Histórias Cruzadas escrita por calivillas


Capítulo 10
É uma pena para você




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— Não há nenhum lugar aberto, agora, para jantarmos, mas ele disse que poderia conseguir algo com a cozinha – Olivier me informou, após uma rápida conversa.

Algum tempo depois, estávamos sentados em um charmoso refeitório, com algumas mesas já arrumadas para o café da manhã, enquanto uma senhora de cabelos grisalhos nos trazia uma imensa omelete para comermos com pão e salada. Olivier pediu uma garrafa de vinho, serviu uma taça para cada um de nós. Devia ser por causa da minha fome, mas nunca havia comido algo tão bom em toda a minha vida, meu humor melhorou bastante. O vinho era um tanto forte, mas bom, logo notei o seu efeito, estava mais relaxada, minha língua coçava de curiosidade.

— Pelo que entendi, você, Sarah e Jean-Pierre se conheciam, há muito tempo – deduzi daquela conversa mais cedo.

— Sim, você entendeu corretamente. Quando adolescentes, estudávamos juntos na mesma escola em Paris, Sarah e Jean-Pierre já eram amigos muitos próximos, quando eu os conheci, por isso sempre desconfie que ele a amava. Cheguei até sentir um pouco de ciúmes dele, mas Sarah ria de mim, falava que era um bobo, que eles eram apenas bons amigos, só ela não conseguia enxergar os sentimentos dele. E, agora, depois de tanto tempo, eu descobri que estava certo. Espero que ele a tenha feito feliz, nesses anos que estiveram juntos.

— Imagine amar alguém por tanto tempo sem ser correspondido? Ficar do lado dela sem esperar nada em troca? Deve ser um suplício. Pelo menos, no fim, Jean Pierre teve sua chance de ficar com seu amor. É como naqueles livros ou filmes românticos, para mim, isso parece tão irreal, algo impossível.

— Você não se sente assim em relação ao seu noivo? Um amor que poderia durar para sempre? – Olivier perguntou, como sempre intrometido, levantando as sobrancelhas e me serve mais um pouco de vinho, pensei em recusar, já que não costumo beber muito.

— Eu não sei, nunca pensei sobre isso. As coisas entre mim e Samuel foram tão naturais, seguiram seu próprio caminho, sem dramas. Simplesmente, nós nos conhecemos, namoramos, ficamos noivos, vamos casar e só isso. Acho que nenhum de nós dois somos dados a paixões avassaladoras ou emoções extremas – respondi e levei a taça a boca, o vinho já não parecia tão forte agora, até é bom, ele desceu me aquecendo.

— E como vocês se conheceram? – perguntou, olhando-me com interesse, imaginei se ele desejava mesmo saber minha história.

— Em uma festa de fim de ano. Ele estava sozinho e eu também, havia um monte de casais, então começamos a conversar e percebemos que nós combinávamos, gostávamos de muitas coisas parecidas.

— E o que seu noivo...?

— Samuel.

— E o que seu noivo Samuel faz?

— Ele é advogado tributarista – respondi, orgulhosa.

— Imaginava algo assim, já que se considera tão parecidos – Eu interroguei com o olhar, ele me devolveu um sorriso irônico.

O que ele estava pensando? Que eu sou previsível. Bem... eu sou. Não gosto de surpresa, por isso, estar com Samuel me deixa feliz e segura. Tomei mais um grande gole de vinho e esvaziei a minha taça, que me aqueceu por dentro, sentia relaxada, meus pensamentos mais leves e uma sensação boa.

— E você? – indagou, colocando mais vinho na minha taça e na dele, a garrafa acabou, ele a ergueu pedindo outra para a mulher que nos serviu. Achei que estamos abusando da boa vontade dela, fiquei um tanto constrangida.

— O que tem eu? – Não entendi, acho que não conseguia pensar direito.

— Seu trabalho – ele explicou, a mulher trouxe outra garrafa e abre, Olivier experimentou e aprovou o vinho e ela encheu as nossas taças, devia ter impedindo, mas não me movi, observei o líquido púrpura preenchendo meu copo.

— Eu trabalho no departamento financeiro de uma grande empresa.

— Ah! – ele diz com uma expressão divertida.

— Por que ah?

— Porque era é o que pensaria para você – disse, levando um pedaço de pão a boca.

— Como assim? – Minha voz saiu alta e estridente. Aquele cara me irritava de verdade.

— Algo que você tivesse o controle. Nada emocionante ou extraordinário – ele tomou um gole de vinho, displicentemente.

— Então, você me acha uma pessoa maçante e sem graça?! – Não disfarço minha raiva, tomei um grande gole de vinho e bato minha taça com força sobre a mesa, ele não se abalou.

