Conluio escrita por Lina Limao


Capítulo 15
Capítulo 15




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Desespero.

O salão todo virou uma grande correria. Todos gritavam e iam de um lado para o outro, sem saber direito o que fazer ou para onde fugir. Gina se amaldiçoou mentalmente por ter deixado sua varinha dentro de casa e virou-se de costas para toda aquela confusão, indo o mais rápido possível na direção d’A Toca.

Seus cabelos ruivos sacudiam a cada passo desajeitado que dava pelo gramado, em busca de sua casa. Ela entrou abruptamente pela porta da cozinha e subiu de dois em dois degraus para seu quarto, apanhando a varinha com força e parando por um minuto, ofegante, olhando pela janela para ver em que pé as coisas estavam no piso inferior.

Pôde ver várias luzes de feitiços indo para todos os lados e pessoas desaparatando sem anunciar para onde em uma plena confusão, com toda a bela decoração indo pelo ralo. Gina decidiu que não podia deixar sua família ali, desolada, enquanto ela ficava escondida no quarto. Por isso foi descendo, pé ante pé pelas escadas, com medo de já haver algum dos invasores na cozinha à sua espera.

Gina parou no último degrau e tomou fôlego, antes de virar-se com tudo e apontar a varinha para o espaço vazio da cozinha, esperando que houvesse alguém ali. Ficou infinitamente tranquila ao constatar que estava sozinha e relaxou os ombros, soltando um suspiro audível. Porém, ao virar-se de costas e olhar para a sala, quase teve uma parada cardíaca.

— Mas que porra?!

Ela gritou espantada, apertando os dedos na varinha que apontou ameaçadoramente na direção de uma silhueta desconhecida que habitava sua sala naquele instante. Como estava tudo escuro, pois toda a iluminação estava focada no casamento, não dava para saber quem era. Porém, Gina tinha um palpite.

Um palpite tão forte que a impediu de lançar um feitiço potente e a fez apenas iluminar a ponta de sua varinha enquanto seu nariz se torcia quase que involuntariamente. A pessoa se aproximou dela devagar, como se estivesse pisando em um campo minado e Gina não se surpreendeu de verdade ao ver aquele cabelo loiro platinado e os olhos cinzentos que estava tão acostumada a ver em Hogwarts.

Draco Malfoy parou bem à sua frente, com uma das mãos no bolso da calça preta que usava enquanto a outra segurava uma máscara um pouco assustadora que ele devia estar usando há pouco. Uma camisa igualmente escura e a capa que o fazia parecer um dementador também estavam presentes e Gina se preguntou se não devia mesmo tê-lo estuporado quando teve chances.

— Abaixe essa porcaria, Weasley, estou ficando cego aqui.

Era inegável para Gina que se sentia levemente feliz em vê-lo, pois chegara a pensar recentemente que Draco poderia estar morto. Era bom saber que estava vivo e que ainda era ele, mesmo que por trás daquele horrível uniforme de comensal, continuava sendo o garoto de Hogwarts, o mesmo Malfoy com quem estava de acordo pouco tempo atrás.

Porém, Gina não baixou sua varinha e tampouco deixou sua pequena felicidade transparecer. Apertou mais os dedos em volta do instrumento e o encarou inexpressiva, sem saber direito o que dizer. Várias ironias passaram por sua cabeça, mas decidiu que não estava com clima para brincar ou ficar de papo com ele.

— O que você quer?

Ela perguntou com aquela voz arredia que Draco tanto sentira falta. Era como se o ar entrasse novamente em seus pulmões e estava realmente entusiasmado com a oportunidade de ouro que conseguira. Iria falar com ela e se resolver. Teria novamente esperanças de sair daquele inferno e sua porta de saída estava ali, bem à sua frente, lhe olhando ameaçadoramente com um feitiço de iluminação quase queimando seu nervo ótico.

Por mais que houvesse se desapontado com a recepção dela, que não fora nem um pouquinho calorosa, o que já quebrava sua teoria de que talvez a menina Weasley também sentisse sua falta, decidiu não se irritar. Precisava ficar calmo para terem uma argumentação decente e botarem uma ponte sobre aquele abismo que lentamente se formava entre eles.

— Queria falar com você.

