Blanket Kick escrita por beaeqn


Capítulo 4
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—Mei, já está na hora de levantar - ouvi meu irmão falar calmamente. Essa era uma das diferenças que eu pude perceber entre a casa do meu pai e da minha mãe. No Brasil, sempre tinha algum barulho, fosse música alta ou minha mãe gritando comigo. Aqui na Coreia, tudo é mais silencioso e meu pai e irmão são bem mais calmos. Por mais que a cama estivesse muito quentinha e confortável e o clima lá fora estivesse frio, perfeito para dormir o dia todo, eu não preguei o olho a noite inteira. Hoje era meu primeiro dia de aula na faculdade nova e eu estava muito assustada. Além de todas as aulas serem, obviamente, em coreano, eu teria que tentar fazer novos amigos, coisa que eu nunca fui muito boa.

—Hmmmmm, eu tenho que ir mesmo? - perguntei enquanto me levantava, mesmo já sabendo a resposta. Peguei a roupa que tinha separado na noite anterior e dei uma boa olhada nela. Todo mundo diz que no inverno as pessoas ficam mais bonitas e elegantes, mas acho que essa regra não se aplica à mim.

—Ah, Mei, pensa positivo. Se você fizer um amigo no primeiro dia, tudo vai ficar bem. Você não veio pra cá por nada, não é?

—Aaaaaaaargh, odeio quando você faz isso.

—Isso o quê?

—Me convence a fazer as coisas - meu irmão dá um sorriso de lado e diz que o café já ia ficar pronto, saindo do quarto. Me visto rápido e quando boto a roupa que me foi designada, o pouco ânimo que eu tinha se esvai ainda mais. Cara, eu to muito feia. Eu pareço uma bola preta e roxa com todos esses casacos. Como eu sei que meu pai não iria me deixar faltar aula, aceito minha derrota e sigo para a cozinha. Meu pai está sentado na mesa, lendo algum email com certeza, mexendo no computador. Ele sorri pra mim e aponta para a cadeira em frente à dele. Olho para o café da manhã, tão diferente do brasileiro, e minha ansiedade vai aumentando. Comemos rapidamente em silêncio e ele se levanta, dizendo que só vai voltar do trabalho à noite e que eu era livre pra escolher entre fazer ou pedir comida. Enrolo um pouco antes de finalmente me levantar e chamar meu irmão para me irmos andando pra universidade, que ficava somente a 3 quarteirões de distância da nossa casa. Meu irmão faz Jornalismo, como esperado dele, e eu faço Dança. Por mais que estudássemos em lugares diferentes, eu fiquei com medo de me perder pelas ruas e pedi que ele me levasse até a secretaria do instituto, assim como eu fiz no meu primeiro dia de aula do primário. Resolvo uns problemas com minha documentação e sigo com Kwan para procurar minha sala. Minha primeira aula é Dança Contemporânea II. Como eu já tinha feito essa matéria no Brasil, pude ficar em uma turma mais avançada que a que eu normalmente ficaria.

—Kwan, eu estou atrasada. Corre! - seguimos correndo e olhando todas as portas até que achamos a exata. Eu abro a porta, mas antes meu irmão beija minha testa e me deseja boa sorte. Entro na sala e falo com o professor, explicando minha situação e pedindo desculpa pelo atraso. Ele assente e me diz para que eu ficasse em frente ao espelho, do lado esquerdo da sala, junto com outros alunos. Vou para o canto e quando olho para frente, quase tenho um infarto.

—Está me seguindo? - Jimin perguntou, se aproximando. Não, não, não. Não era possível.

—Jimin, não é? Que coincidência! - ele me olhou com desconfiança e eu comecei a me perguntar se meu disfarce não estava convencendo-o. As outras meninas da classe me olharam com caras feias e eu fiquei vermelha mais uma vez. Eu sabia como as fãs dele eram loucas e obcecadas. Talvez não seja uma boa ideia ficar tão perto dele, pensei me afastando.

—Park Jimin e Seomun Mei? Como vocês chegaram depois do começo das aulas, serão uma dupla. - Tudo o que eu não precisava agora. Tô sentindo que vai dar problema no futuro.

—Bom, só sobramos nós dois - Jimin falou com um sorriso de lado.

