angélica: Arrumando algumas coisas. Fiz uma limpeza no quarto e estava encaixotando algumas coisas que não quero mais.
Emília: Posso ver?
Angélica: Não! -Disse com severidade na voz-

     Angélica jamais permitiria que Emília tomasse conhecimento de seu mundo secreto. Se nunca soube dele em 14 anos de amizade porque saberia agora que resolveu deixar tudo para trás? Emília sem entender a reação da amiga prossegue em seu diálogo:

Emília: Você não tem saído mais. É por causa do seu lance com o André?
Angélica: Claro que não! Desde quando o André me impede de algo?
Emília: Você foi ao Concerto com ele ontem né?
Angélica: Fui. -Respondeu sacudindo sua roupa empoeirada-
Emília: Você gosta dele amiga?
Angélica: Não. -Mentiu-

    Como Emília estava sendo chata perguntando mais uma vez sobre o que sente por André. Ela deveria saber melhor do que ninguém que ser inquirida sobre seus relacionamentos afetivos é algo que além de não a agradar a deixa de muito mau humor. Emília continua:

Emília: Então por quê está ficando com ele?
Angélica: Porque eu não tenho que gostar para poder ficar com ele. Não se preocupe comigo e o André. Ele não é nenhum besta e só vai se iludir porque quer. Eu sempre fui muito clara sobre o que sinto.
Emília: Se você diz... Mudaram dois meninos aqui para o bairro hoje.
Angélica: E como você sabe que são dois meninos?

     As meninas do condomínio criaram um grupo no whatsapp chamado: Amigas de infância e nele todas sabem o que acontece em tempo real. Angélica participava desse grupo até à alguns meses atrás mas como os assuntos nunca eram de seu interesse acabou saindo por não aguentar as inúmeras notificações em seu celular. Por isso, ela é a última a saber de tudo que acontece no que diz respeito à suas amigas. 

Emília: Cibele já foi investigar. Um deles me parece que se chama Victor. Se mudou junto com um amigo.
Angélica: Algum tipo de república?
Emília: Não. Me parece que vieram com os pais.
Angélica: Espero que não seja mais um desses garotos chatos que tem por aí.
Emília: Cibele disse que esse tal de Victor é estranho. Foi super grosso com ela e nem deu informação nenhuma sobre ele.
Angélica: Que imbecil vai dar informações pessoais para duas adolescentes curiosas que ele nunca viu na vida? Só elas mesmo. -Riu-

    O comportamento desinteressado por qualquer coisa que não envolva diretamente sua colega é para Emília uma incógnita. Ela até saíra do grupo por não querer saber da vida alheia.

Emília: Você não está curiosa para saber quem são?
Angélica: Eu não! Pouco me importa quem vem morar aqui ou não. Contanto que não seja esses chatos implicantes por mim... -Deu de ombros- mas pelo que você já disse esse menino deve ser um desses chatos de galocha. -Complementou-
Emília: Vamos ter que esperar para ver né. Eu já vou. Fiquei de ir com as meninas no show.
Angélica: Divirta-se. Se possível.
Emília: Acredita que o Léo está insistindo para ficar comigo?
Angélica: E daí?
Emília: Eu não gosto dele.
Angélica: É só um beijo.
Emília: Ahh Angélica! Eu não gosto de ficar dando beijo na boca de quem eu não estou a fim.

     Angélica não consegue entender a dificuldade de Emília em se posicionar frente à um garoto. Qual a dificuldade em beijar alguém que não se está à fim? Ela já fizera isso várias vezes e já dera negativas outras vezes mais. Sem paciência com a indecisão da colega finaliza:

Angélica: Então diga que não quer e pronto!

     Ouve-se um toque no celular. Emília retira-o do bolso. É Cibele que mandou uma mensagem no grupo dizendo que já está à sua espera no La Porte para irem para o show.

Emília: É a Cibele. Amanhã a gente se fala. -Despediu-se-
Angélica: Tchau!

    Emília saiu do sótão enquanto Angélica termina de dar a última ajeitada na estante. Quando se preparava para sair ouviu um toque no celular, dessa vez era o seu com uma mensagem de André. Ele por algum motivo não havia mandado mensagem durante o dia todo. Talvez ele tivesse ficado sem crédito, pensou. Ela é a única garota que só se comunica por SMS. Angélica cancelou seu whatsapp após ter problemas com os garotos da escola. Por ser uma menina pop mas de difícil aproximação, um garoto com quem ficou à alguns meses andou divulgando seu número pessoal e isso fez com que recebesse investidas de garotos que ela nem sequer conhecia. Isso a irritou tão profundamente que a fez cancelar qualquer aplicativo de comunicação por mensagem, além do mais, estava ficando com André que sempre ficava fiscalizando seus vistos por último e suas mensagens não visualizadas obrigando-a a desativar a função. Ela ainda recebe algumas investidas por SMS mas o fluxo tem sido bem menos do que quando tinha o tal aplicativo. Ela então abre a mensagem, André com seu jeito doce está desejando-lhe uma boa noite e convidando-a para sair ele inclusive, tinha uma novidade para lhe contar. 

Mensagem de celular:

Oi minha princesa! Desejo-te uma boa noite! Vamos combinar de sair amanhã, tenho uma novidade para te contar. Durma bem! Saudades!

André.

Angélica sorriu e pela primeira vez no tempo que tem saído juntos ela respondeu sua mensagem.

Mensagem de celular:

Oi André! Te desejo também uma boa noite! Combinamos nossa saída amanhã. Até!