Disse cauteloso, com um pouco de receio de que Gina se irritasse e começasse a lhe tacar alguns dos milhares cacarecos que haviam naquela maldita e quente cozinha de madeira. Embora ela não soasse realmente nervosa, preferiu não arriscar de fazer uma piada e deixa-la louca da vida logo de cara.

Gina, por sua vez, o encarava com curiosidade. Os olhos castanhos semicerrados, a varinha bem apontada para ele, ainda emitindo uma luz incômoda, mas que ela preferiu não apagar. Sabia que não havia riscos em ficar ali com Malfoy, mas queria deixá-lo ciente de que poderia estuporá-lo a qualquer momento, caso fosse necessário.

— Podia ter me mandado uma coruja.

Respondeu inexpressiva, erguendo uma das sobrancelhas. Draco não sabia dizer com perfeição o que podia estar se passando por aquela cabeça-oca cheia de cabelos ruivos de adorno. Então inclinou o rosto para a direita, dando um sorriso debochado e abrindo um pouco os braços, como se estivesse achando graça.

— Quanta hospitalidade.

Disse com ironia, referindo-se a forma como Gina estava falando. Por fim, a ruiva suspirou e baixou a varinha, deixando o ambiente ser iluminado apenas pela luz da lua e dos feitiços que ainda cortavam pelo céu. Perguntava-se até quando sua família ficaria naquele conflito idiota ao invés de apartar para longe, que é o que faria naquela situação.

— Havia cerveja amanteigada no casamento, mas receio não poder lhe oferecer uma caneca.

Draco umedeceu os lábios com um sorriso de escárnio, puxando uma das oito cadeiras da cozinha e se sentando de maneira desajeitada, apoiando o peso todo na parte traseira do móvel, deixando as duas pernas de madeira para o alto enquanto ele se equilibrava em um movimento lento de ir e vir, encarando Gina como quem está olhando para um hipogrifo.

— Não sabia que vocês tinham canecas. Achei que bebiam direto da bica.  

Gina bufou e Draco teve de se controlar para não rir. Sentira tanta falta, mas tanta falta de lhe atazanar que chegava a ser satisfatório vê-la resmungando e ficando vermelha, muito embora não tivesse certeza dessa parte, pois estava tudo tão escuro que mal conseguia avaliar as mutações de pigmentação de sua pele sardenta.

— Olha Malfoy, não posso perder tempo aqui com você, minha família está lá fora e...

Gesticulou suavemente, indicando a parte de fora d’A Toca com o polegar direito enquanto girava o corpo na direção da porta. Draco ergueu uma das mãos imediatamente, parando de balançar na cadeira e colocando os pés sobre a mesa. O olhar de Gina caiu automaticamente por seus sapatos bem lustrados em cima da madeira e pensou em todas as maldições que sua mãe jogaria naquele moleque maldito se visse aquela cena.

— Weasley...

A voz do Malfoy lhe tirou de seus pensamentos, fazendo com que o encarasse um pouco atordoada ainda pelo gesto mal-educado de colocar os pés sobre a mobília. Ele aproveitou de seu breve estado de silêncio e emendou uma frase que julgava muito bem elaborada, que a faria entender perfeitamente suas intenções. Ou, ao menos, era o que Draco achava.

— Não torne isso mais difícil, sim?

O dedo indicador de Gina foi parar automaticamente no próprio peito, enquanto ela o encarava com uma divertida expressão de incompreensão, aproximando com uma pontinha de indignação da cadeira em que ele permanecia sentado. Draco presumiu que não devia faltar muito para que começasse a tagarelar sem falar e ficou contente em constatar que não ficaria irritado se isso acontecesse. Sentira falta daquele falatório todo.

— Eu? Eu que estou tornando isso difícil? Seus amigos estão tentando matar minha família!

O loiro apertou os lábios e maneou a cabeça de um lado para o outro, como se achasse o comentário dela bem razoável. Ergueu a mão direita e virou a palma para cima, enquanto avaliava a situação. Tudo bem que uma baita festa de casamento tinha sido estragada, mas sabia que nenhum daqueles cabeça-vermelha sairia morto dali. Ao menos ainda não.

— Ok, mas foi a única oportunidade que achei de falar com você.

Disse logo em seguida, tirando os pés de cima da mesa e olhando para Gina, que cruzava os braços sem se deixar convencer pela péssima explicação que ele lhe proporcionara. Draco apoiou os cotovelos nos joelhos e suspirou ao perceber que ela continuava mantendo-se inflexível, toda enrijecida à sua frente.

