— Eu não aguento mais Julie, não aguento mais viver nesse inferno! Não sei o que fazer - Disse com lágrimas nos olhos enquanto acariciava um ursinho de pelúcia com uma das mãos e com a outra segurava o celular.

— Sei que não é fácil para você e consequentemente não está sendo nada fácil para mim também. Mas você sabe que eu estou aqui amor, pra tudo!

— Tenho que desligar. Eu te amo!

Era cerca de 9:00 PM quando minha mãe abriu a porta do meu quarto tão bruscamente, que fez com que a maçaneta batesse com força contra a parede.

Deitei rapidamente e fechei os olhos, a noite estava chuvosa, o céu tão escuro que parecia ter se inspirado na atual fase da minha vida.

— Levanta Melanie, ouvi sua voz agora mesmo. Estava falando com aquela vagabunda, não estava?

O silêncio tomou conta do quarto por cerca de um minuto.

— Melanie... Não testa minha paciência, não me faça te arrancar daí no tapa.

Me revirei lentamente na cama e abri os olhos.

— A única coisa que eu queria entender é o porquê de tanto preconceito, tanto ódio - Questionei.

Ela revirou os olhos e riu em um tom de deboche.

— Para de falar merda e desce que o jantar está pronto - Disse virando as costas - Ah... antes que eu me esqueça, não quero saber de você falando com aquela vadia enquanto estiver morando embaixo do meu teto.

— Estou sem fome.

— Ainda assim a louça do jantar é sua.

Levantei bruscamente e disse indignada:

— E a Karina??? Por que tudo tem que ser eu nessa casa? Manda ela lavar, não aguento mais tanta injustiça.

Ela que já estava de saída do meu quarto, deu meia volta e andou em direção a mim, parou cerca de um passo de distância, o suficiente pra eu poder sentir sua respiração. 

— Porque ela não se relaciona com mulheres! 

— É essa a filha que tem valor né?! Karina tem uma filha de 4 anos que é praticamente a senhora quem cria enquanto ela fica pra lá e pra cá em shopping fazendo compras, além de não ter terminado os estudos simplesmente por ter uma família rica e achar que vocês vão viver para sempre para sustentá-la - Desabafei com lágrimas nos olhos.

Ela me olhou por longos segundos, estava nítida a raiva em seu olhar, logo em seguida se retirou.

Ouvir essas coisas da minha própria família, essas comparações com a minha irmã mais velha me doía muito, cada dia que passava estava sendo mais insuportável essa convivência.

Minha mãe descobriu meu namoro com a Julie há um mês, em um maldito dia que deixei meu celular desbloqueado sobre o criado-mudo ao lado da minha cama e fui tomar um banho. Quando voltei já era tarde, lá estava ela chorando enquanto segurava meu celular em uma das mãos. Meu coração disparou, senti minhas veias contraírem subitamente, tenho certeza que naquele momento meu rosto estava mais branco que um papel. Eu tenho noção do quanto minha família é homofóbica, esse era o motivo de não ter contado nada ainda.

Lembro do nosso diálogo como se fosse ontem.

Eu disse a ela que poderia explicar, que ela havia entendido errado. Mas ela disse que não tinha o que explicar (e realmente não tinha), que esperava qualquer coisa de mim menos isso e que toda minha família ia ficar sabendo. A frase que não sai da minha cabeça desde aquele dia é: "isso foi a pior decepção da minha vida Melanie, e olha que eu tive muitas".

Desde então minha vida mudou, minha mãe que era extremamente carinhosa comigo já não era mais, eu tinha qualquer coisa que queria, qualquer coisa que eu pedia, mas nem por isso eu era metida ou arrogante com as outras pessoas, em relação a isso tive uma ótima educação. Ela pegou até o carro que havia me presenteado no ano passado.

Ela não podia ouvir falar no nome da Julie, muito menos vê-la pessoalmente e com esse seu pensamento preconceituoso conseguiu colocar minha irmã mais velha, Karina, e meu padrasto, Alan, contra mim também. 

 Minha mãe e meu padrasto são empresários renomados, donos de uma grande rede de academias espalhadas por todo o país. 

Eu não era mais a mesma, não era mais a Melanie sorridente e brincalhona de sempre, as horas que eu passava em casa, pois evitava ao máximo estavam sendo terríveis. Mas existia a possibilidade daquilo ser apenas uma rejeição temporária, questão de tempo até eles conseguirem me entender, mas também podia ser pra vida toda. Apesar de tudo sabia que Julie estava comigo para o que desse e viesse, e isso era o que importava no momento.