O Ritual da Sétima Lua escrita por MB Sousa


Capítulo 6
Capítulo 5 - Notata a diaboli


Notas iniciais do capítulo

Dessa vez como prometido, o quinto capítulo sexta-feira. Além dessa nova capa maravilhosaaaa para a história. Sem mais delongas, continue desvendando o mistério.



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12/08/2005

— Não tem sentido continuar gritando, eu sinto muito, mas precisamos continuar. — digo a ela depois de deixar Martha vivenciar seu luto por alguns momentos sem saber ao certo o que dizer, acho que não há nada apropriado para a situação, ela deveria conhecer tantos dos rostos agora sem vida ali, enquanto eu só queria sair daquela carnificina terrível e com cheiro de enxofre, onde insetos já achavam seus lugares entre os corpos.

A pergunta é, continuar para onde? Depois de acalmar-se o suficiente, descemos lentamente e sinto Martha tremer a cada passo segurando-se em mim, choramingando a cada segundo, não a culpo, se pudesse, fecharia meus olhos para a pintura sangrenta que passamos, nossos pés e corpos descem cada vez mais alguns degraus para onde o sangue parece estar escorrendo de forma muito lenta.

Parece ser a única saída da pequena sala entulhada de corpos sangrentos e Martha não consegue pronunciar sequer uma palavra quando pergunto se tem ideia de onde estamos, suspiro um tanto impaciente, mas continuamos andando, até que tropeço em algo, posso sentir que é um corpo — um braço ou uma mão talvez—, e caio escada abaixo levando Martha atrás de mim, rolamos sobre o sangue, manchando cada vez mais nossas peles, roupas e cabelos, sem contar o que podemos ter engolido. Continuamos escorregando até que bato de cara em concreto gelado, levando o corpo magro de Martha que ainda cai sobre mim em seguida e apesar de dolorido, estou contente por estar num lugar mais seco, pelo menos até agora.

— Onde diabos estamos desta vez, meu Deus? — pergunto exasperado ligando minha lanterna e analisando em volta, água suja corre perto de nossos pés e há canos e mais canos nas paredes de concreto podres, assim como o encanamento precário caindo aos pedaços produzindo goteiras por toda parte, definitivamente não é um lugar aconchegante.

— Acho que viemos parar no esgoto. — diz Martha, mas é algo que já tinha percebido só pelo cheiro de esterco e fezes. Avisto ratos em seguir e o lugar me dá vontade de vomitar, a única vantagem parece ser o silêncio e ausência de qualquer ser sobrenatural tentando nos matar, isso já é algo a se comemorar, mas por quanto tempo?

— Tem ideia de como podemos sair daqui? — questiono-a, já que trabalhou no local por anos.

— Talvez sim. — ela responde hesitante. — Não sei, nunca estive aqui antes, lembro algo dos mapas e...

Os mapas!

A ideia brilha em minha mente lembrando-me que pegamos mapas do local onde ficamos confinados com os experimentos macabros das bruxas, por onde passamos, e vasculho minha mochila — com algumas coisas molhadas de sangue dentro — à procura do maldito mapa. Acho um dos andares do lugar — que seria útil antes, na situação atual tornou-se obsoleto—, e nada sobre os esgotos. Parece que essa área toda não devia ser de conhecimento público, nem mesmo das freiras.

— Parece que teremos que ir na sorte, se é que temos isso. Não há nada aqui. — respondo relutante, a verdade é que não queria depender de Martha, cuja sanidade não sei avaliar ao certo, no mínimo está traumatizada descomedidamente, mas parece ser a única opção agora, então seguimos túneis e mais túneis conforme ela vai indicando.

— As saídas subterrâneas que conheço ficam para a direita, só precisamos acha-la. — ela murmura enquanto andamos o caminho úmido e nojento, com os ratos passando por nós o tempo todo, estes muito reais para serem alguma ilusão.

Martha para de repente e grita, assustando-me, mas não vejo motivo de seu pavor.

— Precisamos fugir, aquele rato! Olha o tamanho dele, vamos! — ela tenta me puxar pela camisa toda molhada de sangue assim como suas mãos, mas não há nenhum rato gigante em nossa frente.

— Martha, pare, é outra alucinação, feitiço das bruxas. — seguro seus ombros tentando acalmá-la, mas ainda olha para a direção onde o monstro deve estar em sua visão. — Feche os olhos.

Ela faz como pedi e em seguida os abre, num segundo tenho medo de que continue tendo essas alucinações então não sei o que farei, mas ela se dá conta de que o que dizia era verdade e se acalma novamente respirando fundo, o rosto cansado coberto de sujeira e resto de sangue seco.

