O Preço da Verdade escrita por George L L Gomes


Capítulo 13
Capítulo 12




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Aquela era a segunda vez que o grupo era salvo pelo lobisomem. Da mesma forma como fora com a Cuca, a forma lupina de Marcos atacou de forma brutal o ser sobrenatural que ameaçava os seus amigos. Mais tarde eles saberiam que a ação do licantropo era regida mais pelo instinto de proteger sua “alcateia” do que pela consciência de que eles precisavam de ajuda.

Enquanto o Papa-Figo gritava pedindo por clemência, estando pela primeira vez no lugar de suas vítimas que depois de capturadas por ele somente podiam pedir por misericórdia, os outros cinco ali presente observavam a cena, alguns aliviados pelo resgate inesperado e outros horrorizados com tamanha agressividade. Josi fazendo parte dessa última parcela citada, desviou os olhos novamente para os ferimentos de Sérgio que a essa altura já quase não existiam mais. Naquele momento tanto o rapaz quanto ela descobriram que junto com a nova forma de Boto, ele adquirira o poder de se regenerar mais rápido do que os limites naturais permitiam.

—Temos que sair daqui! - George falou, recuperando a voz depois de alguns minutos, muito embora as palavras ainda fossem ditas com o característico tremor do medo. Embora não fosse a primeira vez em que ele vira sua vida e a dos amigos chegar bem perto do fim, correr risco de morte não é algo que alguém consiga se acostumar facilmente. -Não sabemos o que Marcos vai fazer depois que terminar… - ele sabia que não era necessário concluir a frase para que os outros compreendessem o que ele estava querendo dizer.

Ajudando Sérgio a ficar de pé, o grupo começou a retroceder lentamente, sem dar as costas para a fera que estava a poucos metros de distância. Todavia, por mais silenciosos que tentaram ser na saída furtiva, o lobisomem era capaz de escutar claramente o som das respirações descompassadas, os batimentos acelerados do coração e até mesmo os ruídos que os calçados faziam ao encontrar-se com o chão repleto de pedregulhos. Todos os sentidos daquela besta estavam aguçados e aquele movimento chamou-lhe a atenção!

Voltando-se na direção do grupo, o lobisomem os fitou intensamente com seus olhos acinzentados, que sob a luz da lua cheia brilhavam de forma assustadora, o que os fez congelar onde estavam. Já haviam visto o lobisomem em ação o suficiente para saber que se ele resolvesse atacá-los não haveria como correr rápido o suficiente para fugir dele, restando-os apenas a opção de enfrentá-lo. Quem sabe juntos fossem capazes de detê-lo?! Com um rosnado que pôde além de ouvido ser sentido dentro de seus corpos, o grupo observou o lobisomem se aproximar rapidamente e não conseguiram ter qualquer tipo de reação que fosse ágil o suficiente. Paralisados por aquele som, sentiram-se subjugados pelo lobo que reduziu entre eles a distância de metros para poucos centímetros, ao ponto de que agora eles sentirem o cheiro forte dos pelos da criatura e o hálito quente exalado pelo focinho humanoide.

A criatura que ereta media por volta de dois metros de altura, curvava-se na direção do grupo, farejando-os com cuidado, como se tentasse identificar pelo olfato o que ele não conseguia através da visão. Um a um ele foi os reconhecendo, atendo-se por um tempo maior naquela que lhe era mais importante! Josi sentiu o focinho do lobisomem quase tocar o seu rosto e o seu pescoço e por um momento chegou a temer o que a criatura poderia fazer, mas foi somente por alguns segundos até se recordar que dentro daquele monstro existia o seu namorado e sentiu que ele não a faria mal. Não faria mal a nenhum deles… Não mais!

Com carinho ela estendeu a mão e acariciou a lateral daquele rosto, fitando-o nos olhos. -Obrigado por nos ajudar! - falou em tom firme e percebeu que a criatura a entendia, mesmo que não pudesse respondê-la. -Agora preciso que você saia daqui, sem ser visto! Ok?

—E leve o que sobrou do corpo com você. - George completou, inserindo-se na conversa. - o lobisomem o fitou por um tempo e depois de encostar o focinho mais uma vez em Josi, se afastou e correu até o que restara do Papa-Figo, pegando o que podia com a grande boca, saltando para longe, voltando pela mesma direção em que surgira.

—Mais alguém fez xixi nas calças ou foi só eu? - Letícia quebrou o silêncio, ao mesmo tempo em que todos os outros soltavam a respiração presa, suspirando aliviados. -Mas foi só um pouquinho… - a Sereia completou quando viu que mais ninguém confessara o medo sentido. - Tinham sobrevivido mais uma vez. Mais teriam a mesma sorte na próxima vez?

