O Preço da Verdade escrita por George L L Gomes


Capítulo 12
Capítulo 11




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Uma coisa que eles não esperavam era que aquilo fosse acontecer tão rápido. Embora estivessem em vantagem por conta do número, o adversário lhes vencia por causa da experiência e até mesmo por conta da selvageria, podia-se dizer. Nenhum do grupo era um lutador e até aquele momento tiveram que lutar somente uma vez por suas vidas. Contudo, se continuassem receosos logo não teriam mais uma vida pela qual lutar! E já começavam a perceber isso.

—Pelo visto, não vai ter jeito de resolver isso na conversa! -Letícia falou, limpando o sangue que escorria na lateral da sua boca. -E não vou deixar esse desgraçado tocar de novo no meu rosto, queridinhos! Muito menos no meu fígado. Ah, mas não vou mesmo.

♦ Algumas horas antes ♦

Marcos ficou apagado por algumas horas. A noite, pelo que eles podiam imaginar, havia sido intensa e cansativa para o lobisomem. Ninguém teve coragem de especular o que poderia ter acontecido, muito embora suas imaginações tivessem criado inúmeras possibilidades. Contudo, mantiveram-se calados em respeito ao amigo e sua atual condição e sobretudo, em solidariedade a Josi que parecia estar prestes a explodir de frustração.

—Olha, eu te conheço o suficiente para saber que de alguma forma você se sente responsável pelo que está acontecendo com ele. - George falou , olhando nos olhos da amiga. -Contudo você tem que entender que não pode fazer nada para impedir que coisas assim aconteçam, Josi. Essa é a nova natureza dele e temos que aceitar! Ele já aceitou e não foi atoa que ele fugiu noite passada. Ele queria ficar longe para não correr o risco de não nos machucar novamente. - tudo que ele estava falando sabia que a garota a sua frente tinha consciência.

—Isso não faz com que eu me sinta menos responsável. - falou, olhando para os punhos cerrados sobre a mesa. -E você sabe que eu de certa forma posso fazer algo! - falou, um tom mais baixo, voltando a encarar o melhor amigo. Embora não tivesse coragem de falar sobre aquele assunto na frente dos outros, com George ela não tinha quaisquer segredos. Ele era o único com quem ela conseguia se abrir facilmente e sabia que aquele sentimento de segurança era bem recíproco. -Você viu o que aconteceu na praia. Eu…

—É, eu vi sim. - ele a interrompeu. Desde o acontecido ele desejava falar com ela sobre aquele assunto, mas não haviam tido tempo para tal. Ele lembrava-se claramente do som do grito e a forma como aquele som ecoara dentro da sua cabeça. Sabia que havia sido ela quem tinha conseguido fazer Marcos recobrar o controle, ainda na forma de lobisomem. -E teve também todo aquele lance com o Bradador na Serra. - ele parou por alguns segundo para pensar.

—Me diz o que é que você está pensando? - ela indagou, lendo no rosto de George que ele provavelmente estava sabendo de algo que ela não sabia. -Você sabe o que eu sou? Mesmo que não tenhamos visto como aconteceu, sei que tem alguma coisa diferente em mim. - colocar aquelas palavras para fora trazia uma sensação dual, que variava entre o alívio e o terror.

—O Saci meio que me confirmou que você realmente é alguma coisa. - ele enfatizou cada palavra. -Só não me falou o quê. Mas eu tenho um palpite… - ele se interrompeu logo que Joyce entrou correndo na cozinha onde eles estavam, chamando a atenção deles. -Vocês tem que ver uma coisa! - logo os três estavam correndo para a sala.

No local a televisão estava ligada e uma repórter entrevistava um homem que parecia ter resquícios de uma maquiagem forte no rosto, em várias cores berrantes. Letícia e Sérgio estavam bastante concentrados. Não demorou e logo a entrevista chegava ao fim, Josi e George somente conseguiram ver que o local onde a mulher estava era um grande espaço com brinquedos, o que fez parecer um parque de diversão.

“A polícia de Paracuru ainda está investigando as mortes e suspeitam que possa ter sido um ataque de animal. Conforme relatos do funcionário do parque o mesmo permanecerá funcionando normalmente, apesar do acontecido dessa madrugada.”

