Nuvens em Espiral escrita por Juu Seikou


Capítulo 1
Nuvens em Espiral


Notas iniciais do capítulo

Divirtam-se, espero que tudo acabe certinho :3
Gosto de ouvir/ler opiniões ehehe adoraria que me dissesse o que achou ^^



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Era de manhã. As nuvens maciças e pesadas envolviam a terra como uma manta, bem fofa, macia, aconchegante. Olhar para aquele céu nublado passava-lhe a sensação exata de frio que gostava, não tinha como um céu ser mais perfeito. No entanto, sua cama estava seca e quentinha com aqueles dois cobertores; sua gata roncava leve e gostosamente, isso era tudo o que importava naquele momento. Ou quase.

Porque uma fominha começava a cutucar-lhe, tentando empurrá-la para fora da cama — e já fazia isso devagarinho. No entanto, a preguiça era pesada, a posição, confortável… Além disso, estava falando com uma pessoa importante no telefone, trocando mensagens, melhor dizendo. Era a sua melhor amiga, aquela que conquistara o pedaço especial do seu coração… É, Maria sabia que a “amiga” já era oficialmente um termo que não expressava o suficiente para descrever a relação entre as duas, mas achava fofo demais pensar nela como uma amiga, além de tudo o que já era. Mas, com certeza, nenhuma das duas se importava em evidenciar que já tinham ultrapassado o limite da amizade, pelo menos, não em público. Estavam bem assim.

Sua gata deu um leve suspiro ao acordar. Subiu na cama, entrou na coberta, aninhou-se ao lado de Maria, só a cabeça para fora pela lateral dos panos. Seu carinho felino era quase palpável. Aí é que resolveu que não sairia da cama. Mandou um áudio com voz melosa para Angelina, combinando uma ida à pizzaria aquela noite, algo bem de improviso mesmo. Como resposta, recebeu uma foto apenas dos lábios dela, curvados em um sorriso gentil. O dia mal começara e já estava tão bom…

Do outro lado da cidade, no entanto, o dia começava bastante complicado — para não condenar com um “mal” logo tão cedo. Angelina, ao contrário de Maria, acordou cedo assim porque tinha um curso a ir, o que já ajudava a desanimar. E sua mãe levantara com vontade de brigar aquele dia. Quando se recusara a parar de falar com Maria e ainda mandou-lhe uma foto, ah, foi a última gota, a desculpa que Edith precisava para tomar o celular da garota — ver aquela foto e outras mais. Não é como se Angelina já não fosse maior de idade e, mesmo assim, não é como se estivessem trocando fotos totalmente indecentes no dia anterior. Eram apenas poses sugestivas e interessantes.

Mas

Estava ferrada, sabia disso. “Dona Edith” e sua “vida perfeita” não podiam tolerar safadezas, muito menos safadezas homossexuais. Era o fim da picada para ela, a morte como uma mãe fracassada. E, se pensava assim, talvez fosse mesmo, era o que achava sua filha. Não prestou atenção — nem ia — ao chilique da mãe. Quanto mais ela esfregava aquelas fotos na sua cara, mais ela gostava e abstraía, porque a vontade era mesmo de ficar olhando as fotos e esquecer do resto. Foi o que fez. Quando “Dona Edith” viu — finalmente ela se deu conta, finalmente! — que não adiantava nada daquilo, a garota se levantou, pegou a mala e abriu a porta de casa antes que ficasse atrasada de verdade. Porém ainda doía. O fato de não poder ser a Angelina de verdade na frente da sua mãe, e adotar aquela atitude grosseira não era mais que um jeito de esconder o tanto de lágrimas que marcaram o caminho até o curso.

Infelizmente

Só se lembrou que deixara o celular com a mãe quando a aula já começara.

Puta

Merda.

Rezava para “Dona Edith” e Maria se darem melhor que o esperado.

Mandou mais um áudio desejando boa sorte no curso e se agarrou ao travesseiro, tentando se aquecer um pouco mais e ficar ainda mais confortável antes de realmente sair da cama. Por melhor que estivesse, realmente não dava para ignorar a fome crescendo a cada segundo. Acendeu o celular para conferir se tinha recebido alguma resposta, mas a única notificação era de uma cantora que seguia, ela estava ao vivo, possivelmente contando alguma novidade para os fãs. Sentiu uma coisinha peludinha se arrastando cama acima pelas cobertas até sair bem na sua cara.

— Pipinha — fez um carinho gentil no rosto da gata e recebeu um ronronado baixinho como resposta. — Que tal se a gente levantasse e fosse comer alguma coisa, hein?

A gata deu uma leve lambida no nariz da garota e foi para onde devia estar o travesseiro, agora bastante torto. Maria se sentou na cama, deu um longo bocejo; olhou de novo pela janela. Odiava do fundo do coração aquelas redinhas que a irmã pusera ali “para a nossa segurança. Sem falar na coitada da gata.” Ela até entendia… mas não gostava um nada daquelas bodeguinhas, aquelas linhas do mal atrapalhando a visão do céu. Suspirou e deu um beijo na gata.

Se pôs em pé e foi até a cozinha, onde colocou um pedaço da mesa para poder tomar o seu café-da-manhã. Leite, torrada, geleia, um pãozinho. Uma fruta era tudo o que faltava e, a despeito da grande variedade que tinha para escolher, pegou uma banana mesmo, que comeu antes de tudo. Um café-da-manhã nutritivo e simples, era justamente o que mais gostava. Talvez a melhor parte de cada dia.

Angelina ainda não tinha respondido. Ficou um tanto frustrada, mas não por muito tempo, claro. Sabia que a mãe dela não era uma criatura fácil, bem provavelmente começou a implicar com alguma coisa de novo e a mandou direto para o curso — do jeito super “gentil” de “Dona Edith”… como sempre. Irritante. Ficava extremamente chateada por Angelina muitas vezes. Nessas horas era que agradecia por não ter esse tipo de complicação, nenhuma das irmãs eram maldosas daquele jeito. Na verdade, nesses últimos tempos, estavam sendo tão boazinhas que nem rixa de irmãs tinha acontecido, aquilo estava virando algo realmente raro. Estranho… bom, mas estranho. Precisava achar uma coisa para implicar assim que Glória voltasse para casa. A louça, com certeza, a louça… ia ser engraçado.

Levou o prato para a pia, deu uma olhada na caixinha de areia, tudo estava tranquilo. Tranquilo. Tranquilo, tranquilo, t r a n q u i l o, t r a n q u i l o, t  r  a  n  q  u  i  l  o  o …  Plena quarta-feira e nada para fazer, pelo menos, até de noite. Parou no corredor entre a sala e os quartos. Pegou o celular do bolso do casaco para tirar a foto mais bonita e fofinha que conseguisse para Angelina, enviou e finalmente entrou no quarto do fundo. Um sofá azul e largo, uma televisão na altura dos olhos e um console. Era bem onde queria fazer nada. Um “nada” ao estilo “férias”. Os melhores “nadas” com os melhores jogos; desde de corrida até de resolver mistérios bestas com o patão do Duck Dodgers. Ali, podia abstrair, pensar no que e como quisesse, sem obrigação alguma com ninguém, era só apertar alguns botões e relaxar. Santa paz, aquilo fazia mais bem que qualquer sessão de meditação que Angelina pedia para a acompanhar. Finalmente o jogo começou e sentia-se horrível por nem se lembrar de onde tinha parado. Esse era o problema de ter todo aquele tempo entre umas férias e outras, o ritmo do jogo ficava totalmente quebrado e, ela, enferrujada; triste. Queria mais tempo de jogo!

