O milagre de uma lágrima escrita por NanyBecks


Capítulo 10
Um beijo.


Notas iniciais do capítulo

eu não posso ler o futuro
Mas eu ainda quero te ter por perto
Agora mesmo, eu preciso isso de você
Então me conceda a manhã
Compartilhando outro dia com você.

Angel - Jon Secada.



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Érika e Carlos ficaram à contemplar aquela noite estrelada sentados no banco do jardim. Carlos fez questão de aproveitar ao máximo o momento já que quase não tem oportunidade de ficar junto à esposa como neste dia. Érika também sentiu-se confortada com todo o carinho que Carlos ofereceu à ela. O álcool a deixou extremamente sensível e ela chegou até a conversar com ele sobre toda sua dificuldade em se relacionar de forma satisfatória com as pessoas, principalmente com ele e sua filha. Mesmo sendo uma pessoa muito séria, não imaginava que um dia pudesse se tornar tão fechada como vem se tornando. Carlos com todo seu amor deu à Érika todo o suporte que necessitava e desculpou-se por todas às vezes que fôra intolerante e insensível com suas questões emocionais. Não é mesmo fácil para ela lidar com a perda de sua mãe e ele deveria ao menos compreendê-la.

     É uma manhã ensolarada de quinta feira. Rogério levantou-se bem cedo e saiu sem que Cristina soubesse. Passou à noite em claro pensando em como ajudar sua família financeiramente já que perdera o emprego e não permite de forma alguma que Cristina trabalhe. Essa situação para ele seria ainda mais humilhante. O homem da casa é quem deve arcar com toda as despesas familiares, a mulher deveria apenas se preocupar em cuidar dos filhos e da casa. O único jeito de ter uma renda satisfatória seria retornar ao seu antigo trabalho e solicitar à Bruno mais uma oportunidade. Assim, ele seguiu até o colégio. Teria que se humilhar mais uma vez para que Bruno lhe desse mais uma chance e dessa vez, ele não poderia falhar. Conseguira ficar 5 dias sem fazer uso do álcool e isso foi o suficiente para que ele acreditasse que estava se recuperando do vício. Nunca havia ficado tanto tempo afastado da bebida.

Colégio Senador Fernandes

     Rogério estava sentado no banco da praça desde às 5 da manhã. Um pouco distante, já que não queria ser reconhecido por alunos e professores, ficou à observar a entrada de todos eles. Como se lastima por ter jogado fora a oportunidade de atuar naquilo que tanto gosta. Ele não liga se sua classe não é valorizada. Nunca escolhera o magistério por dinheiro e sim por amor. Se quisesse dinheiro ele faria medicina ou engenharia como sua mãe sempre quis. O que o moveu sempre foi a vontade de ensinar. Não é possível formar bons profissionais e bons seres humanos sem um professor, ele sempre fôra a chave de tudo, acreditava. Por conta de toda sua dedicação destacou-se em todas as escolas pelas quais passou. Só nesse colégio em que atuou, Rogério se destacou por mais de 15 anos como o professor mais dedicado de toda a escola, mas infelizmente, seu vício acabou jogando todos os seus méritos e desejos por terra.  Após todos terem entrado, ele dirigiu-se ao porteiro um tanto envergonhado. Não queria voltar para a escola naquela condição e ter que implorar por seu retorno. 

Rogério: Poderia falar com o Bruno? -Aproximou-se-
Joaquim: Pode ir até lá Rogério.

     Rogério entrou pelo portão e seguiu pelo longo corredor. Enquanto caminhava, sentiu imensa saudade de todas às vezes que lecionava. Todos diziam que ser professor era uma profissão extremamente desgastante ainda mais se tratando do Colégio Senador Fernandes que tem uma ideologia educacional quase que militar, mas para ele, educar nunca fui desgastante, ao contrário, era essa a função que o renovava à cada dia. Nessas lembranças ele chegou à direção e bateu na porta.

Bruno: Entra. -Gritou de sua mesa-
Rogério: Bom dia!
Bruno: Bom dia Rogério! Que bom que está bem. -Sorriu empilhando alguns papéis sobre à mesa-
Rogério: Eu vim conversar com você. Já estou à 5 dias sem beber. Acho que agora consegui me livrar do vício. Queria te pedir mais uma chance. Você sabe que sou eu quem mantém a família. Tenho uma filha pequena para cuidar, tem a escola delas... -Envergonhou-se e não conseguiu mais concluir sua fala-

     Bruno olhou-o com compaixão. Rogério estava de fato em uma situação bastante delicada mas ele nada mais poderia fazer para ajudá-lo.

Bruno: Rogério, entendo toda a sua situação. Sua esposa esteve aqui ontem e também me pediu a mesma coisa e eu disse da impossibilidade em readmiti-lo. Você precisa se tratar de verdade Rogério. Frequentar um psicólogo. Ir ao psiquiatra para que seja medicado e volte à trabalhar. Estaremos dispostos à recebê-lo novamente, mas você precisa estar em tratamento.
Rogério: A Cristina esteve aqui? -Assustou-se-

     Rogério jamais poderia imaginar que Cristina pudesse ter interferido em seu trabalho. Jamais deu à ela qualquer autoridade para isso. À ela competia apenas a interferir em assuntos que dissessem respeito á casa ou à alguma de suas filhas.

Bruno: Achei que soubesse.
Rogério: Não. Ela não me disse nada.
Bruno: Sinto muito não poder fazer mais nada para te ajudar. Infelizmente é você quem tem que querer dar o primeiro passo. Procurar uma ajuda médica e psicológica. O seu seguro deve bancar o tratamento e aí quando estiver bem, voltamos à conversar. Você é um bom professor. Não deixe isso se perder.
Rogério: Obrigado. -Entristeceu-se-
Bruno: Estamos disponíveis para o que precisar.
Rogério: Bom trabalho.
Bruno: Obrigado. -Esboçou um sorriso triste-

     Rogério saiu chateado. Bruno era sua única esperança para que pudesse retornar ao emprego. Agora não haveria mais nada que pudesse fazer além de deixar alguns currículos em escolas para que desse a sorte de ser contratado. Nenhuma escola tem o costume de contratar professor no mês de setembro à não se que esteja precisando desse profissional com urgência. Ele poderia tentar trabalhar em outras coisas também mas o salário não daria para manter a condição de vida que sempre deu à Cristina e as filhas, já estava difícil pagar a escola de Anabela e o curso de inglês de Mariane. Enquanto caminhava pelo corredor ficou à olhar as salas de aula com tristeza. Tem história naquela escola e não poderia acreditar que jogou uma oportunidade como aquela para o alto. Em nenhum outro colégio ele receberá o salário que recebia e nem o respeito que sempre teve. Chateado ele despediu-se de Joaquim com um sorriso e seguiu a calçada sem rumo. Sente-se humilhado demais para voltar para casa e encarar Cristina e suas filhas.

    São nove horas da manhã. Érika havia marcado desde o dia anterior uma reunião com todos os administradores de cada setor do hospital para discutirem os gastos que vem dificultando o orçamento do hospital. Érika não gosta nem um pouco de ter esse tipo de reunião já que nunca chegam à nenhuma resolução. Os administradores dos setores acabam sempre dizendo que todos os gastos são necessários e que nada pode ser reduzido do faturamento. Essa reunião é mais uma tentativa em vão de solucionar os gastos demasiados que o hospital vem enfrentando ao longo do ano. Ela passou metade da noite computando os dados dos 3 anos subsequentes para serem analisados na reunião.  Sem dúvida o hospital precisava conter gastos mas ela não tinha à menor ideia de como fazer isso. A única forma seria demitir funcionários que não estavam se mostrando tão eficientes, mas Marlene achou que essa atitude seria exagerada e poderia causar uma sobrecarga na equipe de profissionais do hospital. Sem qualquer noção de como solucionar o problema, ela mais uma vez, convocou uma reunião. Essa se soma à quarta do ano.

