Girls and Blood — Reimagined Twilight escrita por Azrael Araújo


Capítulo 5
Four




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Quando abri os olhos de manhã, havia algo diferente. 

Era a luz. Ainda era a luz sombria de um dia nublado na floresta, mas de certa forma estava mais claro. 

Pulei da cama para olhar para fora. 

Uma fina camada de neve cobria o jardim, acumulava-se no alto do Tracker e deixava a rua branca. 

E havia fucking luz! 

Charlie saíra para o trabalho antes que eu descesse ao primeiro andar. De certa forma, morar com ele era como morar sozinha, e percebi que estava gostando do espaço em vez de me sentir solitária. Eu deveria ser uma debilóide mesmo.

Engoli rápido uma tigela de cereal e um pouco de suco de laranja direto da caixa. Eu estava empolgada para ir para a escola, e isso me preocupava. Eu sabia que não era pelo ambiente estimulante de aprendizado, nem por meu novo grupo de amigos — exceto, talvez, pela garota Riley. Talvez. 

Mas para ser sincera comigo mesma, eu sabia que estava ansiosa para ir para a escola porque veria Edythe Cullen. E isso era uma grande estupidez. 

Talvez algumas pessoas — garotos e garotas — estivessem curiosas com o fato de eu ser a garota nova, mas Edythe não era Mike ou Erica. 

Ou Riley, o que, convenhamos, tornaria as coisas mais fáceis. 

Eu estava ciente de que meu mundo e o de Edythe eram esferas que não se tocavam. Eu já estava com medo de que olhar para o rosto dela estivesse me dando expectativas irreais que me perseguiriam pelo resto da vida. Passar mais tempo olhando para ela, observando os lábios se moverem, admirando a pele dela, ouvindo a voz, não ajudaria em nada.

Aliás, eu nem confiava nela. Quer dizer, por que mentir sobre a cor dos olhos? E, claro, havia a história de ela ter desejado me ver morta em algum momento.

Então, eu não devia ficar empolgada em vê-la de novo. Mas, como já foi dito, eu sou uma estúpida. 

Precisei de toda a minha concentração para descer viva a entrada de carros de tijolos congelados — a última coisa que eu precisava nesse momento era um tornozelo torcido. A treinadora Clapp me mataria. 

O meu bebê Tracker não parecia ter problemas com o gelo escuro que cobria as ruas, mas dirigi bem devagar, sem querer traçar uma rota de destruição pela rua principal. Ou para a minha morte. 

Quando saí do carro na escola, vi por que tive tão poucos problemas. Uma coisa prateada atraiu meus olhos, e andei até a traseira do Tracker ver os pneus. Havia neles correntes finas formando losangos... Charlie se levantara cedo, sabe-se lá a que horas, para colocar correntes de neve no meu carro. 

Franzi a testa, surpresa de ficar com a garganta apertada de repente. Não era para ser assim. Devia ter sido eu a pensar em botar correntes nos pneus dele, se eu soubesse fazer isso. Ou, pelo menos, eu devia tê-lo ajudado. Quer dizer, não era trabalho dele... 

Só que, na verdade, era sim. Ele era o pai. Estava cuidando de mim, da filha dele. Era assim que funcionava nos livros e nos programas de TV, mas me fez sentir meio errada de alguma forma. 

Eu estava parada junto ao canto traseiro do Tracker, lutando para reprimir a onda de emoção repentina que as correntes de neve me provocaram, quando ouvi um som estranho. Foi um guincho agudo, e, quase na mesma hora que percebi, o som já estava dolorosamente alto. Olhei para cima, sobressaltada. 

Vi várias coisas ao mesmo tempo. Nada estava se movendo em câmera lenta, como acontece nos filmes. Em vez disso, o jato de adrenalina parecia fazer com que meu cérebro trabalhasse muito mais rápido, e pude absorver simultaneamente várias coisas em detalhes nítidos.