A imagem mudou da repórter para os apresentadores do jornal que logo mudaram de assunto, começando a falar sobre uma partida de futebol. Os cinco se encaram por alguns segundos antes de Josi quebrar o silêncio que se formou!

—Isso foi aqui? Essa noite? Quantas pessoas morreram? - ficou claro que as duas primeiras foram retóricas, mas ainda assim Joyce respondeu.

—Sim, foi em um parque que está na cidade. Três pessoas foram mortas! Segundo a polícia, dois adolescentes e uma criança. Estavam sem os pais no parque até tarde. -contou, com um pesar na voz. -Suspeitam que possa ter sido algum animal.

—Sabemos que tipo de animal. - Letícia falou, percebendo no mesmo instante que havia pensado alto demais. -Foi mal!

—E o que vamos fazer? - George interveio logo em seguida, antes que se formasse um climão na sala. -Vamos fazer alguma coisa, não vamos?

—O que você espera que a gente faça? - Sérgio perguntou, olhando com reprovação para o namorado. O que ele mais queria era que os dois estivessem o mais distante de toda essa história e mesmo agora que ele havia se transformado em uma criatura sobrenatural, que por sinal ainda estava tentando digerir essa informação, não queria se envolver. Não podia ser ingrato com o namorado ou com a cunhada, afinal de contas eles o salvaram, mas se pudesse ter escolhido, teria querido que fosse de outra forma.

—Olha, lembrem o que o Saci disse. Agora que somos… -parou para se corrigir. -Que vocês são sobrenaturais, as regras desse mundo se aplicam a vocês. E se já é possível que um grupo de criaturas venha atrás de vocês, imagina quando souberem que o Marcos está matando pessoas e pondo em risco o segredo de todos?! É nossa responsabilidade. Ele é nossa responsabilidade!

—George está certo. -Joyce foi a primeira a concordar. -Só não sei o que podemos fazer! Quem sabe eu consiga prendê-lo com um feitiço ou algo assim…

—Se tudo o que eu li sobre lobisomens estiver certo, essa noite quando ele se transformar é capaz de voltar ao mesmo local e atacar. Os lobisomens tendem a voltar para os locais onde… - pensou na melhor palavra para usar, não querendo falar coisas como: devorou, matou, comeu. -Onde ele encontrou seu alvo e recomeçar a sua caçada daquele ponto, caso não encontre de novo o que procura, nesse caso, uma caça.

—Então você acha que ele vai voltar para o parque! - Josi disse, olhando para o amigo com o cenho franzido. Estava evidente a sua preocupação com o que viria a seguir!

—E vai encontrar muitas outras pessoas para se satisfazer. - George concluiu o pensamento da amiga. -Temos que estar lá caso ele apareça!

Sérgio foi contra o plano, mas os outros concordaram que era uma opção válida. Joyce dedicou o resto da tarde em encontrar alguma magia que pudesse prender Marcos, mas não encontrou nenhuma que não envolvesse o risco eminente de morte do lobisomem e acabou por decidir não arriscar. Em consenso, decidiram que não contariam para ele sobre as mortes e sobre o plano, por receio de que a informação o desviasse do seu caminho durante a noite e ele acabasse atacando outro local. Era preferível que ele seguisse para onde eles estariam esperando-o!

Quando a noite chegou Marcos saiu da casa sem que ninguém o visse, depois de ter passado o dia todo no quarto, trancado. Não conseguiram compreender como ele havia conseguido fazer algo assim, mas atribuíram as suas novas habilidades de licantropo.

—Pensei que furtivos fossem os gatos, não os lobos! - George comentou enquanto os cinco seguiam para o centro da cidade. Sérgio fora com eles, mesmo a contra gosto! Assim como o garoto todos os outros temia o que poderia acontecer, mas estavam determinados a evitar mais mortes!

O parque era simples, mas parecia ser uma grande atração. O local estava lotado e a cada minuto parecia ficar mais! -Cidade pequena, qualquer coisa é novidade. - Josi comentou, enquanto eles se espremiam entre as pessoas tentando encontrar um local melhor para ficarem. -Onde foram exatamente os ataques de ontem? Falou no jornal?

—Não, mas acho que sei onde foi! -Letícia apontou para um local, onde várias faixas foram colocadas isolando o local. -É só seguir os homens de farda! - falou, sorrindo e orgulhosa de ter sido ela a ver o local.