Hospital Vitte

     Érika está na ampla mesa de reunião do hospital. Enquanto arruma seus slides no computador, algumas pessoas vão se ajeitando nas cadeiras e retirando de suas pastas algumas folhas para anotar o que achar necessário no decorrer da reunião. Érika olhou no relógio, Julinha ainda não chegara e comentou com Marlene sobre seu atraso enquanto a amiga a ajudava à colocar os slides no projetor. Após ter auxiliado-a Marlene sentou-se e Érika depois de ter dado alguns minutos de tolerância para o atraso de Julinha à pedido da amiga pediu silêncio aos demais que conversavam enquanto esperavam-a terminar de ajeitar sua apresentação. 

Érika: Podemos começar a reunião. 
Nilze: Ainda falta a Julinha. -Comentou após ter verificado todos da sala com o olhar-

     Érika olhou mais uma vez no relógio. Julinha estava 10 minutos atrasada para o início da reunião.

Érika: Nilze, feche a porta por dentro. -Disse rude-

     Nilze olhou para Marlene à sua frente assustada com a decisão de Érika e levantou-se para trancar a porta conforme solicitado. 

 Bom senhores, convoquei vocês aqui para falar da situação geral da administração. -Colocou o primeiro slide com alguns dados estatísticos dos gastos dos três anos antecedentes projetado no telão- Como podem ver nas estatísticas, há um panorama geral dos gastos anuais dos 3 anos passados... -Explicou-

     Ouve-se uma batida na porta.

Julinha: Érika posso entrar? -Gritou- A porta está fechada. Sou eu! -Disse com um tom de desespero-

     O chamado de Julinha chamou à atenção de todos os presentes na reunião. Érika ao ouvi-lo fingiu não ser com ela. Marlene que já se levantara para abrir a porta foi impedida pela amiga.

Érika: Não abra! -Usou de um tom severo-

     Marlene olhou Érika sem entender sua atitude e sentou-se em seu lugar. Sua amiga não poderia mais uma vez estar sendo tão severa com o atraso de 10  minutos de Julinha. Sem dúvida ela teve problema com o ônibus e esforçou-se ao máximo para tentar chegar à tempo.

 Continuando... A proposta é que pensemos juntos melhorias para o próximo ano. -Olhou novamente para o slide enquanto apontava para os dados com uma régua-

     Julinha após ter percebido que Érika havia se irritado com seu atrasado e se recusado à abrir a porta. Irritada, desceu as escadas que leva ao térreo e passou pela recepção rapidamente chamando a atenção de Rosália que estava fazendo o cadastro de alguns pacientes que esperavam para atendimento no pronto socorro.

Rosália: O que foi? -Perguntou ao vê-la passar por trás de sua cadeira-
Julinha: Cheguei para a reunião que a Érika marcou e a porta estava trancada.
Rosália: Você deve ter chegado atrasada mais uma vez.
Julinha: 10 minutos? -Indagou meio irritada-
Rosália: Conhecendo a Érika você deveria saber que 10 minutos é um atraso considerável. Ela chegou aqui às 6 e a Marlene às 7.
Julinha: Cheguei 10 minutos atrasada. O que são 10, miseráveis, minutos? -Indignou-se-
Rosália: Na administração muito. Pontualidade é a regra número 1.
Julinha: Regra da Érika. Um dia ela vai me ouvir. -Ameaçou-

     Julinha ainda não teve coragem de dizer à Érika tudo que acha sobre ela pois tem medo de perder o emprego, mas sabe que não conseguirá segurar toda sua raiva por muito tempo. Uma hora elas acabarão discutindo acaloradamente.

Rosália: Não se esqueça que ela é a chefe e você a funcionária. -Alertou-
Julinha: É inadmissível a forma como vocês aceitam ser manipulados e tratados por ela. -Indignou-se- A Érika me trata como uma criança. Acha que sou a filha dela.
Rosália: Bobagem! A Érika sempre teve esse jeitão de durona. -Deu de ombros-
Julinha: Você sempre defendendo o general. Tem medo dela também. -Provocou-
Rosália: Se você prefere acreditar nisso. -Pegou sua caneta sobre o balcão e começou a escrever em uma papeleta que estava ao seu lado direito-
Julinha: Eu vou tomar um café porque nem tive tempo para isso por culpa dessa megera.
Rosália: Coloca na sala dela pra mim? -Entregou-lhe um envelope que retirou de uma das gavetas à sua frente-
Julinha: O que é isso?
Rosália: Relatório da enfermagem.

     Julinha saiu irritada e entrou na sala de administração jogando com raiva o envelope sobre a mesa de Érika. Ao pegar seu café sobre uma mesa, ficou à pensar em como poderia impedir que Érika à tratasse como trata. Já fizera várias reclamações na direção do hospital sobre sua forma de conduzir o trabalho mas nada além de algumas conversas sem qualquer resultado foram feitas. Érika estava passando dos limites com toda sua severidade e ela não podia permitir.

     Angélica e André estão na biblioteca do CVM realizando o trabalho que haviam combinado no dia anterior. Por fazerem o mesmo módulo juntos, André não deixou de aproveitar a oportunidade de fazer a tarefa que era em dupla junto com a amiga. Angélica nem gosta de fazer qualquer coisa com alguém, sempre realizou muito bem suas atividades sozinha. Aceitou fazer com André simplesmente porque faz parte de sua adaptação curricular envolver-se em pelo menos, dois trabalhos em grupo por semestre. Talvez não fosse tão ruim assim fazê-lo com o colega . André dedicou-se por toda à tarde à procura de matérias que pudessem ser interessantes para a construção do trabalho e enviou vários links para o e-mail de Angélica que claro, achou todos eles muito superficiais. Perfeccionista como é, ela queria fazer um estudo muito mais aprofundado do tema estilo monografia e não apenas um apanhado geral com apenas 10 laudas conforme solicitado pela professora. André não teve qualquer trabalho em realizar o trabalho com ela. Angélica praticamente o fez sozinha e redigiu 20 laudas em menos de 15 minutos. Ela também havia pesquisado na internet alguns materiais que pudessem contribuir com a escrita e como sempre acontece, ficou com a palavra final. Angélica era sem dúvida muito eficiente e mereceu destaque no módulo de Ciências Espaciais no semestre passado. Depois de terminarem o trabalho, ambos seguiram para a cantina, André precisava conversar com ela sobre toda a saudade que sentiu durante o tempo que ficaram sem se ver já que tinham apenas 10 minutos antes da próxima aula.

Colégio Vicente Marques (CVM)

      As alunas do oitavo ano estão jogando handebol na quadra do CVM. Algumas delas estão treinando para o interclasse que ocorrerá no próximo mês. Thaís joga no time à 2 anos mas seu sobrepeso vem impedindo que jogue com a eficiência necessária. Emília também faz parte do time oficial e é quem ajuda a amiga a não sair do time. Thaís  que com muito esforço conseguiu pegar a bola do time adversário e com seu semblante de dor ela correu em direção ao gol.

Emília: Joga aqui! -Gritou para Thaís-

     Thaís olhou para Emília e quase sem forças lançou a bola para a amiga que estava mais próxima do gol. Não conseguiria chegar até lá. A bola lançada não teve velocidade suficiente para chegar até Emília e acabou sendo pêga pelo time adversário que correu para o gol em sentido oposto.

Lúcia: Deveria ter lançado a bola direto para o gol. -Reclamou ao lado de Thaís-
Giovanna: Você é gorda e por isso não conseguiu correr.
Gabriela: Não tem como deixar você no time desse jeito.

