Uma Nova Chance escrita por Arikt


Capítulo 7
Convocação


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Lucy ouvia a voz do professor de matemática, mas não assimilava nada do que ele dizia. A cada piscada que seus olhos davam, seu cérebro caía em um curto período de sono, fazendo sua cabeça escorregar do punho de sua mão para quase cair na mesa, acordando-a com um solavanco. Sorte que era a última aula do dia.

Quando o sinal tocou, levantou-se de sua carteira e foi direto ao banheiro feminino passar uma água no rosto, para ver se conseguia ao menos manter os olhos abertos. Olhou por um instante no espelho. Sua expressão não poderia ser mais adequada para um enterro. Precisava urgentemente dormir.

Saiu para o corredor, mas parou antes de dar três passos. Raito a esperava encostado na parede ao lado da porta. Não parecia estar com um ânimo muito bom.

— Olha só quem apareceu, a bela adormecida! — exclamou ele, com um sarcasmo nítido. — Posso saber por que estava quase babando em todas as aulas, além de chegar atrasada?

Lucy suspirou, cruzando os braços e seguindo o caminho para fora da escola. O amigo a acompanhou.

— Só tive uma noite ruim. Insônia. — respondeu efusivamente, em voz baixa.

— E isso era motivo para sumir no intervalo e não falar comigo? Fiquei chateado.

A garota parou e se virou para trás, fazendo bico.

— Eu não sumi. Estava na sala. Dormindo. E deixe-me adivinhar: você estava com alguma garota. Para que eu ia atrapalhar?

Raito deu de ombros.

— Não estava com ninguém. E mesmo se estivesse, você é mais importante. Enfim, tem tomado seus remédios direito? É difícil você ter insônia em uma noite sem chuva. Está tudo bem? Estou preocupado. Você anda sumida, não vai mais na minha casa, parece mais quieta.

Lucy abaixou os olhos e voltou a andar. A luz do dia doeu em suas vistas cansadas quando saíram ao ar livre.

— Está tudo bem. Eu... Só estive estudando bastante para o vestibular. E... Ficando longe de problemas.

— De problemas você quer dizer... De Kira? De mim? — Ele deu um meio sorriso.

— De certa forma... Eu só não queria dar mais alarde para a polícia. É isso.

— Bem, não posso dizer que você está errada. Desculpe por metê-la nisso. Eu não tinha muitas alternativas.

— Obrigada por se desculpar. Mas, se estão desconfiando de você, logo chegariam a mim. Não é como se eu nunca fosse ser envolvida. — A garota o olhou com um sorriso conformado.

Andaram em silêncio por uns minutos, onde alcançaram o portão de saída para a rua. O dia estava com uma temperatura amena, fazendo com que os dois estivessem vestidos nos casacos do uniforme. Pararam na esquina em que geralmente se separavam.

— Ah, hoje de manhã percebi que retiraram as câmeras de minha casa. Mas ainda acho melhor termos cuidado ao falar, pode ser que tenham deixado escutas. Já na sua casa é provável que ainda estejam filmando. — avisou Raito.

— Vou tomar cuidado. — Lucy falou apenas.

— Quer ir em algum lugar? Tomar um café, assistir um filme? Parece que lançaram uns interessantes essa semana.

— Eu até gostaria, mas sinto que se não dormir vou morrer. Desculpe. — A garota abriu um sorrido cansado. — Mas você pode levar alguma de suas namoradas.

O garoto deu uma risada baixa, acariciando o topo da cabeça da amiga.

— Nos vemos amanhã, então. Qualquer problema, é só me ligar.

Lucy esperou o amigo sumir de vista para voltar a andar, rumando para a estação de metrô. Não se sentia muito satisfeita com aquela situação. Na verdade, não estava com sono porque teve insônia, e sim porque voltara tarde da noite, no dia anterior. Estava mentindo para Raito.

Hideki a levara para conhecer Kyoto, a antiga cidade imperial. De trem, a viagem durava, aproximadamente, três horas e quinze minutos, saindo de Kanagawa. Para aproveitarem bem o dia na cidade, pegaram o transporte às seis da manhã, e chegaram às nove. Andaram o tempo todo, conhecendo as partes turísticas do local, parando apenas para comerem e descansarem uns minutos, logo seguindo novamente.