Deixou o controle de lado e pegou seu caderninho de anotações para se lembrar quais as melhores sequências e decidir que personagem deveria pegar. Leu, leu, releu, aquilo não era fácil, todos pareciam tentadores… Todos os personagens de que ela gostava, claro. Precisava de um chá… chá de erva-cidreira. Levantou-se e foi fazer. Pipinha seguiu atrás, miando como se dissesse para se decidir em qual cômodo queria ficar. Ela realmente não estavam tão ativa quando a dona naquele dia. Mas ainda queria fazer companhia. Maria se abaixou para beijá-la e dar um carinhosinho atrás da orelhinha fofa e pretinha dela. Ganhou mais uma lambida em troca.

— Já falei que eu amo essas lambidinhas? Você fica muito fofa quando faz essa carinha para me lamber, sua pequena… Hum! Coisa linda! — Deu mais um beijo nela.

Em dez minutos o chá ficou pronto — bem docinho — ela finalmente pôde voltar para sua pequena sala de jogos. Pegou a cama da Pipinha, pôs na almofada do lado e abstraiu novamente. Estava pensando em como os atores são cheios de se achar o máximo mesmo com todo um baita discurso bacana, bonito e solidário… Até parece que não podiam simplesmente inventar um personagem para ficar bem na mídia e com as pessoas do mercado e, mesmo assim, serem completamente diferentes por dentro. Talvez fosse por isso que alguns atores eram pegos fazendo coisas horríveis, estranhas, se drogando ou causando escândalo de vez em quando… afinal, atuar é a vida deles e nem seria preciso muito esforço para manter um personagem bonzinho, já que uma pessoa mais ou menos santa já estaria de bom tamanho. A não ser que a pessoa fosse realmente muito má e descontrolada, alguém tipo a Cruela, toda desvairada e virada no ódio. Não conseguiu segurar a risada nessa; nossa, tinha sido horrível. Tá, talvez nem todo ator ou atriz fosse uma criatura megera e fingida, mas, realmente, nunca dava para ter certeza, dava? Por isso gostava dos cantores, compositores, era possível sentir nas vibrações da canção e da letra como cada pessoa era ou estava naquele momento e dizer claramente quem era bom, mau, indeciso, jogado na vida… A não ser que fosse a Hatsune Miku, aí realmente complicava um pouco…

Pipinha saiu de sua pequena cama e desceu do sofá, indo em direção à cozinha. Logo voltou miando e encarando Maria, que respirou fundo e continuou jogando. Simplesmente não dava para pausar agora, era a quinta vez que estava tentando passar do chefão e mesmo usando a velha técnica de “pensando nada com nada” não estava dando certo. Mas estava com um bom pressentimento, tinha ido mais longe daquela que nas outras vezes, sentia estar quase lá. Pipinha subiu no sofá e miou mais uma vez, se jogando no meio dos braços dela, caindo bem no colo e quase a fazendo morrer mais uma vez. Mas Maria não tinha tempo nem de olhar com cara feia para a gata, sua vida estava por um fio e rezava para alguma coisa a salvar ou teria que ficar se esquivando para sempre. Pipinha se ergue e apoiou as patas no peito dela.

— Calma — falou rapidamente e piscou logo em seguida, uma piscada dura e concentrada. — Calma, dois segundos, já vi. Ah! Tá, já era. Morrida. — Levantou-se e deixou o controle na caminha ao lado. — Vamos te dar comida, pessoinha!

E foi encher o pote de ração, que foi imediatamente atacado. Maria deu um sorriso de canto de boca e pensou que Angelina teria rido muito vendo aquela cena toda, até porque seu gato jamais faria uma coisa dessas. Pegou o celular para anotar que precisava falar isso. Só esperava que se lembrasse de olhar a nota! Achou melhor mandar uma mensagem para não esquecer. “Tenho que te falar uma coisa depois, não me deixa esquecer”, foi o que escreveu. Angelina ia ficar curiosa e já vir perguntando, assim que chegasse para irem jantar.

Abriu de novo a foto do sorriso dela, uma boca tão bonita e cheia. Sempre dizia que ela tinha o sorriso mais expressivo que já vira. Desenhou os lábios com o dedo no celular. Essa noite ia ser bastante especial. Mal tinham se visto semana passada, só um dia, os outros, só por celular mesmo… o que era absolutamente insuficiente quando ela queria deitar em um colo e ficar. Nossa, como ela era carente!  Riu sozinha de novo e Pipinha se assustou um pouco.

“Uma semana sem ver ela, nossa, quanto! Vou até me jogar no chão e fazer birra agora.” Voltou rindo para o seu videogame.

O celular vibrou logo em seguida. Aquela irritantemente longa vibração dele. Era José mandando mensagem, perguntando se podiam se encontrar no domingo. Na verdade, a mensagem em si não foi tão explicativa assim. “Tá de boas domingo?” não era exatamente explícito, mas ela tinha entendido. Ah, ele era uma pessoa tão difícil de falar pelo celular, até doía! E ainda era o que mais vinha puxar assunto, no privado, nos grupos, montando grupos, falando coisas monossilábicas nada a ver… “Sim, tá tranquilo. Tem algum plano para a gente fazer já?”, respondeu.

“Abriu uma nova esfiharia lá no Akima.” Maria abriu um sorriso meio do mal. Loucos por esfiharias. Isso definitivamente devia ser um hobbie de gente rica, não de sete criaturas que mal tinham dinheiro para o metrô — também chamadas de “rodinha de amigos da Maria”. Bom… Na verdade, ela estava tranquila, tinha uma namorada rica, ha ha.

“Fechô.”

“Vou jogar no grupo.”

“É, vamos ver quem aceita ir. Talvez a Laura não se anime muito com a ideia.”

“?”

“Ah, ela me disse que já gastou um bocado essa semana. Não sei se rola para ela.”

E ficou sem resposta. José visualizou, sumiu. Depois de esperar um pouco com a tela na cara e notar que ele tinha morrido ali, ela finalmente guardou o celular de volta no lugar e decidiu lavar a louça para poder implicar com Glória mais tarde… e jogar de consciência tranquila, detestava louça acumulada das refeições. Apesar de que nem era tanta assim, dando uma olhada por cima, não era mais que cinco coisas na pia! E mais um copo escondido no quarto da irmã. “E o meu do chá. Eita, a gente tem probleminha de deixar os copos em qualquer lugar!”, reclamou em pensamento.

Lavou tudo o mais rápido que pôde e deixou escorrendo na pia para que secasse sozinho. Voltou a sentar no sofá e jogar. O tempo passou e a fase não, ela se irritou e foi arrumar outra coisa para fazer. Olhou as horas e estranhou que ainda não tinha mensagem de Angelina. Já era hora de ela estar voltando para casa, no mínimo. Mandou uma pequena frase perguntando dela para ver se, recebendo notificação, Angelina dava algum sinal de vida. E lá se foram mais uns minutos olhando o celular em pleno silêncio, pensando muita coisa ao mesmo tempo, a visão completamente desfocada.