     Lúcia, Giovanna e Gabriela são as colegas de turma que mais debocham do sobrepeso de Thaís. Bonitas e magras, as três já receberam diversas advertências de Camille por sempre estarem tendo com a colega atitudes de discriminação o que é inaceitável pela ideologia da escola. Antes, elas faziam brincadeiras públicas que acabavam expondo Thaís que sempre chegava chorando em casa sentindo-se ainda mais discriminada. Depois de várias interferências de Camille e até mesmo de algumas colegas de Thaís como Cibele e Isabel que as intimaram para uma briga caso continuassem com as brincadeirinhas,  elas não expõem mais a amiga publicamente, mas não deixam de fazer seus comentários maliciosos em sigilo. Cláudia que tomou conhecimento do problema de saúde de Thaís por meio de seus avós, ao vê-la extremamente cansada pediu à ela que se retirasse da quadra. Já havia se excedido no treino e precisava descansar ou seu esforço em demasia prejudicaria seus joelhos.

Cláudia: Thaís venha se sentar. Gritou de fora da quadra- Vejo que já se esforçou muito. Emília fica na defesa e Ângela entra no lugar da Thaís.

     Thaís saiu da quadra chateada e Ângela que estava no banco de reserva deu um abraço na amiga e entrou em campo. Ela reconheceu todo o esforço de Thaís no jogo.

Giovanna: Vai lá sua gorda! -Implicou-

     Com os olhos cheios de lágrimas Thaís saiu ao ouvir o comentário da colega e sentou-se no banco para descansar. Emília que presenciou a cena aproximou-se de Giovanna irritada.

Emília: Não fala assim dela! Você não sabe o esforço que ela tem feito para ficar magra. -Defendeu-
Gabriela: Para perder aquele peso todo vai ter que fazer fotossíntese. -Debochou-
Emília: Cala à boca! -Gritou-
Cláudia: Emília acorda! -Gritou- Vamos gente.

     As jogadoras continuaram à correr pela quadra. Thaís levantou-se do banco onde estava segurando o choro por não ter conseguido terminar o jogo. Extremamente chateada e sem conseguir conter suas lágrimas, ela se dirigiu ao jardim interno do CVM onde ficou à chorar. Tem se esforçado muito para continuar no time que está desde que entrou na escola e não quer ser colocada na reserva por conta de seu peso. 
     Clara que estava chegando à escola já que tem aula de Ciências Biológicas no próximo horário, ao passar pelo jardim, à viu sentada no banco aproximou-se. Era horário o da Educação Física do oitavo ano e era no mínimo estranho que Thaís estivesse ali e não aula.

Clara: Thaís o que aconteceu? -Sentou-se à seu lado- Por que está chorando?
Thaís: Vão me tirar do time oficial de handebol. -Disse sem olhar para Clara-
Clara: Por quê?
Thaís: Porque eu sou gorda! -Usou um tom indignado- Não consigo ter a mesma disposição que minhas colegas. -Olhou para Clara-
Clara: Não é possível! A Cláudia sempre foi uma pessoa super tranquila. Ela não te tiraria do time do oitavo ano por causa disso.
Thaís: O interclasse está aí e eu não consegui correr 20 minutos. Como vou jogar?
Clara: Poxa Thaís. Eu entendo...

     Thaís interrompeu a fala da colega irritada.

Thaís: Não! Você não entende! -Usou um tom alto e firme- Você é uma das meninas mais TOP's da escola. É magra e é uma das melhores jogadoras do seu time. Você não pode me entender por mais que queira.
Clara: Bom, talvez eu não entenda mesmo, mas como sua amiga eu não posso deixar de notar que você está fazendo de tudo para jogar nesse time e também para tentar ganhar uma qualidade de vida melhor. Nada de bom na vida vem sem esforço e determinação. -Disse serena-
Thaís: Você não parece ter feito grandes esforços na vida para me dizer isso. -Provocou-

     Na visão de Thaís, Clara por ser uma garota bonita, que tem vários meninos à seus pés, uma boa família, é a melhor aluna de sua turma, não tem grandes dificuldades de entendimentos nas matérias da escola e consegue executar todas as atividades com desenvoltura à faz pensar que não necessita se esforçar tanto para obter os méritos que tem. Clara nasceu com sorte e pode ter tudo o que quer.

Clara: Acha fácil levar uma vida vegetariana? Ou montar em um cavalo e fazê-lo pular todos aqueles obstáculos? Eu não posso ter os mesmos esforços que você, mas isso não indica que eu não tenha que ser determinada. -Defendeu-se-

     Clara exitou em não falar da sua dificuldade em lidar com sua mãe que vem sendo tão fria com ela. Thaís não a conhece o suficiente para levantar tal declaração. Estava apenas descontando sua raiva por não conseguir ser como a maioria das meninas do colégio. Desde que perdera seus pais tem lutado da forma que pode para não deixar transparecer todas as suas dificuldades e Clara a compreendia.

Thaís: Me desculpa.

     Thaís percebera que sua raiva havia feito com que se tornasse cruel com a amiga. Clara realmente tinha suas dificuldades e ela não tinha o direito de dizer o que disse.

Clara: Não tem que me pedir desculpas. Você está fazendo o melhor que pode Thaís. -Acariciou o rosto da colega-
Thaís: Toma um sorvete comigo?
Clara: Mas e sua dieta?
Thaís: Foda-se! -Olhou Clara com seriedade-

     Clara esboçou um sorriso e abraçou a amiga seguindo para a cantina do CVM. Ela sempre colaborou para que Thaís seguisse à risca a dieta, mas nesse momento, ela estava tão triste que acabou acatando sua decisão, afinal, um sorvete nunca fez mal à ninguém em momentos tristes. Clara passou pela mesa de Angélica e André e com um sorriso discreto se dirigiu à geladeira com Thaís que não deixou de comentar o quanto achava fofa a relação dos dois. Clara riu da amiga que se mostrara um pouco mais alegre depois de tudo que aconteceu. Após escolher seus sorvetes, elas se sentaram em uma mesa um pouco distante de Angélica e André. De jeito nenhum querem provocar uma situação em que uma simples olhada de Clara para André possa fazer com que Angélica entenda como uma investida e arrumar ali mesmo uma confusão.

     São meio dia. Após a reunião Marlene e Érika foram almoçar no restaurante do hospital. A reunião não havia saído como ela esperava e estava chateada com isso. Mais uma vez perdera seu precioso tempo coletando todos os dados durante a noite ao invés de dormir como deveria. Érika não deixou de mais uma vez ser extremamente severa com Julinha ao chamar-lhe sua atenção pelo atraso. Suas palavras foram tão duras que Julinha pegou suas coisas, bateu seu ponto e foi embora para casa. Marlene achando a ação da colega extremamente exagerada travou com ela uma discussão que pôde ser ouvida na recepção. Marlene passou dos limites ao gritar com Érika que com toda sua autoridade pediu à ela que se retirasse da administração e voltasse no dia seguinte. Marlene imediatamente se recusou enfrentando a amiga dizendo que só sairia dali com a polícia. Érika irritada com o enfrentamento dirigiu-se ao restaurante e Marlene percebendo ter se excedido tanto quanto Érika seguiu-a para se desculpar.

Restaurante do Vitte

     Em um profundo silêncio elas almoçam. Érika não estava triste apenas pelo rumos que a reunião havia tomado mas também pelo olhar acusador de Marlene desde que tomou a atitude de não deixá-la entrar e usou de expressões tão pesadas com a colega de trabalho e principalmente com ela, sua melhor amiga. Estava arrependida mas era orgulhosa demais para pedir desculpas. Marlene enquanto almoçava ficava à olhar a amiga tentando compreender o motivo que à levou  a tomar tal atitude. Estaria ela ainda brigada com Carlos?