Era para voltarem às seis da tarde, mas Lucy queria conhecer a vida noturna de lá. Acabaram pegando o trem das onze, acarretando no atraso da chegada. Seu corpo estava dolorido, assim como seus pés e panturrilhas, mas sentia que aquela viagem valera cada minuto. Fazia tempo que não se divertia tanto, e se esquecera por completo do assunto Kira. Por um dia inteiro não lembrou dos problemas.

Fazia três dias que estava saindo com Hideki. Raito não sabia. Lucy levava esses encontros como uma válvula de escape de toda a loucura que o amigo a havia arrumado. Queria manter pelo menos essa parte de sua vida fora de perigo.

Hideki nunca mais mencionou Kira. Os dois falavam sobre diversos assuntos, e ela ficava fascinada com a incrível inteligência do homem. Conversavam sobre coisas supérfluas também, e ele a fazia rir com incrível facilidade. Lucy sentia-se como uma adolescente que conhece o primeiro cara legal da sua vida. Estava feliz, era como se andasse nas nuvens. Desejava, ingenuamente, que isso nunca acabasse.

Chegou em casa, percebendo que ela estava silenciosa. Subiu para o quarto e quase suspirou de alegria ao ver sua cama, tão convidativa. Tirou o uniforme, ficando apenas com as roupas debaixo. Tentou não pensar em quem poderia estar vigiando pelas câmeras. Odiava profundamente aquela situação. Sentia-se em um reality show. Deitou-se e cobriu-se com seu edredom favorito, sentindo aquele delicioso arrepio de lençóis geladinhos passando pela pele. Não tardou a dormir.

***

Acordou com o toque do celular. Assustada, levantou o tronco rapidamente, procurando pelo aparelho no criado mudo. Não estava ali. Não havia tirado da bolsa quando chegou. Levantou-se, sentindo-se zonza e sonolenta, e foi tatear na mochila que carregava para a escola, até encontra-lo.

— Alô? — atendeu com voz rouca.

Olá Lucy. Como está se sentindo?

Era Hideki. A garota abriu um sorriso instantaneamente.

— Oi. Eu estou bem. Estava dormindo. E você?

Desculpe acorda-la, então. Eu também estou bem, mas queria me encontrar com você. Poderíamos nos ver agora?

— Hum... Claro, claro que sim. Onde?

Gostaria de visitar um parque que abriu hoje. Que tal nos encontrarmos no Zoológico Nogeyama?

Pode ser. Estarei lá.

Ótimo. Nos vemos em breve.

Ele desligou. Lucy olhou em volta do quarto, percebendo que já estava escuro. Viu as horas no celular: sete da noite. Dormiu por tempo demais. Inconscientemente, estava ansiosa para o encontro. O que era ridículo em sua opinião, já que eles haviam estado juntos não fazia nem vinte e quatro horas.

Foi acender as luzes, depois rumou para o banheiro, para tomar um belo de um banho para despertar. Ficou se perguntando se ali também haviam câmeras. Ao acabar, foi até o closet para escolher o que vestir. Olhou por uns bons minutos para suas roupas, sem saber o que pegar. “É só um encontro normal, Lucy! Pega qualquer coisa, não é como se ele fosse de se impressionar por roupas!” Pensava, zangada com esse repentino ímpeto de se arrumar.

Acabou escolhendo o básico: calça jeans, uma blusa preta com rendas e uma bota com cano baixo, marrom. Pegou um casaco da cor da bota e uma pequena bolsa preta. Penteou os cabelos cuidadosamente, colocando um arco sem adornos, apenas para segurar os cachos longe do rosto. Olhou-se no espelho. Ainda não estava satisfeita. Seu rosto parecia pálido e sem vida. Pegou um batom rosa e o passou cuidadosamente nos lábios. Ainda estava insatisfeita, mas não podia demorar mais, senão perderia o metrô.

Pegou o celular em cima da cama e tomou o rumo da estação. Desceu no centro da cidade. Até mesmo aquele distrito era movimentado de noite. O Japão nunca parava, era essa a impressão que a garota tinha. Não que a Inglaterra também não fosse movimentada esse horário, mas ali era diferente. Não sabia explicar.

Caminhou calmamente até o Zoológico, observando as luzes da cidade piscarem e as pessoas andarem para cá e para lá, sempre apressadas. Era o melhor período do dia, na opinião dela.

Encontrou Hideki sentado em um banco, com as pernas em cima do assento e um pequeno livro em mãos. Parecia absorto na leitura. Aproximou-se lentamente dele, sem fazer barulho.

— Então você sabia que eu ia chegar depois, por isso trouxe um livro para se distrair?