—Sobramos? Todos querem fazer dupla com você - olhamos pra trás, vendo várias meninas sorrindo pra ele, coradas.

—Ah, mas a gente nem tem outra opção - ele falou sorrindo, com os olhos fechados. Eita. Meu coração deu uma acelerada, mas eu não entendi por quê. Eu nem gostava dele, pelo amor de Deus.

—Tá bom, então, mas se eu aparecer morta, a culpa é sua.

Fomos até o professor para assinar uma lista que indicava as duplas. Eu sentia os olhares dos outros alunos queimando minha nuca, mas o quê eu podia fazer? Ficar sozinha o semestre todo? Nem pensar. O professor nos entregou uma folha, indicando os próximos trabalhos e um deles já era para o dia seguinte.

—Hã, Jimin? Como vamos fazer para entregar esse trabalho? Podemos nos encontrar depois da aula?

—Não, eu tenho ensaio. Quando é seu próximo tempo livre?

—Espera - eu falei puxando minha grade de horários da bolsa - na hora do almoço. Você pode?

—Acho que sim...

—Ok. A gente pode se encontrar no refeitório?

—Não, lá tem muita gente - ele ponderou, visivelmente preocupado.

—Tá bom, né. Então onde a gente se encontra?

—Você mora muito longe daqui?

Ele estava sugerindo que a gente fizesse o trabalho na minha casa? O que é isso, 6º ano de novo? Por mais que eu soubesse quem ele era, eu não o conhecia de verdade. Eu não sabia como meu pai reagiria à filha dele levando um completo estranho pra casa do nada, mas eu não queria já começar o período com o pé esquerdo.

—Não, minha casa fica à 3 quadras daqui.

—Ótimo. Você me encontra aqui nessa sala 12h pra irmos juntos, tá? - concordei com a cabeça e me levantei me dirigindo à próxima aula, já que o sinal já tinha tocado. Me despedi de Jimin e fui para outra sala, que ficava em outro prédio. Eu, obviamente, me perdi e cheguei atrasada de novo, mas nem me preocupei com a imagem que eu devia estar passando para os meus colegas de classe e professores porque eu só conseguia pensar em Jimin e na expectativa de levá-lo pra minha casa.

As aulas se estenderam e parecia que nunca iam acabar, mas finalmente o sinal indicando o almoço tocou e eu saí correndo para o nosso ponto de encontro. Cheguei esbaforida e atrasada e Jimin se desencostou da pilastra em que estava apoiado.

—Quer café? - ele me ofereceu e eu neguei, nervosa. Eu realmente não sei por que estava tão ansiosa, mas ele não pareceu notar. Comecei a brincar com minha pulseira enquanto ele pegava sua bolsa. Jimin encarou diretamente meu pulso e sua expressão mudou de descontraída pra tensa. Decidi ignorar, imaginando que podia ser só impressão minha.

Caminhamos lado a lado em um silêncio constrangedor. Eu tentava me concentrar no caminho, afinal eu só estava morando naquela casa há 2 semanas e temia ficar perdida pelas ruas de Seul. Jimin mantinha uma cara fechada, como se algo lhe incomodasse profundamente. Fiquei com vontade de questionar-lhe o que havia acontecido, já que antes ele estava tão sorridente, mas não tinha intimidade suficiente para fazer esse tipo de perguntas. Chegamos ao meu prédio e cumprimentei silenciosamente o porteiro, que estava concentrado em um programa que passava na televisão a sua frente. Entramos no elevador e a tensão entre nós podia ser sentida no ar. Eu não conseguia entender o por que de sua clara irritação e isso me assustava, mas ainda assim algo me puxava para mais perto dele. Deve ser maravilhoso passar a mão no cabelo dele. Parece tão macio... Pera, o que é isso, Mei?! Cheguei mais pra perto da porta, me afastando dele. Não era prudente que eu ficasse tão próxima depois que aquele pensamento passou por minha mente. Ele pareceu perceber meus movimentos e virou de costas para mim, para o espelho. O que diabos está acontecendo aqui? Estava perdida em pensamentos quando ouvi um estrondo, seguido de um leve tremor, e a luz do elevador se apagou. Ah, você só pode estar de brincadeira comigo!

—A energia acabou - constatei de forma óbvia - estamos presos.