Érika: Me culpe pelo que fiz com a Julinha. -Comentou ao perceber Marlene olhando-a acusadora-
Marlene: Eu não tenho mais nada à te dizer além do que já disse. -Deu uma garfada no prato sem olhar a amiga-
Érika: Só quero que a Julinha tenha responsabilidade.
Marlene: A Julinha não é sua filha Érika! -Disse irritadiça-
Érika: Ela é muito imatura.
Marlene: Como nós duas aos 23 anos de idade.
Érika: Como você porque aos 23 anos eu tive que dar duro para conseguir chegar aonde estou.-Defendeu-se-

     Marlene suspirou irritada. Érika mais uma vez iria usar como desculpa para sua forma severa em tratar as pessoas, sua vida sacrificada e todo o esforço descomunal que fez para conseguir tudo o que tem atualmente como se todos devessem ter a mesma conduta.

Marlene: Vai começar a dizer como sua vida foi sacrificada? A Julinha não é você! -Disse com firmeza-

     Érika que olhava Marlene com sua arrogância de sempre baixou seu olhar e voltou à comer. Realmente havia mais uma vez se excedido. Marlene ao perceber que a amiga foi tomada por uma chateação continuou.

— Amiga para quê tudo isso? Você foi ontem lá para casa, rimos, bebemos e agora você está assim? Já vi que não se resolveu com o Carlos. -Voltou à comer-
Érika: Nos resolvemos sim. É que eu estou cansada Lene. -Olhou-a triste- Cansada de tudo que acontece. Ás vezes eu penso em ir embora para sempre e largar o Carlos e a Clara. Não tem um dia sequer que eu não sou recriminada pelo que me tornei como se isso não me adoecesse ou não me fizesse sofrer. Se eu tivesse coragem, eu me mataria Lene. -Disse firme-
Marlene: Érika não diga uma coisa dessas! É até pecado! -Indignou-se-
Érika: Eu sei, mas não nego que já pensei em desistir de tudo várias vezes. -Lamentou-
Marlene: Você não pode estar carregando essa culpa toda apenas pelo que aconteceu entre você e o Ventura na sua despedida.
Érika: Foi nela que os meus problemas começaram. Eu não devia ter bebido tanto.
Marlene: Todos estávamos bêbados. O quê aconteceu naquela noite além da transa de vocês?
Érika: Nada, mas isso foi o suficiente para me deixar transtornada. O Carlos não merecia. Eu devia ter contado. Agora é tarde demais. Já tem 14 anos e o Ventura também está comprometido.
Marlene: O quê você deveria ter contado? Que transou com Ventura na sua despedida de solteiro? Acha que isso é mesmo necessário? Você mesma disse que foi uma transa sem qualquer sentimento.

     Érika deu um suspiro nostálgico. Havia mentido à Marlene sobre seu sentimento em relação à Ventura. Marlene que percebera a reação da amiga insistiu. Já percebera que Érika havia mentido sobre a ausência de sentimento quando relacionou-se com o ex-noivo.

— Érika? -Olhou-a inquisitiva-
Érika: Não quero falar nisso. -Desviou o olhar e voltou à comer-

     Érika não precisava dizer qualquer coisa. Seu olhar já havia denunciado tudo que havia acontecido naquela noite e principalmente porque ela se culpava tanto por ter ser relacionado com o ex-noivo. Ela ainda o amava e talvez, ainda o ame apesar de não assumir.

Marlene: Eu não acredito...

     Érika ao perceber que não poderia mais esconder esse fato da amiga interrompeu-a imediatamente.

Érika: Foi uma transa feita com muito amor Lene. Lembro como se fosse hoje dos beijos, dos toques, das palavras do Ventura. Seria a nossa última oportunidade e eu me entreguei à ele como jamais havia me entregado naquela noite. Por isso eu me culpo. Eu não podia feito aquilo com o Carlos. Ele era o dono do meu amor e não o Ventura. Se tivesse sido uma transa sem sentimento como te falei talvez eu não me sentisse tão culpada. -Desabafou-
Marlene: Amiga por que não me contou? 
Érika: Porque eu também não queria admitir que tinha amado aquele homem como amei naquela noite. Eu não devia! Eu não podia! -Culpou-se- Eu nunca consegui amar o Carlos como amei o Ventura. -Lamentou-
Marlene: Amiga, você não deveria ter terminado com o Ventura. Sempre o amou. O que te levou à terminar com ele de verdade?

     Mesmo sendo melhores amigas, Érika nunca contou à Marlene e nem à Ventura o verdadeiro motivo para o seu rompimento tão repentino. 

Érika: O meu medo de ser mãe. Ventura queria pelo menos 3 filhos e a maternidade sempre me assustou. Você sabe que eu pensei em abortar a Clara mais de uma vez.
Marlene: E o Ventura nunca ficou sabendo disso. -Deduziu-
Érika: Não. Achei que ele poderia pensar que eu era insensível e até menos mulher por isso. Qual mulher não quer ser mãe um dia? Eu não poderia satisfazer esse desejo e por isso rompi com tudo dizendo que a relação havia esfriado. Foi só por isso Lene. O que adiantou ter terminado com ele se eu acabei sendo mãe de qualquer jeito? -Suspirou triste-
Marlene: Amiga você devia ter contado ao Ventura. Ele sempre te amou e tenho certeza de que iam achar uma solução para esse impasse.
Érika: Eu deveria ter feito muitas coisas Lene. Uma delas era não ter transado com o Ventura. Isso reviveu todo o meu amor por ele guardado desde que terminamos. 
Marlene: É isso que sempre faz com que você se culpe à cada dia mais.
Érika: É. Eu devia ter contato ao Carlos porque não foi uma transa ao acaso. Se fosse, não faria mesmo sentido.
Marlene: E você pensa em contar?
Érika: Não Lene. Esse é um segredo que vou levar para o túmulo.
Marlene: E o seu amor pelo Ventura?
Érika: Não faço qualquer ideia. -Olhou-a triste-

     Érika realmente não sabe como se desvencilhar do amor que sempre sentiu por Ventura. Muitas vezes arrepende-se por ter rompido com ele pelo que agora ela considera uma bobagem. Ser mãe não é tão ruim quanto pensava. Ela ama Clara com devoção mas toda a sua culpa não permite que se dedique mais à ela, por isso é sempre tão seca. Marlene olhou-a com tristeza. A amiga realmente estava em uma situação muito complicada.

     Angélica saiu de sua garagem empurrando sua bicicleta. Ela tem uma Caloi rosa com cestinha e um monte de apetrechos coloridos nas rodas feitos com canudinhos e algumas fitas coloridas penduradas no guidom. Vestida de short, uma sapatinha com um laço vermelho na frente, uma blusa regata e um laçarote branco para combinar com sua blusa que prende um pouco de seus longos cabelos no lado direito a deixa com um ar de menininha doce e delicada, totalmente diferente daquela que todos conhecem no dia-à-dia. À primeira vista, Angélica tem toda a afeição de uma princesinha mas sua personalidade nunca demonstrou toda essa docilidade, ao contrário, ela sempre foi extremamente rude. Alegre, ela fechou o portão de sua casa e seguiu para a casa de Victor. Ele havia combinado de passar em sua casa mais tarde, mas a ansiedade em vê-lo a fez procurá-lo antes do horário combinado. Victor havia dito à ela que gostava de andar de bicicleta e ela aproveitou para fazer o convite pessoalmente.

