Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 24
A reviravolta




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O outono e o inverno chegaram e partiram, e logo a tão esperada primavera começou, com o ar limpo e fresco, e eu nunca fui tão infeliz por jamais ter tido notícias do meu amado Charles, nem mesmo um mero comentário que deixassem escapar furtivamente. Vivia sobressaltada a espera de alguma notícia ruim e, no meu peito, uma imensa tristeza não parava de crescer. Meu receio é que ele tivesse voltado para o seu país, sido convocado para a guerra e partido para a distante Ásia. Nos meus piores pesadelos, companheiros frequentes das minhas noites infinitas em claro, imaginava o corpo de Charles sem vida, parcialmente submerso em um pântano esquecido, entre explosões de bombas e tiros de metralhadoras. Ou pior, sonhava com ele morrendo sozinho, no solo inimigo, e seus últimos pensamentos eram para mim, a mulher que o desprezou. Aquilo me martirizava, então, evitava dormir, passava noites insones vagando por minha casa, tal qual uma alma penada, mal conseguia comer e emagreci muito, fiquei com um ar macilento, ao ponto que a cada prova do meu vestido de noiva, a costureira reclamava que precisa ajustá-lo mais uma vez. A grande parte das pessoas acreditavam que minha mudança de aparência se dava pela preocupação e ansiedade da chegada do dia do meu casamento, no entanto, eu definhava pela saudade do meu amor e pelo medo de perdê-lo para sempre.

O dia do meu casamento amanheceu triste e cinzento, uma fina chuva incessante e um vento frio, combinando muito bem com os meus sentimentos. Já pronta, eu estava cercada por minhas damas de honras e mãe, que não paravam de ajeitar o meu vestido e meu véu, faltava apenas alguns minutos para o começo da cerimônia e esperava na sacristia, pelo momento da minha entrada triunfal pela nave da tradicional igreja imponente lotada de convidados de um dos acontecimentos mais esperado do ano.

— Posso ficar um pouco sozinha? – pedi com a voz débil, sentia-me como uma condenada à morte, sem saída, resignada com o meu destino.

Todas as minhas acompanhantes estranham o meu desejo, até que minha mãe assente com a cabeça.

— Vamos, garotas! Deixe a noiva ter o seu momento de reflexão – ela disse e todas saem.

Então, sozinha, olho para o espelho de corpo inteiro e não me reconheço, vejo uma garota pequena e magra usando um austero vestido de noiva com um ar triste, é como um estranho sonho, sinto-me cercada de uma fina bruma, como se não fosse eu ali parada. Mais uma vez, duvido se estou preste a tomar a atitude acertada, se não estou dando um passo em direção a um precipício sem fundo.

—Vovó! Vovó! – Naquele momento, eu e Mary somos trazidas de volta ao aeroporto, nos dias atuais, pelos gritos de duas crianças que se aproximaram correndo, esbaforidas, e pararam diante de Mary, com os seus olhos brilhantes e as suas bochechas coradas.

— Calma, crianças! Onde está o seu avô? – Mary indagou com um tom gentil e o garotinho de cerca de seis anos, com cabelos dourados e olhos verdes, apontou para trás, em direção a um homem alto de cabelos grisalhos e andar altivo, que se aproximava – Gisele, deixe-me apresentar a minha neta Gabrielle e meu neto Richard.

— Muito prazer – a garota com cerca de 9 anos, cabelos castanhos e olhos azuis respondeu educadamente, enquanto o garoto me deu um sorriso travesso.

Quando o homem se aproximou, os olhares dele e de Mary se cruzaram, percebi que entre eles havia um brilho, um sentimento de amor e cumplicidade.

— Gisele, deixe-me apresentá-la ao meu marido, Charles Wells. – Ela lhe deu um sorriso amoroso para ele que retribuiu.

— Charles?! – Eu estava abismada com aquela reviravolta.

— Muito prazer – ele respondeu, com um sorriso simpático.

— Eu estava contando para Gisele como nós nos conhecemos e nos casamos, querido – ela explica e ele toma o lugar ao lado dela.

— E em que parte você está? – Charles indagou, curioso.

— Na parte da igreja.