Julgou que depois de tanto tempo, Gina já tivesse superado toda a baboseira de Hogwarts e estivesse pronta para seguir em frente, mas aparentemente havia se equivocado. Começou a coçar o queixo, um pouco receoso de que aquela conversa rumasse de uma forma que ele não pudesse controlar.

— Ainda está chateada por causa de Dumbledore?

Gina fez um bico zombeteiro, sacudindo a cabeça positivamente enquanto puxava uma cadeira e sentava-se de frente para ele. Muito embora quisesse ir ajudar sua família, sabia que precisava colocar um ponto final no assunto, do contrário ele nunca mais a deixaria em paz. Cruzou as pernas e enroscou os dedos no joelho, apertando o corpo nas coxas. Seu vestidinho cinzento subira um pouco, mas continuava nada revelador.

— Você é muito perspicaz.

Constatou com ironia. Draco suspirou. Não calculara mesmo que ela ainda estaria tão magoada. Pensou que se desse algum tempo para organizar os pensamentos, com certeza Gina acabaria deixando todo aquele desentendimento para trás. Entretanto, cada vez constatava que estava mais e mais enganado a respeito da ruiva, que continuou lhe encarando com um misto de sarcasmo e superioridade.

Ele odiava aquilo. Aquele meio sorriso debochado, o olhar caído, como se estivesse totalmente desinteressada em qualquer coisa que pudesse sair de sua boca. Quis irritá-la de volta, zombar de sua casa, que aliás era incrivelmente maior do que o esperado, mas no mesmo exato nível de pobreza que ele imaginara. Porém, tinha que ser compreensivo, e isso já estava começando a lhe proporcionar uma fina e incômoda dor de estomago. Passou os dedos pelos cabelos loiros e suspirou, como se estivesse se dando por vencido. 

— Por que não deixa isso para lá, Weasley? Tem uma porção de coisas acontecendo que você não faz a mínima ideia...

— Talvez eu não queira ter.

Gina interrompeu. Draco estava gesticulando e acabou parando a mão no ar ao ouvir a voz dela, fina e rápida como uma lâmina, cortando-lhe completamente o raciocínio. Mas, ao contrário do que ele pensava, a ruiva continuou falando, como se estivesse bem de saco cheio de toda aquela situação. O que, de fato, estava.

A Weasley estava cansada de falar sobre guerra, Você-sabe-quem e qualquer outro rumo que esse assunto pudesse tomar. Estava farta de ouvir falar em Tom Riddle e Harry Potter. Estava furiosa por que seu irmão e seus amigos iam partir em uma jornada maluca por causa daquele maldito bicho sem nariz e simplesmente não conseguia encontrar um ser humano que não viesse puxar a mesma porcaria de papo com ela.

Portanto, quando ouviu da boca do Malfoy a tentativa de fisgá-la e tentá-la a se unir novamente por causa das informações que ele tinha, se irritou. Não foi por algo em específico que Draco tenha dito, mas por que preferia mil vezes quando a temática de suas discussões era sobre pobreza e doninhas. De certa forma lhe incomodava ver que o único interesse dele era aquele mesmo maldito assunto.

Não que esperasse algo muito profundo de Draco Malfoy, mas, de certa forma, sentira sua falta nos últimos tempos. Das ironias, das conversas e de como ele sempre tinha alguma frase bem cortante e prepotente a dizer. Era até engraçado, em algumas ocasiões, e vê-lo ali, naqueles trajes, lhe fazendo uma proposta que saíra da boca dela tempos atrás, visando apenas benefício próprio, era um pouco repulsivo.

— Talvez eu só queira ser uma aluna comum, uma menina comum, alguém que não tem que se preocupar com um monte de gente tentando aniquilar sua família do mapa.

Disse apontando para a janela, de onde ainda era possível ver algumas luzes, mas bem menos que alguns segundos atrás. Draco bufou. Aquela certamente não era a melhor hora para que a Weasley resolvesse questionar a juventude que perderia por causa da guerra. Tudo bem, por várias vezes partilhava do mesmo pensamento, mas não era o momento para falar disso. Tinham de ser rápidos!

— Weasley, por Merlin, por Potter ou qualquer divindade que você creia. Use a cabeça!