Casa da família Grégis

     Angélica  ao chegar na casa do amigo desceu da bicicleta e a encostou no muro. Abriu o portão e tocou a campainha. Victor que estava em seu quarto jogando vídeo-game, ao ouvir a campainha pausou o jogo e foi atender a porta. Deve ser Cléris. Ele disse que passaria em sua casa na parte da tarde para terminarem a missão no GTA.

Victor: Oi Angélica! -Sorriu-

     Victor estava feliz em saber que Angélica havia ido à sua casa. Não estava esperando por ela.

Angélica: Desculpa vir sem avisar. Você que ficou de ir lá em casa. -Disse sem jeito-

     Angélica estava vivenciando um sentimento que nunca havia sentido. Sempre acostumada à não se envolver afetivamente com ninguém, deparar-se com uma paixão por um menino era para ela uma situação bastante incômoda e não sabia como agir. Jamais havia ido à casa de qualquer garoto e chamado-o para fazer qualquer coisa que fosse. Toda essa situação era para ela muito nova.

Victor: Imagina! Entra.  -Convidou-a fazendo um gesto com as mãos-

     Angélica entrou com certa timidez enquanto Victor fechou a porta.

Angélica: Eu estava à toa em casa e pensei que talvez você quisesse dar uma volta de bicicleta pela Lagoa.
Victor: Eu vou adorar, mas não tenho bicicleta.
Angélica: Não tem problema. Posso emprestar a do meu pai. Ele nem usa mesmo.
Victor: Ele não vai se importar?
Angélica: Não. Só tem que ir lá em casa buscar. Você se importa?
Victor: Claro que não! Eu só preciso me trocar. Você me espera?
Angélica: Espero.
Victor: Não vou demorar.

     Victor dirigiu-se à seu quarto. Estava imensamente feliz em poder sair mais uma vez com a garota que ele considera uma princesa. Desligou o vídeo-game e começou a trocar de roupa. Angélica que aguardava na sala ficou à olhá-la. Até que a casa de Victor estava bem jeitosa para quem acabou de se mudar. Ao olhar para uma estante com uma tv e alguns porta retratos, ela aproximou-se. Havia algumas fotos de Lucas e Victor quando mais novos, mas um porta retrato em específico chamou-lhe a atenção. Era um foto onde Victor estava abraçado à seus pais. O sorriso na foto denotava uma família extremamente feliz. Angélica passou seu dedo indicador sobre ela e deu um sorriso. Havia ficado feliz em ter visto Victor sorrir. Desde que o conheceu nunca o viu dar um sorriso como aquele por mais contente que estivesse. Victor que saíra de seu quarto ao entrar na sala viu Angélica segurando o porta retrato, vagarosamente, aproximou-se e pegou-o de suas mãos. Angélica assustou-se.

Angélica: Me desculpa se fui invasiva. Achei que não tivesse problema.

     Angélica percebeu que Victor havia se incomodado ao vê-la olhando a foto.

Victor: O problema não é você. É essa foto estar aí. -Colocou o porta retrato novamente sobre a estante-
Angélica: É foda quando queremos esquecer algumas coisas e elas continuam na nossa memória né?
Victor: Você tem coisas que queria esquecer?
Angélica: Tenho.
Victor: Um dia você me conta?
Angélica: Talvez. Se eu ainda lembrar. -Riu-
Victor: Se você conseguir você me ensina?
Angélica: Acabar com as fotos foi a primeira coisa que eu fiz.
Victor: Eu não posso. Essa foto é da minha mãe. -Lamentou-
Angélica: Então eu sinto muito. A gente não mexe nas memórias dos outros.
Victor: Eu sei. Vamos? -Chamou-
Angélica: E o seu irmão?
Victor: Está na escola. Depois minha mãe vai buscá-lo.
Angélica: Então vamos. -Sorriu-

     Victor e Angélica saíram. Victor trancou a porta enquanto Angélica pegou a bicicleta empurrando-a, ambos foram conversando sobre onde gostavam de pedalar.
     Rogério após ter saído da escola, chateou-se tanto com a forma em que fôra tratado por Bruno que seguiu para o bar mais próximo em embriagou-se de pinga até não conseguir mais se equilibrar sozinho. Sentiu-se traído por Cristina não ter comunicado que iria interceder por ele na escola. Jamais poderia permitir que sua mulher se envolvesse em qualquer assunto desse tipo. Estava deveras irritado com ela, por outro lado, estava também chateado com Bruno que não lhe deu qualquer oportunidade de retorno. Ele tinha anos naquela escola e achou sua atitude muito injusta com um funcionário tão dedicado quanto ele. Totalmente embriagado, ele entrou no condomínio cambaleando. Victor perguntou quem era aquele homem que chegou daquela forma. Angélica sem querer dar detalhes sobre toda a questão problemática que envolve Mariane e sua família disse apenas que era um vizinho e que tinha problemas com bebida e entraram na garagem de sua casa.

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     Cristina estava sentada no sofá assistindo à um programa na tv. Preocupada com Rogério que saíra cedo sem avisar ninguém, já havia deixado várias chamadas e mensagens em seu celular sem ter obtido qualquer resposta. Ele nem sequer apareceu para almoçar. Teme que seu marido possa ter novamente procurado algum bar para beber que não fosse o que sempre vai. Eles já teriam ligado avisando caso estivesse lá. Rogério abriu a porta da sala com certa dificuldade.

Cristina: Rogério onde você estava? Fiquei preocupada. -Aproximou-se-
Rogério: Cadê as meninas? -Perguntou agressivo-
Cristina: Anabela está na escola e a Mariane foi para o curso de inglês.

     Rogério trancou a porta e tirou a chave. Mariane poderia chegar e pegá-lo naquele estado se a encontrasse aberta. Cristina assustou-se com a atitude do marido.

 - O que houve? -Perguntou sem entender-
Rogério: Vadia! -Olhou-a com agressividade-
Cristina: Você bebeu Rogério? -Percebeu sua embriaguez- Você havia me prometido. Prometeu à Anabela.
Rogério: Cala à boca! -Segurou o braço de Cristina- O que foi fazer na minha escola? Você foi lá interceder por mim? Você acha que eu sou um pobre coitado que precisa que você faça alguma coisa pra mim? -Jogou-a sobre o sofá da sala-
Cristina: Não. -Disse temorosa- Eu só quis ajudar Rogério. Não fiz por mal. Me desculpa! -Implorou-

     Cristina já havia vivenciado esse tipo de situação mais de uma vez e sabe bem que Rogério iria agredí-la por ter ido à escola interceder por seu emprego.

Rogério: Quantas vezes já disse para não se meter aonde não foi chamada? -Segurou seu pescoço-
Cristina: Rogério por favor! Me desculpa! -Disse com desespero-
Rogério: Não quero que minha mulher se meta nas minhas coisas. O que eu faço para te ensinar? -Olhou-a raivoso enquanto segurava seu pescoço-
Cristina: Rogério por favor! -Implorou quase sem ar-
Rogério: Você me humilhou Cristina. -Soltou-a-
Cristina: Eu só quis te ajudar. -Levantou-se com a mão no pescoço e ofegante-
Rogério: Nunca pedi sua ajuda. -Trincou os dentes irado-
Cristina: Rogério pensa nas meninas. Anabela vai ficar chateada se te ver nesse estado.

     Cristina mencionou suas filhas na tentativa de amenizar a raiva e sensibilizar Rogério em relação ao que fez e para que não a agrida mais.

Rogério: Qual estado vagabunda? -Gritou- Qual estado?
Cristina: Por que você não toma um banho, deita e dorme? -Usou de seu tom terno como sempre faz nessas situações e aproximou-se-
Rogério: Não me toque!

     Rogério esbofeteou Cristina e jogou- a novamente no sofá enchendo-a de tapas e socos por todo o seu corpo.