Hideki levantou a cabeça, procurando a origem da voz, e abriu um sorriso simpático quando viu Lucy.

— Olá, senhorita. Na verdade, eu sempre gosto de andar com algum livro. Você está muito bonita.

A garota coçou a nuca, corando levemente.

— Obrigada. Então, onde é esse parque?

Ele apontou para trás, e Lucy olhou. Havia uma Roda Gigante despontando acima das árvores, acesa e funcionando, toda colorida.

— Hum, parece divertido. Faz um tempo em que não vou a um parque de diversões.

— Eu nunca fui em um. — murmurou o homem, parecendo amuado.

A garota o encarou surpresa, abrindo um doce sorriso.

— Bem, então vamos mudar isso hoje.

Ele se levantou, espreguiçando-se.

— Quero comer algodão doce. — Ele dobrou o braço esquerdo e o ofereceu a ela. — Me dá a honra de ser minha acompanhante nessa descoberta?

Ela riu, segurando o braço que lhe era estendido.

— Com todo o prazer do mundo, senhor.

O parque estava cheio. Muitas crianças corriam para lá e para cá, e casais faziam seus tranquilos passeios pelas barraquinhas de comida. Grupos de amigos adolescentes se divertiam nos brinquedos. Lucy adorava parques. Aquelas luzes amareladas deixavam tudo mais bonito, e as cores desbotadas das barracas e dos prêmios davam um ar de nostalgia.

Compraram dois algodões doces de um palhaço simpático. Hideki quis um branco, e Lucy pegou um azul. Comeram em silêncio, a garota observando as reações do homem ao sentir o gosto do doce. Ele engoliu tudo em tempo recorde, e logo já estava comprando outro.

— Acho que vou comprar uma máquina que faça isso. É açúcar e é colorido, melhor combinação impossível. — comentou, também comendo o segundo algodão na velocidade da luz.

— Alguém já te avisou que você vai ficar diabético? — Ela perguntou, com uma expressão de preocupação.

— Já. Mas eu gasto trabalhando bem o cérebro, então não acontecerá.

A garota deu uma risada baixa. Excêntrico. Olhou para o lado e viu uma barraquinha de tiro ao alvo, com vários brindes bonitos e, em sua maioria, inúteis. A atração que Raito mais gostava. Sentiu vontade de experimentar.

— Vem, vamos dar uns tiros.

Puxou o companheiro para frente da barraca, onde um atendente muito sorridente veio ao encontro deles.

— Olá, moça bonita! — Ele cumprimentou. — Cinco yen e a senhorita tem direito a dois tiros! Se acertar no alvo, ganha o prêmio que preferir. Querem tentar, você e seu namorado?

Lucy corou e riu ao ouvir a palavra namorado e olhou para Hideki, que parecia não ter prestado atenção – ou não ligado. Ele tirou uma moeda de dez yen do bolso e deu ao homem, sem dizer nada. Este entregou uma pequena pistola nas mãos dele, que a deu para a garota.

— Damas primeiro. — disse, dando um passo para trás.

Ela sorriu em agradecimento, mirando acima das prateleiras de brindes. Na verdade, nunca tinha sido boa de mira. Respirou fundo, apontando a arma para o alvo. Demorou alguns segundos e apertou o gatilho. O barulho a assustou um pouco, fazendo a arma desviar e a bala acertar quase no final da placa.

Torceu o nariz, insatisfeita com o parco desempenho.

— Para alguém que parecia tão animada querendo atirar, imaginei mais talento. — provocou Hideki, juntando as mãos nas costas e olhando para o painel mal acertado.

— Oras, se está reclamando, por que não faz melhor? ­— Lucy estava vermelha como um pimentão. Sentiu um misto de vergonha e aborrecimento com a brincadeira do outro.

Ele pegou a arma da mão dela, deixando o braço reto, o corpo de lado. Parecia relaxado, embora sua expressão fosse concentrada. Atirou duas vezes, acertando no meio quase que perfeitamente. Esse ato chamou a atenção de quem estava em volta, fazendo todos começarem a cochichar em admiração. Lucy estava boquiaberta.

— Onde você aprendeu a atirar assim? — perguntou, olhando-o espantada.

— Servi um tempo no exército, então tive que aprender.

― Justo. Mas não pense que isso me intimida. Vou acertar o próximo. ― disse a garota em tom de desafio, pegando a pistola novamente, mirando o alvo com determinação.