As pessoas pareciam não se importar muito em estarem em um local onde havia acontecido um possível ataque de animal, estando mais concentradas em enfrentar filas enormes para brincar nas atrações do parque.

—Como vamos passar pelos policiais? -Sérgio perguntou, olhando para todos de um por um, até perceber o olhar de George fixo em Letícia. -Ah, saquei. - riu, imaginando como seria aquela cena.

—Ai, que merda! Isso tem tudo pra dar errado. -Letícia falou logo que notou que não era mais apenas George quem estava olhando fixamente para ela, mas todos do grupo. -Eu vou tentar, mas se der ruim e eu for presa, levem comida gostosa pra mim na prisão! - falou séria, arrumando o cabelo com a mão, indo em direção aos dois policiais que protegiam a área.

Teoricamente ela sabia que era capaz de fazer aquilo, mas na prática a única coisa que ela havia encantado havia sido um Bradador e bem, sabemos como isso terminou. Ela não poderia dar o mesmo destino aos policiais! Letícia colocou um sorriso no rosto, o melhor que pôde, o que ela considerava o mais sedutor. Já havia conquistado muitas pessoas ao longo da sua vida, mas já estava tanto tempo sem flertar com ninguém que não tinha certeza se ainda sabia como fazer.

—É como andar de bicicleta… merda, eu não sei andar de bicicleta! - sussurrou entredentes, arrumando novamente o cabelo quando estava a poucos metros e viu que os policiais já haviam notado a sua presença. Olhando-os mais de perto viu que eram bem piores do que de longe. -Quanto azar!

—Não pode passar desse ponto, moça. - um deles falou, estendendo a mão à frente do corpo, sinalizando para Letícia parar.

—É, não pode passar! - repetiu o outro logo em seguida.

—Primeiramente, boa noite… - pensou qual palavra usar. -Cavalheiros! - o tom saiu mais debochado do que ela pretendia. -Eu gostaria apenas de uma informação. - Arriscou, aproximando-se mais, alargando o sorriso até sentir um desconforto no maxilar. -Foi aqui que as crianças foram estripadas? Tipo, aqui mesmo? - não sabia mesmo o que estava fazendo. Os dois policiais se entreolharam como se perguntassem um ao outro se ela estava mesmo fazendo aquela pergunta com aquele sorriso todo.

—Não podemos dar maiores informações, moça. - respondeu o primeiro policial.

—É, não podemos! - concordou o outro, como um eco.

—Claro! Só fiquei curiosa pra saber o que dois homens tão…- ela pensava nas palavras, escolhendo-as com cuidado. - Charmosos?! - estendeu a mão até tocar no peito do primeiro policial. -Fazem aqui, sozinhos, sem companhia, solitários! - o policial segurou o pulso dela, afastando sua mão.

—Retire-se, senhora! - ordenou, enfático.

—É, retire-se. - repetiu o outro.

—Ok. - disse, soltando todo o ar que estava prendendo até aquele instante, dando as costas para os homens. Ela havia tentado! Os amigos deviam ter visto. Olhou para frente e viu o grupo olhando-a com frustração e indagação estampada no rosto. -Certo. Se der merda, a culpa é de vocês. - falou mesmo sabendo que eles não podiam escutar daquela distância. Fechou os olhos e voltou-se novamente para os policias. -Escutem aqui, vocês dois! - falou com firmeza e confiança e quando abriu os olhos, não estavam mais da mesma cor, brilhavam púrpura e hipnóticos! -Vocês vão deixar eu e meus amigos passar por essa merda de fita, sem questionar, sem tentar fazer qualquer coisa para impedir e não vão nos procurar depois disso, nem mesmo vão lembrar-se dos nossos rostos. Entenderam? - perguntou, a voz soando mais suave do que ela pretendia.

—Entendemos. - responderam os dois juntos, olhando-a com evidente admiração. Não restou dúvida de que estavam fascinados pela sereia, mesmo que ela não estivesse em sua forma completa.

Letícia virou-se apenas para sinalizar para os amigos que tudo havia dado certo, ao menos, naquele momento. -Eu disse que conseguia! - falou logo que eles se aproximaram e tomando cuidado para não serem notados pelas demais pessoas ao redor, ultrapassaram a faixa de limitação.