Cristina: Rogério! -Gritou em um clamor-
Rogério: Eu deveria matar você por se meter nos meus problemas. -Segurou-a pela gola da blusa e jogou-a no chão com violência-
Cristina: Rogério eu já te pedi desculpas. -Amedrontou-se-
Rogério: De nada adianta suas desculpas depois de ter me humilhado. 
Cristina: Não faça isso Rogério. -Implorou-

     Rogério mais uma vez a golpeou no rosto tirando sangue de seu nariz. Cristina começou a chorar desesperada. Sabe que não tem forças para enfrentá-lo. Ele pode acabar cometendo um assassinato no estado em que se encontra caso ela resolva defender-se de suas agressões.

Rogério: Você não tem que se meter na minha vida vagabunda! -Olhou-a com desprezo-

     Rogério destrancou a porta da sala e saiu. Cristina tentou levantar-se do chão, mas havia recebido golpes por todo o corpo e isso estava impedindo-a de fazer qualquer movimentação. Com marcas no rosto e com o nariz sangrando ela começou à chorar e torceu para que conseguisse se levantar antes que Mariane chegasse. Não saberia o que a filha poderia fazer caso a encontrasse naquele estado.

     Ventura tem uma bicicleta abóbora dos anos 80. Ele sempre gostou de bicicletas antigas e tem várias miniaturas delas guardada em uma caixa dentro de seu guarda-roupa. Angélica sempre reclamou da bicicleta do pai. Além de bastante retrô, chamava a atenção por ser abóbora e Ventura sempre brincou dizendo que ela fazia jus à sua idade, mas isso nunca foi um impeditivo para que pai e filha pudessem pedalar juntos. Assim que entrou na garagem da casa de Angélica, Victor se deparou com aquela bicicleta tão inusitada e ficou admirado. Nunca havia visto uma de perto exceto em alguns eventos de exposição que fôra em São Paulo. Angélica explicou à ele o motivo de seu pai ainda não tê-la trocado para uma bicicleta mais moderna e perguntou se Victor não se importaria em pedalar nela. Ele lógico, não se importou, estava muito contente em poder montar em uma raridade daquela e sugeriu inclusive que ela tirasse uma foto para que ele pudesse guardar de recordação assim que comprasse um celular. 

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     Angélica e Victor estão na garagem. Ventura saiu com o carro e eles tem um espaço grande para poder limpar a bicicleta que está parada à quase 4 anos. Enquanto Victor tira o pó com um pano que Angélica lhe deu, ela agachada no chão tenta com muito sacrifício encher um dos pneus com uma bomba própria. Geralmente, quem exercia essa função de encher pneus era seu pai porque ela não tinha força o suficiente e sempre desistia na metade.

Angélica: Tem um tempão que essa bicicleta está jogada aqui. -Disse pressionando a bomba contra o pneu com certo esforço-
Victor: Estou vendo. Cheia de poeira. -Olhou o pano que de branco ficara preto com tanta poeira-
Angélica: Não tenho muita força para encher. -Reclamou tentando encaixar a bomba que se soltou do pino do pneu- Meu pai era quem fazia isso, mas agora...

     Victor riu da falta de habilidade da colega. Angélica não estava conseguindo encaixar o orifício da bomba no pino e por isso estava com dificuldade em enchê-lo.

Victor: Eu te ajudo. -Pegou a bomba de suas mãos-

     Victor ajoelhou-se à seu lado e encaixou o orifício no bico de uma forma que não mais se soltasse.

— Tem que encaixar com firmeza. -Mostrou- Assim. -Começou a bombear-
Angélica: Olha! -Admirou-se ao ver Victor encher o pneu com destreza- Você sabe mesmo. Nada como uma mão masculina para certas coisas. -Sorriu-
Victor: Eu sempre tive bicicleta mas tive que vender para vir pra cá.
Angélica: Que droga. -Lamentou-
Victor: Não tinha como trazê-la no ônibus.
Angélica: O jeito vai ser comprar outra assim que puder né? -Sentou-se no chão-
Victor: É. Você gosta de trilha né?
Angélica: Amo. 

     Victor deu uma risada enquanto enchia o pneu da bicicleta. Angélica sem entender a expressão do amigo perguntou curiosa.

— Por que riu?
Victor: Eu não imagino uma menina como você se enfiando no meio do mato. Tem cara de ter medo até de formiga. -Fitou-a com um sorriso-

     Victor realmente não poderia imaginar que uma menina tão delicada como Angélica pudesse curtir qualquer tipo de atividade radical. Ela tinha um jeito todo mimadinho e uma aparência de quem gritava por qualquer inseto que se aproximasse dela.

Angélica: Eu não gosto de inseto nenhum, mas nada que um repelente não ajude.
Victor: Você gosta de jogar vídeo-game, curte trilha e é uma enciclopédia ambulante em arte. Com o que mais vai me surpreender? -Parou de bombear-
Angélica: Eu sei andar de skate e soltar pipa.
Victor: Isso eu não sei. -Voltou a bombear-  Meu pai achava perigoso e nunca me deixou chegar perto de um skate além do mais, eu sempre caía. Um dia eu quebrei o braço e eu nunca mais andei. Já a pipa, ele tinha medo do cerol.
Angélica: A gente só aprende caindo. Eu já caí de vestido na frente de um monte de meninos na quadra.
Victor: Sério? -Admirou-se- E aí?
Angélica: Levantei e continuei tentando. Depois que aprendi eu voltei lá e tirei a maior onda. -Envaideceu-se-

     Victor deu uma risada pelo comentário da colega. Não esperava esse tipo de resposta. Angélica era de fato bem ousada.

Victor: Pronto! -Retirou a bomba da bicicleta e fechou o pino- Já está cheio. -Apertou o pneu- Vamos? Olhou-a-
Angélica: Vamos. Levantou-se-

     Victor também levantou-se  e ambos empurrando suas bicicletas dirigiram-se à saída da garagem. 

Praça dos Amores

     Clara e Mariane que acabaram de chegar do curso de inglês que fazem juntas encontraram as amigas na praça e pararam para conversar um pouco. Thaís estava contando sobre o que aconteceu no jogo de handebol e que se continuasse da forma que estava não poderia continuar no time. Clara havia dito que Giovanna, Lúcia e Gabriela eram meninas muito perversas em fazer com ela aquele tipo de comentário. Cibele mesmo já havia entrado em uma discussão com as 3 por vários motivos, um deles, por elas serem extremamente discriminadoras. Elas já haviam feito vários comentários no colégio à respeito da opção sexual de Isabel que não deixou barato e junto com Cibele e Angélica intimou-as para uma briga corporal. As três recuaram após Angélica ter ameaçado-as, ela fez luta marcial por 3 anos e nenhuma delas queriam correr o risco de ficarem machucadas. Thaís após ter desabafado sobre tudo o que aconteceu, Cibele imediatamente começou a fomentar uma possível briga entre elas. As três precisavam de uma lição. Clara tentou amenizar a intriga dizendo que não se resolveria nada com agressão e lembrou as amigas que Angélica já havia recebido uma advertência de Camille de que não poderia mais se envolver em qualquer briga depois de ter deslocado com um soco a mandíbula de um garoto  do terceiro ano que tentou assediá-la na saída do banheiro à algumas semanas atrás.

