Titanos escrita por Emily Rhondes


Capítulo 3
Vermelha é a raiva


Notas iniciais do capítulo

Heyyy



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— Como assim, "ele é legal"? - Ele sussurra.
— Sabe, quando uma pessoa é agradável e não implica com você? Já digo que não é seu caso. - Ele ri, revirando os olhos.
— Achei que não confiaria em ninguém de lá.
Dou de ombros.
Levando em conta que estamos num carro, indo pra casa, aposto que graças ao esforço de Cal, posso confiar nele, mesmo que nunca mais eu vá ve-lo.
Ele e um motorista negro de terno escuro com o mesmo símbolo prata na roupa estavam lado a lado lá na frente, e minha mãe, meu pai e Gina ocupavam o outro branco, o que nos deixou com o último só para nós.
Kilorn estava deitado no meu colo, com os olhos correndo pelo teto solar.
— Você é imprevisível. - Ele sorri, e eu faço carinho em seus cabelos, olhando a estrada ao meu lado. Era como se estivessemos correndo do asfalto, só para ir para mais asfalto.
Nunca viajavamos. Sai de Palafitas só algumas vezes, quando parentes morriam ou estavam doentes. Mesmo assim nada se comparva a Archenon. A maior cidade que já vi. Prédios enormes, impossíveis de contar, no meio de luzes, pessoas bem vestidas, carros e riquesa. Aquelas pessoas eram ricas. Eu não pertencia aquele lugar, então, ir embora foi um alívio.
Eu e Kilorn continuamos conversando a viajem toda, que passou mais rápido do que esperava. Paramos num restaurante, e eles nos pagaram tortas de morango deliciosas. Queriam que confiassemos neles. Até que funcionou. Minha mãe adorou Cal, e foi conversando com ele o resto da viagem. Sabia de várias coisas sobre Cal, agora.
Cal abre a porta para mimha mãe com muito gosto, e meu pai revira os olhos.
— Ele só está sendo educado, pai. - Zombo, com um sorriso. Desço, e fico aliviada pelo cheiro do rio. Estava em casa, agora, pronta para nunca mais voltar a Archenon.
— Palafita é milhões de vezes melhor que Archenon. - Kilorn abre os braços, como se o sol alimentasse seu brilho natural. Era essa expressão para Kilorn: ele brilhava.
— Querem que eu passe as medidas de segurança de novo? - Cal sorri.
— Não! - Grito, imediatamente. Ele já disse as mesmas coisas mais de 2 vezes. Coisas do tipo: "Não saia sozinha a noite. Fique longe de becos." Coisas impossíveis para gente como nós.
— Okay. Mas fique tranquila, eles não sabem quem você é. - Cal diz. Assinto.
— Obrigado, Tiberias. - Meu pai aperta a mão de Cal com força, e ele expreme os olhos. Meu pai odiava pessoas do governo.
— É meu dever, senhor Barrow. Estarei aqui de novo, se precisarem.
— Não vamos, falou, Cal! - Kilorn sorri, nos tirando de perto do carro.
Olho para trás. Ele continuava encostado no carro, com seu uniforme justo e grosso favorecendo seus músculos.
Ele acena.
Eu aceno de volta.
Ele sorri.
Talvez essa seja a última vez que o vejo. É. Calore não me deu motivos para desconfiar dele.
— Ele é muito gato. - Gina solta, olhando pra frente, e eu rio, a dando uma cotovelada. - Não diga que não é.
— Não disse. - Ela ri, e Kilorn revira os olhos.
— Vou contar pro pai de vocês. Vamos ver se ele vai concordar.
— Ciumentoo... - Gisa cantarola, olhando pro céu.
O ignoro. Foco no carro preto que não tenho idéia do nome desaparecendo entre as árvores.
(...)
— Mare, ficamos tão preocupados. - Minha mãe segura minha mão, e eu dou um sorriso grato.
— Não se preocupe mais. Estou segura. - Minha mãe limpa uma lágrima, e Gina nos encara.
— Sério. Mamãe ficou acordada até 5 da manhã, quando Kilorn ligou procurando você.
— Foi nessa hora que surtamos. - Meu pai mistura a mesma sopa no prato, sem sorrir. Ele era um homem inteligente e quieto, estavamos acostumados.
— Uns minutos depois ligaram da delegacia. Uma garota loira te achou sangrando. - Gina continua. - Acho que era Farley, seu nome.
Não. Não podia ser a garota que estava com o menino. Seria coincidência demais.
— Foi tenso. - É a única coisa que consigo dizer, e eles percebem meu desconforto.
