R e a s o n escrita por Lightside


Capítulo 1
A L I V E


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente olá, se chegou aqui foi porque se interessou pela leitura, então desde já agradeço. Essa one é o resultado de muita leitura filosófica, BAD e sorvete de morango com chocolate :p

Segundo, quero AGRADECER DE CORAÇÃO a NAT KING pela betagem que ficou esplêndida. Sério, se alguém precisar de um beta para correção no texto, comentários construtivos e sugestões, super indico o trabalho dela. Podem confiar! Além dela ser super um amorzinho, é muito atenciosa ♥

Por fim, algumas explicações estão na nota final então não deixem de ler. Desejo uma ótima leitura (:

Ps: leiam o capítulo ao som de Just Like Heaven de Katie Melua.



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C A P Í T U L O  Ú N I C O :
A L I V E.

O mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena, e cada um, no seu tempo, representa diversos papéis. Seus atos se distribuem por sete idades.”



— De Como lhe Aprouver.
 


Olhei para meus pés afundados na areia gelada. O que eu estaria fazendo ali àquela hora? A minha realidade caminhava paralela à realidade temporal. Era como se minha consciência vibrasse em outra sintonia, muito distante dessa orla que me abraça. As ondas se chocavam contra um rochedo próximo e jogavam sua espuma para o céu ensolarado. Contra as ondas eu enxergava cada rosto que eu tive, cada disfarce que eu usei para me proteger, para me esconder — de quê afinal? Cada memória aparecia e imediatamente ia embora com a fumaça do meu cigarro. Espalhavam-se e sumiam com a brisa que o oceano jogava no continente.


Meus pés, assim como meu corpo, não me pertenciam, eram somente uma lembrança de quem eu sou, ou era… quem sabe do que eu fui, ou me tornei? Não sei. Rolava pela vida com meus sonhos ou razão para existência dentro do bolso. Eu subia aos palcos, mas antes do ato acabar eu já não voltava mais. Não conseguia terminar o show.
A plateia já havia saído e os aplausos não me eram dignos. Eu estava prestes a me formar em Direito — precisava passar por mais uma provação até chegar ao objetivo que meu pai tanto sonhara para mim: delegado do Estado de Florença.


Será que eu seria mais um que seria corrompido pelo dinheiro ao invés de cumprir meu papel verdadeiramente — proteger vidas civis? Sentia minha alma tão pequena, reclusa numa casca de noz, tão vazia feito uma xícara de café borrada de fundo negro. Eu era apenas um rascunho inacabado contra esse fundo de vidro que me engolia, regurgitava e cuspia nas areias brancas da Ilha de Elba.


Sentia que me perdia a cada segundo, caminhava, ensaiava passos coreografados e num tombo desastrado me esfacelava contra o linóleo do tempo. Um caminho de pedras pontudas que eu percorria descalço, cada fragmento cortando fundo a sola dos pés, um ferimento que me dava consciência de que vivia e precisava passar por isso também. De alguma forma eu precisava aprender a morrer, alguém que me ensinasse uma técnica que não fosse falha, que no segundo derradeiro se concretizasse e se apossasse de mim.
O tempo era um correligionário que me traía, que buscava me afogar nas suas águas rasas, que no segundo oportuno entrava em cena e me derrubava. Me cobria com seu manto e juntos volitávamos sobre meus escombros, sobre os cacos que restavam de mim. O vidro de que eu era efeito se partia ao menor contato. Vivia sempre com minhas janelas consertadas, coladas, embora, não raro, com vidraças faltando. Nada me envolvia, nada me preenchia, nada me servia… exceto essas gotas de brisa, esse vento que acariciava meu rosto.



''O homem está condenado a ser livre.'' 
 

Eu nunca havia parado para pensar na minha vida, saber quem eu sou, no motivo de existir nessa galáxia; nesse mundo desconhecido. Bom, esses pensamentos duraram até o verão passado, onde entrei na biblioteca Nacional Vittorio Emanuele com cheiro de velho e fui confrontado por aquela bibliotecária de olhos que pareciam uma verdadeira tormenta tão tempestuosa em volta lágrimas cristalinas que pareciam um grande espelho que refletia um vasto medo, e inutilmente, ela tentava a todo custo disfarçar sua dor.