Quando finalmente voltou para a realidade e enxergou de fato as coisas no celular para mandar mais uma mensagem, notou que a sua última não tinha chego ainda para ela. Resolveu desconectar e reconectar a sua internet, às vezes funcionava, ajudava a chegar. Mandou outra mensagem para ter certeza de que tinha se conectado. E, sim, estava devidamente sintonizada à internet. Ela, Angelina, não. Respirou fundo e passou as mãos pelos cabelos, desde a testa até o finzinho do último fio, descendo os dedos pela lateral do corpo com uma certa pressão, para evitar que já começasse a ficar tensa sem motivo algum. Esticou as pernas e tocou os pés, voltou e fez o arco oposto também, de um jeito meio desleixado. Conferiu o status das mensagens de novo; nada.

Bom, Angelina sempre dizia que, se sentisse que ia ficar tensa e ansiosa, não importava o quê, podia e devia ligar. Mas esperou mais dez minutos, para dar justo a hora em que sua amada geralmente chegava em casa. Nada de a sua mensagem chegar, nada de mensagens dela virem… era hora de ligar.

Tocou, tocou… Beethoven teria feito uma sinfonia naquele tempo todo de espera, mas Angelina não atendeu. Ligou de novo. De novo. Mais uma vez.

Angelina estava bastante feliz rindo das piadas de Felipe enquanto esperavam pelo ônibus. Porém, ainda restava aquela pontinha de preocupação, aquela cutucada do seu inconsciente de que ter deixado o celular em casa não tinha sido o mais simples dos erros. Ignorou. Continuou comentando o caso do cachorro que tinha seguido o amigo até em casa — e estavam no maior pique.

Seu ônibus chegou e ela se despediu, localizando de imediato um lugar para sentar, assim que entrou. Automaticamente procurou pela milésima vez no dia o celular com os fones para ouvir uma música e se distrair.

Mas né

Suspirou. Se pegou fazendo uma das técnicas de Maria para se acalmar, que era massagear os joelhos e fazer uma boa dose de pressão com as costas das mãos nas coxas. Tinha pensado em outra, em que passava a mão pelo tronco e tocava os pés, mas não quis chamar tanta atenção assim num ônibus.

O jeito era abstrair com a paisagem mesmo e se deixar levar pelos solavancos do ônibus. Uma mulher se sentou ao seu lado e ela teve a impressão de ter ganhado um cumprimento, mas estava muito mergulhada nos pensamentos sobre o que ia acontecer quando falasse com Maria, por isso, não reagiu na hora. Como também não tinha certeza se a moça falara de verdade, achou melhor não “responder” nada, mesmo se sentindo um pouco mal.

Atravessou dois bairros tensa por não ter nada que a distraísse e finalmente chegou no seu ponto; de lá, em casa. Atravessou o portão da garagem, abriu a porta da sala e deu um oi para a mãe.

Um oi sem resposta.

Entrou e se trocou, deixou a mala no fundo do quarto, no canto em que o guarda-roupa encostava a parede, se jogando direto na cama por uns dez minutos antes de voltar para encarar “Dona Edith”. Só sentiu o macio sob suas costas nuas e inspirou o ar gelado. Resolveu se vestir para não ficar resfriada e deitou novamente. Fechou os olhos e imaginou com toda a sua força e com o máximo de detalhes o rosto da Maria. Lábios, testa, cabelos compridos, as orelhas delicadas com um piercing, o nariz fino e ligeiramente comprido, olhos castanho-claros, mas ainda assim de um tom bem raro. Bochechas sempre pálidas… suspirou. Bufou e gritou:

— Mãe! — Saiu da cama meio de lado, com vontade nenhuma de ir até a sala, desceu as escadas, mole. — Mãe. Acho que deixei meu celular aqui em casa, cadê ele?

— Ah, está ali na mesa da sala de jantar — olhou casualmente para ela, sem deixar de olhar por muito tempo para a televisão.

— Obrigada.

Subiu os dois degraus que separavam as duas salas, pegou com rapidez o telefone e se atirou escada acima de novo. Deitou mais uma vez, de braços abertos e o cabelo se emaranhando um bocado debaixo da cabeça. Desbloqueou o celular e foi direto para o chat ver se tinha alguma mensagem de Maria. Nenhuma. Quando finalmente olhou para a barrinha superior, notou o símbolo do chip aparecendo do lado do wi-fi. Puxou a barra e apareceu a notificação “Insira SIM chip”. Sacanagem.

Virou o celular, abriu-o.

Bom. Com certeza, sem chip ele estava. Não ia começar uma briga, hoje não era dia para isso. Resolveu ser tranquila e levar numa boa. Esperava que Maria compreendesse o porquê de ela não avisar que estava voltando e tudo o mais.

Arrastou-se escada abaixo, parou na altura em que já podia ver “Dona Edith”. Lançou a ela um olhar de leve desprezo, quase como desinteresse, mas com uma intensidade um pouco maior; não que ela tivesse notado, estava ocupada com o seu programa de culinária.

— Mãe. — Revirou os olhos ao ser ignorada. — Mãe! — finalmente foi notada. — Meu celular está sem chip, você viu ele?

— Ah, vi — disse em um tom quase sonhador; continuou olhando para a filha. Silêncio.

— E então…?

— Tá aqui comigo, vem cá.

Angelina estava achando aquilo estranho demais até mesmo para “Dona Edith”, que vivia a implicar com ela por tudo e tentando fazê-la mudar tudo em si mesma à força. Atravessou os últimos degraus e o tapete que as separava.

A mãe esticou a mão com todos os dedos juntos após pegar algo no bolso do casaquinho de lã. Angelina fez conchinha com a dela para receber

Dois

Pedaços

Do que ERA

Um chip.

Sua melhor reação foi piscar uma vez e piscar de novo, dura e vidrada.

— Bom, aí está. Só desculpa ter sido tão drástica, eu não sei como é que faz para bloquear um número, nem uma conta, então… Se seu irmão estivesse em casa também… Aí eu dei o meu jeito.

— Jeito? Jeito de quê? — “De explodir minha cabeça, só pode”, foi o que pensou.

— Bom, de deixar você sem falar com ninguém. Sem essa coisinha aí eu sei que complica a sua vida.

Angelina respirou fundo, queria tacar o chip de volta nela e o sofá junto. Uma coisa era ser irritante e implicante, outra coisa era cortar o chip no meio.

— É, mãe, complica. Complica mesmo, mas não é impossível, mas, nossa, posso saber qual, afinal de contas — elevou um pouco mais a voz — qual é a sua zica de eu falar com a droga da minha amiga?

— Hum... Eu simplesmente não suporto aquela criatura. Não suporto. Além, é claro, do fato de que ela tá sempre te tirando do mundo real: “Maria disse isso”, “Maria disse aquilo”, “Tava falando com a Maria”. Fora que, depois que começou com essa onda de falar com ela o tempo todo com o celular novo, minha opinião aqui também não importa mais em nada para você, sou tão importante quanto o hack da TV.

— Ah, mãe, não é isso. Poxa, tá, eu sei que eu tenho sido meio relapsa esses tempos, mas, né, a Maria não tem culpa nisso. Se eu tô fazendo alguma coisa errada, você tem que falar comigo. Não sair quebrando as minhas coisas! — Fez um leve bico. Não estava só irritada, também vinha uma onda de decepção que só deixava a situação mais delicada ainda. Poxa, ela era uma filha tão horrível assim?

— O caramba, o problema a gente resolve achando a fonte dele. E seu problema é essa garota aí, que fica botando ideia na tua cabeça e te levando para o mau caminho. Aliás, pelas fotos, eu diria que já até está no mau caminho, né?