Edythe Cullen estava parada a quatro carros de mim, com a boca aberta horrorizada. O rosto dela se destacava em um mar de rostos, todos paralisados na mesma máscara de choque. Mais adiante, uma van azul-escura estava derrapando, com os pneus travados e guinchado com os freios, rodando como louca pelo gelo do estacionamento. Ia bater na traseira do Tracker, e eu estava parada entre os dois carros. Não tive tempo nem de fechar os olhos.

Pouco antes de ouvir o esmagar da van sendo amassada no Tracker, alguma coisa me atingiu com força, mas não da direção que eu esperava. Minha cabeça bateu no asfalto gelado, e senti uma coisa sólida e fria me prendendo no chão. Percebi que estava deitada atrás do carro caramelo estacionado ao lado do meu. Mas não pude perceber mais nada, porque a van ainda vinha. Raspara com um rangido na traseira da picape e, ainda girando e derrapando, estava prestes a bater em mim de novo. 

— Caramba! 

Ela disse a palavra com tanta rapidez que quase não ouvi, mas era impossível não reconhecer a voz. 

Duas mãos longas e brancas se estenderam na minha frente, e a van estremeceu até parar a trinta centímetros do meu rosto, as mãos pálidas dela criando um amassado profundo na lateral da van. Houve um baque metálico tão alto que feriu meus ouvidos, e a van parou, estourando o vidro, fazendo com que alguns estilhaços cortassem a minha testa e bochecha. A dor me despertou.

Por um segundo, o silêncio foi absoluto. E então, a gritaria começou. No caos repentino, eu conseguia ouvir mais de uma pessoa gritando meu nome. Mas, com mais clareza ainda, podia ouvir a voz baixa e frenética de Edythe Cullen no meu ouvido. 

— Bella! Está tudo bem? 

— Estou bem. — Minha voz parecia estranha. 

 Tentei me sentar e percebi que ela me segurava junto à lateral do corpo. Eu devia estar mais traumatizada do que percebia, porque não conseguia nem me mexer no aperto do braço dela. Estaria fraca de choque? 

— Cuidado — alertou ela enquanto eu tentava me soltar. — Acho que você bateu a cabeça a com força. Está... Sangrando. 

Não pude reconhecer o tom que ela usou, uma vez que estava ocupada demais com uma dor latejante acima da orelha esquerda, assim como a ardência dos cortes. 

— Ai — exclamei, surpresa. 

— Foi o que eu pensei. — ela se afastou, o máximo que o espaço limitado permitia. 

Coloquei uma das mãos na cabeça, sentindo-a ficar molhada imediatamente. 

— Como foi que... — Eu parei de falar e tentei clarear a mente, procurando me orientar. — Como você chegou aqui tão rápido? 

— Eu estava bem do seu lado, Bella. — disse ela, um tom sério cortante. 

Eu me virei para me sentar, e, dessa vez, ela me ajudou, mas logo deslizou para o mais longe possível novamente. Olhei para a expressão preocupada e inocente dela e de novo fiquei desorientada pelos olhos cor de ouro. O que foi mesmo que perguntei a ela? 

E depois eles nos acharam, uma multidão de gente com lágrimas descendo pelo rosto, gritando umas com as outras, gritando para nós. 

— Não se mexa — instruiu alguém. 

— Tirem a Taylor da van! — gritou outra pessoa. 

Houve um alvoroço com a atividade em nossa volta. Tentei me levantar, mas a mão de Edythe empurrou meu ombro para baixo. 

— Fique quieta por enquanto. 

— Mas está frio — reclamei. 

Fiquei surpresa quando ela riu baixinho. Havia uma aspereza naquele som.

— Você estava lá — falei, lembrando de repente, e o riso dela parou num instante. — Você estava perto do seu carro. 

A expressão dela ficou séria. 

— Não estava, não. 

— Eu vi você. 

Tudo à nossa volta era um caos. Eu podia ouvir as vozes mais graves de adultos que chegavam na cena. Mas, obstinadamente, me prendi a nossa discussão; eu estava certa e ela tinha que admitir isso. 