― Espera, do jeito que está fazendo você não vai conseguir nunca. Deixa eu te ajudar. ― Hideki chegou mais perto do corpo de Lucy, encostando em suas costas. Pegou em sua mão esquerda e a fez segurar a arma com as duas mãos. ― Assim você tem mais estabilidade. Agora coloca o pé direito na frente, e apoia o peso do corpo nele. Nunca feche um olho, a não ser que tenha um binóculo para mira. Melhor. Não deixe o braço solto, o recuo da arma vai fazer a bala desviar se ele não estiver firme o suficiente. Isso, pode atirar agora.

Lucy tentou se concentrar, mas não conseguia deixar de notar o quanto o corpo dele estava próximo do seu. E aquela voz sussurrando perto de seu ouvido... Brava pelos seus pensamentos impróprios, forçou-se a prestar atenção no alvo. Fez uma careta determinada e atirou. Dessa vez chegou bem próximo do centro.

Virou-se para trás e deu um abraço animado em Hideki, feliz por ter tido sucesso. Notou que ele parecia encabulado e o largou, corando.

― O-obrigada. ― murmurou, dando um sorriso envergonhado.

― E então, senhor? O que vai escolher? Você acertou os dois tiros! ― O atendente da barraquinha interrompeu o clima constrangedor com sua voz grossa.

― Bem... O que você prefere, Lucy? Pode escolher o que quiser.

A garota não queria nada, na verdade. Só de estar ali com ele estava mais que satisfeita. Mas, para não fazer desfeita, acabou escolhendo uma pequena foca de pelúcia.

― Você gosta de focas? ― perguntou Hideki, enquanto se afastavam para um lugar mais calmo.

― Gosto. Acho-as fofinhas ― respondeu, apertando feliz sua pelúcia. ― E então, onde quer ir agora? Podemos andar na roda-gigante. A vista é realmente bonita e romântica de lá de cima.

Se encararam por uns segundos. A ficha de Lucy caiu sobre o que ela havia dito. Corou até a raiz dos cabelos, desviando o olhar. O que diabos estava pensando, falando sobre romance assim, de um modo tão despreocupado? Quis arrancar os próprios cabelos.

― Acho que prefiro ir nos outros brinquedos primeiro. Podemos ir nela por último, o que acha? Assim acabamos o passeio de um modo mais tranquilo. ― A voz dele era calma, não parecia ter achado nenhum significado estranho na fala dela.

― Ah, t-tem razão. ― concordou, dando uma risada envergonhada. ― Vamos na montanha russa, então, enquanto estamos de barriga vazia.

Começou a andar na frente dele, tentando disfarçar seu acanhamento. Por sorte, era fácil se descontrair na presença de Hideki. Depois de algum tempo Lucy já estava falando normalmente, apenas aproveitando a noite.

Foram em quase todos os brinquedos do parque, e até repetiram alguns, os que Hideki mais gostou. Pararam para comer e a garota relatou um pouco de sua rotina na escola, reclamando de alguns professores e dos alunos. Parecia que ele gostava de ouvi-la falar.

Assistiram a um espetáculo de comédia com palhaços, mas nada fez Lucy rir mais do que ver Hideki montado em um unicórnio do carrossel. Queria ter tirado uma foto, mas foi estritamente proibida por ele de fazer isso.

Como combinado, a última atração foi a Roda Gigante. A vergonha de mais cedo voltou a se instalar em Lucy. Não queria admitir, mas estava nervosa. Para muitos casais, aquele momento era sempre o mais especial, e ainda por cima havia pedido para o maquinista parar a cabine deles no topo, para que Hideki pudesse apreciar a vista da cidade.

Não que eles fossem um casal. Sabia que estavam longe disso. Mas, mesmo assim, não conseguia conter esses estranhos pensamentos enquanto entravam no diminuto espaço e o brinquedo começava a funcionar.

Ficaram em silêncio durante a lenta subida, cada um perdido em seus próprios mundos interiores. A garota sentia as mãos suadas e frias. Esteve com ele a noite toda, mas sentia que naquele momento algo era diferente. Respirou fundo, tentando se acalmar. “É tudo coisa da sua cabeça, que tal parar de criar expectativas?”

A Roda Gigante parou. A cabine estava inundada em penumbra, e as luzes da cidade eram vívidas e brilhantes. Os carros pareciam de brinquedo lá embaixo, assim como as pessoas.

― Realmente, muito bonita. ― A voz morna e calma dele atingiu os ouvidos de Lucy, fazendo-a levantar o rosto e revelar as bochechas coradas.