— Mas... O que interessa, é que se você precisar conversar, estaremos aqui. - Meu pai ergue a cabeça para me olhar pela primeira vez desde que sentamos na mesa. Estava chateado por não poder ter me salvado. - Você viu a morte. Isso nunca é fácil.
— É. Não é.
A casa segundo eu pensava no garoto. Imaginava como era a vida de Nicolas Shappard. Como era a Guarda Escarlate. Quem eram seus pais. Quem era a garota, que viu a mesma coisa que eu, com dor em dobro. Ela o conhecia. Eu não.
— Bem, vamos mudar de assunto? - Minha mãe sorri, fingindo que não estava abalada.
Naquele momento parei de prestar atenção, perdida em meus próprios pensamentos.
— Vocês conhecem algum Shappard? - Pergunto, com cara de inocente.
— Sim, moram nos limites da cidade, uma palafita no rio. - Meu pai diz. - Servi com o Sr. Shappad.
— Por que?
— Hum, nada não.
Encontraria a família Shappard.
(...)
— Mare, acho que não é saudável você perseguir a família do assassinado. - Kilorn constata, abrindo um sorrisinho.
— É sim. - Dou de ombros.
Caminhávamos com o rio ao nosso lado, entre a mata que nascia livre por toda a cidade.
Minha mãe só me deixou sair de casa, quando Kilorn apareceu. Como se ele pudesse me proteger de algo.
— O que aconteceu no interrogatório? Você não me contou. A menos que não queira.
— Não, tudo bem. Só não tive tempo. Bem... Eles me colocaram no detector de mentiras.
— O que? - Kilorn me olha, sobressalto.
— É. E o próprio General Calore me interrogou.
— Ele não tinha nada melhor pra fazer? - Kilorn ergue uma sobrancelha.
— Acho que não. Aquele garoto era da Guarda Escarlate. - Sussurro a outra parte, e ele arregala os olhos. - Não pode contar a ninguém.
— Pra quem eu contaria? - Ele sorri, ainda desorientado. - Quem o matou?
Dou de ombros.
— Tinha uma garota loira com ele. Ela conseguiu fugir. E depois uma garota loira me encontra e chama a polícia. Coincidência. Ou não.
— Meu Deus, você não está segura aqui. - Kilorn pisca os olhos, atônito. - Se a garota for a loira que você viu, eles sabem de você. Mare, precisamos ligar pra Cal.
— Nunca achei que você falaria isso. - O encaro, andando de costas. - Não viaja. Cal está na capital, uma hora dessas. Vamos até os Shappard.
(...)
Bato três vezes na porta de madeira. Era uma casa caindo aos pedaços. Sua condição era pior que a nossa.
— Senhora Shappard? - Grito, e ouço passos.
— Quem é?
— Sou.. Mare. Barrow.
— Barrow. - Ela repete, destrancando a porta imediatamente. - Foi você que viu meu filho ser morto.
Ela era uma moça de cabelos negros com milhares de fios cinzas caindo sobre o roupão rosa. Seus olhos eram azuis claros como o céu.
— Entre.
Obedecemos. A casa é pior por dentro que por fora. A mesa que era para três lugares, ficava no canto da sala. A geladeira era minúscula e estava no outro cômodo, dividindo-se da sala apenas por um balcãozinho. Uma televisão do tamanho da geladeira estava sobre um móvel escuro, e as três poltronas velhas e floridas estavam de frente para uma mesa com flores.
— Imagino que já tenha dado seu depoimento a polícia. - Polícia. Ela Não sabia dos Ardentes.
— Sim. Eles vão descobrir quem fez isso.
— Espero. - Ela dá um sorriso fraco para esconder a tristeza.
— Esse é o Kilorn, meu amigo.
— Prazer em conhece-la, senhora Shappard.
— O prazer é meu. - Ela se senta no sofá. - Sentem, sentem. Querem café?
Aceitar parecia um crime, dadas as circunstâncias. Negamos, e agradecemos.
— Então, no que posso ajudar?
— Sentimos muito pela perda do seu filho, senhora Shappard. - Kilorn diz. Ela assente, com um sorriso fraco. Lágrimas despontavam dos olhos dela, tanto quanto os meus. Ele coloca a mão em minha perna. - Viemos porque Mare queria conversar com a senhora.
— Isso. Eu insisti para virmos aqui, e espero que não estejamos encomodando.
— De jeito nenhum. Falar do meu filho é sempre bom. - Sua voz falha ao dizer "Filho".
— Certo. Eu... Não consigo dormir. - Solto, e ela faz uma careta e confusa. - Fico imaginando como Nicolas era... O que ele poderia ter sido...
