O Ritual da Sétima Lua escrita por MB Sousa


Capítulo 4
Capítulo 3 - Festum


Notas iniciais do capítulo

NOTE: Pessoal, pra quem curte uma experiência visual, estou postando várias imagens sobre a história na minha page de autor, sem contar que vocês sabem que um like faz toda diferença, então dêem uma olhadinha ♥ http://bit.ly/MBSousa23

Boa leitura.



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11/08/2005

Não percebi o quanto o tempo passou rápido desde o amanhecer, a espera pelo sol, a perseguição e o encontro com Martha e só agora percebo o quanto estou sedento e faminto.

— Você tem algum lugar
para conseguir água e comida? — pergunto em uma capela que há dentro do
manicômio, segundo ela, parece ser o lugar mais seguro para se proteger dos
espíritos.

— Água você pode conseguir nos banheiros, mas comida, bom, resta algo na cozinha, mas nunca consegui chegar lá sem quase ser morta. — responde com a voz rouca e nenhuma emoção, como sempre.

— Como tem se alimentado? — pergunto, a câmera ligada escondida atrás de mim, para que possa ter registros em vídeo dessa sobrevivente peculiar.

— Eu acho alguns ratos
às vezes. — ela balbucia como se fosse um hábito já e isso embrulha meu
estômago, mas antes que eu vá pegar água, Martha ainda se recusou a responder
as perguntas sobre suas últimas frases antes de guiar-me freneticamente até a
capela.

— Eu quero que você
responda minhas perguntas e então seremos dois e teremos mais chances de
conseguir algum alimento de verdade nesse lugar. — a pressiono novamente,
colocando desta vez a câmera em seu rosto, o que parece incomodá-la — Fale! Eu
não vou comer ratos e beber água de privada! O que você quis dizer sobre o
banho de sangue e as Maria's?

Minha brutalidade parece assustá-la e seu corpo magro e frágil treme, sentado no chão gelado da capela e me sinto culpado, mas realmente estou perdendo minha cabeça aqui e preciso de respostas.

— Por favor? Eu preciso saber. — peço da forma mais gentil que consigo para me redimir, escondo a câmera em meu bolso como um ato de boa-fé, mesmo ainda gravando o áudio, sem que ela saiba.

Há grande hesitação até que ela pigarreia e começa a contar.

— Nós não éramos a melhor instituição, admito, mas algumas de nós tentávamos dar o melhor que podia aos pacientes, eu era uma das poucas, a maioria das freiras eram apenas cruéis e hipócritas que acreditavam que todos seus pecados seriam perdoados por Deus. — ela inicia com certa fúria na voz, talvez tenha guardado isso por muito tempo. — Então um dia elas chegaram e nada foi páreo para seu poder, era... era como o diabo em si, uma mulher de preto acompanhada de outras três bruxas, o que denominavam ser, e elas só tinham um pedido para que não matassem mais freiras. — ela receia novamente e treme ao relatar, relembrando os acontecimentos. — Deveríamos conseguir sete Marias virgens e entregá-las, então deixariam nosso solo em paz.

As informações controvérsias giram como engrenagens em meu cérebro. Bruxas e sete Maria's virgens, pareceria uma piada se não estivesse em tais circunstâncias. Então me dou conta de que minha mulher era uma dessas virgens Marias e puxo o pé de cabra próximo do rosto de Martha com uma ira incontrolável.

— Você deu minha mulher para a porra de umas bruxas? — exclamo em plenos pulmões perto de seu rosto. — E por que essa história de Maria's virgens? Por quê?!

— Nós não tivemos alternativas, cada vez que tentávamos algo contra elas ou pedir ajuda alguém morria, me desculpe, me desculpe! — ela chora em desespero e entendo que ambos compartilhamos do mesmo sentimento, não há culpados nisso. Largo a ferramenta que me serve como arma e tento acalmá-la novamente.

— Então temos que ir até a cozinha, conseguir alguns suprimentos, uma mochila de preferência e dar o fora daqui. — acalmo seu choro, mas novamente ela soltou risadinhas descrentes.

— Qual o ponto de conseguirmos alimentos se não há saída e não iremos sobreviver. — diz ela com a
última gota de ironia que deve lhe restar.

— Se você realmente
acreditasse nisso não estaria comendo ratos como um animal selvagem para se
manter viva, perdendo sua sanidade, sei que você tem alguma esperança, assim
como eu, então vamos. — é uma das primeiras vezes que ela me encara
profundamente nos olhos e não vejo uma presa assustada, mas sim um ser humano
com o mesmo objetivo que o meu, sair dali vivo, e isso é o suficiente para que
ela se junte a mim.

Não parece haver sinal
da criatura que nos seguiu, a qual reconheci como carne e osso, diferente de
outras aparições que tenho presenciado aqui, mas Martha disse não saber nada sobre
isso.