Estranhamente meu cérebro concluiu que seus olhos tristes eram uma linda tempestade para qual eu queria ser consumido, para sempre. Meus olhos, escuros como a noite, estavam sob efeito de hipnose ao fitar com tanta intensidade aqueles olhos avelãs que transbordavam uma tristeza sem fim.


Partículas de elétrons colidiam-se dentro de mim e impulsionavam a fazer algo por aquela garota. De qualquer maneira!


Mordi o lábio inferior levemente carregando a incerteza entre agir ou não.
Como eu poderia fazer isso sem ser considerado um babaca ou intrometido? Será que sou arrogante a ponto de achar que ela precisa da minha ajuda? Fiquei naquele dilema por alguns segundos que para mim pareciam eras.
Observei-a com mais afinco, tentando encontrar outros sinais.


Ela era uma tão linda, sua pele ébria parecia tão macia quanto uma pétala de rosa. Os cabelos castanho-claros lisos estavam presos num rabo de cavalo alto, seu corpo é esguio, seus lábios eram bem desenhados — não eram demasiados cheios, mas também não eram finos. Eram perfeitos ao meu ver.


Olhei para o seu crachá e continha a foto de uma garota com sorriso sincero e inocente, tão diferente da garota a minha frente. Com uma caligrafia fina e redonda estava escrito seu nome: Izumi Uchiha.


Realmente queria ir até Izumi dar-lhe um abraço e dizer : “Vai ficar tudo bem, querida, e você é mais forte do que imagina. Merdas acontecem todos os dias... com todas as pessoas. É uma lei universal e independente do que aconteça o mundo não vai parar apenas por que seu coração está um caco. Por isso, é necessário seguir em frente, afinal é a única maneira.”


Suspirei tão baixo que somente a morena de olhos cor de avelã poderia me ouvir. Constatei que ela era encantadora que só fazia com que a tristeza dela se tornasse ainda mais dolorosa de olhar.


A garota interrompeu o contato visual, percebi que suas bochechas coraram levemente, então ela virou-se de costas, puxou a escada para guardar o livro verde musgo de capa dura na estante.


Por mais que eu quisesse ajudá-la, as correntes da minha covardia me impediam de agir. Então pensei na manchete do La Stampa com lide “jovem abraça desconhecida na biblioteca Nacional de Florença e é preso por assédio” ou “após receber incentivo de um rapaz gentil, garota desiste do suicídio.” Então para não nos comprometer, preferi não me intrometer.


Fiquei me perguntando quantas vezes deixamos de ajudar alguém pelo simples medo de sermos mal interpretados.
Quando ela ousou a subir a escada, vi parcialmente que lágrimas escorriam por sua face a medida que agarrava o livro com força em suas mãos.
Perigo.


Aquela jovem representava perigo para minha própria sanidade, as lágrimas dela fizeram com que meu coração disparasse. Não pude evitar, pulei o balcão e puxei seu pulso direito. Izumi deu um pulo como se tivesse levado um choque e piscou ao ser pega de surpresa por aquela reação.


— O que há de errado? — perguntei segurando-a firme.


— Você é tão jovem e seus olhos são tão tristes quanto os meus — ela respondeu com a voz embargada e completou: — Talvez mais tristes, como um túnel sem fim.


Eu me espantei com a avaliação daquela garota. Como ela ousava me avaliar em apenas cinco minutos? Conseguindo enxergar o que a minha alma tanto transbordava, ao mesmo tempo em que as pessoas ao meu redor — familiares e amigos que passaram anos convivendo comigo — nunca perceberam nada de errado, para eles bastava colocar um sorriso falso e vestir uma inabalável autoconfiança que tudo estava bem.


— Qual é o motivo real da sua existência? — Izumi indagou de forma decidida, passando as mãos em seu rosto para secar as lágrimas, encarando-me nos olhos.