Não demoraram também para deixar o local. Ao passarem pelos policiais que protegiam a área constaram que eles ainda estavam sob efeito da persuasão mágica de Letícia e todos os gritos e pedidos de socorro se misturaram aos gritos daqueles que se divertiam nos brinquedos do parque. Como o grupo já havia tido emoção demais e a adrenalina ainda corria por suas veias, decidiram não passar muito mais tempo ali, voltando para a casa o mais rápido possível.

O restante da noite eles passaram reunidos, esperando o retorno de Marcos e conversando sobre as habilidades recém-descobertas. Estava claro para todos agora que Josi assim como os demais havia transformando-se em algo, mas não conseguiram chegar a um consenso sobre o quê e quando isso havia acontecido.

Os primeiros raios de sol já surgiam no céu quando Marcos retornou. Sua aparência era de alguém cansado, que há muito tempo não dormia bem. Sua pele estava pálida e ele parecia ter perdido muito peso em pouco tempo, o que não deixou dúvidas de que o processo de transformação em monstro estava rapidamente acabando com o humano!

—Consigo lembrar-se de algumas coisas sim, mas como se fosse um sonho ou algo parecido. - ele começou a explicar, dando uma pausa para encher a boca mais um pouco com os itens do café da manhã que estava disposto sobre a mesa na qual todos estavam reunidos. -É estranho, mas posso jurar que senti que vocês estavam em perigo e soube de imediato para onde ir. E diferente da primeira vez quando me transformei, dessa vez quando os vi, soube que não podia atacá-los. Eu não quis atacá-los!

—Você nos reconheceu como sua alcateia! - George falou em tom de brincadeira. -Uma bem diferente do usual, mas o que é normal quando se refere a nós, não é mesmo?- dessa vez todos riram e quando por fim o silêncio voltou a predominar, o garoto voltou a falar. Sabia que assim como eles os amigos também estavam pensando naquele assunto. - Então, agora temos mais um sobrenatural morto na nossa conta. Pelo que o Saci falou, não vai demorar muito para que os outros fiquem sabendo disso! E se eles tinham motivos para nos procurar…

—Agora possuem mais um. - Josi completou, aproveitando a deixa do amigo.

—Por outro lado, melhor eles virem até nós sabendo do que somos capazes. Prefiro ser temida do que subestimada! - Letícia argumentou mais confiante do que os outros esperavam. Sabiam que a perspectiva dela não estava errada, mas era uma visão perigosa.

—Faz sentido. Mas isso não quer dizer que eles virão mais preparados também? Porque se fosse eu, iria armado até os dentes e com o maior número de pessoas possível. - Sérgio expôs, fazendo com que todos vissem por outro lado.

—De toda forma, acredito que agora temos completa certeza de que de um jeito ou de outro eles virão. Só precisamos saber quando e o que faremos! - Joyce disse, bebendo um pouco de suco em seguida, o que deixou uma marca avermelhada sobre o lábio superior, graças à tonalidade do líquido.  

—Limpa a boca, criança! - Josi disse, rindo da amiga, o que fez os outros a acompanharem. Apesar do perigo que estava por vir, eles sabiam que estariam juntos e isso era o que importava. Por isso, a garota sabia que tinha que ser completamente honesta com eles. -Tenho que contar uma coisa para vocês, mas não quero que fiquem preocupados ou assustados, pelo menos até conseguirmos entender o que significa! - antes mesmo de começar a contar para os demais os seus pesadelos e possíveis visões, todos já estavam apreensivos.

—Um exército de mortos não era bem o que eu esperava. - Letícia falou, afastando o prato de comida para longe, coisa que realmente só faria em situações críticas. -Por que não poderia ser unicórnios?

—Zumbis, unicórnios ou demônios, não importa… - Marcos falou, a voz grossa como sempre e os olhos brilhando em um cinza profundo, embora somente os outros tenham visto. -Acabo com qualquer um que tente chegar perto do meu bando!

Longe dali o último convocado se fez presente na reunião. O lugar estava iluminado somente por tochas fixadas nas extremidades do grande salão, não que fosse necessário já que muitos do que estavam ali presentes eram bem acostumados com a escuridão, mas porque o tom alaranjado que as chamas crepitantes proporcionava combinava perfeitamente com a ocasião, que era deveras especial. Afinal, já havia muitos anos que um evento como aquele não acontecia e o motivo para tal ocorrência era único!