Caminhamos
cautelosamente até a cozinha, a qual ela me guia até o primeiro andar,
desconhecido ainda por mim, além das visitas à minha noiva, agora o saguão e os
corredores que se interligam a ele estão ainda piores do que os quartos de cima,
há marcas de sangue no chão, nas paredes e meu estômago embrulha novamente ao
ver o corpo de uma freira com a garganta cortada, jogada ao chão junto de uma
grande e seca mancha de sangue no tapete, o lugar em si cheira à morte. Fecho
os olhos e deixo a câmera apenas gravar e apesar de Martha mostrar-se assustada
e inquieta o caminho todo que percorremos o mais rápido e silenciosamente
possível, não há aparição de nada que impeça nossa chegada às portas duplas e cinzas
que ela diz serem da cozinha. Claro que a porta está trancada.

— No fim do corredor há uma espécie de banco de dados, a chave está no chaveiro azul pendurado na parede. — ela responde vacilante e penso "Droga", outro quarto, mais tempo perdido, mais chance de sermos mortos, mas trata-se de uma pequena sala com uma escrivaninha com cadeira e uma grande prateleira com gavetas de fichários, acredito que histórico de pacientes.

— Pega a chave. — ordeno a ela. — Vou dar uma rápida olhada. — e abrindo gavetas recolho coisas que parecem ser importantes, além de mochilas para Martha e eu guardarmos todas as nossas coisas, demoro alguns minutos apressado por minha nova parceira, mas acho a ficha de minha esposa, não há tempo de ler ela agora e nenhuma das pastas que recolhi da escrivaninha, além de todas as chaves.

— Não sei como isso é possível. — ela diz em nossa volta rápida à cozinha. — Sempre que tentei me aproximar dessa área todos os tipos de demônios me perseguiam, até que depois de dias desisti, com você, parece que eles não estão aqui.

— Bom, eles estavam tentando me matar também, então não faço a mínima ideia do porque estão quietos. — e realmente é algo que me desperta curiosidade, ainda mais por ser madrugada, apesar de começar a acreditar que realmente não há mais um amanhecer, conforme sempre observo a lua acima de nossas cabeças, do intocável lado de fora.

Quando abrimos a porta, a visão encontrada é totalmente inesperada. Em uma mesa comprida de madeira há um banquete posto, com várias panelas abertas com assados e outras tigelas com purê de batatas e massa, também há jarras com suco de cor laranja, além de uma cesta de frutas em seu centro e pratos e talheres postos em ordem. É uma cena surreal e certifico-me de registrar em câmera e quando me dou conta, Martha está como um animal selvagem atacando os pratos, indo direto as carnes com molho que espeta com talheres, seguido de uma colherada generosa no purê e não nego que tudo me deixa com água na boca, mas ao contrário dela, que não tem uma refeição decente há duas semanas pelo menos, eu ainda tenho grande desconfiança sobre esse alimento e tento alertá-la sobre o mal que pode haver neles, até mesmo veneno.

— Eu reconheço o cheiro e os alimentos que preparávamos, vá em frente, está uma delícia. — diz ela lambuzando os dedos em um prato generosamente montado. — Vamos lá, não é esse nosso objetivo aqui?

Bem, não era exatamente esse, mas então noto um pedaço de papel embaixo de um prato que achei ser um guardanapo, mas nenhum dos pratos há um, então me apresso a pegá-lo e é e não é o que espero.

 

"Estou sendo tratada diferente dos outros, acho, me dão comidas maravilhosas sem que as outras pacientes vejam e parece que desde então suas refeições incorporadas diferente do lixo da cozinha daqui parece ter deixado meu corpo e alma do mesmo jeito.

Talvez São Marcos não seja um pesadelo completo afinal de contas.

Maria S."

 

Mais uma carta de "Maria" que não é minha esposa, começo a pensar que não estou achando essas cartas ao acaso e isso me assusta, mas a fome vence a batalha contra os argumentos de Martha e meu desconhecimento sobre o que está acontecendo e acabo por
experimentando uma colher do purê e ela estava certa, é incrível. A carne com molho, em duas panelas, uma com creme de leite ainda, Ó Céus, nunca imaginei estar tão faminto, imagine a freira ao meu lado, começo a notar algo estranho quando estamos acabando com toda a comida em abundância — incluindo as frutas — e que mesmo um ser humano com muita fome não aguentaria tanta coisa de uma vez só no estômago.

— Martha, pare, tem alguma coisa estranha. — tento alertá-la e vejo que parece completamente hipnotizada pela comida, não como se tivesse fome, mas como se estivesse sobre algum tipo de encanto. — Pare! Tem algo errado com essa comida.

Mas era tarde demais.