— A minha parte favorita. Mary a conta muito bem. Continue, querida – Ficamos todos nós ficamos atentos, inclusive as crianças e Mary prosseguiu:

— Sozinha, na fria sacristia, em uma segunda olhada, percebo que meu reflexo não está mais sozinho no espelho, pois, logo atrás de mim, estava Charles, parado, encarado a minha imagem refletida. Meus joelhos fraquejaram, meu coração parou de bater, não por medo, mas, por amor, volto-me lentamente, com receio que ele desapareça, que fosse apenas uma miragem, um sonho ou um fantasma. E quando ficamos frente a frente, sei que ele é real, começo a chorar de felicidade. Em dois passos, Charles está junto a mim, e me envolve com seus braços, descanso minha cabeça no seu peito, ouço seu coração bater e sinto seu perfume cítrico, ele é real.

— Por favor, não chore, Mary – pediu-me em tom gentil.

— Eu estava com tanto medo que você tivesse ido para guerra, que nunca o veria, novamente.

— Eu pensei em fazer isso, partir e nunca mais voltar, mas não podia deixá-la se casar, sem lutar por nós mais uma vez, sem dizer que a amo mais que tudo. Vamos embora, fugir dessa farsa, dá para ver que você não quer se casar com Harold.

— Eu não posso, ele vai acusá-lo de desertor e nunca mais poderá voltar para casa.

— Ele disse isso para você? – Charles quis saber, em um tom ácido, eu assenti com a cabeça. - Ele só queria afastar você de mim. Ele nunca iria admitir que ficássemos juntos.

— Mas, eu sei que ele não me ama – afirmei, com certeza.

— Não é por você, é por mim! – Charles confessou, eu olhei para cima e vejo sua expressão sombria, fico abismada com aquela revelação. – Quando jovens éramos inseparáveis, grandes amigos, foi ele quem me deu a cigarreira e o isqueiro de prata de presente. Acho que Harold se tinha sentimentos por mim e confundiu os meus e declarou-se, há algum tempo atrás. Eu não acreditei, achei que estivesse brincando, contudo, vi nos olhos dele que era verdade, eu lhe falei que não sentia o mesmo, que o que sentia por ele era uma grande amizade e assim me afastei, fiquei muito tempo sem visitar a família. Mas, passaram-se muitos anos, pensei que ele houvesse superado, entretanto, parece que não superou.

— Não está inventando isso, só para que eu ir embora com você?

— Não, no entanto, se fosse preciso eu inventaria qualquer coisa para arrastar você daqui.

— Não iria precisar, pois, o que eu mais quero é ir embora com você para qualquer lugar do mundo.

Assim, Charles segurou pela mão e puxou-me até a saída lateral da igreja, mas antes deixamos para trás o meu anel de noivado e a cigarreira e o isqueiro de prata dele. Sem olhar para trás e sem que ninguém nos visse, caminhamos na chuva até o carro que nos aguardavam em uma pequena rua transversa e fugimos da igreja.

Nós nos casamos alguns meses depois, moramos em Londres por algum tempo, depois na França, onde aprendemos sobre uvas e vinhos, foi lá que nasceu a nossa primeira filha, Laura. Minha mãe só voltou a falar comigo quando nasceu no nosso filho, Antony. Depois, fomos morar no Estados Unidos, para cuidar do vinhedo da família, na Califórnia. Harold casou com uma outra moça, e como era de se prever, não deu certo, contudo, ele é um político muito importante, atualmente.

— Então, você roubou a vovó, vovô? - A garotinha, surpresa com a história revelada, indagou de modo sonhador, dando um olhar encantado para o heroico avô.

— Posso dizer que sim. Gabi. Ainda imagino a cara de todos quando foram procurar por Mary na sacristia e a encontraram vazia. – Charles respondeu com um sorriso travesso e segura a mão da esposa, com delicadeza, entrelaçando os dedos. – E depois de todo esse tempo, trouxemos os nossos netos mais novos para conhecer a família do outro lado do oceano, e estamos voltando para casa, agora.

— Sim, nós temos três filhos e cinco netos – Mary revela orgulhosa.

— E dois cachorros, um gato e um dos melhores vinhedos da Califórnia, que produz um vinho mundialmente premiado – Charles completamente, orgulhoso.

— Devo supor que o nome verdadeiro de Harold não seja Harold? – questionei e Mary confirma com a cabeça e um ar divertido. - Obrigada, Mary, por ter me contado a história de vocês dois – disse, realmente, sensibilizada.

— Não sei se poderá ajudá-la, querida Gisele – afirmou, eu acho que não, pois meu caso é bem diferente, mas não confessei isso a ela.


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