Angelina ficou um pouco vermelha. Metade era de todos aqueles sentimentos, com certeza, mas a outra parte sua também estava torcendo para “Dona Edith” não ter se dado o trabalho de ouvir alguns dos áudios. Longe de ter algo que não pudesse ser ouvido, mas… sua mãe nunca entenderia esse seu lado. Seu lado romântico. Seu lado afetivo. Não grosseiro. Até porque, sabia que ela não se referia só à safadeza e às sugestões das fotos, mas ao que aquilo tudo implicava. Na relação delas. E não era uma relação assim tão rasa e simples — ou fácil.

— Escuta aqui, a senhora — e essa palavra carregava o escárnio de anos de perseguição contra a sua pessoa. — Não. Pode. Me dizer com quem eu devo me relacionar ou não. As pessoas que eu escolho para serem minhas amigas são minhas escolhas. A senhora faz as suas amizades por interesse, não faz? Ótimo! Eu faço quando as pessoas me fazem me sentir bem.

— O problema é que se sentir bem com más companhias, no começo, dá certo. Mas depois você se arrepende pela vida inteira, criatura. Parece que não entende. Não cola na sua cabeça que a Maria tira tudo de você o tempo todo?

— Tira o quê de mim? Na boa, ela não tira nada de mim, que saco! Porra, se eu morrer, tu vai botar a culpa nela! — Angelina não se sentia assim, mas foi ouvindo a própria voz que percebeu que estava quase chorando e numa voz que implorava, apesar de estar querendo explodir por dentro.

— Depende. Se for de doença mental, claro que eu vou. Que, até onde eu sei, minha filha não é doente, mas ela está te deixando, viu? E, ah, ela tira coisa sua sim. Se tira!

— E tira o quê, Dona Edith!?

— Ha ha… tempo, atenção, saúde mental… dinheiro… — A voz da mãe era bastante sarcástica, ácida, mas ainda não era tão cruel quanto o sorriso de canto de boca que se formou naquele exato momento. — É, eu tô vendo você pedindo cada vez mais dinheiro para o seu pai. “Pai, eu vou sair, pode me dar um dinheiro?” — fez uma imitação debochada. — Eu podia ter ido até a França com o que você gastou nos últimos meses!

Angelina respirou para não tomar nenhuma ação da qual se arrependesse depois. Sentou no sofá que ficava de lado para a televisão e fechou os olhos, mordendo um lado da língua de leve, de boca fechada. Voltou-se para a sua mãe, como se dissesse para ela continuar falando.

“Dona Edith” apenas a olhou, como se não precisasse dizer mais nada. Discussão… encerrada, ela pensava.

Angelina, porém, não ia dizer mais nada. Não aguentava mais aqueles argumentos ridículos da mãe, nem aquela conversa às alfinetadas porque as duas tinham medo de falar a verdade. Sustentou o olhar, continuaram se encarando. “Dona Edith” olhou para o seu relógio de pulso por um segundo, apenas o suficiente para ver as horas. Dava para ouvir os passos de uma pessoa andando em frente ao portão da casa.

Ela continuava com seu sorriso de “batalha vencida”. Mas ainda com o mesmo ódio nos olhos e mexendo na sua cara aliança de casamento. Angelina estava congelada pelas próprias emoções, no entanto sentia seu rosto fazer quase um bico, como quando pensava coisa demais ao mesmo tempo. A única diferença era que, naquele momento, apenas captava muita coisa ao mesmo tempo. E sentia.

Tanta

Coisa.

Tanta…

 

Andou até a janela e abriu a cortina, foi até a cozinha, tendo que atravessar a sala de jantar, e colocou um pouco de refrigerante num copo, um fundo, só para poder retomar o seu controle. Se alongou um pouco para trás, depois tocou os pés. Um gato cinzento apareceu pela porta. Ela fez carinho nele com o pé descalço, apesar de que mal deu sinal de vida, como quase toda vez que Angelina agradava seus pelinhos curtos, macios como nada nessa vida.

Perguntou ao Peeta, o senhor gatinho, como ele achava que Maria ia ficar depois de toda essa demora para dar sinal de vida. Devia estar super preocupada, ela mesma ficaria, não é…? O felino piscou e se sentou. Levantou-se de novo, se esfregou nas pernas dela e andou lentamente para fora da cozinha. Angelina não queria sair de lá, apesar de que precisava.

Respirou e fechou os olhos de novo… Só aquele gato para a fazer ir lá e terminar o que precisava ser terminado. Ou pelo menos tentar, talvez de um jeito mais tranquilo. Se perguntou como é que um gato conseguia dizer tanto sem dizer nada. Respirou muito fundo.

Voltou para se sentar na mesma almofada de novo.

— Bom, e aí, o que mais você teria feito na França? — sua fala estava meio mecânica. — Acho que só estar lá não seria bem a sua intenção, não é?

— Não, com certeza, não. Assim como não quero ficar confabulando viagem com você, o assunto aqui é outro, caso não se lembre.

— Olha, até me lembro, mas, para mim, parecia que ele tinha morrido. — Inclinou um pouco a cabeça, não queria nem um pouco entrar naquele clima da “Dona Edith” de novo, que não tinha mudado nem um milímetro.

— Não me parece que você tenha entendido o recado, criança mágica. E até você entender o recado, o assunto aqui não acabou.  E eu vou ser bem direta e clara dessa vez. Você pare de falar com essa guria. Ponto. Finito.

— Ou vai ficar quebrando as minhas coisas, é isso? — sua voz era extremamente calma, estava escolhendo as palavras com cuidado enquanto tentava se controlar. — Até quando você vai ser irracional assim? — a outra ia responder, mas ela cortou. — Tá bom, já que está sendo clara, só me explica uma coisa então, só umazinha: por quê? O que tem na Maria que te incomoda tanto? Ou é alguma coisa em mim?

A mãe revirou os olhos e se levantou. Cruzou o tapete até o outro sofá e se sentou bem ao lado de Angelina. Olhou firmemente para ela e analisou cada detalhe de seu rosto, querendo prender a atenção da filha.

— Eu já. Falei. Mil vezes… — Deu uma boa pausa, o que permitiu que Angelina tivesse o puro desprazer de sentir não só o hálito de chá de alho de “Dona Edith”, mas também o incrível desconforto pela proximidade das suas faces. — Ela é má influência. Ela te tira do mundo real. Ela gasta do seu dinheiro, e não é só porque ela é pobre. Ela consome o seu tempo. Ela consome a sua energia e já te tirou a sanidade mental a ponto de ficarem mandando aquelas fotos e eu sei que aquilo não é tudo, eu sei que você passar cada quinta-feira, o dia todo lá, não faz bem nem pra mente nem para o corpo. E, se você continuar com isso, pode ir se preparando para ser disciplinada. Entendido? — O dedo que tinha levantado entre as duas faces tremia a cada respiração da mãe ao esperar pela resposta.

Angelina estava com uma cara de um nojo imensurável. Isso estava tirando ela do sério de verdade. Queria muito dar uma boa catarrada ali, bem naquele momento de “proximidade mãe e filha”. Pela primeira vez na vida estava entendendo porque em tantas cenas de TV vira as pessoas cuspindo umas nas outras. Mas achou que ia ser demais para ela, não precisava correr o risco de matar “Dona Edith” ainda.

Ainda. Resolveu cuspir palavras.

— A senhora não tem coração? Nem sentimento? Bom senso, será que tem? — Enfiou o dedo na testa da mãe para afastá-la de seu rosto. — Você nem humana não deve ser — abaixou a mão.

“Dona Edith” se recostou no braço do sofá, largando o corpo.