Angélica.

Enviou.

     A casa da família Fernandes Grácia está amena desde que Rogério retornara da sua desintoxicação. Ele prometeu afastar-se definitivamente da bebida após ficar sabendo de todo o sofrimento da filha Anabela por Cristina. Mariane sabe que essa é apenas mais uma das promessas que seu pai sempre faz após cada alta de internação mas à pedido de sua mãe deu-lhe um voto fingido de confiança. Ela não sabe até quando vai conseguir manter-se serena nessa situação enquanto luta de todas as formas para que sua mãe crie vergonha e o tire de casa o quanto antes. 

Casa da família Fernandes Grácia

     Anabela está com seu pai na cama brincando com quebra cabeça enquanto sua mãe dobra as roupas de cama junto com Mariane que fica a observar a ternura com que Rogério trata Anabela. Quem o vê nesse momento vai achar que ele é um super pai e não um alcoolista agressor. Mariane lembra-se bem de todas as agressões que sofreu por conta da bebedeira de seu pai e por conta disso resolveu isolar-se. Ela tem muita vontade de ir ao show com suas amigas principalmente porque soube pelo grupo do whatsapp da turma que seu crush também iria. Ela havia terminado um rolinho com um colega de turma por medo de seu pai descobrir e fazer novamente com que passasse vergonha na frente de seus amigos. Ele já havia lhe dado uma surra no La Porte por ter chegado do trabalho e ter visto-a beijando um menino e ela não quer passar novamente por isso. Ao olha-lo brincar com a irmã deseja que Anabela tenha um futuro diferente do que ela tem.

Rogério: Este encaixa aqui. -Mostrou à Anabela-
Anabela: Nossa! Você conseguiu rápido! -Admirou-se-
Rogério: É só olhar as bordas.
Anabela: Você é tão inteligente pai! -Disse com ternura-
Rogério: E você é a filha que eu amo muito. -Sorriu-
Anabela: Eu tive medo quando você foi para o hospital papai, pensei que ia morrer.
Rogério: Eu morrer? Seu pai é forte! Não morre tão fácil assim não.

     Mariane lamentou-se por essa ser uma constatação verdadeira e sem querer dar asas à seus pensamentos ruins muda a conversa.

Mariane: Chegou um povo novo aí no bairro. Está sabendo mãe?

     As noticias correm mesmo rápido no condomínio. Cibele mal acabou de conhecer os vizinhos e já disparou no grupo sobre o que viu e principalmente sobre sua percepção à respeito de Victor. Cristina continua:

Cristina: Não! Mas eu também não saí de casa hoje quase que o dia todo.
Mariane: As meninas viram chegando um caminhão de mudança. Parece que são dois adolescentes.
Anabela: Nunca tem nenhuma criança pra eu brincar. Fico sempre sozinha aqui. -Intrometeu-se reclamona-
Cristina: Ai meu Deus! Como se você não tivesse nenhum amigo na escola.
Anabela: Mas é na escola mãe. Aqui eu não tenho ninguém. -Reclamou mais uma vez-
Cristina: Então gora vai dormir porque já passa das 9 e você ainda acordada Anabela.
Rogério: Vai lá filha. -Respondeu juntando as peças de quebra cabeça sobre a cama-Cristina: Escova os dentes e faz xixi senão você faz na cama. Eu vou rezar com você.
Anabela: Está bom pai.

     Rogério colocou as peças que acabou de juntar dentro da caixa própria e de mãos dadas com Anabela saiu do quarto.

Mariane: Quem vê até pensa que é bom pai. -Disse ao vê-lo sair-
Cristina: Ele está fazendo o que pode Mariane.
Mariane: Claro. -Indiferente-

     Mariane continuou a dobrar as roupas junto com sua mãe. Definitivamente não há qualquer possibilidade de conversa, sua mãe não consegue aceitar que Rogério não é vítima da situação em que se encontra. A cada dia torce para que os anos passem rápido e ela entre uma faculdade onde possa morar bem distante da família. 
     Rogério entra com Anabela em seu quarto após ter realizado suas tarefas de antes de dormir como fazer xixi e escovar os dentes. Por ser uma casa pequena, ela divide o quarto com a irmã. Mariane queria ter um quarto só para ela para realizar suas tarefas escolares e ficar no computador até tarde sem atrapalhar a irmã que dorme cedo e bagunça todo o quarto com seus brinquedos espalhados pelo chão. Rogério deita Anabela e começam juntos a rezar. Essa é uma atividade que exige que Anabela mantenha todas às noites quando vai para a cama.

Anabela: Com Deus me deito e com Deus me levanto, com a graça de Deus e do divino Espirito Santo. Anjo da guarda, proteja meu sono.
Rogério: E o que mais?
Anabela: Obrigada pelo dia de hoje.
Rogério: Isso mesmo, boa noite filha. -Beijou-a -
Anabela: Boa noite pai. -Rogério saiu do quarto-  Deus, faça a mamãe não brigar tanto com o papai. -Pediu com docilidade-

     Anabela com toda sua inocência e amor pelo pai acredita que Cristina é severa demais ao tratar Rogério que muitas vezes não quer causar qualquer incômodo. Em sua cabeça ele é só um pai desastrado e que esquece tudo. Cristina não pode negar que ela e Mariane estão fazendo um bom trabalho escondendo de Anabela toda a situação de violência e maus tratos que sofrem dentro da própria casa. Em seu mundo fantasioso, seu pai é o seu herói e Cristina prefere que ela cresça pensando assim até que tenha maturidade para entender tudo que acontece. 