— Bella, eu estava parada do seu lado e tirei você do caminho. 

Ela ficou me olhando, e uma coisa estranha aconteceu. O dourado dos olhos pareceu aumentar, como se os olhos dela estivessem me drogando, me hipnotizando. Foi arrasador, só que de um jeito esquisito e incrível. Mas a expressão dela estava ansiosa. Achei que ela estava tentando me passar alguma informação crucial. 

— Mas não foi isso que aconteceu — falei, com voz fraca. 

O ouro em seus olhos se inflamou de novo. 

— Por favor, Bella. 

— Por quê? — perguntei. 

— Confie em mim — suplicou ela. 

Consegui ouvir as sirenes agora. 

— Promete que vai me explicar tudo depois? 

— Tudo bem — rebateu ela, repentinamente exasperada. 

— Tudo bem — murmurei, sem conseguir entender as variações de humor dela junto com todo o resto que estava tentando absorver. O que eu devia pensar quando o que lembrava era impossível? 

 

Foram necessários seis paramédicos e duas professoras — Sra. Varner e a treinadora Clapp — para afastar a van de nós o bastante para que as macas entrassem. Edythe insistiu que nada a havia atingido, e tentei fazer o mesmo, mas meu rosto e pescoço estavam banhados em sangue e tudo que eu pude fazer foi ficar quieta enquanto me colocavam o maldito protetor de pescoço. Parecia que toda a escola estava ali, olhando sobriamente enquanto me levavam para a traseira da ambulância. Edythe foi na frente. Para piorar as coisas, o chefe Swan chegou antes que pudessem me tirar dali em segurança. 

— Isabella! — gritou ele, em pânico, quando me reconheceu na maca. 

— Eu estou bem, Char... pai. — Eu suspirei. — Não há nada de errado comigo. 

Ele se virou para o paramédico mais próximo, pedindo uma segunda opinião. Enquanto o paramédico tentava acalmá-lo, desliguei-me dele para refletir sobre a confusão de imagens inexplicáveis que se agitavam caoticamente em minha cabeça, imagens que não eram possíveis. Quando me levantaram do carro, eu vi o amassado fundo no para-choque do carro caramelo que estava ao lado do Tracker — um amassado muito distinto, que combinava com os contornos dos ombros estreitos de Edythe... Como se ela tivesse se jogado no carro com força suficiente para amassar a estrutura de metal... 

E depois, apareceu a família dela, olhando a distância, com expressões que iam de reprovação — Eleanor — a fúria — Royal —, mas sem a menor sugestão de preocupação pela segurança da irmãzinha. 

Lembrei-me da sensação de quase sair voando... Daquele peso rígido que me prendeu ao chão... Da mão de Edythe debaixo da van, como se a estivesse levantando... 

Tentei pensar numa explicação lógica para o que eu acabara de ver. Eu só conseguia pensar que estava tendo um episódio psicótico. Eu não me sentia louca, mas talvez as pessoas loucas sempre se sentissem sãs. 

Naturalmente, a ambulância teve escolta policial até o hospital do condado. Eu me senti ridícula quando foram me tirar da ambulância, mas a dor na minha cabeça continuava aguda. Eles me colocaram na emergência, uma sala comprida com uma fila de leitos separados por cortinas em tom pastel. Uma enfermeira pôs um aparelho de pressão no meu braço e um termômetro debaixo da minha língua enquanto saía para buscar algo para, como ela disse, remendar meus machucados. 

Como ninguém se incomodou em puxar a cortina para me dar um pouco de privacidade, decidi que não era mais obrigada a usar o protetor de pescoço ridículo, então abri o velcro e o atirei debaixo da cama. 

Houve outra agitação dos funcionários do hospital, outra maca trazida para o leito ao lado do meu. Reconheci Taylor Crowley, da minha turma de educação cívica, atrás das ataduras sujas de sangue que envolviam firmemente sua cabeça. Taylor parecia cem vezes pior do que eu, suas roupas completamente banhadas em sangue. Mas olhava angustiada para mim. 