— E sente culpa. - Ela completa, e eu assinto, com os olhos já cheios de lágrimas. - Minha querida, ele nunca culparia você. Estava no lugar errado, na hora errada.
— Como ele era? - Uma lágrima corre, e Kilorn segura minha mão nervosa.
— Ele era maravilhoso. - Ela se levanta, e pega um álbum na estante da televisão. Ficou revirando o álbum todo, a noite toda, provavelmente. - Ele tinha 18. Era um ótimo cozinheiro, um menino muito bom. Era voluntário no abrigo de cachorros de rua. Uma vez, quando ele tinha 14, ele apareceu com 8 filhotinhos numa caixa, queria ficar com eles. E eu disse: "Você não vai ficar com tudo isso". Nicolas tinha um coração enorme.
A cada história que ela contava, me sentia mais leve, mas meu coração só apertava. Agora eu conhecia Nicolas. Doia tanto quanto na mãe dele. Talvez fosse isso que eu buscava: dor. Dor por um garoto que eu vi ser morto. Agora eu sentia a dor dele em minhas mãos. Do garoto que eu deixei ser morto. Por Nicolas Shppard, que não o conhecia pessoalmente, mas agora tinha um pouco de sua vida em minha memória.
Meu pai disse que não é fácil ver alguém morrer. Não é facil, realmente. É impossível de aguentar.
Suas fotos eram difíceis de encarar. Não sei como a mãe dele conaeguia.
No final, abracei sua mãe, e ela despencou em lágrimas. Eu sentia muito.
Quando saimos, Kilorn me deu o abraço mais apertado que pode, esmagando meus ossos como se quisesse lembrar que ele estava ali.
Não ligava pra dor. Ligava só pro abraço.
— Vou estar com você sempre. Vou proteger você.
Agora eu acreditava que ele podia me proteger.
(...)
Eram 3 da manhã, e eu ainda não tinha conseguido fechar os olhos. Cada vez que piscava, via seu rosto de criança numa das fotos. Os olhos enxergavam minha alma.
Rolava para esquerda. Rolava para direita. Levantava e dava uma volta no quarto. Ia até a cozinha e tomava água. Rolava de novo.
Nada que eu fizesse me fazia dormir.
Até que ouço barulhos de motor de carro altos. Ninguém de Palafitas tinha carros assim.
Demoro meio segundo para chegar a janela, onde via nitidamente duas vans pretas e enormes atravessar a estrada de barro.
Iam descendo o rio.
Sra. Shappard.
Não hesito em enfiar um tenis e correr com toda a força lá pra baixo. Piso nas poças de lama com vontade, mas não paro de correr entre as árvores. Eu tinha que chegar. Não podia deixar outra pessoa morrer.
— Mare! - Ouço uma voz familiar que não reconheço de primeira. Não paro. Vou mais rápido.
Meus pulmões queimavam como se tivessem colocado fogo neles, mas continuo. Minhas pernas doiam imensamente. Mas continuo.
Quando chego a casa, eles já entraram. Paro por um segundo, e caio apoiada nas árvores. Não tinha forças para dar um passo. E mesmo assim o faço, mesmo quase caindo.
Quero gritar o nome (o que nem sei) da última Shappard quando a luz de dentro acende. Ouço um pequeno estrondo, e me forço a andar até a parede de madeira da casa.
Escalo a parede apoiando os pés em seus buracos, e os vejo. Estão apontando armas para a senhora Shappard. Ela chora, agarrada ao álbum de Nicolas. Se recusa a responder. Ouço a frase que sai num grito: "onde está Mare Barrow?"
Estou pronta para fazer uma burrada, que é gritar para que a deixem em paz, quando uma mão forte me puxa pelo pescoço.
Caio de pé, mantida parada por um homem enorme com a mão apertando minha nuca.
— Ora ora ora. - Ele sorri maliciosamente. - Mare Barrow.
Meu instinto é dar uma cotovelada em sua barriga. Ele se contorse, e eu viro para correr, quando agarra meu pescoço num movimento rápido.
Engasgo, sem ar. Ele apertava com força. Sentia minha veia do pescoço ser massagada. Ele me tira do chão.
Tento cavar seus dedos, e mais nada passa por minha mente. Eu iria morrer. Não tinha sangue em meu rosto dormente.
Quando seus dedos param de me apertar, e sinto ar de novo. O homem cai, sangrando com um buraco na testa.
Eu só não caio porque braços fortes me seguram. Continuo tossindo, e a pessoa me mantém levantada.
— Você está bem? - Levanto os olhos e vejo Cal.


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