 Olga aparenta ser uma mulher muito eficiente. Em menos de 24 horas ela conseguiu ajeitar praticamente a casa toda, restam agora apenas alguns caixotes com utensílios de cozinha e as malas de roupas que terá que aguardar um pouco já que ainda não comprara o guarda roupa. Elisa não querendo ter o mesmo trabalho que a amiga comprou tudo novo. O pouco que trouxe no caminhão de mudança foi alguns móveis de Rômulo e de Cléris que não quis abrir mão do seu jogo de quarto. Olga já teve que escolher à dedo o que trazer. Como morava em uma sobrado gigantesco e agora se mudou para uma casa pequena, muitos de seus móveis tiveram que ser vendidos ou doados e sem tanto dinheiro para investir um novas mobílias tem que se virar com o que pôde trazer.

Casa da família Grégis

     Enquanto Lucas brinca na sala com os poucos brinquedos que tem, Elisa ajuda Olga a terminar de ajeitar a sala. 

Elisa: Sua casa está ficando uma graça Olga. -Comentou olhando a sala tomar forma-
Olga: Ainda falta arrumar muita coisa, mas acho que já da pra dormir.
Lucas: Eu achei muito legal. -Intrometeu-se brincando no chão da sala-
Olga: Eu achei um pouco pequena para nós 3.
Elisa: Não é nada perto da mansão que vocês moraram em São Paulo mas logo vocês se acostumam.
Olga: Não sei nem como te agradecer pelo que estão fazendo por mim e pelo meus filhos. -Sorriu emocionada-

     Se não fosse por Elisa, Olga teria que procurar a justiça e solicitar um abrigo em pudesse se proteger e isso faria com se separasse de seus filhos correndo o risco de não pode vê-los mais.

Elisa: Não me agradeça. O Rômulo disse que o contrato já saiu e pode começar a trabalhar na empresa semana que vem.
Olga:Bendito seja Deus! -Agradeceu-
Elisa: Tem tudo para dar certo Olga. Dessa vez tem.
Olga: Agora é só se acostumar as mudanças.

    Olga já havia feito diversas mudanças desde que seu marido se suicidara sem sucesso mas dessa vez ela está plenamente confiante de que o Rio de Janeiro lhe trará uma possibilidade de mudança significativa.

Elisa: Logo vocês se acostumam. E o Victor?
Olga: Ele está rebelde com tudo que aconteceu, mas vai melhorar.
Elisa: Agora com Cléris por perto ele ficará bem.
Olga: Quando virão para cá?
Elisa: Essa semana mesmo. Estamos terminando de colocar tudo no lugar.
Olga: Vamos ficar mais perto e o Victor não vai ter porque se queixar por falta de amigos.
Lucas: E eu? -Perguntou tirando seus brinquedos do caixote-
Elisa: Você também vai ter muitos amigos. Tem muitas crianças nesse bairro, passei pela praça e vi um monte de crianças brincando e jovens conversando. Quem sabe o Victor até arranje uma namoradinha?
Lucas: Quem vai querer aquele chato?
Olga: Lucas! -Repreendeu-
Elisa: Eles ainda continuam se pegando?
Olga: Nunca pararam Elisa e a Lívia?

     Lívia é a filha mais velha de Elisa. Ela engravidou de Bruno aos 18 anos e sem qualquer aopio familiar já que Elisa é extremamente conservadora mudou-se para a França com o marido que dirige uma empresa em Paris. Hoje Lívia tem 20 anos e mantém com a mãe uma relação estritamente superficial.

Elisa: Está em Paris. Vem para o natal mas ainda não está confirmado.
Olga: O Betinho deve estar enorme.
Elisa: Está com 2 anos. Um pimentinha.
Olga: Eu sempre vou ser grata a você Elisa. Nessas horas é sempre bom ter alguém que nos apoie. -Fitou-a com um sorriso agradecido-
Elisa: O que aconteceu não foi culpa sua Olga. -Aproximou-se carinhosa- Seu marido era um viciado em jogos, morreu deixando a família cheia de dívidas.
Olga: Só quero proteger meus filhos daqueles marginais que me tiraram tudo. Inclusive minha casa.
Elisa: Tudo vai dar certo Olga. Agora você pode recomeçar sua vida ao lado de seus filhos em um lugar que ninguém te conhece ou saiba da história.
Olga: Tem sido muito difícil conviver com ela. -Entristeceu-se-
Elisa: Vai dar tudo certo! A dívida já foi quitada. Os meninos se adaptarão bem aqui e poderão sair sem medo.
Olga: Tomara!
Elisa: Confie Olga. -Sorriu-

    O que faltava à Olga era exatamente alguém que lhe passasse confiança para enfrentar tudo o que está passando. Sem ter qualquer pessoa em quem confiar um assunto tão delicado estar ao lado da melhor amiga para ela é algo muito confortador.

O La Porte encontra-se bastante movimentado. É sábado e todos dos bairros vizinhos foram ouvir uma música ao vivo como sempre acontece. Cibele está com suas amigas e enquanto espera seu pai para levá-las ao show fica a dar todos os detalhes que sabe sobre os novos vizinhos. Ela já tinha mandado uma mensagem de voz de quase 5 minutos no whatsapp do grupo mas inconformada por ter sido destratada por um garoto que sequer acontecia ela ainda insiste nesse assunto.