— Bella, me desculpe! 

— Eu estou bem, Taylor... Você parece péssima, está tudo bem? 

Enquanto falávamos, a enfermeira se aproximou para fazer a minha atadura, tentando cobrir os cortes superficiais na minha testa e na bochecha esquerda — algo que deveria ter sido feito na maldita ambulância. 

— Achei que fosse matar você! Eu estava indo rápido demais e derrapei no gelo... — Ela fez uma careta quando outra enfermeira começou a limpar seu rosto ensanguentado. 

— Não se preocupe com isso; você não me acertou. 

— Como foi que saiu do caminho tão rápido? Você estava lá e de repente sumiu... 

— Hmmm... Edythe me puxou de lá. 

Ela pareceu confusa. 

— Quem? 

— Edythe Cullen. Ela estava do meu lado. — Como sempre, não pareci nada convincente. 

— Edythe? Não a vi... Caramba, acho que foi tudo tão rápido. Ela está bem? 

— Acho que sim. Está em algum lugar por aqui, mas ninguém a obrigou a vir de maca. 

Eu sabia que não era louca. O que tinha acontecido? Não havia como explicar o que eu vi. 

Eles me levaram de novo na maca, para uma radiografia da cabeça. Eu disse que não havia nada de errado e tinha razão. Nem mesmo uma concussão. Perguntei se podia ir embora, mas a enfermeira disse que primeiro eu teria que falar com um médico e me mandou fazer pontos. Depois, fiquei presa na emergência, esperando, incomodada pelas desculpas constantes de Taylor e suas promessas de que iria me compensar. Não importava quantas vezes eu tentasse convencê-la de que estava bem, ela continuava a implorar por perdão. Por fim, fechei os olhos e tentei ignorá-la. 

— Ela está dormindo? — perguntou uma voz musical. 

Meus olhos se abriram. 

Edythe estava parada ao pé do meu leito, com uma expressão que parecia mais de deboche do que um sorriso. Fiquei olhando para ela com os olhos semicerrados, tentando juntar as peças na minha cabeça. Ela não parecia uma pessoa capaz de atacar veículos com as próprias mãos. Mas, por outro lado, ela também não era parecida com ninguém que eu já tivesse visto. 

— Oi, hã, Edythe, me desculpe... — Taylor começou a dizer. 

Edythe ergueu a mão para detê-la. 

— Sem sangue, sem crime — disse ela, mostrando os dentes brilhantes. 

Ela foi se sentar na beira do leito de Taylor, virada para mim. Deu aquele sorrisinho debochado de novo. 

— E então, qual é o veredito? — perguntou-me. 

— Não há nada de errado comigo, mas não me deixam ir embora — respondi, cruzando os braços como uma criança. — Por que você não foi amarrada a uma maca como nós? 

— Tem a ver com quem você conhece — respondeu ela. — Mas não se preocupe, eu vim libertá-la. 

Uma médica apareceu, e minha boca se abriu. Ela era jovem, era loura... E era mais linda do que qualquer estrela de cinema que eu já tivesse visto. Como se alguém tivesse esquartejado Audrey Hepburn, Grace Kelly e Marilyn Monroe, depois pegou as melhores partes e colou tudo para formar uma deusa. Mas era pálida e parecia cansada, com olheiras debaixo dos olhos escuros. 

Pela descrição de Charlie, tinha que ser a mãe de Edythe. 

— Então, Srta. Swan — disse a Dra. Cullen numa voz gentil — Como está se sentindo? 

— Estou bem — respondi. Esperava que pela última vez. 

Ela foi até o quadro de luz na parede acima da minha cabeça e o ligou. 

— Sua radiografia parece boa — disse ela. — Está com dor de cabeça? Edythe disse que você bateu com muita força. 

— Eu estou bem — repeti com um suspiro, lançando um breve olhar zangado para Edythe. Ela evitou meu olhar. 

Os dedos frios da médica sondaram de leve meu crânio e examinaram meus pontos. 

Ela percebeu quando estremeci. 