Angelina hesitou

Um segundo

— Você nem pensa em mim, não é? Só na sua vidinha perfeita, na aparência da família, no quanto seu maridinho riquinho tem na conta… E, sabe, eu não vou me afastar de Maria de jeito nenhum. Se liga. Você mesma sabe o porquê.

— Porque ela infectou você, ela está usando você, te deixando com essa… doença mental — sua cara era do mais profundo desgosto.

— O caralho! Doença mental tem você, “Dona Edith”. Você, que não pode entender que a sua filha ama outra menina, muito mais do que se fosse só uma amiga. — Respirou fundo para dar uma piscada mais longa e voltar pelo menos um mínimo ao seu centro. — Até mais do que você ama seu marido se duvidar.

— Seu monstro… — os olhos de “Dona Edith” voavam por todo lado, como se estivesse tentando raciocinar alguma coisa. Ela parou de respirar por um segundo e, no momento seguinte, voltou a se aproximar do rosto de Angelina. — Sua nojenta, você não infectada nem doente nem nada, você é doente! Tem razão, pois é, a coitada da Maria não tem nada com isso. Ela é uma vítima. Ah, só pode, vítima sua. Eu não criei uma filha as… — Angelina se levantou. A mãe a seguiu falando até o topo da escada e, por pouco, não recebeu uma portada na cara quando a “filha” se trancou no quarto.

Em poucos minutos, saiu com uma mala nas costas e uma de mão.

Desceu as escadas, pegou Peeta e o pôs em cima da que segurava pela alça, no seu lado esquerdo.

Abriu a porta.

— Tô na casa da Maria — falou bem baixo enquanto Edith praguejava, perguntava e espumava.

Pela segunda vez no dia, as lágrimas só caíram quando ela se sentou para esperar pelo ônibus.

Maria estava deitada de bruços na cama, um cobertor jogado por cima, os braços apoiados no travesseiro e a cabeça neles, para conseguir ler seu livro. Mas, ai, quem dera tivesse atenção alguma para ler o livro. A mente ia, a mente vinha, lia um parágrafo que mal entendia e seguia para o próximo, já que seria a mesma coisa de todo modo. Pensou em ligar a televisão, mas pelo menos as letrinhas que se forçava a ler ajudavam a tirar a cabeça do problema. Resolveu sentar um pouco. Tomou mais um gole de água.

Angelina ainda sem sinal de vida… ou de internet. Ou sem celular, o que fosse. Isso a estava deixando extremamente nervosa. Será que ela tinha ficado brava com a ideia da pizzaria? Mas ela não a ignoraria só por isso, não, com certeza, não, estava longe dela esse tipo de atitude por tão pouco. Ela teria dito. Será que algo tinha acontecido com a mãe dela? Ou com ela no caminho do curso?

Roubo. Maria já estava chamando o Santíssimo só de pensar na hipótese do roubo e resolveu ler mais um parágrafo para evitar que pensasse em coisas piores, que via por aí no jornal. Coisas começadas com “A”, “E”, “M”, “S”! Teve um arrepio.

Levantou e foi até a cozinha encher seu copo de água. Pôs a cabeça pela janela — pelo menos aquela janelinha bendita ali não tinha grade ou redinha ou o inferno que fosse — e respirou bem, bem, beeeeeeem fundo. Segurou, contou até dez e soltou, finalmente. Ela realmente não estava nada bem. Quer dizer, devia ter acontecido qualquer coisinha simples, se a bateria de Angelina tivesse acabado e ela teve que ficar para fazer alguma coisa na escola, pronto, já não teria dado para avisar. Era só que não conseguia parar de pensar em coisas piores, por mais que tentasse e se forçasse. Precisava era relaxar. Olhou Pipinha, pedindo socorro e catou a gata do chão para fazer carinho. Até queria ir à casa de sua querida, mas com “Dona Edith” por lá, isso estava fora de possibilidade.

Depois de dar um beijo na gata e deixar ela sair do seu colo, resolveu voltar para o quarto, dar um pouco de água à sua planta também, e sentou-se de novo na cama. Decidiu que ia meditar. Arrumou o travesseiro nas suas costas, cruzou as pernas e entrelaçou os dedos um pouco abaixo do umbigo.

Respirou fundo. Uma; duas. Três vezes. O celular tocou e ela voou para a escrivaninha para pegar. Porém sua euforia acabou quando viu a foto da irmã mais velha, Joana. Apesar de que ter alguém em quem se concentrar e com que conversar mais tranquila, seria simplesmente ótimo!! Arrastou com o dedo na tela para responder à chamada e logo a cara em pixels de Joana apareceu.

— Yoiiiii! — disse ela, dando pulinhos que Maria só via pelos balanços da tela.

— Oi, mana, e aí? Tudo bem? — Maria se forçou um tantinho a parecer normal.

— Tudo, tudo, sim, e por aí?

— Ah, tá tranquilo. Diga.

— Hm, nada, eu só tava tentando ligar para a Glória e ela não atende. Aí eu tô vindo perguntar dela e resolvi te fazer uma ligaçãozinha mais, assim, bacana, de vídeo. Já que tu tá de férias, né? — riu um pouco e deu uma leve piscada para zoar com a irmã, que riu sem graça.

— Sim, agora que tô na minha amada vida de “vários nada”, do tipo jogar, passear e ler, que amo…! Bom, e aí, novidades?

— Na boa, nenhuma. Mas também, faz dois dias que a gente se falou e eu só trabalhei nesses dias — deu uma leve risada. Olhou para cima e fez uma pausa dramática. — Na verdade isso é até deprimente. Que horror. — As duas caíram na risada.

— Ai, ai, olha, férias é bom, mas rir da desgraça alheia é ainda melhor… Mas, ah, brincadeira. Logo tu entra de férias também, relaxa. Falta quanto tempo mesmo?

— Dois meses, com a glória do Senhor!

— Amém! — disseram juntas.

— Bom, mas e aí, e a Glória, cadê?

— Tá no trabalho, ué, sei lá. Vou tentar ligar depois e falo para ela falar com você. Mas tá tudo bem, precisa de alguma coisa?

— Ah, nada. Tudo tranquilo, só que faz tempo que não falo com ela e aí queria aproveitar meu intervalo aqui. Pode deixar que eu ligo depois.

— Ok.

— E você, pessoinha, tá bem? Nada de novo?

— Ai, mana, então… nada exatamente novo, mas senta aí que eu preciso desabafar.

Joana olhou com uma expressão meio de dúvida, na verdade, desconfiada que algo pudesse ter acontecido. Ela realmente não gostou de ter que trabalhar no sul e deixar as duas sozinhas por lá.

— Hm, diga — respondeu.

— Assim, hoje é um dos dias que a Angelina tem curso, certo? Aí a gente deu tchau de manhã, mas ela não viu a minha última mensagem. Até aí, acontece.  O problema é que, a essas horas, ela já devia estar em casa há eras e agora nem minhas…  — Foi interrompida pelo interfone do prédio tocando. — Eita, o interfone, pera, dois segundos.

Deixou o celular no travesseiro e correu até a cozinha. O porteiro falou pelo telefone que Angelina estava pedindo para subir. Meio que gritou que sim, falando o mais rápido que podia, e foi avisar a irmã, voando. Falou que, qualquer coisa, ela ligava e mal esperou pelo “tchau” de Joana antes de desligar.