La Porte

Cibele está sentada em uma das mesas externas do La Porte fazendo inúmeras elucubrações sobre quem é o tal garoto estranho que veio morar no condomínio.

Cibele: Esse tal de Victor é meio estranho. Não senti que nos tratou bem.
Isabel: Também, vocês quase invadiram a casa dele, queria que tratassem vocês como? Com rosas?
Cibele: Não, mas somos mulheres. Acho que ele poderia ter sido mais educado.
Emília: Mas ele é bonito?
Cibele: É, mas não é nada de outro mundo não. Tem uma beleza normal.
Isabel: E da onde ele veio?
Cibele: Isso eu não perguntei, mas vai ter tempo ainda para sabermos quem são e porque vieram pra cá.
Isabel: Como se não fosse permitido que as pessoas viessem para cá sem dar qualquer satisfação.
Emília: E ele tem cara assim... de rico?
Thaís: Como é ter cara de rico? -Indagou-
Cibele: Não acho que ele seja gente importante. Se tem dinheiro eu também não sei. Como disse, não conversamos muito mas deve ter. Ninguém compra uma casa de meio milhão sem ter algum cachê.
Emília: E o amigo dele?
Cibele: Não o vimos, mas pelo que me disse, chegaram juntos.

     Mariane que resolveu aproveitar a benevolência de seu pai para conversar com as amigas está achando demasiadamente enfadonho o assunto sobre os novos vizinhos que já deveria ter sido encerrado e desconversa:

Mariane: Alguém sabe da Angélica?
Isabel: A Angélica agora está de namorico com esse tal de André. Se antes ela já quase não aparecia, agora que vai virar um fantasma.
Cibele: Manda uma mensagem pra ela. Diz que estamos aqui na praça que é para ela vir que temos novidades.
Emília: Cibele é o diário de notícias do Bairro Amores. Eu fui na casa dela agora pouco e já informei tudo.
Isabel: Muito eficiente você.

     Cléris e Victor tinham combinado de caminhar pelo bairro para conhecê-lo enquanto Olga e Elisa ficavam por conta de ajeitar a casa já que Victor estava parecendo mais uma mobília da casa do que alguém que pudesse colaborar com sua arrumação. Mesmo morando longe um do outro, eles são amigos desde que nasceram, Elisa tinha o costume de passar férias com os filhos na imensa mansão de Olga e do marido antes de tudo acontecer. Essa proximidade mesmo que anual aproximou muito Victor e Cléris que tem a mesma idade mas jeitos muito diferentes de ser. Victor é um adolescente estilo galã de cinema, seus cabelos loiros e olhos cor de mel faz qualquer garota babar por ele. Com todas as qualidades para ser um adolescente pegador não é assim que ele é. Victor não gosta de relacionar-se com meninas apenas por relacionar-se, para se envolver com alguma delas tem que ter um interesse especial. Com interesses voltados para outras coisas ele nem se preocupa com isso no momento, introspectivo como é, prefere atividades solitárias. Aos 3 anos aprendeu a tocar piano e aos 6 começou suas aulas de teoria musical e harmonização mas com todo o problema que envolveu sua família teve que abandonar as aulas que tanto gostava. Ele e Cléris costumam jogar vídeo-game on-line onde Victor tem uma gametag que não pode ser identificada como dele. Essa é a única forma de comunicação que mantém com o amigo já que não pode fazer uso nem de celular. Apreciador de atividades como bicicleta e trilha também teve que ter seus gostos escondidos já que passou muito tempo sem sair de casa por conta das ameaças de sequestro que recebia. Ele se relacionou por 4 meses com Patrícia, uma colega de escola mas por medo de colocá-la em risco terminou tudo. Com medo e uma intensa solidão é assim que ele vive sua vida. Cléris é um menino diferente, seu corpo atlético, cabelos e olhos pretos fazem qualquer menina cair à seus pés e ele inclusive faz questão disso. Desde que Victor o conhece nunca o viu relacionar-se sério com ninguém, ao contrário, brincar com os sentimentos das garotas que se interessam por ele é quase que um costume. Victor claro, não concorda com a forma de ser do amigo mas Cléris parece não se importar com isso. Ao entrarem na portaria do condomínio conversando já que tem muitos assuntos para colocarem em dia, Cléris avista a mesa das meninas do lado de fora do La Porte e com seu jeito garanhão aproxima-se dela.

Cléris: Boa noite meninas! -Cumprimentou-
Cibele: Boa noite! -Sorriu-

     Cibele assim como Cléris não deixa passar qualquer garoto que lhe interesse. Ela e Angélica disputam o topo da pirâmide de quem fica com mais meninos sem comprometer com nenhum deles. Claro que aquele menino desconhecido que acabou de cumprimentá-las a interessou.

Cléris: Deixa eu me apresentar. Sou Cléris. -Sorriu sedutor- Vou ser o novo morador do condomínio e esse é meu amigo Victor. 

     Victor sorriu sem graça. Ser apresentado à uma mesa rodeada de meninas era o que ele menos queria. 

Cibele: O Victor eu conheci em uma situação bastante inusitada. -Insinuou-se-
Victor: Sim, espionando a minha casa. -Respondeu com aspereza-

     Victor é realmente um menino muito desagradável por ter quebrado toda a sedução colocada na insinuação de Cibele que sem graça com sua resposta resolve apresentar as demais amigas da mesa.

Cibele: Bom... deixa eu apresentar. Isabel. Emília e Mariane.