— Dolorido? — perguntou. 

— Já senti coisas piores. 

Ouvi uma risadinha, olhei e vi Edythe sorrindo. 

— Bem, seu pai está na sala de espera. Pode ir para casa com ele agora. Mas volte para tirar os pontos. 

— Não posso voltar para a escola? — perguntei, imaginando Charlie tentando bancar o enfermeiro. 

A Dra. Cullen sorriu. — A maior parte da escola parece estar na sala de espera. 

— Ugh — gemi. 

A Dra. Cullen ergueu as sobrancelhas. 

— Quer ficar aqui? 

— Não, não! — insisti, atirando as pernas pelo lado do leito e pulando para o chão rapidamente. 

Foi rápido demais. Eu cambaleei, e a Dra. Cullen me segurou. Ela era mais forte do que parecia. 

— Estou bem — garanti de novo. Não havia necessidade de dizer a ela que meus problemas de equilíbrio não tinham nada a ver com a pancada na cabeça. 

— Tome um Tylenol para a dor — sugeriu ela enquanto me equilibrava. 

— Não está doendo tanto assim — insisti. 

— Parece que vocês tiveram muita sorte — disse a Dra. Cullen, sorrindo ao assinar meu prontuário com um floreio. 

A sorte foi Edythe por acaso estar parada do meu lado — corrigi com um olhar duro para o objeto de minha declaração. 

— Ah, bem, sim — concordou a Dra. Cullen, repentinamente ocupada com a papelada diante dela. 

Depois, desviou os olhos para Taylor e foi até o leito seguinte. Tive certeza de que a médica sabia de tudo. 

— Mas acho que você terá que ficar conosco por mais um tempinho — disse ela a Taylor, e começou a examinar os cortes. 

Assim que a médica se virou, fui para o lado de Edythe. 

— Posso conversar com você um minuto? — sibilei. 

Ela recuou um passo, o queixo de repente trincado. 

— Seu pai está esperando você — disse ela, entredentes. 

Eu olhei para a Dra. Cullen e para Taylor. 

— Preciso falar com você a sós — pressionei. 

Ela fez cara feia, mas não foi como no primeiro dia, nem um pouco homicida, então esperei. Depois de um segundo, ela deu as costas e andou rapidamente pela sala comprida. Assim que viramos para um corredor pequeno, ela girou o corpo e me encarou. 

— O que você quer? — perguntou, parecendo irritada. 

Seus olhos estavam frios. A animosidade dela me intimidou. Minhas palavras saíram com menos segurança do que eu pretendia. 

— Você me deve uma explicação — lembrei a ela. 

— Eu salvei a sua vida. Não lhe devo nada. 

Eu me encolhi ao ouvir o ressentimento na voz dela. 

— Por que você está agindo assim? 

— Bella, você bateu a cabeça, não sabe do que está falando. — O tom de voz era cortante. Mas a raiva dela só me deu mais certeza de que eu estava certa. 

— Não há nada de errado com a minha cabeça. 

Ela me olhou com mais irritação ainda, mas eu senti seus olhos analisamento meus pontos recém adquiridos 

— O que você quer de mim, Bella? 

— Quero saber a verdade — respondi. — Quero saber por que estou mentindo por você. 

— O que você acha que aconteceu? — rebateu ela. 

Foi mais difícil dizer as palavras em voz alta, pois dava para ouvir a loucura. Abalou minha convicção, mas tentei manter a voz firme e calma. 

— O que eu sei é que você não estava em nenhum lugar perto de mim. Taylor também não a viu, então não venha me dizer que bati a cabeça com força. Aquela van ia esmagar nós duas... E não esmagou. Pareceu que suas mãos deixaram um amassado na lateral dela, e seu ombro deixou um amassado no outro carro, mas você não está nada machucada... — Não consegui continuar. 

Ela estava me encarando, os olhos arregalados e incrédulos. Mas não conseguia esconder totalmente a tensão, a postura defensiva. 