Draco disse um pouco exasperado, sacudindo as mãos em um movimento ágil e preciso, como se tentando mostrar à Gina qual caminho seguir. Fez exatamente como ela há poucos segundos e apontou o dedo indicador para a janela, querendo indicar o campo de batalha que se tornara o jardim d’A Toca.

— Eu não estou lá matando ninguém, estou?

Perguntou apontando dramaticamente para o próprio peito logo em seguida, tentando mostrar à Gina que ele era diferente. E olha que fora a duras penas que Draco conseguira chegar a essa brilhante conclusão, mas agora o difícil seria convencer uma Weasley de que aquilo era verdade.

— Você é omisso! É tão ruim quanto todos eles!

Gina falou rápido e de uma vez, em uma frase tão embolada que Draco mal pôde compreender. Ao perceber o silêncio que vinha de fora, a ruiva notou a ausência das luzes e feitiços e se tranquilizou por um segundo ao não ouvir gritos desesperados e nem ver uma correria. Fosse lá o que tivesse acontecido, não restara ninguém ali para contar a história do ataque.

Porém, com medo de que alguém chegasse de supetão e lhe encontrasse de papo com um Malfoy em sua cozinha, Gina ergueu-se da cadeira e começou a subir as escadas com certa velocidade. Draco a encarou por um momento, sem compreender à princípio o que aquela menina doida estava fazendo, mas achou por bem segui-la. Até por que, vai que algum daqueles irmãos cabeçudos dela surge do nada com algum doce dos infernos?

Subiu rapidamente o lance de escadas e viu a menina entrar naquele que parecia ser o quarto dela. Não pôde deixar de se surpreender, pois o cômodo era extremamente pequeno se comparado aos seus aposentos na mansão. E infinitamente mais quente, por Merlin, dava para assar um bolo ali dentro! Talvez fosse por isso que se reproduziam tanto, fizeram da própria casa um ninho.

Draco teve que engolir seco muitas vezes para não deixar nenhum comentário maldoso escapar. Ficou olhando a menina ruiva sentar-se na cama e colocar a varinha ao lado enquanto descalçava os sapatos de salto e ficava um pouco mais semelhante àquela que estava acostumado a ver. Bem melhor também, pois não combinava muito com aquele ornamento todo. Escorou-se à porta do guarda roupa enquanto os olhos castanhos de Gina se erguiam para ele, de uma maneira que não soube ler. Decidiu insistir um pouco mais ao constatar que a ruiva ainda não estava soltando fogo pelas ventas.  

— Realmente não quer voltar com nosso acordo?

— Realmente não quero.

A resposta veio rápida e de uma maneira que Draco julgou não muito bem pensada. Tinha certeza que se Gina conseguisse deixar de besteira e visse a situação caótica que era a realidade, concordaria com aquele trato. Tentou, mais uma vez, controlar a dor fina que se instalava lentamente em seu estômago por relevar tanto o orgulho besta dela e fez o possível para soar calmo e razoável.

— Sabe que o que tenho a dizer é valioso para você, não sabe? Sei dos planos de Voldemort, sei tantas coisas que poderiam ser úteis para você...

Foi tomando a liberdade de se aproximar dela e sentou-se ao seu lado na pequena e estreita cama que ela possuía. Gina baixou um pouco a vista e suspirou, sacudindo a cabeça negativamente, como se estivesse desesperançosa. E de fato estava.

Não ia cometer o mesmo erro de confiar em um Malfoy, não depois da morte de Dumbledore. Tinha que ser fria, tinha que renegar o sentimento de alívio que sentia por vê-lo vivo e se manter inflexível, apegada a ideia de que tudo não passara de um grande equívoco. O que, bem no fundo, sabia que era mentira.

— Nada que venha de você me interessa mais.

Sua voz saiu baixa, quase inaudível e Draco suspirou, sem parar de lhe encarar com os olhos cinzentos cheios de esperança de conseguir convencê-la do contrário. Entretanto, estava tudo sendo infinitamente mais difícil que ele esperava e começava a acreditar que realmente não ia obter sucesso em mudar a cabeça daquela menina teimosa.

— Sabe, Malfoy, eu pensei mesmo que poderia te ajudar. Acreditei que você iria mudar se alguém te estendesse a mão, achei que...