Clara: Não acho que a Angélica vai querer se envolver novamente em uma briga depois do que aconteceu.
Isabel: Eu acho que as bonitonas do oitavo ano que não vão querer se meter com ela.
Thaís: Gente, a Clara tem razão. Deixa esse assunto pra lá. Eu vou me esforçar para manter a forma e fazer de tudo para jogar nesse time. Acho que essa será a minha maior vitória.
Clara: Eu nunca achei que brigas resolvessem qualquer coisa.
Mariane: Diga isso para o Álvaro que teve sua mandíbula deslocada com um soco da Angélica. 
Cibele: É verdade. Ele nunca mais assediou ninguém.
Isabel: Eu achei bem feito. Ele era um nojento que ficava forçando a barra com as meninas. Até eu tive vontade de dar uns tapas nele.

     Angélica e Victor saíram pelo portão empurrando suas bicicletas. Thaís olhou-os e comentou.

Thaís: Ihh! Olha com quem a Angélica está saindo.
Clara: Com quem? -Procurou-a com o olhar-
Thaís: Com o Victor.

     Por estarem um pouco distantes, Clara tentou ver quem era o tal vizinho que somente ela ainda não havia conhecido, mas como Angélica estava cobrindo-o, não conseguira ver com nitidez.

Isabel: Ihh! Já tem um tempo.
Thaís: Mas ela não está com o André? -Perguntou olhando-os sair pelo condomínio-
Clara: Podem ser só amigos.
Mariane: Angélica não tem amigos Clara. -Disse contundente-
Cibele: Finalmente você viu o Victor, Clara.
Clara: Eu nem consegui ver direito. Estava meio longe e a Angélica estava tampando-o, mas não faltará oportunidade.
Cibele: Com tanta menina aqui e como sempre, ele foi se encantar logo pela Angélica. O Cléris me disse que ele está caidinho por ela.
Isabel: Não entendi o seu comentário do "Logo pela Angélica", Cibele. -Indagou curiosa-
Cibele: Ahh porque ela é toda esquisita. Nunca se envolveu sério com alguém.
Mariane: Aí ele vai levar um fora da Angélica e se interessará pela Clara como sempre acontece.
Thaís: Verdade.
Clara: Ai gente pára! Nem é desse jeito. -Defendeu-se-
Cibele: O que dizer do Ramon? É uma pena que ele não vá à festa da Mariane.
Mariane: Eu só não chamei porque a Clara não quis. -Olhou-a-
Clara: Gente eu nem gosto do Ramon, além do mais, ele ficou com a Angélica.
Cibele: É verdade! Ficar com os ex dela é sempre problema. -Lembrou-
Isabel: Mas ela ficou com ele à 3 meses atrás.
Cibele: Bom, eu não ficaria. Só se estivesse muito apaixonada o que não é o caso da Clara.
Isabel: Eu achei que ela fosse finalmente namorar o André, me enganei.
Mariane: Coitado. Ele é doido nela.
Thaís: Ele e todos os meninos. -Concluiu-
Clara: Gente eu vou pra casa. -Levantou-se-
Isabel: Você acabou de chegar.
Clara: Eu sei, mas eu acabei de voltar da aula de inglês. Preciso tomar um banho e comer alguma coisa.
Mariane: Me liga à noite Clara.
Clara: Pode deixar. -Retirou-se e seguiu para sua casa enquanto suas amigas continuaram à conversar-

     Érika estava na biblioteca escrevendo em seu diário, saiu do vitte mais cedo. Ficou tão mexida com a conversa com Marlene que não conseguiu mais dar conta do seu trabalho e acabou saindo duas horas antes do horário normal. Arrepende-se por ter terminado com Ventura. Se estivesse com ele, talvez se sentiria mais feliz e realizada no casamento. Não tem o que reclamar de sua vida profissional, mas em compensação, sua vida afetiva nunca mais foi a mesma desde que conheceu Carlos. Érika não deixa de culpar-se por 1 segundo sequer por não conseguir esquecer tudo que sente por Ventura e dar à Carlos todo o amor que considera que mereça. Muitas vezes se perguntou se Ventura ainda pensa nela com tanta paixão como ela ainda pensa nele. Mesmo não tendo uma relação de proximidade, eles sempre se encontram em alguns eventos festivos do condomínio ou do bairro e ele sempre está sorridente e derretendo-se de carinhos por Sônia. Ventura sempre fôra muito apaixonado e nunca fez questão de esconder seus sentimentos de qualquer pessoa que fosse. Sem dúvida, ele é mais feliz que ela em seu casamento e talvez, até tenha esquecido tudo o que um dia sentiu por ela. Após a despedida de solteiro de Érika eles nunca mais tocaram no assunto em relação ao que aconteceu naquela noite. Ventura chegou a implorar entre beijos que Érika não se casasse e ela mesmo alegando amá-lo com toda a força de seu coração não poderia desistir naquele momento e implorou que ambos se esquecessem depois daquela noite. Ventura parece ter conseguido esquecê-la, já ela, nunca conseguiu retirar tudo o que sente por ele de seu coração. Érika levantou-se e dirigiu-se à sala. Clara saiu às 2 horas da tarde e ainda não chegou em casa. Precisa ter notícias da filha e só Carla poderia lhe dar essa informação mas ela havia saído para fazer compras e Clara não respondeu o whatsapp.

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     Clara entrou na sala de sua casa carregando seus livros de inglês e ao subir o primeiro degrau da escada que à leva para o andar de cima ouviu o chamado de sua mãe que vinha da biblioteca. Ainda era cedo para estar em casa. São 5 horas da tarde e ela raramente chega à essa hora.

Érika: Clara? Clara? -Chamou-a ao entrar na sala-
Clara: Sim mãe. -Respondeu em meio aos degraus-
Érika: Por que não respondeu meu whatsapp? -Aproximou-se-
Clara: Eu nem vi.
Érika: Onde você estava? 
Clara: Eu cheguei da aula de inglês e fiquei um pouco com as meninas na praça. Eu liguei para avisar à Carla.
Érika: Mas sua mãe sou eu e não a Carla.
Clara: Eu sei, mas como iria te avisar se eu sem sabia que você estava em casa? Você chegou mais cedo?
Érika: Cheguei.
Clara: Aconteceu alguma coisa?
Érika: Não tem que se meter nesse tipo de coisa Clara. -Disse com seriedade-
Clara: Desculpa. -Redimiu-se-
Érika: Seu pai disse que nesse fim de semana sua prima virá ficar aqui por 3 meses?
Clara: Disse.
Érika: Ela vai ficar no quarto de hóspedes. Vou pedir à Carla para deixar tudo arrumado.

     Clara percebeu o tom de insatisfação de sua mãe e logo perguntou.

Clara: Você não gostou muito da ideia né?
Érika: Não. -Respondeu contundente- Acho que seu pai enlouqueceu ao ter aceitado o pedido do irmão. Assumir a responsabilidade de cuidar do filho do outro é muita loucura ainda mais se tratando da Lavinha.
Clara: Que isso mãe! -Assustou-se- A Lavinha é uma boa menina.
Érika: Muito rebelde. Vejo a forma como se comporta nas redes sociais e sei que teremos problemas.

     Lavinha é uma adolescente com ideologias humanitárias e extremamente feminista. Érika que tem ideais mais conservadores após ter visto algumas postagens da sobrinha nas redes sociais principalmente em relação aos direitos das mulheres se incomodou por demais e agora teme que ela seja uma má influência para a filha que foi criada em seus moldes conservadores.

Clara: Mãe, a Lavinha é só uma adolescente feminista indignada com todo o silêncio que nos rondou durante anos. -Defendeu-a-
Érika: Ela saiu de seios de fora em uma manifestação chamada Marcha das Vadias! -Comentou meio indignada- Que garota de boa educação vai em uma manifestação com o seios de fora? É assim que vocês querem respeito? 

     Érika referiu-se à uma foto que Lavinha postou na internet com os seios à mostra em uma passeata que foi em Brasília para lutar pelos direitos das mulheres. Ao ver a foto ela assustou-se de tal maneira que quase obrigou Carlos a conversar com o irmão à respeito da conduta da sobrinha. 