Pegou a chave e abriu a porta, balançando a mão pelo arco para que a luz do corredor acendesse e esperou pela sua amada. Finalmente começou a raciocinar um pouco. Se Angelina estava realmente subindo e indo ali, para o apartamento dela, então era possível que tudo estivesse bem e fosse simplesmente uma de suas surpresas de sempre. Sim, Angelina adorava aquele tipo de surpresa, umas situações, assim, mais inusitadas para sair da rotina até que era legal, a maioria, mas alguns eram realmente sem noção! Ah, e, dessa vez, tinha ido além da sua paciência!! Se fosse realmente qualquer coisa do tipo, realmente tinha sido uma péssima ideia, ideia de mula manca! Ela ia ouvir…

E Maria já estava até com um ou dois palavrões na ponta da língua para soltar no segundo em que a visse. Ouviu o elevador chegando, deu um passo à frente, ficou exatamente no arco da porta. O elevador abriu e ela identificou o rosto. Viu dois olhos borrados pelo lápis e um queixo um tanto enrugado, tremendo. Os braços cobertos pelo moletom se atiraram em seus ombros num abraço, ela instintivamente a apertou também, sua boca estava meio aberta. Angelina desceu um pouco a cabeça para enterrar o rosto no ombro de Maria e ela pôde sentir a face de sua amada se contorcendo por sobre a roupa.

Apoiou o queixo de leve no pescoço de sua querida e apertou o abraço quando Angelina começou a soluçar. Cada soluço doía tanto em uma quanto na outra, o coração de Maria estava sufocado de vê-la sofrendo daquele jeito; começou a deixar umas lágrimas saírem também. Angelina desceu os braços para a cintura de Maria, e ela subiu os seus para a altura dos ombros. Maria segurou a cabeça da namorada, apoiando a sua mão no coque castanho-claro. Quando ela própria parou de chorar e Angelina conseguiu conter os soluços, deslizou as mãos pelo pescoço de seu amor para chegar às bochechas e pegar seu rosto, afastando-o e vendo-o.

Olhou com carinho, beijou de leve sua testa, o dorso do nariz e, finalmente, a boca. Beijou com muita firmeza, deu apoio ao seu rosto com as mãos e logo a puxou para um novo abraço, encerrando o beijo. Sentiu os lábios de Angelina no seu pescoço e os braços dela apertado ainda mais a sua cintura. Ainda podia sentir umas lágrimas manchando seu casaco, mas o rosto já estava relaxado, a respiração, contínua. Ouviu um “obrigada” sendo murmurado. Sorriu, murmurando “de nada” em resposta. Ficaram mais uns minutos ali, parada, apenas sentindo a energia e presença uma da outra, até que Angelina se afastou um pouco e olhou para seu amor, beijando-a com bastante gentileza, demonstrando-lhe conforto.

Entraram e foram direto para o sofá, sentaram-se juntas, ignorando o espaço delimitado pelas almofadas. Seguraram-se por mais um longo período, Angelina mal se mexia, mas parecia melhorar enquanto Maria lhe fazia um cafuné, ao mesmo tempo em que dava carinho pelo seu braço e pela lateral do seu corpo. Pipinha e Peeta estavam sentados na almofada do lado, quietos e concentrados nas duas. Depois de elas se beijarem mais uma vez, Angelina continuou olhando para cima, nos olhos daquela pessoa que lhe dava tanto aconchego e até segurança, mesmo que todos os medos que sentia fossem extremamente possíveis de acontecer. Ela começou a contar tudo o que acontecera do melhor jeito que pôde; tiveram de parar algumas vezes para ambas se recomporem do peso que aquilo tudo fazia dentro de cada uma. Além da grosseria infinita vindo de uma mãe, o fato de que era possível que aquele relacionamento virasse um inferno causado por Dona Edith era capaz de arrancar o estômago de uma delas. Já estavam cientes desde o começo que não ia ser fácil, mas era o primeiro choque real em um ano.

No entanto, as duas sabiam que, fosse o que fosse, não era por aquele possível inferno ou aquele choque do momento que se deixariam desanimar. Ao contrário do que pensa qualquer tipo de pessoa contra qualquer relacionamento, essas coisas só eram mais motivo e necessidade de estreitar os laços. Até porque, o amor não era nem nunca seria uma coisa exatamente simples. Maria resolveu se levantar e fazer às duas um chá. Aquele com certeza era um dia para ela praticar as suas “técnicas de espantar maus pensamentos”.

Pipinha foi atrás dela, e Peeta resolveu segui-las também. Angelina ficou no sofá, projetando a sua voz à cozinha, pedindo bastante açúcar no seu chá. Até que realmente não estava ficando confortável sozinha ali e chegou em sua amada com um abraço por trás. Cheirou os cabelos tão bem cuidados que, no momento, estavam um bocado bagunçados. Sentia-se muito mais em casa naquele momento. Virou Maria e olhou bem para o seu rosto antes de agradecer mais uma vez. Aquilo tudo era terrivelmente difícil. Tomaram o chá e se aproveitaram dos últimos pedaços de um bolo pronto de fubá que Glória comprara no mercado naquela semana. Sentada na quina da mesa para que ficassem o mais próximas possível, Maria perguntou:

— Está melhorzinha, minha amada? — Angelina assentiu e deu um sorriso tímido, que foi respondido com um suspiro, seguido pela voz lenta de Maria: — Bom, então a gente precisa relaxar agora, isso foi um senhor dia do avesso! Mas, pelo menos, você foi para a aula; teve alguma coisa boa lá?

Angelina contorceu a cara, como se lembrar da aula fosse uma pitada de açúcar no meio te toda aquela lava apimentada.

— Olha, para ser sincera, até que a aula em si foi bastante interessante. A gente entrou numa matéria agora de… ah, basicamente de como desenhar e pintar no computador, sabe? A gente apanhou muito daquelas canetas dos infernos, mas foi bastante divertido.

— Ah, vocês mexeram naquelas telas que dá para tocar com a caneta?! — Os olhos de Maria cresceram um pouco.

— Ah… não, infelizmente, não. A gente mexeu naqueles trecos que parecem um tablet com a tela de ferro, sabe? — A empolgação da outra caiu pela metade, o que fez Angelina dar um sorrisinho afetuoso, porque sabia que aquilo não era de propósito. — O que é bem mais complicado do que usar na tela, eu acho, porque você vai olhar para a sua mão, mas percebe que é inútil, já que a coisa toda acontece bem no PC na sua cara. — As duas deram umas risadas.

— Ai, morzinho, isso até você pegar a prática depois não vai precisar olhar para nada, vai conseguir fazer tudo vendo vídeo no celular que eu bem te conheço, minha mulher multitarefas.

— Olha, se for para fazer um monte de rabisco abstrato, pode apostar que sim! — Maria lhe sorriu carinhosamente e pegou os pratos do bolo para esticar o braço para trás e colocá-los na pia antes de responder.

— Senhor, viu? — Deu um beijinho na ponta do nariz de Angelina. — Não se subestime, eu sei que isso vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. Enfim, então foi isso a aula?

— Foi, nada demais. O professor correndo de lá para cá nos PCs porque a gente lesa, Felipe falando besteira a manhã toda e a Mariana se controlando para não dar uma voadora nele, como sempre.

— Ué, e o que ele falou dessa vez de tão irritante?

— Nada. É só a Mariana, você conhece ela. Ai, se ficar falando qualquer coisa que os cultos dela não gostem, pronto, já fica toda ofendida e de bico. — Maria deu umas boas risadas com a frase.