— Não, só acho você previsível, com medo de se arriscar – respondeu, sem emoção na voz, eu arregalei os olhos, chocada com aquela afirmação, mesmo assim ele prosseguiu: – Aposto que você nunca viveu uma grande emoção ou ficou perdidamente apaixonada? – Ele foi terrivelmente indiscreto.

— Não – respondi, e comecei a rir sem parar, era um riso nervoso.

— É uma pena para você, Gisele – Ele sacudiu a cabeça e olhou para mim com fingida piedade.

— Como assim, uma pena para mim?! – retruquei, indignada, sentindo meu rosto queimar de ira, minhas emoções estavam a flor da pele, por causa do cansaço desse dia louco e pelo vinho.

— Casar com alguém, sem nunca se apaixonar antes. Não que o casamento precise ser eterno e que um dia você possa se apaixonar intensamente por outra pessoa. O que seria um problema quando se está casada com outro homem. – considerou, sem alterar a voz. - Mas, é uma pena que nunca tenha sentindo a intensidade do êxtase e a dor de uma paixão, é uma experiência ao mesmo tempo tão maravilhosa quanto terrível. – Seu tom é de puro cinismo.

— Pois fique sabendo, que eu amo muito o meu noivo, não preciso de um sentimento irracional e descontrolado para ser feliz! E não quero conselhos vindo de um homem que me parece muito solitário, carregando o peso de ter deixado um grande amor para trás, quando ela mais precisava de você! – Disse com crueza e sem cuidado, estava com muita raiva dele, não queria poupá-lo. Ele me deu um olhar frio, que, imediatamente, congelou meu espirito em chamas, recolhi-me meio constrangida pelo meu ataque inconsequente de fúria – Desculpe, não sou dada essa espécie de rompante de agressividade, mas você, realmente, me tira do sério – falei com a voz mais calma, pois era verdade, não costumava a demonstrar minhas emoções ou pensamentos de uma maneira tão direta, sem raciocinar. Fiquei encabulada, com os seus olhos ainda pesando sobre mim até que, de repente, ele dá um longo suspiro.

— Você está certa – revelou para o meu total espanto. – Eu estou sempre fugindo de uma relação mais profunda, não por medo da paixão, mas pelo temor da dependência e da responsabilidade que amar outra pessoa traz. Sou tão covarde quanto você.

— O quê? Eu não sou covarde! Eu não estou fugindo de nada! – exclamei, enfurecida, aquele homem tem a capacidade de me levar à beira da loucura. – Se eu fosse covarde, não estaria seguindo um completo estranho no meio dessa busca louca pelo seu passado! – rebati, orgulhosa de mim mesmo.

— Não é nenhuma demonstração de coragem, você estar aqui comigo, simplesmente, tem mais medo da decepção do seu noivo, quando ele descobrir que cometeu um terrível engano e perdeu aquele seu anel horroroso.

— Meu anel não é horroroso! E eu tenho medo do meu noivo! Eu o amo! -  contradisse e Olivier apenas ergueu as sobrancelhas, descrente das minhas palavras, levando a sua taça aos lábios e continuando me encarara por cima dela. Quero pular sobre ele, envolver seu pescoço com minhas mãos e apertar com força, depois, encosta minha boca na dele e beijá-lo, me perder nos seus lábios, sentindo suas mãos sobre mim e .... O que está pensando, Gisele? Enlouqueceu?! Esse homem me tirou mesmo do sério – Vou dormir! – anunciei, já me levantando bruscamente, antes que faça alguma besteira ou diga qualquer bobagem. Em um movimento rápido, ele segurou o meu pulso, sinto o calor da sua pele contra a minha, é uma sensação estranha.

— Desculpe, eu fui muito inoportuno e grosseiro, não devia ter dito isso para você. Por favor, sente-se e vamos acabar com o nosso vinho - Respirei fundo, para me calmar e sentei-me, novamente, ele me solta e enche minha taça, mais uma vez. Tomei mais um gole, minha cabeça está ficando leve, aquele vinho é muito bom.

Nesse momento, percebi que estamos sozinhos no restaurante, pois a senhora desapareceu sutilmente, tal qual um fantasma.

— Como é que é se apaixonar? – perguntei, quase sem querer, podia colocar na conta do vinho.