— O quê?


Eu fiquei atônito com essa pergunta e sinceramente não sabia responder, afinal nunca tinha parado para pensar nisso. Desde sempre tinha uma vida pré-definida para satisfazer as necessidades dos meus pais. A primeira coisa que deveria fazer: formar em Direito na Universidade de Milão para suceder meu pai e me tornar o mais jovem delegado. Segundo: casar com alguém que rendesse bons frutos para meu ego e reputação. E por último, talvez a única coisa que eu realmente quisesse desde criança: morar em Elba e acordar todos os dias ao som das ondas batendo contra os rochedos.


— O significado da vida, Sartre disse que a existência humana precede sozinha qualquer sentido — explicou ela, recitando a ideia do filósofo francês do século XX do qual recordava brevemente por ter tido aulas de filosofia na época do colegial. — Ou seja, a existência precede a essência.


— Eu não entendo Izumi — respondi com simplicidade, querendo entender qual sentido de toda aquela filosofia existencialista levaria ao motivo de suas lágrimas ou fato da minha existência ser vazia, sem propósito algum, tornando-se tudo que todos queriam que eu fosse: um garoto prodígio com um futuro brilhante.


Notei que a bela morena corou novamente por ter chamado pelo seu primeiro nome.


— Em outras palavras, não adianta ficar especulando qual o real significado da vida em toda sua dimensão. — Izumi viu-me franzir o cenho, então ela tratou de complementar: — Ninguém nasce com uma razão pré-definida na vida. Isso que chamamos de existência é algo que devemos buscar por nós mesmos — falou docilmente, exibindo pela primeira vez um sorriso sincero. E aquilo definitivamente não era bom, porque de alguma forma sentia que aquele sorriso correspondia todas as incertezas da minha vã existência e aquecia meu coração de tal maneira que sentia completamente dependente daquela garota estranha. — Acredito que talvez esteja em uma realização profissional, conhecer um novo país e cultura… ou em alguém especial.


— Você não respondeu minha pergunta. — Fui incisivo em questioná-la. — Por que estava chorando?


— Porque em toda minha vida eu sempre achei que não havia escolhas… Meu destino estava traçado desde o momento que o câncer apareceu na minha vida roubando minha perna direita — ela respondeu, logo em seguida, levantou a barra da calça jeans escura mostrando a perna mecânica.


— Eu… Eu… — balbuciei em resposta e Izumi fechou a expressão numa carranca. Consertando rapidamente a besteira que a minha gagueira causou, disse: — Não estou com dó de você se é isso que está pensando. Só estou incrivelmente admirado por você continuar aqui de pé, mesmo não querendo.


Ao ouvir aquelas palavras ela olhou-me fixamente. Havia simpatia em minhas palavras e olhos, o que a deixou desconcertada.


— Então, como chama essa obra de Jean Paul Sartre, juro que fiquei bastante curioso — perguntei apenas para puxar assunto e talvez conseguir arrancar mais alguns sorrisos daqueles lábios.


— O existencialismo é um humanismo — sorrindo, Izumi me entregou o mesmo livro que estava em suas mãos.
Retribui o sorriso.


Diferente dela que era graciosa, eu parecia um completo babaca. Decidi que ficaria ali para sempre, nesse contato íntimo com aqueles olhos cor de avelã que preenchia cada vazio da minha alma esburacada.


*  *  *


Ao sair da minha lembrança, uma sensibilidade se dilatava e eu sentia aflorar por cada poro do meu corpo, cheguei até aqui sem saber o que queria ou esperava da vida.
Com o tempo compreendi que todas as minhas frustrações e fracassos estão atribuídos a mim e não a Deus, às estrelas ou algum joguete do destino. Nós seres humanos que somos responsáveis por nossa existência. Por aquilo que somos e não por aquilo que poderíamos ser.


Sem me dar conta estava sorrindo ao lembrar-me daquela garota tão desafiadora e totalmente sabe tudo. Depois daquele dia, passei fazer daquela biblioteca meu refúgio, um lugar onde poderia ter paz.