     Victor cumprimentou com um sorriso gentil as meninas apresentadas por Cibele enquanto Cléris não perdeu a oportunidade de dar um beijo no rosto de cada uma delas.

— Acho que agora já conheceu a turma toda né?
Thaís: Não. Ainda falta a Clara e a Angélica. -Lembrou-

     Thaís tenta esconder seu olhar para Cléris, claro que interessou-se por aquele menino bonito e sedutor que acabara de lhe dar um beijo no rosto mas não pode ser impulsiva ficando à encará-lo. Já havia perdido vários meninos por não saber o momento certo de se declarar e também já percebera o interesse de Cibele, não tem a mínima chance de concorrer com a companheira. Cibele com seus longos cabelos loiros e olhos azuis é a maior gata descolada e ela uma gorda carente. O Celular de Cibele toca, uma mensagem foi enviada por um de seus amigos com quem havia reservados os convites para o show de hoje de que eles acabaram de ser vendidos. Cibele tinha que ter confirmado até o período da tarde mas sua curiosidade foi tamanha em descobrir quem eram os tais vizinhos que chegaram ao condomínio e acabou esquecendo.

Cibele: Droga! -Reclamou-

    Cibele sabe que está encrencada com as amigas já que os convites ficaram sob sua responsabilidade. Nessa hora ela só consegue agradecer por Angélica não estar envolvida nisso. Já não basta a discussão de semanas atrás por causa das entradas do cinema que ela mais uma vez esqueceu de comprar.

Thaís: O que foi?
Cibele: Acabei de receber um zap dizendo que nossos ingressos foram vendidos.
Isabel: Você não disse que tinha comprado antecipado?
Cibele: Não. Disse que tinha reservado e que ia confirmar nossa presença hoje à tarde.
Isabel: E por quê não confirmou?
Cibele: Eu esqueci. -Respondeu amedrontada-
Emília: Você sempre faz isso Cibele! -Indignou-se- Devia ter conferido isso tudo antes de nos fazer sair de casa. Eu saí do aniversário cedo só para ir no show com você!
Thaís: É verdade Cibele. Foi muito vacilo seu. Confiamos em você!
Cléris: Qual show vocês vão? -Interveio-
Emília: Do Naldo. -Respondeu triste-
Cléris: Todas vocês tem ingressos?
Thaís: Não. A Cibele ficou de reservar para a gente mas não o fez.
Cibele: Fiz sim mas não tenho culpa do meu contato ter vendido. -Defendeu-se-
Cléris: Então o problema está resolvido. Eu consigo colocar vocês pra dentro.
Cibele: Jura? -Animou-se-
Cléris: Meu pai é contador e cuida de muitas empresas de famosos aqui no Rio. Quem está organizando esse show é amigo íntimo dele Tenho entrada vip.
Cibele: Mentira! -Admirou-se-

     Cléris parece ter sido enviado por Deus para tirar Cibele da saia justa com as amigas. Victor fica à observar a forma cafajeste que o amigo usa para conquistar as meninas. Estava na cara que ele utilizou-se do poder que tem para jogar sua rede em cima de Cibele que demonstrou desde o primeiro momento um interesse nele.

Emília: E você consegue entradas para todas nós? -Continuou-
Cléris: Que entradas. Vocês são minhas convidadas. -Olhou para Cibele com um sorriso cafajeste-
Cibele: Obrigada Cléris! Muita gentileza sua! -Insinuou-se com um sorriso-
Cléris: Imagina! -Fitou -a-

    Thaís percebeu todo o clima que rolou entre Cibele e Cléris e convenceu-se de que de fato não teria qualquer chance com ele. Se pudesse, deixaria de ir nesse show só para não vê-los juntos, mas é tarde demais pra desistir. Com muita sorte, talvez ela consiga beojar alguém que venha a gostar realmente dela. Cléris continuou:

— Vocês vão como?
Isabel: Vamos com o pai de Cibele.
Cléris: Vamos todos de táxi o que acham?
Emília: Ótimo!
Cléris: Você vai também.... -Estalou os dedos tentando lembrar o nome da colega-
Mariane: Mariane. -Respondeu- Não. Eu vou ficar por aqui.
Isabel: Mariane não se liga muito nisso de show.
Cléris: Então será uma ótima companhia pro meu amigo Victor. Ele também não gosta de sair.

     Cléris empurrou Victor para o lado de Mariane que quase caiu em seu colo. Marine ficou a observar sem entender nada do que se passa. Qual parte de conversa ela perdeu? Será que Victor se interessou por ela e não conseguiu perceber?. Cléris parece estar decidido em arrumar uma companheira para o amigo e quem sabe Mariane possa ser a parceira ideal.

Cibele: Eu vou avisar o meu pai então. -Saiu-
Cléris: Enquanto isso eu chamo o táxi. -Pegou o celular-

     Mariane ficou a olhar com estranheza a atitude do garoto que acabara de chegar em sua mesa. Como suas amigas podem trocar uma carona com o pai de uma colega por uma ida de táxi com um garoto que elas nem sequer conhecem? Cléris é um garoto que ela deve manter distância, a forma de poder que usou para conquistar as amigas é algo que a preocupou. Seu pai sempre usou do poder para seduzir sua mãe e até hoje ela nunca conseguiu separar-se dele. Victor parece ter um comportamento diferente mas por via das dúvidas é melhor não se envolver com nada disso e junto com Victor ficou a observar o entusiasmo de suas amigas que pareciam abelhas em um pote de mel.