— Como eu disse a você é divino e terrível ao mesmo tempo, sentir que precisa de uma pessoa quase como se precisa de ar, no entanto, sem nenhum controle sobre os sentimentos dela. Quando a paixão é correspondida é como encontrar o paraíso, você se sente a mais feliz das criaturas sobre a Terra, mas se não, é como descer no inferno com todas as suas torturas e sofrimentos – explicou-me com um ar solene e dramático, fiquei admirada com aquela descrição, tomei mais um gole da minha taça, estou me sentindo cada vez mais leve, uma suave bruma de embotamento me envolveu, o mundo ao meu redor ficou ligeiramente embaçado e mais lento.

— Eu não quero me apaixonar, não quero passar por isso – confessei, minha voz estava arrastada e meus pensamentos morosos.

— Acho que é melhor você parar com o vinho – Olivier disse, em um tom autoritário, que eu não gostei. Ele tenta tirar a taça da minha mão, mas eu não deixei, e a viro toda de uma vez.

Sonhei com um beijo perdidamente louco e sensual, em um homem sem rosto, no entanto, sabia que não era o meu noivo Samuel, ele jamais me beijaria assim. Lembro-me de me sentir culpada, mas não me importei, só queria aquela boca explorando a minha de um modo selvagem e impetuoso. Mas, infelizmente, acordei com o silêncio, minha cabeça latejando, fiquei com os olhos fechados, tentando me lembrar do fim da noite anterior, entretanto, não conseguia.

—Covarde? Quem ele acha que é me chamando de covarde? Só porque nunca fui vítima de um sentimento insano – digo para mim mesma, quando recordo de um trecho da minha conversa com Olivier, ontem à noite.

Notei o suave toque do lençol de algodão na minha pele envolvendo o meu corpo, uma sensação boa, quase uma carícia sensual. Mas, espera aí! Eu estou nua na cama! Eu dormir nua, jamais fiz isso antes, mesmo sozinha! Sinto-me um tanto inibida, assim tão exposta, é muito estranho. Então um terrível pensamento vem na minha cabeça, abri os olhos assustada, tenho medo de me virar para ver o outro lado da cama. Respirei fundo, enchendo-me de coragem e fiz isso bem devagarzinho, fiquei aliviada, quando constatei que estava vazio. Sentei na cama, em um impulso, fiquei tonta, minha cabeça doeu ainda mais, meu estômago estava embrulhado, minha boca seca como papel.

Observei em volta, não sei como fui parar ali. O quarto era lindo, pequeno e aconchegante, em tons azul e branco, perfeito para uma fantasia romântica. Minhas roupas estavam espalhadas, sem nenhum cuidado, pelo chão, aquilo me deixou muito preocupada, por considerar que eu havia perdido completamente o controle.

Sai da cama, catei minhas roupas, fui para o banheiro e tomei um longo banho morno para relaxar, tentei esvaziar minha mente e não pensar em nada, talvez, nada tivesse acontecido. Ainda não entendia o que estava fazendo ali, naquela cidade longe de tudo, atrás de um homem que nem conhecia como um louca. Por quê? Por causa do meu anel, minha consciência justifica.

— Sim, por causa do meu anel de noivado - falei para mim mesmo.

Sai do chuveiro, enrolei-me em uma toalha, coloquei as mesmas roupas, que estavam um tanto amassadas, no entanto, teriam que servir.

Fui tirada daquele torpor pelo toque do meu telefone, estendi a mão para pegá-lo, olhei para tela e levei um susto, era Samuel, havia me esquecido de ligar para ele na noite anterior.

— Gisele, onde você estava? Por que não me ligou ontem? – Ele me cobrou de um jeito duro, assim que atendi.

— Estive em um jantar, minha bateria acabou e ficou muito tarde – inventei desculpas, fingindo inocência. Meu Deus! Não acredito que estou mentindo para Samuel, eu jamais fiz algo parecido antes.

— Fiquei muito preocupado, tentei ligar, mas caía sempre na caixa postal – Ele parecia mais tranquilo com as minhas mentiras, respirei fundo aliviada.

— Desculpa, prometo que nunca mais farei algo parecido – disse, em um tom suave, sentindo-me terrivelmente culpada. Depois, de uma rápida conversa, pois ele estava ocupado, me deixando pior ainda, pois Samuel estava perdendo seu precioso tempo de trabalho comigo, nós nos despedimos e desligamos.

Fui para a janela e abri as cortinas para deparar com um céu de um tom azul pálido com algumas nuvens brancas pintadas nele. Pensei que seria um dia perfeito, se não fosse a minha estranha situação. Naquele instante, só queria encontrar Olivier, para voltarmos para Paris a fim de recuperar a minha mala e, principalmente, o meu anel de noivado, depois, regressar a Londres, já que no dia seguinte aconteceria o casamento da minha amiga. Nesse momento, ouvi uma batida na porta, sabia quem era.


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