— Achou que ia me deixar para sempre pensando que você era uma boa pessoa, mas na verdade estava naquele acordo por puro interesse, assim como eu!

Um tom de irritação que não estava presente na voz de Draco se sobressaiu, fazendo Gina se espantar por um momento. Ele apontou o dedo acusadoramente em sua direção enquanto fazia uma pausa, para completar com mais um pouco do vômito de palavras que ajudava a melhorar sua dor de estômago. Cansara de ficar esperando a Weasley retomar o juízo, esfregaria na cara dela a verdade, se fosse preciso.

— Não dê uma de santa, Weasley. Você queria proteger sua família e eu queria proteger a minha. Foi isso que nos uniu! Não foi sua santidade ou qualquer coisa do tipo que você fique se enganando que é.

Continuou falando tudo que estava em sua mente e que julgava pertinente para convencê-la a repensar aquela decisão idiota que estava tomando. Não ia mais aguentar que Gina ficasse fazendo pose de boa moça quando, na verdade, ela o usara e manipulara para conseguir o que queria. A diferença entre eles, avaliou o Malfoy, é que Draco conseguia assumir quem era e de onde vinha. Já ela, subia em um pedestal de honra e coragem e julgava os outros, como se fosse a rainha dos bons costumes.

— Você estava me seguindo por ordens do Potter e fez o que tinha que fazer. Acabou. Por que não continua fazendo e sendo competente então? Por orgulho? E ainda dizem que o idiota sou eu.

Concluiu, ficando completamente emburrado e escorando as costas na parede ao lado da cama. Draco achava que sua explosão fosse causar em Gina o mesmo resultado de um vulcão em erupção. Pensou que seus cabelos vermelhos virariam lava e escorreriam por todo seu rosto sardento enquanto ela gritava descontrolada qualquer porcaria. Porém, a ruiva apenas apertou os olhos e ficou lhe encarando num curto silêncio que pareceu durar uma eternidade antes de dizer a última coisa que ele esperava ouvir.

— É tão ruim assim, Malfoy?

A pergunta pretenciosa de Gina o pegara tão despreparado que mal pôde evitar de arregalar os olhos. Ela continuou serena, como alguém que acabou de chegar de férias do Caribe, e umedeceu os lábios rosados e carnudos, lhe encarando com aquela cara de esfinge que Draco aprendera a detestar, pois sempre após isso, vinha alguma coisa bem desagradável de ouvir.

— É tão ruim assim o que Você-sabe-quem está fazendo com você, que te fez preferir vir até minha casa para me pedir ajuda?

Como supunha, uma pergunta extremamente desagradável. Draco baixou a vista e ficou visivelmente incomodado com o questionamento, chegando até a ignorar aquela mania chata que Gina tinha de evitar dizer o nome de Voldemort, como uma criança de cinco anos. Torceu os dedos, sem olhar nos olhos dela, pois sabia que esse tipo de contato visual seria ainda mais constrangedor e não facilitaria em nada para dizer o que precisava dizer.

Draco nunca dissera aquela frase em voz alta, mas precisava.

— Ele matou meu pai.

Assim que as palavras saíram por sua boca, um silêncio se formou entre eles. Pelo pouco que conhecia de Gina acreditava que, lhe contando a verdade, talvez fosse mais fácil de fazê-la enxergar seu lado na história e concordar com o trato novamente. Infelizmente Draco não podia saber que tipo de coisa a ruiva estava pensando, pois ela mantinha a mesma cara de poucos amigos desde o início da conversa.

Os dedos da ruiva ergueram-se para os cabelos cor de fogo e ela tirou a pequena flor branca que estava sobre sua orelha, girando-a entre os dedos enquanto um meio sorriso se formava nos lábios cheios, o que deixou Draco completamente perdido. Qual seria a graça? Logo em seguida, ela levantou os olhos chocolate para ele e disse:

— E você ficou com medo de ser o próximo, certo? Por isso veio até aqui. Por medo.

Constatou assentindo suavemente e jogando longe a pequena flor branca que estava entre seus dedos. Sem saber ao certo o que responder, Draco apenas arqueou as sobrancelhas e continuou encarando-a em silêncio, aguardando que ela completasse seu raciocínio.

— Acha que eu ligo? Acha que me importo com o fato de teu pai estar morto? Nem um pouco! Por culpa dele eu passei pelo inferno em meu primeiro ano em Hogwarts!