     Olga está terminando de ajeitar as últimas coisas no quarto dos filhos. Antes eles tinham quartos separados já que Lucas e Victor nunca se deram bem. Lucas nasceu com problema não diagnosticável que o manteve por 6 meses na UTI. As suspeitas foram várias, desde Meningite até câncer mas nenhuma foi comprovada. Victor tinha 7 anos quando Olga teve que se ausentar para cuidar do filho em tempo integral e ele passou a ser cuidado por uma babá. Toda essa ausência materna gerou nele uma sensação de abandono e com todo seu ciúme construído ao longo desses anos sempre acusou Lucas de ser super-protegido pelos pais. Ele não deixa de ter razão, Lucas se recuperou do problema misterioso que apresentou por 6 meses após seu nascimento mas Olga ainda mantém com ele uma relação de extrema proteção. Aos 7 anos Lucas não sabe realizar atividades que estão de acordo com sua idade como tomar banho, alimentar-se e vestir-se sozinho.  Depois que seu pai suicidou-se essa relação agravou-se ainda mais, Lucas agora tem terrores noturnos e dorme com a mãe todas às noites. Para Victor isso não passa de uma chantagem emocional para não dormir sozinho mas para Olga, Lucas está traumatizado com tudo que aconteceu.

Casa da família Grégis

O quarto dos meninos têm apenas duas camas e algumas caixas com objetos pessoais dos filhos como a televisão e o video-game de Victor e  alguns brinquedos de Lucas. Olga sabe que colocar os dois para dormir juntos será um problema mas no momento é o que pode fazer por eles. Lucas está colocando o travesseiro que acabara de tirar da mala sobre a cama enquanto sua mãe fica a estender o lençol sobre ela.

Lucas: Mãe, eu gostei muito do meu quarto novo. Só não queria ter que dormir com o Victor. -Reclamou-
Olga: Pois é meu filho, mas no momento não estamos podendo ter privilégios. -Terminou de estender o lençol-
Lucas: Por que aqueles homens tiraram a gente da nossa casa? Eu gostava tanto dela. -Deitou-se-
Olga: Porque eles acharam que a casa era deles. às vezes acontece. Não temos porque pensar nisso agora. Devemos pensar que a tia Elisa conseguiu este lugar para a gente morar. -Desconversou-

     Olga prefere que Lucas não saiba de toda a verdade que passou com sua família. Ela contou à ele que o pai morreu em um acidente de carro vindo do trabalho e que os homens que tanto os fizeram mal são apenas pessoas que queria assaltá-los e por isso ela foi obrigada à muitas vezes esconder a identidade dos filhos e impedí-los de sair de casa. 

Lucas: É melhor do que aquele lugar esquisito que arrumaram pra gente né mãe? -Continuou-

     Lucas referiu-se à um momento em que Olga teve que pedir proteção judicial por conta das ameaças de sequestro que seus filhos estavam recebendo e acabaram indo para um abrigo de refugiados no interior de São Paulo onde permaneceram por 20 dias até que Elisa conseguiu contato com Olga e os trouxe para o Rio.

Olga: Por isso não reclame de ter que dividir o quarto com seu irmão.
Lucas: É que ele é muito chato mãe. Implica com a luz acesa. Ele sabe que eu tenho medo. Disse que não vai me deixar dormir com o abajur e nem ir pra cama dele quanto tiver medo. -Reclamou mais uma vez-
Olga: Você não precisa ir pra cama do seu irmão. Já é um rapaz.
Lucas: Mas eu ainda tenho medo dos monstros.
Olga: Eles só aparecem porque você tem medo deles. Você tem que ser corajoso e mostrar a língua assim. -Imitou-
Lucas: Você disse que não pode mostrar língua pra ninguém. -Contestou-
Olga: Mas pra eles pode, afinal, eles te colocam medo não é verdade?
Lucas: Muito.
Olga: Então agora dorme porque tivemos um dia cheio hoje.
Lucas: É verdade. Eu estou cansado.
Olga: Então vai dormir porque amanhã temos que terminar de colocar este quarto em ordem.
Lucas: Posso ter uma estante só de super herói?
Olga: Claro! Amanhã montamos.
Lucas: Oba! Eu te amo mãe! -Abraçou-a-
Olga: Eu também te amo filho. Durma bem. -Beijou-o na testa-
Lucas: Não apaga a luz.
Olga: Não vou apagar. -Saiu deixando a luz do abajur acessa-