Colpo di fulmine, uma expressão italiana cujo significado era algo como raio fulminante. É quando o amor invade o coração de alguém como um relâmpago, de modo tão intenso que não pode ser negado. Uma vez que o raio cai, sua vida muda de forma drástica. Entretanto, jamais acreditei naquilo. Chame do que quiser: amor à primeira vista, almas gêmeas, flecha do cupido… para mim todo aquele conceito não passava de baboseiras para a literatura se consagrar em palavras bem escritas por Dante Alighieri² ou Lord Byron³.
Aquele pensamento mesquinho se desfez no momento em que Izumi Uchiha entrara na minha vida sem ser convidada, roubando meu mundo em questão de segundos. 


Amor… Que sentimento grandioso ao mesmo tempo tão complicado de lidar, abrir o coração de forma completa e revelar sua alma para uma pessoa e depositar nela um fardo muito grande de que a razão da sua existência consiste na existência dela.


— Itachi — a minha bela morena de olhos avelãs chamou-me. Ela estava tão perfeita em seu vestido branco e seus cabelos castanho-claros esvoaçavam conforme a brisa marítima. Diferente do ano passado, seu sorriso só transbordava alegria. 


Izumi é a melhor definição do verão indiano no meio do inverno, ao fitá-la, eu me perdi tanto que esqueci de mim. Desmanchei-me a cada olhar lançado a mim, esqueci de me encontrar. Estava completamente apaixonado por cada detalhe que compunha seu ser, desde seus gestos, manias, qualidades e defeitos. Em seus olhos avelãs pude ver meu futuro… Graças a ela expandi meu horizonte, enxerguei o valor da vida atribuindo o meu próprio e inquestionável valor perante ela. 


— Eu descobri minha razão existencial — disse descontraído, senti meus pés afundarem na areia fofa e úmida. Minhas mãos foram automaticamente na sua cintura fina, encolhi apenas para alcançar a curva de seu pescoço e depositar meus lábios. Izumi estremeceu sentindo um leve arrepio devido o toque e riu baixinho colocando suas mãos sobre as minhas.


— Descobriu? E qual é? — indagou de modo suave virando na minha direção, seus olhos brilhavam esperando pela resposta do qual desconfio que ela já saiba.


Cada célula do meu corpo implorava pelo seu toque, meu pensamento orbitava na curva do seu sorriso, esse sorriso constrangido que sempre me fazia perder o rumo. 


— Você, minha doce Izumi… — sussurrei e então meus lábios foram capturados por aqueles lábios suaves.


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Notas finais do capítulo

Explicações e afins:

✿ Ilha de Elba : http://1.bp.blogspot.com/-61YIKx8wo2w/U3GfeeoUGhI/AAAAAAAAVs8/9UWpNMQTEvE/s1600/Ilha-Elba-Toscana-Italia.jpg

✿ Biblioteca Nacional Vittorio Emanuele em Nápoles: http://media.gettyimages.com/photos/naples-biblioteca-nazionale-vittorio-emanuele-iii-picture-id515666276?s=170667a

O homem está condenado a ser livre¹ - base filosófica existencialista de Sartre. Caso queiram conferir sobre essa corrente filosófica e conhecer um pouquinho do filósofo francês vou deixar link de um documentário muito bom no youtube ;)

https://www.youtube.com/watch?v=uL4UVvN5C6g


Dante Alighieri² - escritor italiano da época do renascimento cultural. Tenho certeza que vocês devem conhece-lo devido a obra A divina comédia, um clássico. Caso não tenham lido, super recomendo.


Lord Byron³ - escritor inglês da corrente ultra romântica da segunda fase do Romantismo conhecido como mal do século. Inclusive o mesmo inspirou Azevedo em seus poemas *-*

Espero que vocês tenham gostado da one e desculpem aos mais céticos se pequei por romantizar demais, acho que foi por causa dos quilos de açúcar que consumi antes de escrever :p

Coments, please.

Xoxo ♥



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