— Ai, isso é muito engraçado, sério, porque aí ela fica se culpando por estar brava e fica ainda mais brava. Já falei para ela, “foque em si mesma”, mas não adianta, ela vive se estressando com o mundo.

— E ainda mais o Felipe que fala tudo que vem do intestino, não é nem do cérebro… — e soltou uma gargalhada que contagiou Maria. — Tenho até dó dela de vez em quando. Mas, em todo caso, e você, como ficou por aqui enquanto eu dava uma de Sub Zero?

Maria piscou duas vezes.

— Sub Zero?

— Ah, foi só uma expressão — revirou os olhos. — Você que é a menina dos games devia entender; eu tava dando um gelo na minha mãe durante a aula e fingindo que nada nessa vida podia me incomodar. — Ganhou uma olhada torta de sua namorada. — É, eu sei, não faz muito sentido. Bom, enfim, me diga. Que fez de bom?

Maria suspirou novamente.

— Até eu surtar que você tinha sumido? Nada demais… Lavei a louça, joguei, dei comida para a dona Pipinha ali, essa coisa mais fofosa dessa vida… Ah, falei com o José, ele que ir numa esfiharia lá perto do Akima no domingo. Que cê acha, rola?

— Depende muito. Minha situação não tá muito boa, né, mor… Principalmente para pedir dinheiro a essas alturas.

— Ih, é verdade, né…? Desculpa, eu esqueci que uma coisa depende da outra. Puts, se a gente já não tivesse saído aquele dia até daria para ir, mas, né, quem é mais importante vem primeiro — olhou sua amada e esta inclinou a cabeça em sua direção para lhe dar um beijo.

Um beijo rápido estalado. Com um gostinho que pedia mais.

E Maria avançou no segundo seguinte.

Puxou Angelina pela nuca gentilmente, indo também de encontro a ela e começando outro beijo, delicado, crescente, que ganhou força devagar e conseguiu deixar as duas tão arrepiadas que tiveram que se soltar. Se olharam com muito amor e deram mais um beijinho rápido.

— Eu te amo — Angelina sussurrou no meio de um sorriso.

— Também te amo — Maria falou olhando para baixo, corada. — O que você quer fazer agora?

— Definitivamente algo que me ajude a relaxar bastante. Definitivamente algo com você.

— Hum, a gente pode ir ao parque então, que acha? Aquele bem aqui perto de casa, cinco minutinhos a pé. Eu sei que você não é muito fã, mas ia ser tão bom pra gente ficar um pouco perto da natureza.

— Olha, até que eu gostei bem da sua ideia, viu? Tem uns cantos escondidinhos nas árvores onde ninguém vai notar a gente, dá pra ficar na maior tranquilidade, inclusive.

— Hum, dá, sim. — Maria fez uma cara bastante animada. — Vamos lá? A gente lava essa louça, deixa comida e água pro Peeta não ficar estranhando com a Pipinha e a gente vai.

— Maravilhoso — respondeu com um olhar igualmente intenso.

Se levantaram, fizeram tudo, deixaram a coisas bastante ajeitada e se foram.


Depois de umas longas horas sentadas e deitadas relaxando nas folhas secas, se protegendo do Sol debaixo de algumas árvores e tendo um momento bem delas para reporem as energias, finalmente voltaram para a casa de Maria, tomaram bons goles de água e sentaram-se no sofá, ligando a televisão logo em seguida.

Antes que o Faustão pudesse falar “Magazine Luiza” e elas pudessem ter mais um momento de bastante carinho delas, o telefone de Maria basicamente explodiu de vibrações, notificando mensagens. As duas tomaram um susto, e Angelina pegou o celular desesperada passando-o logo para o seu amor, que devolveu, soltando:

— Seu pai quer falar com você.

Os olhos de Angelina se arregalaram, num misto de alívio, surpresa e medo, Maria não poderia segurar o riso se a situação fosse menos tensa. Angelina olhou para a tela do celular, seu pai pedia para falar com ela, uma palavra por mensagem.

“Maria

Preciso

Falar

Com

A

Minha

Filha

Agora.”

“Oi, pai, fala! Estou aqui!”, digitou em dois segundos.

“Posso mandar áudio?”

“Pode”.

“Põe fone que eu vou falar baixo”.

— Maria, pode me emprestar seu fone, o fonão grande e bom? — pediu quase com desespero.

— Posso, pera, dois segundo. — Saiu correndo para o quarto e voltou com um headphone e um cabo.

— Meu pai falou que vai falar baixo, valeu — explicou ela, vendo a expressão confusa e alarmada de Maria. — Ele tá gravando ainda. Ah, já terminou.

No áudio, ele dizia que tinha chego em casa e sentido falta dela. Por isso, perguntou à esposa, que lhe expôs toda a situação — do jeito distorcido dela, claro. Ele estava no banheiro mandando aquelas rápidas mensagens, escondido para não piorar a situação. Precisava que Angelina ficasse lá até domingo para que pudesse tentar contornar a mãe dela; pediu para perguntar à Maria se tinha como, se não ia atrapalhar ninguém na lá casa.

As duas se olharam sem saber muito bem como reagir, estavam quase paralisadas com o que aquilo significava. Se o pai relativamente ausente e cheio de colocar panos quentes nos acontecimentos estava tomando uma atitude, talvez a coisa toda desse uma grande guinada a partir daquele momento — conseguiam ler no olhar uma da outra o desespero para que a Dona Edith mudasse para melhor, e o pai não fosse expulso de casa. Maria foi a primeira a acabar com o choque desse raciocínio medonho e pegou o celular da mão de sua namorada para mandar a seguinte resposta:

“Oi, senhor Lucas. Ela pode ficar, sim, sem problemas. Não precisa trazer nada, a gente está tranquila por aqui.

Pera que ela quer falar.”

Angelina pegou o telefone e mandou um áudio com a voz pesando-lhe na garganta. Agradeceu a ajuda várias e várias vezes, enquanto dizia que dava uma confirmação mais tarde do que Maria falara e pedia a ele que tentasse com que a esposa dele pelo menos a respeitasse. E agradeceu no final, também. Ter o pai apoiando-lhe dava muita esperança e frio na barriga; assim como ter Maria com ela naquele momento lhe dava a maior segurança que podia querer. Afundou o rosto na barriga daquela pessoa que lhe era tão importante naquele momento e teve uma segunda crise de choro. Sentia-se tão cuidada, mesmo (e principalmente) om uma coisa tão ruim tendo acontecido! Maria também a abraçou e esperou tudo passar até que ela conseguisse se recuperar novamente. Fez uma massagem simples nas costas da namorada para que se sentisse segura e confortada — até porque, não sabia o motivo daquele choro. Afinal, Angelina se reergueu e brincou, lançando “acho que eu já chorei tudo o que precisava hoje, chega, né?”, o que gerou um pouco mais de leveza ao clima das duas.

— É, acho que sim. Mas, se precisar de novo, eu ainda vou estar aqui. Mas, é, agora chega de ficar para baixo que a gente tem uma boa meia semana pela frente! — abriu um enorme sorriso, sabendo que era realmente hora de dar um fim a todo o horroroso quadro que a mãe dela pintara, pelo menos, por aquele dia.

Estava decidida a ser um ponto cem por cento positivo na história toda.

— Mas, amor, a sua irmã realmente vai concordar comigo dormindo aqui até domingo…? Isso é tudo bem de verdade?