Naquela parte do parque ficava dois brinquedos, o carrossel e o que parecia ser a casa do horror e foi atrás desse último que os cinco se esconderam. Podiam ver não muito distante de onde estavam as marcas no chão de cimento, o que os fez pensar involuntariamente nas pessoas que foram mortas ali. Pela vasta marca de sangue deduziram que o ataque havia sido monstruoso!

—E agora, o que fazemos?  - Letícia indagou.

—Agora você desliga esse seu farol brilhante e esperamos! - Josi respondeu, sorrindo para a amiga.

E esperaram por quase uma hora até ouvirem o primeiro grito. Estavam todos calados e distraídos com os próprios pensamentos quando o som os despertou, os colocando em alerta. Souberam por instinto que não estavam muito longe do pedido de socorro. Se entreolharam por alguns segundos antes de começarem a correr na direção que viera o som!

Não demoraram para encontrar a dona dos gritos. Logo que deram a volta na casa do horror, viram uma garota de longos cabelos negros ser erguida pela perna esquerda do chão onde se arrastava, sendo suspensa a alguns centímetros do chão, ficando de cabeça para baixo. A garota se debatia, em uma falha tentativa de atingir o seu raptor! A menina não devia ter mais do que doze anos de idade e o rosto estava vermelho de tanto chorar e gritar por ajuda!

O grupo ficou parado no primeiro momento pois aquela visão não era a que eles estavam esperando. Não era o lobisomem que eles encaravam e sim um homem alto, de pele negra, cabelos e barba grisalhos, que segurava a garota apenas com uma das mãos, como se a menina não tivesse peso algum. Ele já havia colocado-a dentro de um saco quando um deles conseguiu reagir.

—Ei, solta ela! - Joyce gritou, chamando a atenção do velho que virou-se na direção do grupo, fitando-os com olhos completamente opacos, abrindo um sorriso repleto de dentes pontudos e amarelados. A bruxa percebeu que os dedos dele eram longos demais, desproporcionais para qualquer humano comum.

Como se atendesse ao pedido da garota o velho soltou o saco que já carregava nas costas, jogando-o bem a sua frente. A menina que estava dentro gritou por causa da dor do impacto, mas o aconteceu em seguida a fez sentir uma dor maior ainda. Rápido demais para um humano o velho se jogou sobre o corpo da garota, virando-a de frente para ele, cravando seus dedos finos no abdômen da garota.

—Desgraçado! - Joyce gritou, estendendo as mãos á frente do corpo, a palma esquerda tocando o dorso da mão direita, tendo os membros envoltos de uma energia verde esmeralda. -Seres mágicos do fogo, emprestem-me suas forças para queimar o mal que me ataca!— logo que o feitiço foi recitado bolas de fogo foram lançadas no homem desconhecido, afastando-o da garota.

Foi Josi quem correu primeiro em socorro da menina ferida, sendo seguida por George e Joyce. Estavam ajudando a menina a ficar de pé quando o velho gargalhou do canto onde estava, erguendo-se aos poucos, tocando levemente as partes do corpo que foram queimadas com o feitiço.

—Olha só o que temos aqui. Não sabia que bruxas caçavam em bando agora. - a voz dele era rouca e variava de tom, falhando em alguns momentos. -Esse lugar tem crianças suficientes para nós dois, feiticeira. - ele declarou, dando passos em direção a Josi e George que estavam mais próximos.

—Não chega perto! - Josi falou alto, imponente, olhando dentro dos olhos leitosos do velho e por um instante teve a impressão de ver uma sombra envolvendo-o. Soube, mesmo sem saber como explicar, que aquele homem não tinha alma e que nada que eles falassem iria fazê-lo desistir da garota. -Foi ele. Foi ele quem matou outras crianças na noite passada. - disse quando todos os cinco estavam mais uma vez juntos. -Não foi o… - ela estava quase prestes a falar o nome de Marcos quando lembrou no último instante do alerta do Saci sobre os nomes possuírem poderes. -Não foi o lobisomem. - completou.