— Se senti isso é porque elas devem estar por perto colocando um encanto nesse lugar, para nos atrasar. — ela diz com olhos muito esbugalhados, como se voltasse a si. — Precisamos sair desse lugar.

Mas continuamos a caminhar e o lugar parece ser um labirinto infernal que nos confunde conforme damos voltas nele, com entradas que podem nos levar para mais um caminho incógnito, e mesmo que tentemos seguir sempre para caminhos à direita, encontramo-nos diversas intersecções e rotas confusas, direções escuras as quais não sabíamos se deveríamos adentrar, sempre acompanhados pelo aroma refrescante de morte e deterioração. Por horas que caminhamos furtiva e rapidamente pelos túneis do esgoto, não encontramos sinal de nenhuma bruxa e a tranquilidade somada com o cansaço e fome nos dá muito sono.

— Ei, que tal se dividíssemos o turno para podermos dormir um pouco. — sugiro à ela quando nos encontramos em um lugar particularmente seco que com sua mochila, pode fazer um travesseiro e completar com o chão duro. — Eu fico com o primeiro turno, pode descansar um pouco, você merece.

Apesar de também estar exausto, não vi múltiplas pessoas que eu conhecia atiradas uma em cima da outra num mar de sangue poucas horas atrás. Ela não hesita em aceitar minha oferta, mas sussurra, logo antes de ser vencida pelo cansaço.

— Acho que nunca mais vou conseguir dormir.

Se sairmos vivos desse maldito lugar, concordarei com suas palavras, nunca mais terei uma noite de sono com alguma paz depois das coisas que presenciei nesse lugar, depois de perder... Tento pensar que ainda há alguma esperança para Maria, a negação é mais forte e minha única esperança de sair desse lugar é por um possível reencontro nosso, além do instinto de sobrevivência de qualquer ser humano.

O tempo passa vagarosamente enquanto ouço apenas a respiração regular e calma de Martha, os ruídos dos ratos que sinto inveja agora por poderem esgueirar para qualquer buraquinho e encontrar uma saída para seus problemas e o pingar de gotas, são as únicas coisa tranquilizante no lugar, seu rosto coberto de sujeira e um resto de sangue seco dormindo serenamente, queria ter sonos assim, mas todas as vezes que fecho os olhos aqui, sou assombrado por pesadelos que não consigo colocar sentido algum.

Checo o símbolo que a bruxa fez em meu braço, que ainda lateja de dor, mas parece cicatrizar-se de uma forma extraordinariamente rápida, mas ainda mostrando marcas vermelhas.

“Você foi o escolhido também.” O que ela quis dizer com isso, algo a ver com o ritual das Marias, provavelmente, e estou lutando para manter os olhos abertos e deixar Martha descansar já que são 6hrs da manhã quando minhas suspeitas são confirmadas e simplesmente encontro um barquinho de papel flutuando sobre a água rasa da parte onde nos encontramos. Já sei do que se trata, mas sem fazer barulho, deixo Martha de lado e recolho o papel úmido com minhas mãos, abrindo-o, revelando ser o que pensei, mais uma carta.

“Fui onde era proibida ir, uma das torres mais altas daqui pois estava cansada da vista quadrada das janelas, quase nunca nos deixam sair para o jardim.

Acho que tem algo diferente comigo e algumas garotas, nós não parecemos ser como os outros loucos desse lugar. Tenho apenas 13 anos, mas já notei um padrão de alguns sumiços repentinos que ocorreram ultimamente aqui no São Marcos. Três mulheres com o nome de Maria sumiram, tentei investigar burlando o depósito e lendo suas fichas, até mesmo a minha, mas não parecia haver nenhuma conexão visível entre elas e eu.

“Internada por demência infantil.” Isso realmente é algo que existe? Me puseram nesse lugar pois meus pais adotivos me odeiam e quando comecei a ouvir as vozes e enxergar aquelas silhuetas, aquelas criaturas que não consigo descrever o que são, achando que simplesmente fiquei louca. Não sei o que tenho a ver com tudo isso e sinto medo a todo instante pois não consigo achar escapatória nenhuma deste lugar, há sempre freiras espreitando o que fazemos, meu único plano é seguir para uma construção antiga e distante que avistei além do bosque atrás do manicômio, em minha explorada até a torre alta.

Não sei se tenho chances sozinha, então acho que vou tentar falar com mais outras Marias que estão aqui para escaparmos desse lugar, sim, há outras, algumas que não parecem loucas. Minha única chance é conseguir sua ajuda nessa escapada, sinto que estamos sendo todas sugadas para algo ruim e não pretendo deixar isso acontecer.

