Família por acaso escrita por Benihime


Capítulo 6
Por acaso ... Um novo lar




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— Andem logo, meninas. — Naorima instou enquanto levava seu colchão escada acima. — Temos muito o que fazer hoje.

— Tipo mandar religar a eletricidade, né tia?

— Tipo isso. — A mulher mais velha concordou. — Mas primeiro vamos colocar esses colchões no lugar, trocar de roupa e tomar café.

— Tá, que seja. — A adolescente de cabelos negros concordou, dando de ombros. — Estou morrendo de fome, mesmo.

— Ajude suas irmãs a levar os colchões lá para cima. — Naorima ordenou, já quase no topo da escada. — Eu vou terminar aqui e fazer o café.

Dessa vez sua sobrinha não respondeu, e Naorima nem se deu ao trabalho de continuar a conversa. A jovem restauradora apenas se ocupou em levar seu colchão até seu quarto através de um longo corredor com piso de carvalho.

No quarto, encostou o colchão contra uma parede e olhou em volta. O cômodo era grande, com paredes cinza-claro e chão de madeira. Grandes janelas decoravam a parede leste, e abaixo delas havia um confortável banco estofado. Um pé-direito alto fazia o cômodo parecer ser ainda mais espaçoso.

— Ora, ora. — Naorima comentou baixinho para si mesma. — Esse lugar tem potencial.

Deixando esses pensamentos de lado, a morena tratou de procurar roupas decentes em meio às muitas caixas que atulhavam o chão. Encontrou calças de malha macias e uma regata, vestiu-as e foi ao encontro das sobrinhas, cujas vozes podia ouvir não muito longe.

— Ah! — Ouviu Aysha exclamar. — Tira isso daqui! Tira!

Naorima apressou o passo até a porta de onde vinha a voz de sua sobrinha para encontrar a menina escondida atrás de Kyara. A mais velha estava obviamente tentando conter o riso.

— O que está acontecendo aqui? — Naorima inquiriu.

— Aysha viu uma aranha. — Kyara respondeu, revirando os olhos. — Ela morre de medo de aranhas.

— E você podia fazer alguma coisa além de rir da sua irmã. — Foi a resposta. — Vamos dar um jeito nessa aranha.

Rasgando um pedaço do papel que embrulhava uma das caixas e rapidamente localizando a aracnídea, Naorima logo a tinha capturada. A mulher abriu a janela de correr e jogou a aranha para fora, voltando a fechar o vidro logo em seguida.

— Obrigada, oba-chan.

Naorima sorriu para sua sobrinha, reparando, pelas leggins cinza que apareciam por baixo da camisola, que a menina já havia começado a se preparar para o dia.

— Não foi nada. — A morena disse. — Terminem de se vestir, vocês duas. E depois dêem uma ajuda para a Kathleen.

— Ah, por favor. — Kyara bufou, revirando os olhos. — Ela não é mais um bebezinho. Não precisa de ajuda.

— Mas eu estou mandando. — Naorima rebateu jocosamente. — Então é melhor você fazer o que eu digo.

A mulher não permaneceu no local o bastante para ver sua sobrinha mais velha revirar os olhos, simplesmente girou nos calcanhares e se dirigiu para a cozinha no andar de baixo. Minutos depois, quando suas sobrinhas desceram, encontraram a tia ocupada fazendo omeletes.

— É sério? — Kyara provocou. — Descendência japonesa e nada de udon no café da manhã?

— Não comece. — A mulher mais velha respondeu, sem tirar os olhos do fogão. — Pratos japoneses são demorados demais de se fazer. Assim é melhor.

— Não estou reclamando. — A adolescente disse, servindo-se de suco de laranja de uma jarra em cima da bancada. — Sempre odiei a comida japonesa da vovó.

— Eu gosto. — Aysha opinou. — Você é que tem que reclamar de tudo, onee-chan.

A resposta da adolescente foi dar um tapinha no topo da cabeça da irmã, que se afastou com uma careta.

— Meninas, não comecem. — Naorima repreendeu. — É cedo demais para isso.

— É, não briguem. — Kathleen, a mais nova, corroborou. — É muito chato quando vocês ficam brigando.

— A baixinha aqui tem razão. — A mulher morena sorriu, acariciando os cabelos ruivos da sobrinha mais nova com a mão livre ao passar por ela. — Sentem-se, meninas, os omeletes estão prontos.