      Olga senta-se em um dos sofás da sala que já está praticamente organizada. Está preocupada com Victor que ainda não voltou para casa após ter saído com Cléris. Por mais que tente disfarçar, o sentimento de perseguição a amedronta pror demais e ela é capaz de assustar-se com um simples número desconhecido no celular. Em 3 anos tem sido obrigada à carregar sozinha o medo e a sorrir para seus filhos quando seu desejo é unicamente de chorar e desejar que tudo acabe logo. Ela não liga se tiver que pagar com sua morte para que seus filhos saiam ilesos de toda confusão que seu marido os colocou. Olga sempre soube que seu marido envolvia-se com coisas ilícitas mas sua ganância não permitiu que fizesse outra escolha além de aceitar todos os envolvimentos mafiosos que tinha seu marido para arrecadar mais dinheiro para a empresa. Ela não é vitima de nada, ao contrário, dia-após-dia carrega a culpa por não ter aberto mão de tudo e construído uma vida diferente. Não precisava estar naquela empresa, formou-se em relações internacionais e se pós-graduou nos Estados Unidos, conseguiria um emprego tão bem remunerado quanto em qualquer outra empresa mas preferiu aceitar calada toda a situação que acabou culminando em tudo que vive. Antes era uma mulher bela e de prestígio social, mesmo que seu marido tivesse inúmeras amantes era ela que ele apresentava nos eventos da alta sociedade. Era com ela que ele saia nas manchetes dos jornais e nas redes sociais. Hoje ela não tem mais a beleza que tinha antes, com 40 anos perdeu muita vitalidade com todo seu sofrimento, sem casa, sem empresa, foragida de mafiosos, com medida protetiva e alguns mil que guardou em um banco fora do país ela só torce para que sua vida seja diferente. Já se mudou inúmeras vezes, Brasília, Amazonas, Acre. Já foi Vanessa, Luciana, Adriana tudo para preservar sua verdadeira identidade e tentar viver um pouco de felicidade. Agora ela só quer ser Olga Grégis, ter seus filhos na escola já que nunca puderam cursar um ano letivo sequer sem que fossem afastados bruscamente do convívio com os amigos e se livrar do medo que a assombra desde que seu marido morreu, o de ter sua família morta.

Uma nova semana se inicia. É domingo! Para alguns, este dia é extremamente depressivo pois aproxima-se a segunda feira e todos tem uma longa semana de trabalho, até mesmo as mulheres que se dedicam as atividades do Lar como Cristina e Sônia. As meninas parecem ter se divertido muito no show na noite anterior. Clara acordou uma uma mensagem de Cibele no grupo enviada às 5 da manhã . Ela não poderia esperar para contar que ficou com Cléris no show e já disparou quase 15 mensagens dando todos os detalhes da ficada para as amigas. Quem é Cléris? Clara se perguntou ao ler a mensagem no meio da madrugada. Mariane foi mais esperta, ela silenciou o grupo e por isso, só ficou sabendo das novidades quando pegou o celular na hora em que acordou. Parece que todas se arrumaram nesse show, até Thaís que estava achando que mais uma vez iria ficar de sobra. São quase meio dia e todas devem estar dormindo já que nenhuma mandou ainda no grupo uma mensagem de bom dia. 

Casa da família Guimarães Diáz

     Carlos está terminando de sair do banho enquanto Clara ajuda Carla a terminar de preparar o almoço. Carla não sabe ler e Clara está ajudando-a com uma nova receita escolhida especialmente para o almoço de domingo. Érika está mais uma vez na biblioteca desde às 8 da manhã conferindo faturas do hospital. Ela e Carlos tiveram uma discussão na noite passada por conta do seu afastamento dele e Carlos irritado acabou indo dormir no quarto de hóspedes. Eles não trocaram qualquer palavra desde que acordaram. Carlos terminou de vestir-se, talvez tenha sido exigente demais com Érika solicitando um afeto que ela não poderia lhe oferecer no momento. Sabe que Érika jamais dará o braço à torcer e se ele não tomar uma atitude de reaproximação, ela passará semanas ignorando-o. Assim ele desce até a biblioteca.

Carlos: Vai ficar aqui trancada ou vai almoçar conosco? -Abriu a porta-
Érika: Tenho muito trabalho Carlos. -Respondeu olhando para os papéis-

     Carlos conhece muito bem a esposa que tem. Érika chateou-se com tudo que aconteceu. Pressionar uma mulher a lhe dar afeto é algo que ele verdadeiramente abomina. Na tentativa de amenizar a situação aproxima-se carinhoso de Érika.

Carlos: Mas hoje é domingo meu amor.
Érika: Porém disse que não posso. -Respondeu com seriedade-
Carlos: Esta bem, mas por isso não parecemos uma família. Cada um enfiado em seus quartos. Depois não se queixe de que Clara e uma menina solitária. A culpa não é dela. É sua.

     Um dos motivos da conversa era que Carlos não sentia-se pertencente à uma família desde que Érika começou a se afundar no trabalho e contabilizar seus momentos de intimidade como se fosse uma mera burocracia. Ela havia comentado alguns momentos antes que Clara mesmo rodeada de amigos mantinha atividades solitárias e Carlos alegou que seu afastamento da família como um todo estava produzindo essa situação principalmente em Clara que sempre reclama da sua falta de atenção.

Érika: Não fale assim. -Olhou-o-

     Carlos não poderia fazê-la sentir mais culpada do que já sentia por toda essa situação. Se pudesse dizer tudo que sabe e voltar a ser feliz não exitaria em fazer. 

Carlos: Como faço você entender que sua família também faz parte de suas obrigações?
Érika: Carlos? -Indignou-se-
Carlos: Erika, você está sacrificando seu marido e sua filha no domingo com coisas trabalho do Vitte, tenho quase que implorar para que façamos coisas juntos. Aquele jantar foi um exemplo e isso já está me cansando. -Disse em um tom de raiva-
Érika: Carlos compreenda minha situação. 
Carlos: Por quê não deixa tudo e passamos um momento juntos?
Érika: Gostaria, mas não posso. -Respondeu em um lamento-
Carlos: Não quer ou não pode?
Érika: Sim eu quero, mas não posso.
Carlos: Ok! Eu não vou insistir. -Saiu batendo a porta-