Sua voz foi aumentando gradativamente enquanto ela pontuava cada argumento com rispidez. Suas palavras cortantes iam se acumulando e Draco mal tinha tempo de digeri-las, pois Gina falava muito rápido naquele pequeno ataque de raiva que estava tendo. Ela colocou-se de pé, bem à frente dele, forçando-o a lhe encarar nos olhos enquanto dizia tudo que sempre estivera preso em sua garganta.

— Por culpa dele eu conheci Tom Riddle, por culpa dele eu quase morri naquela maldita câmara, por causa dele todas as noites eu sou assombrada pelo fantasma de alguém que não morreu!

Gina estava quase gritando enquanto sentia seu rosto esquentar pela raiva que lhe sufocava. Há anos gostaria de ter dito tudo aquilo para Draco Malfoy e agora sentia-se incrivelmente melhor por simplesmente ter colocado para fora. Até por que, não era com todo mundo que tinha disposição para abrir seus sentimentos como um leque, da maneira que fazia aquele momento.

Entretanto, como todo vômito de palavras, Gina não conseguiu simplesmente parar quando já havia dito tudo que precisava dizer. Seu instinto lhe fez continuar falando, e dessa vez, apenas para magoar Draco da mesma forma que ele fizera com ela quando indiretamente matara Dumbledore em um ataque de ego e raiva. Era idiota fazer isso, mas precisava. Estava com tanta raiva e tão decepcionada que era quase uma necessidade deixá-lo da mesma forma que ela estava.

— Eu não sou mesmo santa, nem um pouco, e espero que seu pai tenha tido a morte dolorosa e demorada que ele merecia! Por tudo que ele fez a mim e pelo babaca em que ele transformou você!

Quando Gina terminou de falar estava ofegante. Uma pontinha de arrependimento tentou invadir sua mente. Sua consciência gritava que ela havia ido longe demais, mas a raiva lhe impedia de aceitar essa constatação e ela manteve-se ali, parada a frente de Draco, que ficou de pé logo em seguida só para fazê-la recuar um passo. A cara de boa vizinhança com que ele tinha chegado já não existia mais e agora a Weasley pensava em qual seria o feitiço que ele lhe lançaria.

— Juro Weasley, que falta muito pouco para eu amaldiçoar você.

Draco disse de forma fria e baixa, puxando a varinha do bolso da calça, como se estivesse tentando alertá-la do limite que acabara de ultrapassar. Porém, Gina decidiu que não ia recuar como um animalzinho indefeso e apertou as sobrancelhas. Seus dedos quentes e finos seguraram a mão do Malfoy com força, puxando em sua direção, fazendo com que a varinha ficasse perfeitamente encostada no meio de seu pescoço.

— E por que não amaldiçoa? Por que não faz de uma vez o que foi ensinado a fazer e me mata de uma vez?

E isso foi a gota d’água. Como queria que aquela menina se transformasse em qualquer homem idiota, só para poder lhe dar uns bons sopapos. Mas não, jamais poderia levantar sua mão para uma garota, especialmente para uma que, por mais que o estivesse magoando, dizia a verdade.

Draco compreendia e partilhava do sentimento de revolta que Gina tinha pelos eventos da câmara secreta. E, em outra ocasião, talvez apenas relevasse aquele ataque de raiva sem sentir uma vontade dos infernos de explodir a cabeça dela. Talvez pela perda do pai ainda ser uma ferida recente, qualquer comentário a respeito de Lúcio o magoasse com maior facilidade.

A Weasley definitivamente não estava facilitando seu lado, com aquele olhar psicótico e segurando sua mão para manter a varinha encostada no pescoço, ela praticamente pedia para ser amaldiçoada. E, talvez, por já ter visto tantas outras pessoas serem enfeitiçadas nos últimos tempos, ou pela pequena gratidão que tinha a ela por ter lhe estendido a mão quando mais precisava, é que Draco fez um gesto brusco, livrando-se do toque da ruiva e empurrando-a na direção da cama, fazendo-a cair sentada no colchão.

— Eu não sou um assassino! Eu não sou Voldemort!

Estava tão cansado de tentar convencê-la de uma coisa tão simples, tão óbvia... Gina ficou sentada, tirando o cabelo ruivo que lhe caíra sobre todo o rosto e levantou assim que se deu conta de como o Malfoy lhe tirara do caminho tão facilmente. Ela ficou na ponta dos pés para poder aproximar mais seu rosto do de Draco e apontou para a mão dele, que ainda segurava a varinha.