—Então quer dizer que além de amigos da bruxa vocês ainda são amigos do lobisomem. -o velho falhou, continuando a seguir na direção deles, diminuindo cada vez mais a distância. -Ele até que me deu trabalho na noite anterior, mas quando tentei arrancar o seu fígado, ele fugiu como um cão medroso, com o rabo entre as patas! - havia somente maldade na voz daquele ser. -De toda forma, fígado de lobisomem não nem de longe tão saboroso quanto fígado de virgens! - ele olhou diretamente para Joyce. -E o que mais temos aqui?! - ele respirou fundo, como se farejasse alguma coisa. -Uma Iara? Você está um pouco longe do mar peixinha.

—Quem diabos é esse cara? - Letícia se perguntou, sentindo os pelos do corpo se arrepiarem. -Vou dar um jeito nele! - decidida a sereia caminhou para frente do grupo e usando o mesmo método que usou com os guardas, falou com firmeza na voz. -Você vai se afastar de nós agora mesmo e nunca mais vai voltar para essa cidade. - os olhos dela brilhavam intensos, diretamente focados nos olhos sem vida do outro.

—Sinto muito lhe informar, mas seu encanto não funciona em seres como eu, querida! - o velho falou correndo em direção ao grupo. Antes que qualquer um deles pudesse reagir conscientemente, o homem envolveu os dedos em volta do pescoço de Letícia com uma das mãos e com a outra livre deferiu um forte tapa do lado esquerdo do rosto da garota, que a derrubou no chão. -Cuido já de você. Primeiro quero a minha menininha de volta!

Joyce tentou repetir o seu feitiço, mas o homem era rápido. Antes que ela pudesse completar o movimento das mãos, o velho deu um chute preciso na altura do estômago da bruxa, fazendo-a recuar vários passos. A garota comprovara que ele também era bem forte!

Sérgio e George atacaram juntos, deixando a garota deitada no chão logo atrás deles, mas não tiveram sucesso em suas ações. O homem desviou e socou os dois garotos com facilidade, seguindo em direção a menina que ainda chorava.

—Fica longe dela! - Letícia gritou, levantando-se e partindo com toda a fúria para cima do oponente do grupo. Se tivesse na água saberia muito bem como atacá-lo de forma mais eficaz, mas na terra tinha consciência que os seus poderes eram bem limitados. Ainda assim a garota saltou sobre as costas do homem, segurando-se com força nos cabelos brancos e mal cheirosos, mas logo foi arremessada para longe pelo homem que a segurou igualmente pelos cabelos e a puxou para sua frente.

—Cacete! - ela gritou, chocando-se contra o chão enquanto Josi e Joyce vinham em seu auxílio. -Somos os únicos sobrenaturais nessa merda de lugar que não sabem lutar, não é super forte e nem tem essa agilidade do Flash.

—Eu sei quem você é! - George falou, encarando o homem, tentando chamar a atenção do mesmo e distraí-lo. -Eu já li e ouvi histórias sobre você. Confesso até que tinha medo quando era criança, mas agora você não me parece tão assustador assim. - Provocou, esperando que os amigos entendessem o que ele estava fazendo porque, por sorte, estava dando certo. O homem o encarava com curiosidade!

—Sabe mesmo garoto? Então me diga… Quem eu sou? - desafiou.

—Não sei qual nome você prefere. - George procrastinou, vendo que às costas do velho a garota que ele tentara pegar fugia para longe. Ele entendia a garota, no lugar dela talvez ele também não ficasse esperando para ver o desfecho ou dar abraços de agradecimento. -Me conta, você prefere Velho do Saco ou Papa-Figo? - perguntou em um tom de deboche, muito embora por dentro ele estivesse temeroso por estarem enfrentando aquele tipo de criatura. Nos livros do Saci ele era descrito como uma das criaturas sobrenaturais mais perigosas. O que ainda o confortava era o fato de que eles haviam conseguido sobreviver a uma Cuca. Preferiu ignorar o pensamento de que quem na verdade a matou fora Marcos em sua primeira transformação como lobisomem.

—Ora, deveria saber então que não sou tão mal assim como me pintam. Afinal somente pego algumas crianças desobedientes! - argumentou, rindo.

—Nem vem com essa, velho! - Sérgio interrompeu, correndo em direção ao Papa-Figo saltando poucos centímetros antes de chegar ao homem, conseguindo acertar-lhe um chute direto na cabeça que o derrubou, pegando-o de surpresa. Na verdade, o próprio Boto ficou surpreso com o que conseguira fazer naquele momento. Sabia que em sua forma sobrenatural conseguia dar saltos bastante altos emergindo da água, mas não imaginou que conseguiria fazer isso em terra. O golpe certeiro motivou os outros de imediato.

