Desabafos escrita por Yurie


Capítulo 26
Dawkins, Vidro e Magia




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Vidro não é um sólido; apenas um fluido que escorre tão lentamente que demora séculos para que haja uma mudança perceptível.

Ao contrário do que alguns de meus comentários – e notas – possam fazer entender, eu não odeio Física, ou Química. Gosto delas, na verdade, muito mais do que Geografia, Gramática, ou mesmo Filosofia. Amo-as na mesma medida em que amo História, Biologia e Literatura. Estas últimas são, sem dúvidas, minhas ciências favoritas, junto com Física e Química teóricas, isto é, sem a parte matemática com bilhões de fórmulas e números que apenas complicam minha cabeça e entendimento.

E talvez seja por isso que os livros de Richard Dawkins me encantaram logo de cara. Peguei o primeiro, Deus: Um Delírio, para ler logo no começo de agosto, quando finalmente terminei de ler A Bíblia Sagrada— ambas leituras que recomendo muito: a primeira porque o livro é interessantíssimo, a segunda para que se saiba exatamente no que você assina embaixo quando se denomina cristão –, e deliciei-me do início ao fim, afinal, Dawkins é maravilhoso e está discutindo a religião sem nenhuma luva de película ou escudo protetor, desnudando-a sem pudor ou desrespeito.

Depois, peguei O Gene Egoísta, que me levou a tantos níveis de exaltação através de suas discussões biológicas a respeito dos genes que posso afirmar, com toda a certeza, que não sou a mesma pessoa que era quando comecei a lê-lo; é difícil permanecer sendo quando confrontado com a verdade que todos nós já sabemos (alguns mais do que outros; e alguns que fazem-se de cegos e recusam-se a ver) de que na verdade não somos lá nada muito significativo para o Universo ou para, bem, nada que não seja nós mesmos e as outras pessoas – que, por sua vez, também são igualmente insignificantes.

Mas o que realmente me levou a querer sentar na frente do computador foi este pequeno fato da introdução do texto, com o qual me deparei enquanto lia A Magia da Realidade, entre um capítulo e outro de O Capelão do Diabo. No quarto capítulo (“Do Que São Feitas as Coisas?”), Dawkins informa, muito calmamente, que “alguns líquidos são tão viscosos que parecem sólidos e se comportam como tal, apesar de não serem feitos de cristais. O vidro é um exemplo disso: diz-se que ele ‘flui’, mas o faz tão lentamente que levamos séculos para perceber. Por isso, para efeitos práticos, podemos considerar o vidro sólido.”.

Simples assim.

O vidro não é, factualmente, um sólido.

Li isso no quarto, sentado na cama, com um copo de vidro na penteadeira, ao lado de um espelho (de vidro também) e com a cortina aberta, para que a luz passasse ao redor do vidro da minha janela.

O vidro não é sólido. O vidro flui, escorre, deforma-se. Daqui a alguns séculos, poderíamos pegar esse vidro da minha janela e ele talvez terá escorrido o suficiente para que notem. Porque ele não é sólido.

Talvez você tenha sido acometido pela mesma surpresa que eu, e agora sinta que nunca mais poderá pegar um copo d’água novamente; não do mesmo jeito que antes. Talvez esse fato lhe passe apenas como uma curiosidade inútil e facilmente esquecível.

Mas se o vidro não é sólido, então... Então...

É difícil explicar o maravilhamento que me ocorreu quando li esse parágrafo de Dawkins. É difícil explicar exatamente como meu cérebro simplesmente parou de funcionar e me fez voltar a página que tinha sido virada em um movimento automático, apenas para reler este trecho mais algumas vezes, tentando assimilar o fato de que o vidro não é sólido.

E eu comecei a rir.

Não, não histericamente (apesar de que eu poderia tê-lo feito, talvez, se tivesse me permitido rir um pouco mais), mas a risada baixinha e discreta de um garotinho que acabou de descobrir que o arco-íris é só luz atravessando água.

E talvez seja uma ironia o fato de eu ter pego para ler esse livro – e consequentemente esse capítulo – no dia 12 de outubro, mas é uma ironia muito apreciada. Afinal, no ano em que mais tenho carregado pesos e responsabilidades, e em que mais tenho notado que finalmente cresci, finalmente sou um adulto (supostamente) responsável, foi que olhei ao redor e ri do mundo, sentindo-me um garotinho de dez anos de novo; deliciosamente infantil, e maravilhosamente tolo.

Sinto-me obrigado a concordar 100% com o Sr. Dawkins, agora mais do que nunca: “a magia da realidade [...] é absolutamente fascinante. Fascinante e real. Fascinante porque é real.". 


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