Mari”

Antes disso tudo, as mulheres já estavam percebendo o que acontecia em sua volta e tentavam uma fuga, talvez minha noiva fosse uma dessas que Mari — com certeza Maria — iria atrás, pois sempre acreditei que não estava maluca, talvez elas tenham fugido para essa casa afastada do manicômio e pedido ajuda e por isso as freiras do manicômio tenham sido queimadas. Qualquer coisa acende uma chama de esperança em mim e acordo Martha, escondendo a carta em minha jaqueta afim de dormir.

Quando adormeço, sou perseguido pelos pesadelos já esperados, desta vez, encontro-me em uma gigante gaiola de metal enferrujado, do outro lado dela, há sete estacas em forma de cruz com mulheres amarradas em minha volta, aproximando melhor a visão percebo que todas são minha noiva, todas possuem a mesma expressão de terror e então corro às grades, que queimam ao toque, Maria grita pedindo meu socorro e grito seu nome de volta e então seu corpo começa a pegar fogo, choro em desespero mas ainda há outras seis Marias e não importa o que eu faça ou tente, parece que o único objetivo do sonho é me causar pânico e terror ao ver a mulher que amo ser queimada diversas vezes, mas sinto algo sobrenatural nele, não é apenas algo fruto de minha imaginação ou subconsciente, é algo implantado lá, como as notas que estou achando de Marias. Um pentagrama de fogo acende-se no chão da gaiola, mas as chamas não parecem me queimar, começo a ouvir palavras sussurradas em minha cabeça e nessa hora sou acordado.

— Eu queria deixar você dormir mais, mas parece que nosso velho amigo voltou. — ela anuncia, e ouço o barulho inconfundível de correntes e cadeados se batendo da criatura que nos seguiu e Martha matou temporariamente naquele quarto, não imaginei que voltaríamos a encontra-lo, foi uma jornada e tanto até aqui. Mas penso que talvez essas criaturas habitem o esgoto.

— Droga, precisamos sair daqui, mas não achamos nenhuma saída, estou começando a duvidar de que haja alguma. — digo indignado, mesmo assim recolhendo minhas coisas e preparando-me novamente para fugir.

— Ficar o mais longe possível desse barulho é nossa única saída agora.

E começamos a correr de novo, felizmente minha perna já está melhor e mantemos um ritmo que não nos canse demais nem nos faça desacelerar, até que começamos a ouvir grunhidos e mais barulhos de correntes.

— Acho que ele não está sozinho dessa vez. — Martha anuncia e acabou nossa corrida branda. Corremos como loucos quando sentimos e ouvimos as criaturas chegar mais perto, desviamos em intersecções que achamos, mesmo sem saber onde elas darão e nos damos de frente para um monstro que é pelo menos o dobro menor que o outro que vi no lugar, mas ele possui as mesmas cicatrizes no rosto e ainda assim braços musculosos e desproporcionais para seu tamanho, seus olhos negros brilham de insanidade, manchados de sangue. Martha e eu deslizamos para outro lado, evitando a besta que segue com rapidez em nosso encalço, assim como outras que sinto cada vez mais perto por seus grunhidos assustadores e seus clique clique de correntes formando um som amedrontador aos ouvidos. Seguimos tropeçando, mas constantemente um longo corredor escuro que parece não levar à intersecção nenhuma diferente dos outros, todas as criaturas que nos perseguem estão neste mesmo corredor agora, seus barulhos combinados causando um som violento e mortal.

Quando chegamos no fim da passagem não encontramos saída alguma, apenas uma grande e redonda piscina de esgoto numa sala oval assim como ela, não há para onde fugir e a única iluminação que temos é minha lanterna e a câmera com visão noturna.

Martha grita apavorada, sinto vontade de gritar porque parece ser o fim, até eu observar algo com a luz de minha lanterna nas profundezas das águas escuras do esgoto, junto com a visão noturna de minha câmera identifico uma pequena passagem quadrada que deve ser de onde a água vem e no momento, não há nenhuma escolha.

—Martha, vamos! — grito para ela e puxo-a comigo para dentro d’água antes que seja atingida por uma espécie de foice de uma das criaturas, esta pálida como a luz da lua.

— O que está fazendo? — ela exclama para mim um segundo antes de boiarmos na água podre do esgoto.

Esta última com a foice na mão, parece enfurecida por nossa fuga e comanda algo para seus companheiros, pelo menos seis bestas aterrorizantes que nos encaram com olhares mortais. Então eles começam a pegar lanças e mirar em nós e digo rapidamente para minha companheira, puxando sua mão.