—Não me diga - ele resmungou rudemente. Não sei o que houve comigo, mas fiquei muito irritada com sua atitude. Me enchi de uma coragem nada comum à minha personalidade e falei, bufando:

—Olha, eu não sei o que houve antes de nos encontrarmos, mas você não tem que ficar me tratando assim, ok? Eu não fiz nada pra você.

—Não fez nada pra mim?! Você está brincando comigo, garota?

—Do quê você está falando? Eu mal te conheço direito! O que eu posso ter feito de tão ruim assim?

—Bom, primeiro você ficou me iludindo no avião, mas mesmo assim me negou um beijo. Jogou mil sinais de que estava interessada, pegou meu telefone, mas não me ligou! Ainda por cima, ficou se exibindo com o namorado bem na hora que eu estava passando. Aí você vem pra minha sala, acompanhada de novo pelo bendito namorado, vira minha dupla, joga mil sinais de novo, mas me rejeita mais uma vez. Qual é o seu problema?! Você gosta de ficar brincando com os outros?

Wow. O que acabou de acontecer aqui?

—Brincando com você?! Olha, me desculpa, mas eu acho que você se enganou e... - a luz se acende e o elevador volta a se movimentar. Me calo virando de costas para ele. Quem ele pensa que é pra falar assim comigo?! Volto a pensar na minha chegada e revivo a cena enquanto caminhamos até meu apartamento.

*FLASHBACK ON*

Kwan!

Me solto de suas mãos e pulo nele, em um abraço de urso.

—Meu Deus, senti tanto a sua falta! - todo meu medo e ansiedade se esvaem enquanto estou em seus braços. Sinto outras mãos em meus ombros e me viro, já esperando o sorriso caloroso de meu pai.

—Como você cresceu! Viajou bem? Seu cabelo está diferente! Onde estão suas outras malas? - ele me apertou enquanto me bombardeava com perguntas. Só me toquei do quanto sentia sua falta naquele momento. Sempre achei que meu pai não era indispensável em minha vida, mas isso claramente não era verdade; em seus braços vi o quão importante ele era pra mim e como morar com ele me faria bem. Percebi que realmente não estava com minhas malas e Kwan agarrou minha mão, me acompanhando para pegar as mesmas enquanto meu pai buscar nosso carro. Meu irmão é muito extrovertido (até demais, eu diria) e tem uma facilidade enorme de fazer novos amigos. No caminho, ele sorria para as pessoas e fazia perguntas e ao mesmo tempo me atualizava da vida na Coreia.

—Você cortou o cabelo, foi? Ele está muito muito bonito!

—É, mamãe falou que antes não estava legal... você gostou mesmo?

—Claro! Tá muito irado! - ele respondeu animado e eu ri com seu jeito. De repente, sua cara se fecha em uma expressão de nojo e fala:

—Tá vendo aquelas pessoas ali? - ele aprontou paras as meninas que eu supus que eram Army's - Elas são fãs de uma bandinha ridícula. Conhece eles? O BTS? - eita. Acabei rindo com a coincidência é respondi que já tinha ouvido falar sobre eles.

Chegamos à esteira e ficamos esperando minha mala enquanto levávamos uma conversa leve. Kwan me abraçava a todo momento e eu me sentia cada vez mais feliz.

—Ah, eu comprei isso pra você - ele falou sorrindo e puxando do bolso uma caixa preta. Sorri, também, desconfiada - feche os olhos - obedeci senti uma corrente metálica no meu pulso. Abri os olhos e vi uma linda pulseira prateada, com pingentes da letra "M" e "K", além de bandeirinhas da Coreia e do Brasil.