— Ainda bem que passamos naquela mercearia ontem antes de virmos para cá. — Kyara comentou enquanto sentava-se à mesa. — Foi uma sorte.

— É, foi mesmo. — Naorima comentou, pousando um prato com uma omelete ainda fumegante à frente da menina. — Boa ideia, Kya. O que eu faria sem você?

—Fácil, tia. — A adolescente respondeu, comendo uma garfada de sua omelete. — Você estaria absolutamente perdida.

A única resposta a isso foi uma risada enquanto Naorima sentava-se à mesa. As quatro tomaram café da manhã e, depois, decidiram começar a arrumação. 

— Vamos começar pelo andar de baixo. — Naorima disse. — É o que vai nos tomar menos tempo. À tarde podemos desempacotar e começar a arrumar nossas coisas nos quarto lá em cima.

As meninas não protestaram, para sua surpresa, e logo as tarefas foram divididas: Kathleen ficou encarregada de abrir todas as janelas para deixar o ar fresco entrar, enquanto Aysha tirava os lençóis de cima dos móveis. Kyara estava encarregada de tirar toda a poeira, enquanto Naorima varria o chão da sala de estar e esfregava os linóleos do banheiro e da cozinha.

— Ajude suas irmãs a terminarem as coisas lá em cima. — Naorima ordenou após o almoço, no qual as quatro comeram hambúrgueres. — Vou à cidade requisitar o religamento da energia elétrica e comprar algumas coisas.

— 'Tá. — Kyara assentiu. — Até mais, tia.

Era uma longa caminhada de dez minutos até a pequena cidade de Daymay, e Naorima já chegou exausta. Sendo de Nova York, não estava acostumada a caminhar tanto. Após passar na central da companhia de luz e no pequeno mercado local, a mulher estava pronta para voltar para casa e desabar em um sofá. 

— Tadaima! — Naorima gritou ao passar pela porta da frente. — Meninas, eu trouxe chocolates!

Oba-chan! — Aysha exclamou, aparecendo no topo da escada poucos segundos depois. — Okaeri!

— Como está indo aí em cima?

— Estamos bem. — Kyara respondeu, aparecendo atrás da irmã. — E a luz?

— Um funcionário deve vir religar antes do final da tarde. — A mulher respondeu. — Vou guardar as compras e já subo.

As duas meninas assentiram e voltaram a suas respectivas tarefas. Após guardar todas as compras, separando quatro barras de chocolate, Naorima subiu ao encontro das sobrinhas. Encontrou cada uma em seu próprio quarto, desempacotando seus pertences.

— Chocolate! — Kyara exclamou. — Tia, dessa vez você mandou bem!

A adolescente sentou-se no chão acarpetado, abrindo a barra de chocolate com gestos rápidos e dando uma enorme mordida, o que fez Naorima rir. Kyara era exatamente igual à mãe.

 

— Anda, preguiçosa, me ajude aqui. — Naorima disse simplesmente. — Vamos montar essa cama.

A armação foi montada em questão de minutos e, após concluir, Kyara se atirou sobre o colchão nu com um suspiro audível de deleite.

— Agora sim. — A adolescente disse. — Muito melhor.

— Precisa arrumar essa cama primeiro, sabia?

— Detalhes, detalhes.

Naorima riu consigo mesma e saiu do quarto, batendo de leve na porta ao lado, do quarto de Aysha.

— Cai fora, onee-chan!

— Sou eu, Aysha.

— Ah! — A menina exclamou. — Pode entrar, oba-san.

Naorima entrou no quarto para encontrar tudo já impecavelmente organizado. Apenas caixas com roupas, que Aysha agora arrumava cuidadosamente no armário, ainda estavam no chão.

— Ora, ora. — A mulher morena sorriu. — Você trabalha bem rápido.

— Não há desculpa para ser desorganizada sem motivo.

— Você fala igualzinho à sua avó. — Naorima riu, pondo-se a montar a cama da sobrinha.

Novamente, a tarefa foi terminada em poucos minutos. À diferença de Kyara, Aysha começou a arrumar a cama assim que sua tia colocou o colchão sobre o estrado. Naorima deixou-a envolvida na tarefa e foi até a última porta do corredor, bem ao lado da sua. O quarto de Kathleen.