― Perdão?

― A vista. Você tem razão. É realmente bonita. ― Hideki a encarava ao falar isso.

― Ah, claro. Eu sempre frequentei muitos parques de diversão com Raito, então sempre pude admirar a cidade assim. ― Lucy desviou seu olhar dele, fixando-o nos aglomerados de edifícios. ― Eu senti falta disso. Quando estou aqui em cima, é como se... Só existisse eu no mundo todo. Mas isso não me faz sentir sozinha. É uma sensação... Reconfortante.

― Acho que consigo compreende-la. De certa forma, me sinto assim também. Mas, agora, sinto que compartilho desse mundo inabitado com você.

A garota abriu um genuíno sorriso, voltando a encara-lo. Parecia uma ótima perspectiva, ter o mundo apenas para ela e ele.

― É uma honra tê-lo como parceiro. ― sussurrou docemente.

― Bem, então nesse cenário onde só nós dois existimos, aproveitando que mais ninguém saberá disso, quero te contar um segredo.

O tom da voz de Hideki ficou sério, quase formal. Lucy franziu o cenho, sem entender essa mudança repentina.

― O que é?

― Eu sou L.

 A garota continuou do modo como estava, assimilando lentamente as palavras dele. Depois de alguns segundos atônita, começou a rir, tanto de nervoso quanto de incredulidade.

― Olha, eu não acho esse tipo de brincadeira engraçado.

― Eu não estou brincando.

Ela parou de rir diante da seriedade que ele emanava. Mas não podia acreditar. Perscrutou-lhe todo o rosto, tentando distinguir algum sinal que entregasse a mentira, mas não havia nada. Hideki estava falando sério.

Lucy começou a tremer levemente, sendo invadida pelo medo e pela raiva ao mesmo tempo. L? Como acreditar naquilo? Tinha que ser uma pegadinha.

― E por que está me contando isso? Por que se revelar agora, se realmente for verdade? ― Tentou manter a voz calma enquanto falava.

― Eu já tinha intenções de me revelar a você há algum tempo, mas primeiro precisava checar se não estaria em grande perigo se o fizesse. Nossas conversas durante esses dias acabaram por tirar um pouco do meu receio.

― Não... Não pode ser verdade. Você está louco! ― A garota quase gritou na última palavra.

― Quer que eu prove? Coloquei câmeras na casa de seu amigo, Raito Yagami, por suspeitar que Kira estivesse entre as famílias dos policiais superiores que estavam cuidando desse caso, pelo vazamento de informações confidenciais. Ao pesquisar um pouco sobre você, descobri sua conexão com Raito e decidi implantar as câmeras em sua casa, também. Eu vi sua confissão de que conhece Kira.

Lucy não conseguia tirar seus olhos dele, fitando-o com uma raiva incandescente. Suas mãos fecharam-se em torno da foca de pelúcia que ainda segurava, as unhas quase se enfiando no tecido. Sentia a cabine quente e abafada, tendo que acelerar a respiração para não sufocar. Aquilo não podia estar acontecendo, não com ela! Maldita a hora que concordara em ajudar Raito!

― Oh, você não parece surpresa com a informação sobre as câmeras. Isso não te incomoda? Ou será que você já sabia, e por isso fez aquela cena com o senhor Yagami, para tentar inocentá-lo? ― Hideki ficou pensativo, colocando o dedão entre os dentes. ― Se bem que eu já tinha essa hipótese em mente...

Então de nada adiantara aquele teatrinho ridículo. Ela não sabia o que dizer, mas tinha que ser rápida no raciocínio, mesmo que sua vontade agora fosse de chorar e bater naquele homem. Fugir estava fora de cogitação, pois estavam a muitos metros do solo firme.

― O que espera que eu faça quanto a isso? ― retrucou, olhando para baixo. O tremor de seu corpo havia aumentado junto com o nervosismo. ― Eu já estou chocada o bastante por saber que mentiu para mim durante todo esse tempo!

Lucy já sabia que estava sob a mira de L, e que eventualmente a polícia iria contatá-la. Não era isso que a estava deixando daquela forma. O fato de ter sido usada por alguém em quem ela acreditou que a atingia. Sim, não havia dúvidas que ele era o detetive, pois ninguém mais além dela e de Raito, fora da investigação, sabia das câmeras. Mas por que ele tinha que ser logo Hideki?

― Então o que a afeta é eu ter escondido minha identidade? Lucy, você tem noção que eu posso prendê-la por ser cumplice de um assassino?