— O que foi? Não gostaram do meu jantar? Passei horas preparando. — uma voz velha e rouca vem de trás de nós, fala como se estivesse extremamente ofendida. Viramos assustados em sua direção e uma mulher de certa idade, cabelos já grisalhos e gorducha usando um avental nos encarou com tristeza estampada nos olhos.

— Irmã Janete! — exclama Martha. — Você está viva?

— Claro que sim, querida. — diz ela aproximando-se lentamente e com um sorriso amigável no rosto que não me passa nenhuma confiança, Martha parece sentir o mesmo. —Sabe, apenas as almas são importantes.

Em seu caminho até nós, cruzando um balcão de mármore antigo, ela segura uma faca e quando se vira, há uma faca cravada na parte de trás de seu crânio e com uma velocidade inumana ela fica quase cara a cara com Martha, e poucos centímetros de mim.

— Você amassa bem a carne, tempera e deixa-a um tempo congelada, depois, voilá! — ela diz empolgada com a faca escondida em suas costas, não parecemos ter
nenhuma saída a não ser meu pé de cabra, que até guardei na mochila depois de começar o banquete de tão hipnotizado que fiquei, Martha parece paralisada demais para usar sua faca contra o espírito maligno que está prestes a nos matar e algumas coisas começam a fazer sentido para mim. — Se você escalpar e ralar a pele, saber temperar com as ervas certas, elas podem deixar um purê simplesmente irresistível. Posso ensinar a receita se quiserem, ela é consagrada com o sangue das almas condenadas pelo Mestre. Vocês são privilegiados.

Suas palavras que saem de forma calma e sádica me dão a certeza de que precisava. Acabamos de comer as freiras que moravam e trabalhavam no manicômio, as irmãs de Martha. Não penso, apenas empurro a mulher que nos aterroriza de perto e ponho para fora toda a comida ingerida caindo de joelhos no chão. Ouço Martha chorar e gritar e depois
começar a vomitar também, apavorada mais do que eu com toda a situação, tremendo em pânico. A cozinheira apenas dá gargalhadas de nossas reações antes de ficar séria.

— Não há tempo para vocês se recomporem, seus ingratos. — ela fala imponentemente, começando a transformar-se em uma criatura de pele pálida e olhos negros como o breu, sem nenhum cabelo nem vestimenta, apenas um pentagrama feito à corte em sua barriga, há muito já cicatrizado. — Essa é a hora que vocês correm.

Aterrorizados e traumatizados com o que passamos e com a aparência da mulher que acabou se tornando uma bruxa, a primeira que vi e consegui gravar com minha câmera, é a única coisa que fazemos, corremos até nossas pernas doerem e sentimos sua presença vindo atrás de nós, mesmo que saiba que talvez possa aparecer em nossa frente ou nos alcançar mais rápido, ela não o faz, acredito que é como um jogo e estamos mortos, mas novamente Martha me guia para uma porta atrás do balcão principal de mármore, uma porta um tanto escondida atrás das escadarias para o segundo andar, abro a mochila tremendo e Martha pega o bolo de chave que recolhemos, tentando reconhecer a chave certa, a cada segundo consigo simplesmente sentir a presença maligna da bruxa cada vez mais perto de nós e uma hora penso que vou morrer, finalmente ela abre a porta e nos trancamos lá dentro, nenhuma luz ilumina o lugar e ligo a lanterna para termos uma melhor visão enquanto descemos degraus de metal, esse deve ser o porão do lugar.

Mas conforme vou iluminando o lugar, vejo que não parece ser um porão comum, não há prateleiras velhas com livros ou caixas como o sótão, num momento Martha acha um
interruptor e o lugar se ilumina com uma luz branca tão forte que depois de tanto tempo na escuridão e iluminações precárias, cega meus olhos ao primeiro momento, depois dou-me conta de onde nos metemos.

— Perdão pelo que vai ver. — ela anuncia com a voz fraca e quando liga o interruptor de luz vejo ao que ela está se referindo, é uma espécie de bunker cheio de tubos enormes cheio de líquido com criaturas que tem forma humana, mas parecem monstros. Há
prateleiras com potes com fetos e outros potes maiores com bebês já formados, o que me arrepia até os pelos da nuca, no centro e onde há mais espaço, existe uma mesa de cirurgia cheia de amarras prontas para serem usadas logo ao lado de uma mesinha cheia de objetos cortantes e torturantes.

Não sei se acabei de sair de um pesadelo ou se apenas adentrei em um lado mais obscuro e assustador dele.


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Notas finais do capítulo

Lindões, espero que tenham gostado. Deixem suas opiniões maravilhosas nos comentários. Favoritem e coloquem nos acompanhamentos para não perderem um capítulo.
Até sexta que vem. Beijos ♥



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