Sua sobrinha mais nova estava sentada no tapete branco felpudo estendido no chão, ocupada em vasculhar uma caixa cheia de desenhos. Ao ouvir os passos da tia, a menina ergueu os olhos.

— Oi. — Naorima disse, sentando-se no chão ao lado da garota. — O que achou do seu quarto novo?

— É escuro. — A menina respondeu. — Me dá medo.

— Você aprende a gostar. — A mulher mais velha garantiu. — Quer ajuda para desempacotar?

— Não. — Kathleen balançou a cabeça, fazendo seus cachos ruivos pularem como pequenas molas. — Eu consigo.

— Ei, não precisa ficar dando ouvidos à Kyara. Ela é uma bobona. — Naorima declarou. — Está tudo bem em pedir ajuda quando precisamos.

— Sério? Isso não me faria uma criancinha?

— De jeito nenhum. — Foi a resposta. — Sua irmã só queria incomodar você quando disse isso. Não dê bola pra ela.

A menina simplesmente assentiu, e Naorima preferiu não pressionar. Simplesmente ocupou-se em armar a cama da menina, um modelo cor de rosa em forma de castelo.

Kathleen a acompanhou quando Naorima foi arrumar seu próprio quarto, e ficou empoleirada no assento estofado sob a janela, desenhando em silêncio. Como prometido, um funcionário da companhia de luz foi até a casa para religar a rede elétrica e, à noite, as quatro jantaram duas enormes pizzas que Naorima trouxera do mercado e finalmente puderam se preparar para dormir em seus respectivos quartos.

Um bom tempo após haver dado boa noite a suas sobrinhas, Naorima se encontrava recostada em uma pilha de travesseiros macios em sua cama, lendo um livro à luz do abajur, quando uma batida tímida na porta a fez erguer os olhos.

Eram Aysha e Kathleen. A mais velha usava uma simples camisola branca, enquanto a menininha de cabelos ruivos parecia uma boneca em seu pijama cor de rosa estampado com coelhos. As duas meninas, para surpresa de sua tia, estavam de mãos dadas.

— O que foi, meninas? — Naorima inquiriu, pondo o livro de lado sobre a mesinha de cabeceira.

— Estou com medo. — Kathleen declarou. — Posso ficar aqui essa noite?

— É claro que pode. — A mulher anuiu com um sorriso. — Você também, Aysha.

As duas meninas se acomodaram uma de cada lado da tia na enorme cama king size. Naorima não pôde deixar de sorrir quando Kathleen se aninhou contra seu peito, o que a fez passar um braço pela cintura da menininha e puxá-la para ainda mais perto. Em questão de segundos Kathleen já estava dormindo, ressonando suavemente.

— Ela estava cansada mesmo. — Naorima comentou. — Não quero nem pensar em como vai ser quando vocês começarem na escola nova.

— Precisamos mesmo, oba-chan?

— Claro que sim. — Foi a resposta. — Você não gosta de estudar?

— Claro que gosto. — Aysha respondeu, falando em voz baixa para não acordar sua irmã mais nova. — Mas posso estudar em casa. Prefiro ficar aqui com você. As outras crianças me acham estranha. Elas riem de mim.

— Todas elas são umas bobonas. — Naorima declarou, puxando sua sobrinha para mais perto e dando-lhe um beijo na bochecha. — Só estão com inveja porque você é mais inteligente do que elas.

— Será mesmo, tia?

Era a primeira vez que Aysha a chamava de tia ao invés de oba-chan, e a diferença no tratamento a surpreendeu a ponto de impedi-la de responder por um momento.

— Tenho certeza que sim. — Naorima afirmou enfim. — Um dia, você vai crescer e ser a chefe de todos eles. Aí todos os que riam de você vão aprender que a inteligência é o que realmente conta.

 

A menina abriu um pequeno sorriso, aninhando-se mais confortavelmente sob as cobertas e fechando os olhos.

— A mamãe costumava dizer isso também.

Naorima não soube o que responder, mas também não precisou. Em poucos minutos viu a respiração da menina se tornar mais profunda enquanto ela caía no sono. A mulher se permitiu fechar os olhos, abraçando suas duas sobrinhas. Não pensaria no futuro naquela noite. 

Naquela noite, simplesmente deixaria aquela sensação tomar conta de seu peito, uma satisfação forte e poderosa que a aquecia de dentro para fora. Talvez fosse essa a sensação de encontrar um lar.


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