― Não me chame de Lucy! ― Agora ela realmente havia gritado. Jogou a pelúcia com toda a força no homem, fazendo-o encolher-se. Não conseguiu mais conter as lágrimas. ― Tudo... Tudo isso, até agora, foi uma atuação sua para me fazer confiar em você, gostar de você! Eu comecei a gostar de você, Ryuga! Teria sido menos cruel se tivesse me torturado... ― escondeu o rosto entre as mãos, soluçando. ― Se quer me prender, o faça logo! Aproveite que estamos sozinhos nessa maldita cabine... E que eu posso ser sua agora.

― Acha mesmo que eu seria capaz de mentir tanto? ― Se Lucy pudesse ver suas feições nesse momento, perceberia que ele havia corado e que parecia aborrecido. Pegou a foca do chão, suspirando. ― A única coisa que ocultei foi quem eu realmente sou. De resto... Eu apreciei sua companhia. E teria de bom grado continuado saindo com você para usufruir mais dela. Se é isso que te incomoda, eu te vejo como uma amiga, senhorita Chinatsu. Também gosto de você. Eu estar investigando sua relação com Kira não me impede de olha-la com bons olhos.

Essas palavras a fizeram voltar um pouco a si. Mas, como confiaria que elas eram verdadeiras? Só conseguia pensar que ele tinha feito tudo aquilo apenas para conseguir a afeição dela. Para, no final, ela escolher L a Kira. Nada poderia machuca-la mais que isso.

Conseguiu erguer a cabeça novamente e o encarar, mesmo que seus olhos estivessem anuviados pelo choro.

― E o que quer de mim? Não tem medo de eu contar a Kira que me contatou? ― A voz dela estava embargada. ― Vai mesmo me prender?

― Não, não irei te prender. Eu disse que posso, não que irei. Se eu tenho medo de você contar a Kira? Tenho, mas estou apostando nas dúvidas que tem em sua fé nele. Afinal, dessa forma estaria colocando em risco o único jeito de pará-lo, não é? E você me conhecer não é exatamente uma ameaça, já que não sabe meu nome verdadeiro. ― Hideki deu um pequeno sorriso. ― Na verdade, quero te fazer uma proposta.

― Pro-proposta? ― murmurou Lucy, absorta nas palavras dele.

― Sim. Quero que entre para a equipe de investigação.

Ela esperava tudo, menos isso. Entrar para a investigação? O que ele estava planejando?

― Se acha que vou cooperar, está enganado. Não vou falar para Kira sobre você, na verdade ninguém tem ciência de nossos encontros, mas isso também se aplica a ele. Você pode ter descoberto que conheço a identidade de Kira, mas não saberá mais do que isso.

― Imaginei que diria algo assim. Não esperava que me ajudasse. Estou te pedindo isso, pois assim fica fácil de manter a vigilância sobre você sem atrair a atenção de Kira, o que seria inevitável com sua prisão.

Lucy suspirou, apoiando a cabeça no vidro da janela, sentindo-se exausta. Cruzou os braços enquanto ponderava.

― Tudo bem, vou aceitar. ― murmurou, desanimada. Toda a felicidade que irradiava no começo da noite desaparecera.

Hideki fez uma expressão de contentamento.

― Ótimo. Mas peço que não comente sobre isso com ninguém, nem mesmo com Raito. Afinal, ele ainda é um suspeito. Sei que não vai ser difícil para você guardar segredo, já que vinha mantendo nossos encontros às escondidas.

A Roda Gigante finalmente começou a descer. Lucy não respondeu ao último pedido dele, mas encarou-o até estarem seguros no chão. Era como se estivesse conversando com uma nova pessoa. Seu amigo Hideki não existia. Mais uma vez, algo que lhe dava alegria lhe era tirado, sem dó. Imaginava quanto mais disso poderia aguentar.

Enquanto saíam do parque, ele lhe estendeu a pelúcia, um pouco receoso.

― Peço perdão por tê-la feito se sentir dessa forma. Não queria magoa-la. Sei que está pensando que a usei. Talvez tenha feito isso mesmo, mas eu realmente a aprecio. Se eu não confiasse em você, não teria dito quem eu sou, não é?

Lucy ficou por uns segundos o olhando. Ele estava mesmo sendo sincero? Pegou a pelúcia de volta, confusa sobre o que pensar.

― Bem, então bem vinda à investigação contra Kira, senhorita Chinatsu. Vai ser um prazer trabalhar ao seu lado.


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