Clara: A Macha das Vadias tem toda uma construção histórica mãe. -Explicou-
Érika: Não me interessa! -Finalizou antes que Clara desse mais explicações- Eu não me sinto nem um pouco representada por essa mulherada pelada. Eu hein! Onde esse mundo vai parar? -Reclamou-

Érika subiu as escadas indignada com o argumento de Clara. Conservadora como é, jamais poderia aceitar uma situação como essa e principalmente, que a filha falasse como se fosse algo natural. Clara ao ver sua mãe subir as escadas esboçou uma risada, deitou-se no sofá, retirou seu celular do bolso do short e começou a ver suas redes sociais. Sua mãe jamais conseguirá entender o que representa de verdade o feminismo e a necessidade de sair com os seios de fora.

     Angélica e Victor andaram quase 2 horas de bicicleta. Angélica empolgada convenceu o amigo à ir com ela ao Jardim Botânico, era um lugar bem bonito e achou que Victor gostaria de conhecer. Sem dúvida ele ficou admirado com o local. Além de romântico estava bem fresco em relação ao calor que fazia no Rio de Janeiro. Só Angélica mesmo para aguentar todo aquele sol na cabeça, ele já estava exausto. Após tomarem uma água de coco eles seguiram para a Lagoa, Angélica ainda estava disposta à pedalar por mais 1 hora. Se dependesse dela, mostraria todo o Rio de Janeiro para ele de bicicleta, mas Victor disse estar um pouco cansado e preferiu voltar para a Lagoa. Já havia algum tempo que não andava de bicicleta e estava com a perna doendo.

Lagoa

     Ao chegarem na Lagoa, Angélica e Victor desceram da bicicleta e a empurraram até a areia. Já era um pouco mais de cinco e meia e o sol não estava mais tão forte e eles puderam sentir o vento tocar seus rostos trazendo uma sensação de frescor que Victor tanto desejava.

Victor: Nossa! Você gosta mesmo de bicicleta. -Sentou-se exausto-
Angélica: Eu sempre gostei de andar. Sentou-se à seu lado-
Victor: Obrigado por ter me emprestado a bicicleta do seu pai. Ele não vai ligar não né?
Angélica: Não. Meu pai e eu fazíamos muito isso juntos. Hoje, não mais. -Sua fala contemplou um tom triste-

     Victor percebeu que a amiga entristeceu-se ao referir-se à seu pai. Ela sempre fez referência à tudo que fazia com ele com muita nostalgia e tristeza como se hoje todas essas atividades não fizessem mais parte da sua vida, mas nunca contou de fato o que aconteceu entre eles. A única coisa que Victor sabe, é que Angélica deixou de realizar muitas coisas com ele após sua entrada no doutorado.

Victor: Me parece que vocês não se dão muito bem. -Afirmou-
Angélica: Meu pai só pensa na profissão. -Disse em um lamento-
Victor: Acho que ele está certo, não?
Angélica: Não acho que devamos trocar família por trabalho. Meu pai me abandonou. Abandonou minha mãe. Não tenho o que reclamar da minha vida. Nunca me faltou nada. Sempre tive tudo do bom e do melhor, mas eu trocaria tudo isso para ter de volta o meu pai. -Desabafou-

     Victor foi a primeira pessoa de seu pequeno ciclo social que Angélica conseguiu abrir sua vida privada. Ela nunca havia dito à ninguém sobre a ausência que seu pai faz em sua vida além de sua mãe.

Victor: O fato do seu pai trabalhar muito não quer dizer que ele não te ame Angélica, ao contrário, acho que se ele trabalha tanto é justamente por amar muito vocês.
Angélica: Meu pai gosta de prestígio, sucesso, reconhecimento, por isso eu fiz questão de não ir à defesa de doutorado dele. Ele ainda fez uma dedicatória pra mim, como se eu me interessasse por medicina ou por qualquer coisa desse tipo. Meu pai me magoou muito Victor. -Baixou seu olhar entristecido-

     Victor olhou a amiga que demonstrou-se imensamente triste com tudo que lhe contou e não deixou de compadecer de sua dor. Ele também sofre muito pela ausência do pai. Ele também  o magoou muito cometendo suicídio.

Victor: Entendo sobre mágoa. Sei bem o que é viver com uma ferida aberta, mas você ainda tem pai e pode fazer diferente. Já eu... -Baixou seu olhar também entristecido-

Angélica também compadeceu da dor do amigo. Ela não estava em uma posição diferente de Victor. Assim como ele, também estava elaborando o luto da morte de seu pai desde que  se desfez de suas memórias dias atrás. Mesmo que ele estivesse vivo, em seu coração, Ventura estava morto.

Angélica: Desculpa se te fiz lembrar de coisas que te fazem mal. É que a gente já compartilhou tantas coisas meio que... íntimas. -Olhou-o-
Victor: Não tem que se desculpar de nada. -Sorriu para a amiga- Sabe Angélica, tem uma coisa que a gente não compartilhou e eu queria compartilhar com você desde ontem.
Angélica: O quê?

     Victor olhou Angélica nos olhos e admirou todos os delicados traços de seu rosto. Angélica olhou-o sem entender a atitude do colega, o que ele estava querendo olhando-a dessa forma? Pensou enquanto Victor deslizava a mão por seus cabelos retirando-o de seu rosto por conta do vento. Angélica continuou à olhá-lo com docilidade, já entendera o que o colega queria. Victor acariciou seu rosto e aproximou-se lentamente de seus lábios. Angélica fechou os olhos enquanto Victor tocou seus lábios com os dele. Angélica foi tomada por um sentimento confuso, não estava em seus planos relacionar-se intimamente com Victor. Seu beijo a fez sentir como jamais havia sentido com qualquer outro garoto, acarinhada e protegida. Ainda confusa com todos os seus sentimentos ela tocou os cabelos de Victor e correspondeu à seu beijo tão doce e acolhedor. Ele era mesmo um menino especial.

Victor: Desculpa. -Disse após beijá-la- Já resisti demais. -Olhou-a e acariciou seus lábios com o polegar.
Angélica: Não tem que se desculpar. -Sorriu- Não te pedi nenhuma explicação. -Disse ainda um pouco confusa com tudo que aconteceu-
Victor: Eu nem sei se você tem alguém. Algum namorado ou ficante.

     Victor fez o comentário propositalmente na tentativa de descobrir se o tal garoto que enviou para Angélica a mensagem no dia anterior era algum ficante de sua colega.

Angélica: Isso é importante? -Desconversou-

     Angélica não queria dar qualquer explicação à Victor sobre seu relacionamento com André.

Victor: Eu sou meio medroso.

     Angélica riu do comentário do amigo. Possivelmente Victor estava com medo de levar uma surra de André caso descobrisse que se relacionaram.

Angélica: Relaxa. -Sorriu-

 Victor beijou novamente Angélica que nesse momento demonstrou-se um pouco mais solta e conseguiu acariciá-lo com menos timidez. Após se beijarem Angélica olhou-o com ternura e deu um sorriso sapeca.

 O que acha de darmos uma nadada no Leblon? -Fitou-o travessa-
Victor: Assim? De roupa? -Assustou-se-
Angélica: Qual é o problema?
Victor: Eu não sei. Nunca fiz essas coisas. -Disse confuso-
Angélica: Vem. Anda Victor! Você vai gostar. -Puxou-o pelo braço-

     Levantaram-se e pegaram suas bicicletas dirigindo para o Leblon.

Continua...


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Notas finais do capítulo

O meu amor agora está perigoso. Mas não faz mal, eu morro mas eu morro amando.

Cazuza



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