— Ah, mô, é tranquilo, sim. Primeiro que já é quarta e você sabe que ela libera o dia todo até bem de noite para a gente de quinta. Segundo que ela te considera basicamente parte da família já — fez um gesto de mão para dar ainda mais a ideia de que estava tudo bem. — Além disso, ela disse que vai trazer o novo namorado dela no sábado para eu conhecer e, depois do almoço, vai passar o dia com ele. Então, assim, muito tranquilo. E garantido — sorriu.

— Então ok, minha querida — disse depois de dar uma rápida considerada no que seu amor disse. Abraçou-a de lado, ainda na altura da barriga dela e finalmente se deitou de verdade em Maria, pegando-lhe a mão e pondo na própria cabeça, dando um sorrisinho envergonhado.

— Ou! — reagiu com a atitude de Angelina. — A senhorita está meio abusadinha, hein? — riram juntas. — Mas, hoje, como eu sei que você está precisando, eu faço cafunezinho para você. Faço até as duas mãos se cansarem, meu amor! — Curvou-se para darem um beijo.

Angelina ficou apenas curtindo a sensação da massagem na cabeça durante um bom tempo, quase ronronando no colo da namorada, não queria nem um pouco que aquele momento acabasse. No entanto, precisou dizer:

— Bom, a gente vai ficar vendo TV chata mesmo, com essas propagandas ridículas ou a gente pode pular para a parte que desistimos de procurar algo bom e pomos um filme no notebook?

— Olha… — fez uma cara de nojo e decepção para a televisão. — A gente pode apertar esse botãozinho de skip e ir para o filme, sim, senhorita. Deixa eu ir lá pegar, então, vai pensando num filme legal.

— U-uh — lançou um olhar com cumplicidade para seu amor — a gente podia mudar e ver Boys Over Flowers, o que você acha?

— Eu já falei que eu te amo?! Pode apostar que a gente vai ver isso! — Saiu correndo e voltou, montando tudo o mais rápido que conseguia e, mal deu dez minutos, o primeiro episódio já estava começado.

E ali ficaram por mais um bom tempo, até ficarem com fome e atacarem qualquer coisa que tivesse na geladeira para comer enquanto assistiam.

Já passando até do horário costumeiro, Glória chegou bastante cansada de uma tal de “hora extra” que teve que fazer naquele dia. Se é que ela podia chamar aquilo de hora extra. “Francamente, três horas a mais…” entrou dizendo e surpreendendo o casal, que saudou com acenos de mão. Ela parou por um segundo e olhou de novo para as duas.

— Ué, Ang, você ainda tá aqui?

Maria deu um sorriso meio torto depois de levar uma olhada de Angelina e respondeu:

— Ah, então, mana. Eu tava tentando te ligar, mas não consegui. Assim, a Angelina não vai mais ter aula na quinta e ela queria aproveitar e ficar aqui comigo até o final de semana. Rola?

— Ah, rola, claro que sim! Sem problema, até porque o Gin vai ficar aqui no final de semana também, então tudo lindo. Só, por favor, não fiquem agitadas — fez umas aspas com as mãos — demais até altas horas da manhã que ainda tenho mais dois dias de trabalho. E hoje eu tô um caco. Vocês já comeram?

— Já, já, sim.

Buniteza. Eu vou comer qualquer coisa e morrer na minha cama. Se precisarem, tou lá.

— Okayzinho!

— Obrigada — Angelina falou.

— Nada! — Virou-se e foi para a cozinha, voltando para o quarto com dois potinhos num piscar de olhos.

Maria meneou com a cabeça, dando a entender que tinha razão o tempo todo sobre ela ficar lá. Angelina deu uma pequena mordida no braço dela. Uma mordida carinhosa, que dizia “ainda bem” e “eu te amo” ao mesmo tempo. Sorriram uma para a outra e não puderam evitar mais um beijo.

Continuaram a assistir Boys Over Flowers por mais dois episódios, desistiram porque estavam realmente começando a fechar os olhos àquela altura. Levantaram-se e, enquanto Maria desligava o notebook, recolhendo o cobertor que tinham pego entre os episódios, Angelina a abraçava por trás, fazendo um pouco de manha. Elas seguiram assim até o corredor que ligava os cômodos, quando Maria estava para virar quarto adentro, Angelina sussurrou bem próximo à sua orelha:

— Amor. — Deu um pequeno beijo quase na nuca dela, mas mais próximo ao ouvido. — Vamos escovar os dentes?

— Vamos — respondeu, derretida.

Continuaram reto para o banheiro e Angelina voltou para a sala porque sua escova estava na mala. Escovaram os dentes ao mesmo tempo e, logo que acabaram, foram para o quarto de Maria que tinha um deliciosa cama — de solteiro, infelizmente.

Isso, porém, não deixou as duas desanimadas, o espaço era pouco, mas, ficando abraçadas de frente, cabiam bem juntinhas. E adoravam esse fato. Colocaram os pijamas de frio, deram uma preparada na cama e Angelina logo entrou naquele cobertor grosso, todo azul, da sua namorada. Levantou um lado do pano para que ela pudesse entrar e se abraçaram de imediato. Ficaram se olhando por um longo tempo, apenas estando ali, sentindo o momento, fixas no amor pelo qual estavam tão decididas a proteger até delas mesmas estragarem.

— Eu te amo, sabia, minha pessoa gostosa? — Angelina sorriu, dizendo.

— Também te amo, meu pequeno unicórnio — Maria respondeu, fazendo a outra corar de vergonha e dar umas risadinhas sem graça.

Aquele era um apelido que ela gostava muito, mas basicamente tinham um combinado entre elas de que só seria usado quando Angelina estivesse se sentindo especial demais — isso geralmente acontecia em situações mais divertidas e descontraídas, então quase tinha se tornado um sinônimo de coisas engraçadas. Para Maria usá-lo naquele momento, significava que de verdade a conhecia e entendia como ela estava se sentindo. Como se, ali, na cama, aquela horrível tarde tivesse ficado dias e dias para trás e tudo o que ela podia pensar naquele momento era o quão estava feliz com o relacionamento das duas.

No meio das risadas envergonhadas de uma e nas risadas cúmplices da outra, alguém começou um bocejo e outro bocejo resolveu acompanhar. Angelina falou para Maria se virar para o outro lado, de costas para ela. No entanto, não estava pedindo uma simples e gostosíssima conchinha, o céu estava muito bonito aquela noite e queria o que sua amada, que sempre estava falando sobre a beleza dele, dormisse com aquela imagem tão bonita nos olhos.

Deram um último beijo de boa-noite e ficaram olhando pela janela até caírem no sono. Fecharam os olhos com um céu todo roxo escuro, com a luz da lua cortando tudo de um lado a outro e formando um lindo alo à sua volta. Antes de Angelina dormir, a segunda a se entregar aos sonhos, uma única lágrima lhe escorreu pelo rosto; era a última gota de dor daquele dia, que se transformava na mais pura felicidade.




Eu queria fazer uma longa poesia

No entanto, não sei rimar

Na minha cabeça, só rima maresia

E só o que eu queria era te falar

Eu te amo.


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Notas finais do capítulo

Betado por: Nat King. Mais uma vez, agradeço muito pelo tanto que me ajudou com a fic :3

Só para deixar claro acerca do título:
Nuvens em Espiral porque... bem, toda a parte ruim desse tipo de situação, a mim parece algo como um pesadelo muito real, mas como se passasse no meio de uma nuvem que apaga e confunde as coisas. E ao mesmo tempo parece que está tudo girando...
Não sei se faz tanto sentido, mas é assim que eu vejo coisas que vão mal ao nível da relação Angelina-Edith. ^^



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