—Ai, meu Deus, Kwan! Eu adorei! Obrigada, de verdade - abracei meu irmão mais uma vez e ouvimos uma movimentação vinda do portão de desembarque. Nos viramos bem a tempo de ver os meninos do BTS saindo do avião. Quem vinha na frente era o próprio Jimin, que me viu abraçada à Kwan e fechou instantaneamente a cara. Me senti envergonhada com seu olhar e soltei dos braços de meu irmão. Pera, o que você está fazendo, Mei? Ele é seu irmão e você nem conhece esse cara! Graças aos céus minhas malas chegaram e eu me vi livre daquela situação ridícula, mas constrangedora. Quando fui pegar uma sacola, J-Hope foi mais rápido e entregou-a à mim. Agradeci e olhei para meu irmão, esperando que ele tomasse a iniciativa de sair dali. Eu sentia o olhar de Jimin sobre mim, queimando minha nuca, e não conseguia me mexer. Embora eu estivesse com pressa de ir embora o mais rápido possível, parecia que Kwan estava se divertindo em encarar cada um dos meninos com uma expressão de escárnio, que retribuíam o olhar com a mesma intensidade. Parecia que ambos os lados se conheciam e se detestavam. Por que ele não gosta deles? Preciso descobrir. Fiquei impaciente com a idiotice de ficar em pé segurando minhas bagagens esperando meu irmão parar de brincar de "jogo do sério" com os membros e falei, meio irritada.

—Vamos logo, Kwan.

Meu irmão soltou um sorrisinho para eles e me seguiu. Olhei por cima do meu ombro e acenei uma última vez para eles, deixando para trás aquela aventura de fangirl.

*FLASHBACK OFF*

—É aqui - falei, abrindo a porta do apartamento de dois andares - seja bem vindo - comentei ironicamente.
Entramos silenciosamente, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Fiz uma nota mental de ligar para o Leo e as meninas. Já fazia dois dias que eu não falava com eles e estar na companhia de uma pessoa tão agradável quanto Jimin me fazia sentir mais falta deles

—Onde você quer fazer?

—Hã? Ah, pode ser aqui mesmo. Vai se ajeitando que eu vou pegar alguma coisa pra comer.

Fui para a cozinha e vi que meu pai e Kwan têm um estoque quase infinito de Cup Noodles. Peguei dois, pus no microondas e enquanto esperava a comida ficar pronta, mandei uma mensagem pra minha mãe.
Mei: Oie
Mei: Td bom aí??
Mãe: Olha quem ressurgiu das cinzas...
Mãe:Tdo certo
Mãe: Mas a casa tá tão vazia sem vc... volta?
Mei: E vc q disse q eu ia querer voltar correndo
Mãe: Como vc tá? Já tá se adaptando melhor?
Mãe: Seu pai e o Kwan tão te tratando bem?
Mei: Td certo, mãe
Mei: Vc devia flar mais c o Kwan, sabe. Vc tbm é mãe dele
Mei: Eles são top. Meu parceiro da facul q é um pé no saco.

Antes de minha mãe responder, o aparelho apita e eu pego duas vasilhas para depositar o macarrão. Me dirijo à sala e quando chego lá, a surpresa: Jimin não estava ali. Onde diabos esse garoto se meteu?! Subo as escadas esperando que eles estivesse no banheiro, mas encontro a porta do meu quarto aberta. Entro por instinto e logo de cara vi o homem parado no meio do cômodo, folheando um livro que ele provavelmente tirou da minha estante ainda desorganizada.

—Hã, o que você está fazendo aqui? - ele se assusta com a minha presença e dá um pulinho. Fecha o livro rapidamente e fica vermelho, como uma criança que é pega comendo a sobremesa antes do almoço.

—De-desculpa. Eu procurei o banheiro e acabei entrando aqui - ele gaguejou colocando meu exemplar de Morro dos Ventos Uivantes de volta na estante - Isso aqui é português?

—É, sim.

Um silêncio constrangedor mais uma vez se instalou sobre nós; a tensão de instantes anteriores parecia ter ido embora, mas não é como se estivéssemos desfrutando e adorando a presença um do outro. Jimin continuava a varrer meu quarto com os olhos. Algo me incomodava no fato dele ver essa parte tão pessoal e íntima de mim. Ele parecia estar muito interessado em meu pequeno quadro com fotos minhas e do Leo, das meninas e minha família. Ai, meu Deus, que vergonha. Sinto um leve ardor em minhas mãos e percebo que ainda segurava os potes de comida.

—Toma. Espero que goste.

Jimin pega uma vasilha de minha mão e puxa com os pauzinhos uma pequena porção do miojo. Parecia que eu estava congelada. Não consegui desviar meus olhos dele; uma leve covinha aparece enquanto ele mastiga e a visão me fascina. Ele percebe que eu o encaro ao passo que chega mais perto de mim e fala suavemente, quebrando o momento:

—Vamos lá pra baixo.


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