— Hora de um mergulho, segure a respiração. — ela entende o mais rápido que esperei e inspira fundo, mergulhando as águas verdes do esgoto que fazem meus olhos arderem assim que os abro dentro dela, nadamos o mais rápido possível para a saída que pareço ter avistado — um pequeno buraco debaixo d’água—, tentando escapar das flechas que observo afundarem rapidamente à nossa volta e pouco antes de Martha passar para o outro lado uma acerta sua perna de raspão, espalhando um líquido vermelho na água, ouço seus gemidos e gritos abafados pela água enquanto sente dor, mas sou obrigado à empurrá-la ou serei o próximo a ser acertado.

Passamos para o outro lado, mas Martha tem dificuldades para nadar e parece estar se afogando, consigo ver acima uma pequena luz, provavelmente uma saída. Meu fôlego também está acabando, mas tento arrastá-la junto comigo para cima e finalmente respiramos ar. Meus pulmões doem assim como os de Martha, que também tem o machucado da perna, que com certeza irá infeccionar, talvez até minha cruz invertida causada pela bruxa, depois desse mergulho. Com grande dificuldade e engolindo um pouco de água involuntariamente, consigo puxar Martha para cima e ela respira afogando-se, da mesma maneira que eu.

— Você está bem? — pergunto.

— Minha panturrilha está doendo um pouco, vamos sair dessa água. — e assim que saio trato de tentar regurgitar tudo que posso ter engolido mas nos encontramos em mais um poço redondo como o outro, só que dessa vez, já consigo ver uma saída bem a nossa direita, tão estreita quanto um bueiro e então penso que deve ser exatamente isso, mas no momento Martha precisa de alguns cuidados.

Nos encostamos em uma breve parte de concreto em volta da piscina do esgoto e examino seu corte. Não é algo realmente fundo, mas ainda assim limpo o melhor possível com uma garrafa d’agua em minha mochila e enrolo uma parte rasgada de minha camisa para que não sangre ou pegue ainda mais sujeira, ainda assim, ela diz precisar de mais um tempo para continuar e compreendo, mas isso torna-se impossível.

Vemos ondas se formando na água e então logo uma figura esguia e de braços enormes é reconhecida por mim nadando debaixo d’água também, com mais rapidez que qualquer ser humano normal seria capaz, a criatura pálida com a foice.

— Droga, vamos, corre! — apresso em ajudá-la a apressar-se e passar pelo pequeno buraco, acredito que a tarefa seja mais fácil para ela que é muito mais magra que eu. Os grunhidos e barulho da água indicam que a criatura submergiu e encontra-se em solo e corro para dentro do buraco, Martha felizmente já atravessou e me estica a mão e quando estou quase alcançando-a um puxão súbito em meu pé me traz meio caminho de volta, fui capturado pela criatura, minhas unhas quebram e dedos sangram raspando nas rochas enquanto tento com todo afinco alcançar a mulher do outro lado que grita meu nome, tentando me alcançar. Tento chutar seu rosto mas não consigo vê-lo nem alcança-lo, estou cada vez mais fora do buraco e de meu fim quando começo a torcer o pé de maneira dolorosa tentando enganar a fera e depois de torcer o pé e quase quebra-lo, consigo soltar a bota que usava e a criatura vai metros para traz surpresa e é o momento em que luto com todas minhas garras — restantes — para escapar, já que não há chance de que ela passe por esse ínfimo espaço e quando ouço gritos e uivos de frustração e alcanço a mão de Martha, estou a salvo, pelo menos por enquanto.

— Achei que fosse perder você. — ela me surpreende com um abraço caloroso. É a primeira vez que temos algum contato desse tipo, quero dizer, nem apertamos nossas mãos ao nos conhecer, nunca tivemos tempo para tais trivialidades. Também estou feliz de estar com ela, a única pessoa que posso contar no meio dessa insanidade completa.

Então avisto à suas costas, a poucos metros de nós, uma casa antiga de madeira com dois andares de madeira e telhado escuros. Só pode ser a casa que a última Maria descreveu em sua carta, para onde planejavam escapar, imagino se conseguiram. Sempre sem certezas, Martha e eu resolvemos que se há alguma esperança e já que não temos muita opção além dos bosques densos que nos cercam, resolvemos checar o que há no que penso ser, assim como tudo que encontramos até então, mais um covil de criaturas sobrenaturais prontas para nos matar, mas se há alguma mínima chance de minha noiva estar ali ou alguma pista dela, não posso ignorar. Adentramos novamente no desconhecido.


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Notas finais do capítulo

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