"Todo mundo é capaz de dominar uma dor..."

...

— Não faz isso, não. Você não precisa disso para sentir.

— Talvez; mas sem isso só me resta a dor emocional, e ela é mil vezes pior. Prefiro encarar só a física, mesmo. 

— Encara a emocional, parça; os melhores textos vêm daí. 

— [bem, é claro. é bom, não é?, quando lemos alguma coisa sobre essa dor. é gostoso, porque não foi com a gente. o fato de que algo tão destrutivo e doloroso possa ser sentido nos encanta; é maravilhoso  que alguém tenha sentido algo assim e sobrevivido para contar. então, queremos saber, queremos que coloquem toda essa dor para fora. escrevam textos! a tinta vermelha é bonita, e o texto vale mais nela. "beauty is pain", não é?, então pain is beauty, matematicamente falando. mas afinal, de que adianta? todos esses contos bonitos, esses poemas profundos, essas frases melancólicas de efeito para postar nos status do Whats e nas legendas do Insta? de que adianta sangrarmos tantos para escrevê-los, se são apenas textos? "os gênios nunca morrem", eles respondem em tom solene, como se isso fosse um grande consolo. mas, oh, podemos parar de tanto romantismo? gênios morrem, e sofrem, enlouquecem, e acabam tão miseráveis e desprezados quanto qualquer moribundo. e então, de que adianta os textos bonitos, as reflexões profundas, as emoções sangradas? teremos um belo epitáfio!, oh, bem, obrigado. de fato, toda essa dor valerá a pena quando gravarem em uma pedra algumas palavras que fingem que existi e que vali a pena. mas a verdade é que essa dor continua doendo, e essas compressas escritas não podem mantê-la afastada para sempre. mas, oh, temos textos bonitos, então quem se importa? lágrimas rimam, cortes são poéticos, a mágoa e a solidão fazem um quadro bonito. então, para que lidar com a dor? digamos que sentimos muito, mas torçamos para que não acabe, afinal, precisamos de arte! precisamos ir a museus e ver quadros bonitos, precisamos ler poemas comoventes antes de dormir. não fuja, não se esconda, não encontre um refúgio. sinta tudo o que puder, toda a dor possível, as cicatrizes da alma são mais bonitas que as do pulso. não se preocupe com aquele abismo no peito: quanto mais funda a queda, mais genial o poema que pode vir dela. talvez você não tenha querido dizer nada disso, eu sei, mas foi isso o que ouvi, e não posso evitar pensar assim. de qualquer forma, eu agradeço a preocupação, mas ainda vou me ater ao físico, mesmo que marque, mesmo que sangre, porque ninguém me ouve gritar, então talvez me vejam sangrar.] Se você diz...

...

"... exceto quem a sente" - William Shakespeare