— Você acha que eu levantei a van de cima de você? — O tom de voz questionava minha sanidade, mas havia algo de estranho. Era como uma fala dita com perfeição por uma atriz habilidosa, tão difícil de se duvidar, mas, ao mesmo tempo, a tela do cinema fazia você perceber que nada era real. 

Eu apenas concordei uma vez. 

Ela deu um sorriso frio e debochado. 

— Ninguém vai acreditar nisso, você sabe. 

— Não vou contar a ninguém. 

A surpresa passou rapidamente pelo rosto dela, e o sorriso sumiu. 

— Então por que importa? 

— Importa para mim — cruzei os braços — Não gosto de mentir. Então, é melhor haver uma boa razão para que eu faça isso. 

— Não dá só pra me agradecer e acabar com isso? 

— Obrigado — apertei os olhos. 

Esperando. 

— Você não vai deixar pra lá, não é? 

— Não. 

— Neste caso... Espero que goste de se decepcionar. 

Ela me olhou com irritação, e eu olhei para ela, com os pensamentos abalados pelo quanto ela ficava linda com raiva. Fui o primeira a falar, tentando me manter concentrada. Corria o risco de me distrair completamente. Era como tentar encarar um anjo exterminador. 

— Se era para agir assim, por que você se deu o trabalho? — perguntei. 

Ela parou, e, por um breve momento, seu rosto perfeito ficou inesperadamente vulnerável. 

— Não sei — sussurrou ela. 

E deu as costas para mim e se afastou. 

Demorei alguns minutos para conseguir me mexer. 

Quando consegui andar, segui lentamente para a saída no final do corredor. 

A sala de espera foi desagradável, como eu temia. Parecia que cada rosto que eu conhecia em Forks estava lá, me encarando. Charlie correu para mim; eu levantei as mãos. 

— Não há nada de errado comigo — garanti a ele, exasperada de repente pela situação louca. 

— O que o médico disse? 

— A Dra. Cullen me examinou e disse que eu estava bem e que podia ir para casa. — Mike, Jeremy, Angela e seu irmão Allen e Erica estavam ali, começando a convergir para nós. — Vamos — pedi. 

Charlie esticou o braço para mim, como se achasse que eu precisava me apoiar. Segui depressa para a porta da saída, acenando timidamente para meus amigos. Eu torcia para eles já terem se esquecido de tudo no dia seguinte. Era improvável.

Foi um grande alívio — a primeira vez que senti isso — entrar na radiopatrulha.

Seguimos no carro em silêncio. Eu estava tão imersa em meus pensamentos que mal percebia a presença de Charlie. Tinha certeza absoluta de que o comportamento defensivo de Edythe no corredor fora uma confirmação das coisas estranhas que eu ainda não conseguia acreditar ter testemunhado.

Quando chegamos em casa, Charlie finalmente falou. 

— Hmmm... Você vai precisar ligar para Renée. — Ele inclinou a cabeça com culpa.

Fiquei irada.

— Você contou à mamãe? 

— Desculpe.

Bati a porta da viatura com uma força um pouco maior do que a necessária ao sair do carro.

É claro que a minha mãe estava histérica. Tive que dizer a ela que eu me sentia bem pelo menos umas trinta vezes, até ela se acalmar. Ela me implorou para ir para casa — esquecendo-se do fato de que a casa naquele momento estava vazia — mas foi mais fácil resistir às súplicas do que eu teria imaginado. Eu estava consumida pelo mistério representado por Edythe. E um pouco mais do que obcecada pela própria Edythe. 

Idiota, idiota, idiota.

Eu não estava tão ansiosa para escapar de Forks como deveria, como qualquer pessoa normal e sã teria feito. 

Decidi que podia muito bem ir para a cama mais cedo naquela noite. Charlie continuou a me observar ansiosamente, e aquilo estava me dando nos nervos. Parei a caminho do quarto para pegar três comprimidos de Tylenol no banheiro. Eles ajudaram e, à medida que a dor cedia, caí no sono. 

Essa foi a primeira noite em que sonhei com Edythe Cullen.


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