—Pelo visto, não vai ter jeito de resolver isso na conversa! -Letícia falou, limpando o sangue que escorria na lateral da sua boca. -E não vou deixar esse desgraçado tocar novamente no meu rosto, queridinhos! Muito menos no meu fígado. Ah, mas não vou mesmo. - logo a sereia corria na direção do homem com as mãos erguidas na frente do corpo. George observou que as unhas de sua irmã tornaram-se mais compridas e afiadas e os dentes à mostra eram semelhantes a de uma piranha.

Tão logo estava perto do Velho do Saco, Letícia atingiu-lhe em vários pontos, cortando-o com suas unhas. Joyce veio logo atrás, conjurando mais uma vez sua magia de fogo, que tão logo perdeu efeito abriu espaço para Sérgio golpear uma segunda vez. E por alguns minutos o grupo acreditou que conseguiria vencer, até serem atingidos outra vez pelos golpes do velho negro.

Letícia levou um soco que a derrubou por cima de Joyce e Sérgio sentiu os dedos do Papa-Figo cravar-se na sua barriga, perfurando-o como se fossem grandes agulhas. -Vamos ver que sabor você tem, golfinho!  - disse, afundando cada vez mais os dedos em Sérgio que segura o pulso do adversário, tentando impedir que ele penetrasse ainda mais em sua barriga.

Josi assistiu a tudo como se fosse em câmera lenta. Por um momento pareceu que ela conseguia ver tudo ao seu redor e em cores diferentes. Tudo ficou extremamente claro e nítido, como nunca a sua vista perfeita havia conseguido enxergar! Ninguém foi capaz de perceber o brilho dourado que substituiu o castanho natural dos olhos da garota, pois somente olharam para ela depois do seu grito que como uma onda de impacto arremessou o Papa-Figo para longe de Sérgio e fez com que todos ali levassem as mãos aos ouvidos, tentando abafar o ruído. Sentiam como se tudo dentro de seus corpos estivesse sendo rasgado!

Contudo, Josi não conseguiu ver que causara essa reação em cadeia. De repente ela não estava mais ali. Viu-se parada no centro de um grande salão, com paredes desbotadas e uma iluminação fraca. Escutou gritos por todos os lados e logo soube que iria acontecer. -Os mortos… Eles voltaram. - Falou baixo, quase não sendo capaz de escutar a própria voz. Sabia que estava tendo aquele pesadelo fatídico, mas dessa vez não estava dormindo e as imagens eram mais nítidas! Ela conseguia ver diversas criaturas sobrenaturais na sua frente e embora não soubesse os seus nomes ou como eles eram chamados, sabia que cada um ali era um ser não humano. Eles a fitavam, demonstrando em seus rostos os mais diversos tipos de sentimentos e nenhum deles agradavam a garota.

E como acontecia em seu pesadelo, os gritos de dor e lamentação aumentaram e logo os mortos estavam se levantando ao seu redor, tentando alcançá-la com suas mãos cadavéricas.

—Josi! - a voz de George gritando seu nome a despertou e percebeu que ela própria ainda gritava e aquele som a assustou. Levou as mãos a boca por instinto e viu que todos ao seu redor tentavam não escutar aquele grito! Por um instante ela não soube o que fazer, até correr em direção à George que segurava Sérgio nos braços.

—Ele está bem? - perguntou aflita, levantando a camisa de Sérgio, vendo cinco furos em seu abdômen. Para a sua surpresa os ferimentos pareciam estar se fechando espontaneamente. Mas não houve tempo para admiração, logo o Papa-Figo estava de pé mais uma vez, contudo, não investiu novamente contra o grupo. Em vez disso, tentou fugir para longe deles. -Ele não pode fugir!

Como se estivesse somente esperando essa declaração, o velho começou a correr mas não conseguiu ir muito longe, pois uma figura o interceptou poucos metros depois. O lobisomem surgiu das sombras, pulando nas costas do comedor de fígados de crianças e após um rugido, estraçalhou o corpo do sobrenatural, que não teve forças sequer para gritar!


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