Todos estavam ali por causa do mesmo motivo, uma notícia que se espalhou com o vento, chegando até mesmo nos cantos mais distantes do país. -Uma Cuca foi morta! - a frase era dita e repetida várias vezes pelas bocas monstruosas, não porque duvidavam da veracidade, mas porque tal acontecimento era além de inesperado, improvável. Alguns ali tinham décadas de vida suficiente para testemunhar que tal acontecimento só havia sido relatado durante a época em que as visitações do Tribunal do Santo Ofício ocorreram, onde não somente as bruxas, mas todos aqueles que representassem uma ameaça contra a hegemonia dogmática católica eram caçados e executados. Ainda lembrava o nome do precursor, Heitor Furtado Mendonça, aquele que obrigou as criaturas sobrenaturais se esconderem no mais profundo das florestas.

—Corremos riscos! Os Intermediários estão de volta. - Embora possuísse uma aparência horripilante, a criatura parecia ser vítima do medo ao invés de ser o causador. As palavras ecoaram pelas paredes, fazendo todos caírem no mais repleto silêncio. Sim, eles sabiam que estavam em perigo! Se os Intermediários estivessem de volta, o mundo sobrenatural como eles conheciam deixaria de existir. Enquanto os seres naturais contavam histórias sobre aquelas criaturas para forçar as crianças a obedecerem, entre os sobrenaturais eram os Intermediários que provocavam medo, pois eram capazes de ver além do que qualquer ser natural era capaz e detinham o conhecimento sobre o que hoje em dia todos acreditavam ser apenas folclore. Mais do que isso, os Intermediários eram os únicos capazes de matar um sobrenatural!

—Eles deveriam estar extintos! Nós acabamos com eles há décadas. - um dos monstros argumentou, tentando se agarrar ao fio de esperança que a história os proporcionava.

—Então você quer dizer que um grupo de seis naturais foi capazes de matar uma Cuca, uma Sereia, um Lobisomem, um Bradador e o Papa-Figo? - a pergunta ficou sem resposta. A simples listagem das mortes era suficiente para dar descartar a hipótese. Era certo que estavam lidando com um perigo que acreditavam não mais existir. E estavam ali para decidir o que fazer mediante tal risco.

—Temos que caçá-los!

—Vamos matá-los, antes que eles nos encontrem.

—Eles mataram um dos nossos, queremos vingança!

—Não merecem piedade.

—Serão extintos, um a um.

As vozes se elevavam mais uma vez, todas declarando os desejos. -Estamos em guerra! - não estavam ainda, mas naquele instante estavam iniciando uma. -Temos que encontrá-los!

—Não. - uma voz se destacou sobre todas. A criatura que observara tudo até o momento sentado ao centro do salão ficou de pé e encarou os seus convidados com olhos escarlates. Se havia algum sobrenatural que causava maior pavor nos seus iguais depois ainda mais do que uma Cuca, esse ser era aquele! Todos o encaravam confusos com tal pronunciamento. Esperavam que a convocação feita por ele tivesse como objetivo a eliminação da ameaça que os cercava. -Não precisaremos encontrá-los. Eles virão até nós e quando isso acontecer, mataremos cada um deles. - logo todos os seres monstruosos explodiram mais uma vez em animação. Estavam certos! Seguiriam aquele líder e juntos aniquilariam os seus caçadores.

As noites de lua cheia que se seguiram acabaram sendo mais tranquilas do que o grupo esperava. Surpreendendo as expectativas, Marcos passou a ter mais controle durante a transformação e quase que por acidente, enquanto pesquisavam mais sobre o que haviam se tornado, descobriram que a influência da lua cheia diminuía gradativamente com o passar das noites devido o movimento de rotação do satélite natural, que aproxima-se e distancia-se da terra.

Estavam no último dia de hospedagem na casa alugada e já haviam conseguido consertar a porta e tudo que havia sido danificado com a transformação lupina e com os treinos que se sucederam após o confronto com o Papa-Figo. Agradeceram bastante a Joyce pela magia bem sucedida!

Foi exatamente uma semana após o último combate, quando já estavam quase acreditando que as coisas voltariam ao eixo, que Josi teve uma nova visão. Estava ao lado de Marcos quando recebeu notificação em seu celular em um grupo do Whatsapp. A mensagem era uma reportagem informativa, retirada de um jornal local, onde continha a informação sobre a onda de desaparecimento de crianças na cidade. Já havia ouvido aquela notícia rapidamente na televisão, mas por conta da correria do dia-a-dia não havia tido tempo de se aprofundar no assunto, por isso naquele instante denotou uma atenção maior a mensagem. Nos últimos cinco dias já haviam sido registrados o desaparecimento de pelo menos dez crianças.