— Você matou Dumbledore sem que o feitiço saísse de sua varinha!

— Você acha que eu não sei disso?!

Ele rebateu imediatamente, deixando sua voz soar mais alta que a de Gina, que se calou por um momento, mas continuou com o mesmo olhar irritado, lhe encarando enquanto Draco ofegava. O sonserino foi logo enfiando a varinha no bolso novamente e segurando-a pelos ombros com um pouco de força, tentando imobilizá-la por ao menos um momento, pois agora era sua vez de dizer a ela coisas que doíam ouvir.

— Acha que não me culpo pela morte daquele velho miserável todos os dias da minha vida? Acha que só você tem sentimentos e dificuldades, Weasley? Você realmente precisa acordar se você acha que pode me dizer qualquer coisa sobre mim que eu já não tenha ouvido antes!

Suas mãos trêmulas acabaram por sacudir Gina um pouco, conforme falava. Os olhos marrons dela continuavam impassíveis e reprovadores. Logo em seguida Draco largou-a e sacudiu a cabeça negativamente, andando pelo pequeno cômodo totalmente inconformado com o nível de teimosia que aquela Weasley faladeira atingira. E então deu-se por vencido, assumindo para si mesmo que não conseguiriam entrar em um consenso novamente.

— Quer saber? Pro inferno com você e sua família e os malditos sangue-ruins que vocês protegem! Eu desisto!

E deu de costas para Gina, fazendo menção de sair do quarto dela. A ruiva caminhou rápido e lhe segurou pelo ombro, virando-o com força para que lhe olhasse nos olhos. Ela bufava, extremamente irritada, com um dos punhos cerrados enquanto afundava o dedo indicador da outra mão no peito do loiro, conseguindo deixar o Malfoy ainda mais nervoso.

— Você sempre desiste, de tudo! Por que acha que não quero mais acordo com você? Por que não passa de um covarde de merda!

Foi como um movimento automático que Draco girou a mão e segurou o pulso de Gina entre seus dedos apertados, puxando-a para perto enquanto falava cada palavra olhando naqueles orbes castanhos grandes e irritados que de repente já não lhe faziam mais tanta falta assim.

— Covarde é você! Acha que só por que foi escolhida para a grifinória pode sair arrotando coragem por aí?

Perguntou sacudindo o braço dela em um movimento brusco, enquanto Gina apertava os olhos, irritada. Ele a jogou sentada na cama mais uma vez e ficou de pé, olhando-a como quem vê uma criança birrenta. Respirou fundo para conseguir unir tudo que pensava em uma frase antes que ela começasse a falar compulsivamente.

— Me deixe dizer algo sobre coragem para você, Weasley. Coragem é sacrificar tudo que você tem por quem você ama. Coragem é se enfiar no meio dos comensais para vir aqui falar com o inimigo no meio de uma porra de uma guerra! Isso é coragem.

Pontuou, apontando agora seu dedo indicador na direção dela, sem perder por um segundo sua postura e aquele olhar gélido que sabia lançar, fazendo com que Gina se sentisse um pouco acuada, ouvindo ao que ele dizia sem muito ânimo, emburrada pela facilidade com que Draco lhe tirava do caminho.

— Covardia, por outro lado, é se esconder atrás de um orgulho besta só por que está com medo de arriscar.

Foi como levar um soco na boa do estômago. Gina arregalou os olhos encarando Draco sem acreditar no que ouvia, enquanto ele fazia um gesto de descaso, se afastando dela como se não quisesse ou precisasse de uma resposta para o que tinha dito. E nada que saíra de sua boca até então tinha chamado tanto a atenção dela quando aquela última frase. Por fim, concluiu seu raciocínio:

— E vá se foder, tá? Não venha me culpar quando algum dos seus coelhos ruivos aparecer morto por aí. Afinal de contas, você sabe muito bem de quem vai ser a culpa.

E, simples assim, desapartou, deixando uma Gina assustada e apreensiva em sua cama, olhando para o vazio enquanto torcia os dedos e sentia sua consciência ganhar espaço, fechando os olhos com pesar logo em seguida, achando-se a pessoa mais burra do mundo.


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