200 partes de mim. escrita por Yuu Chan


Capítulo 2
A garota na jaula. - Conto, Angst.


Notas iniciais do capítulo

Esse conto surgiu ao escutar melancolias ao som do piano.



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Em um chão circular de mármore, jazia um corpo delicado. Pele tão branca quanto a própria neve que caia ao lado de fora. Praticamente no mesmo tom, os cabelos longos, de fios lisos e finos, estendiam-se pelo piso frio, envolvendo-lhe até a altura dos joelhos.

Ela inspirava e expirava, observando o próprio bafo quente se formar à sua frente. Esticou o braço e abriu a mão em direção ao teto. Estava escuro. Uma única luz refletia em amarelo a grade que lhe cercava. A menina fechou os dedos como se fosse capaz de alcançar o topo da grade com a palma de sua mão. Há quantos dias ela estava ali? Que horas eram? Quem era ela? Suas memórias estavam todas embaçadas.

"Eu não sei" 

Respondeu para si mesma. O que ela estava fazendo? Por que estava ali, sozinha?

Ela não tinha nenhuma dessas respostas. Sentou-se apoiando-se nas barras para a única visão que tinha além da sala escura e de seu próprio aposento. Uma janela tão solitária quanto a sua exclusiva estadia. Era um entardecer de inverno. Estava frio, muito frio. Novamente apercebeu a fumaça que se formava com sua respiração e apertou a barra de metal, reluzente em bronze. 

O ar quente que expelia de dentro do seu corpo era a única sensação de calor que lhe era possível alcançar naquele momento. Nada, absolutamente nada, além de si mesma, estava disponível para lhe abrigar calor. O chão negro, de pedra, rapidamente absorvia a condição fria do aposento. As barras ao seu redor estruturavam uma perfeita prisão de metal. 

"Estranho."

Lá fora já não existia aquele tênue feixe de luz, provindo a pouco de sua querida janela. Aquela fraca, frágil existência solar, e talvez esperança de um mormaço externo para lhe aquecer ao menos os contornos de seu talhe, acabara de ser extinto completamente.

E novamente, estava sozinha. Mais uma vez, suspirou dentro do ambiente gelado. O que era aquilo? Algum tipo de castigo? Porque...--

Seus pensamentos foram interrompidos por uma melodia súbita. Teclas constantes, pareadas, subiam e desciam em tons agudos. Era um degradê fluído, porém, de ritmo constante. As mesmas notas do que parecia ser um piano se repetiam do início ao fim, cujos momentos eram facilmente notados pela acentuação das notas. Fracas ao começo, fortes ao final. 

Intuitivamente, seus olhos fecharam, e os lábios entreabriram-se. Inspirou o ar para dentro, e desta vez, não concentrou em exalar uma densa camada de ar quente. Ao invés disso, permitiu-se deixar sua voz e corpo acompanhar aquele misterioso som que lhe rodeava.

A acústica de sua própria voz mesclava-se com o timbre daquele instrumento. O eco da mistura refletia em um sopro morno, quase quente. Talvez morno o suficiente para lhe aquecer. Ah, sim. Ela podia sentir. A reverberação daquelas notas logo lhe alcançaram o corpo. Fissuras de calor iam cobrindo seu eu. A melodia apressava-se, e ela também. Como voltas de um relógio de quem não espera pelo tempo. As ondas de calor corriam por si no mesmo ritmo das ondas sonoras. Em um instante, o ar tornou-se rarefeito. Mas isso não a parou. Estava difícil respirar, mas ainda assim, ela queria continuar a cantar, em compasso à melodia constante. 

Por fim, o impacto de seu desfecho não foi o calor. Não foi o frio. Com uma faceta tranquila, a garota selou seu momento em gratidão. E em um último fôlego, a música se despediu. Assim como ela mesma. 


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