De imediato Josi lembrou-se do Papa-Figo, o ser sobrenatural que eles haviam enfrentado e que agora ela sabia ser o culpado por muitos desaparecimentos, em especial de crianças. Todavia ele estava morto e não poderia ser o responsável naquele caso. -Se bem que esses monstros parecem ter uma preferência por crianças. - comentou logo depois de mostrar a mensagem para Marcos, quase se esquecendo de que os amigos e ela em essência, agora eram também parte daquele mundo.

Mal ela havia terminado de falar, sentiu uma tontura que a obrigou a fechar os olhos. Sentiu tudo ao seu redor girar e por um momento pensou que iria desmaiar, mas isso não aconteceu. Quando abriu os olhos, no entanto, não estava mais na sala de sua casa e sim em um ambiente quase completamente escuro que sua visão demorou um pouco para se acostumar. Mediante tantas coisas esquisitas que já haviam acontecendo, Josi não sentiu medo e sim curiosidade sobre o que aquela nova visão poderia lhe mostrar. Depois de perceber que tinha, de alguma forma que ainda não conseguia explicar, a capacidade de prever acontecimentos que geralmente levava a morte de alguém, podendo ser essa pessoa um amigo próximo, decidiu que não ignoraria mais aqueles sonhos ou fosse lá o que fosse aquilo.

Olhou ao redor, tentando identificar onde estava, procurando por um rosto conhecido, mas nada encontrou. Sentia, porém, uma sensação de peso sobre os seus ombros e um gosto amargo na boca! Demorou alguns minutos para compreender, mas logo que uma porta foi aberta às suas costas e ela pode ver várias crianças deitadas no chão, sendo devoradas por incontáveis monstros, ela entendeu que aquela sensação significava que aquele lugar estava repleto de morte.

Seu corpo foi puxado para longe da sala onde o massacre acontecia, como se uma energia a puxasse para longe. Tudo ao seu redor começou a passar rápido ao seu redor e quase não conseguia ver para onde estava indo, até que novamente sua visão ficou escura por segundos e quando tudo voltou ao foco estava mais uma vez na sala, com Marcos a encarando, chamando pelo seu nome.

—Temos que encontrar os outros! - falou, levantando-se e seguindo apressadamente até o carro. Sua mente trabalhava a mil e não tinha tempo para explicar tudo para Marcos naquele instante.

♦ 06 horas Depois ♦

Nada do que eles haviam planejado estava acontecendo. Havia ali muitos mais monstros do que eles poderiam imaginar e todos estavam muito determinados a vê-los mortos o mais rápido possível.

George se escondia atrás de uma coluna, na parte mais escura da sala e tentava pensar em uma forma de ajudar os seus amigos. Vira o exato momento que o monstro que ele reconheceu como sendo um Labatut, por causa do único olho, os pelos ásperos e a grande altura, agarrou Marcos em sua forma lupina e em uma briga brutal sumiram pelo outro cômodo.

Sérgio e Letícia estavam próximos e uniam forças contra um monstro que possuía uma espécie de grande boca nas costas. George já havia lido sobre ele, mas a tensão não permitia que sua mente lembrasse o nome, até porque naquele momento o nome daqueles seres pouco importava. Josi havia sumido e Joyce havia sido derrubada pelo o que parecia ser uma velha, muito magra, que tinha unhas semelhantes a garras e brilhantes olhos vermelhos. A criatura estava praticamente sentada com suas pernas curtas sobre o peito de Joyce, que parecia desmaiada. Ele tinha que ajudá-los!

Ser o único a não ter se tornado um sobrenatural lhe colocava em desvantagem na hora da luta contra os monstros, mas lhe conferia o benefício de ser, ao menos naquele momento, o único que não estava necessariamente sendo caçado. Respirou fundo e tentou controlar o tremor que tomava conta do seu corpo. Já haviam enfrentado sobrenaturais antes, mas não tantos quanto naquele momento. Pegou novamente o cutelo que estava preso na sua cintura e de uma só vez correu na direção da velha que estava pisando em Joyce.

Estava bem perto quando ergueu o objeto na altura da cabeça, mirando no pescoço da coisa quando uma onda sonora atingiu a ele e todos que estavam naquela sala, jogando-os para longe. Ele conhecia aquela voz… Josi havia gritado mais uma vez!


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