     Carlos já está de fato cansado com toda a sua distância. Érika o ama mas não pode abrir mão da posição que tomou e colocar tudo em risco agora seria uma tremenda bobagem. Sem dúvida estava perdendo Carlos, ele nunca falou em separação, ao contrário, sempre deu à ela todo o apoio e compreensão que necessitou durante todo esse tempo mas não fácil aguentar 7 anos de rejeição. Talvez uma separação fosse tirar o peso de suas costas, ela já não tem uma família à muito tempo mesmo. Não faz mais sentido investir nesse desejo e quem superou o término de um namoro de 7 anos cheio de amor e paixão pode superar uma separação de 14 anos. O que ela não pode superar é separar-se da filha por mais que não demonstre qualquer afeto por ela. Érika nunca quis ter filhos, para ela ser mãe requer uma habilidade que ela não tem, se não fosse pela intervenção de Carlos teria cometido um aborto. Se tivesse se livrado de Clara teria se livrado de todos os seus problemas mas não é isso que a impede de amá-la. Olhar para Clara sem dúvida remonta todo o seu passado que tenta de todo jeito esquecer mas ao mesmo tempo, remonta toda uma experiência amorosa que ela não pode lembrar. Quando tomou a decisão que tomou tinha acabado de ouvir os batimentos cardíacos da filha no monitor do ultrassom, Carlos ficou tão emocionado que até chorou, como ele desejava ter uma filha. Desse dia em diante ela decidiu que por amor à filha jamais contaria o que sabe e decidiu amá-la com todo o seu coração mesmo que não consiga demonstrar. Ainda que não pareça, é por amor à Clara que decidiu viver todo esse tormento. Clara que acabara de ajeitar com Carla os últimos quitutes para o almoço está sentada á mesa esperando seus pais, Carlos ficou de chamar Érika na biblioteca.

Clara: Minha mãe vem? -Perguntou ao vê-lo entrar-
Carlos: Não. Está como sempre fazendo faturas do Vitte. -Sentou-se-
Clara: No domingo? -Estranhou-
Carlos: No domingo. -Finalizou em uma raiva discreta-
Clara: Nem eu estudo no domingo e eu tenho prova a semana toda.
Carlos: O que acha de darmos uma corrida pela praia depois do almoço?
Clara: Depois do almoço? Para morrermos nós dois de indigestão?
Carlos: Não precisa ser depois do almoço, podemos dar uma volta pela orla, irmos na Quinta e depois corrermos. Só quero fazer um programa com você. -Sorriu-
Clara: Por mim... Eu vou adorar ficar com você pai. -Retribuiu com um sorriso sapeca-
Carlos: Então vamos almoçar porque a tarde é nossa garota! -Comemorou-

     Carla ficou a observá-los com um sorriso. Como Carlos consegue suprir toda a carência que Clara sente por não ter a mãe presente e como ele consegue fazer com que ela a compreenda toda a situação sem que faça qualquer espécie de julgamento. Este homem faz milagres! Pensou ao ver os dois se divertindo enquanto almoçam.

     São 3 horas da tarde e um sol escaldante de 38 graus em pleno mês de setembro. A piscina do condomínio está repleta de crianças que se resfrescam em suas águas frias enquanto pode-se ouvir a música de algumas casas que usam o dia de domingo para fazer churrasco. Victor dirige-se ao La Porte, sua mãe pediu que comprasse uma torta para o lanche da tarde. Sua casa fica entre a de Thaís e Clara e por isso tem que andar por todo condomínio até chegar à cafeteria. Apaixonado por churrasco sente seu estômago roncar cada vez que sente o cheiro de uma carne queimada. Seu pai tinha o costume de fazer churrasco todos os domingos enquanto acompanhava o jogo do Corinthians pela TV. Victor nunca gostou de futebol, ele gostava mesmo era da farra que fazia com seus amigos do condomínio sempre que seu pai realizava esses encontros regados com muita carne e cerveja. Era muito difícil alguém não sair de lá bêbado principalmente seu pai que após tudo terminado caía de porre no sofá. Ainda que não fosse ligado à esses eventos comemorativos de nada para nada, ele conseguia se divertir à sua maneira. 

La Porte

Angélica está no balcão do La Porte, ela acabara de comprar um cappuccino alpino, o seu preferido. Simone ficou a questioná-la do por quê tomar um café com o imenso calor que está fazendo. No mínimo queria se matar mas ela deu de ombros e saiu respondendo a mensagem que André acabara de deixar em seu celular. Eles estão combinando de sair à quase 1 hora e ainda não decidiram em que lugar ir. Angélica por não frequentar qualquer lugar, André está tendo um enorme esforço de escolher um lugar que agrade ambos. Ela sugeriu um museu de arte moderna mas ele já teve sua dose artística pelo resto da semana no concerto que foi sexta feira e está tentando convencê-la a ir ao cinema mas ela só assiste filme cult e André por não entender patavinas acaba sempre dormindo. Victor que entra no La Porte distraído com as lembranças que veio á sua mente sobre as festas promovidas em sua casa esbarra em Angélica que quase derruba seu café.

Angélica: Ai garoto! Não presta atenção não? -Repreendeu-o brava-

     Victor ficou a observá-la. Que menina linda! É tão bonita que parece um anjo que caiu do céu! Pensou admirado! Angélica com toda sua beleza causa admiração em muitos meninos da sua idade e Victor não é de se admirar quando vê uma garota bonita mas Angélica chamou sua atenção. Ela só não é uma princesa porque seu jeito rude quebra qualquer delicadeza que seu semblante reflete. 

Continua...


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Notas finais do capítulo

Há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia um dia ser admirado.

Friedrich Nietzsche



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