Baina - A Sombra Reluzente escrita por Clarinesinha


Capítulo 2
Capitulo 2 - As Sombras




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Clara era uma linda menina de cinco anos, de cabelos castanhos alourados e muitos caracóis, grandes olhos cor de mel, que sorriam quando olhava para alguém. Era a perfeita imagem de uma linda princesa.
Clara adoraaaava abraços...ou melhor, adorava dar abraços, muito mais do que de os receber. E não eram uns abraços quaisquer...não...eram daqueles abraços bem quentinhos, bem apertadinhos, cheios de carinho e ternura e que muitas vezes nos faziam ficar sem ar.
A sua cor preferida era, claro o rosa, a cor de todas as princesas. Adoraaava dançar...estava há dois anos no ballet e dizia que quando fosse crescida queria ser uma bailarina de Ballet. Sim, referia o facto de ser "de Ballet" com algum ênfase, e até orgulho, não fosse o caso de alguém não perceber que uma bailarina era uma bailarina de ballet!
Não podíamos dizer que Clara fosse uma menina que se portasse mal, era reguila sim, mas fazia quase sempre o que lhe pediam sem se queixar. Contudo, o que mais gostava de fazer era brincar com a sua irmã mais nova e, apesar da Sara ser ainda muito pequena, era sempre divertido brincar aos pais e às mães, ou aos doutores. Tinham uma ligação algo peculiar, mas ao mesmo tempo muito divertida! Tinham mesmo uma linguagem que só elas mesmas entendiam: olhares e gestos que só elas pareciam saber o que significava.
Mas Clara era também uma menina muito, mas muito independente e dona do seu nariz! Queria sempre mostrar à mãe e ao pai que conseguia fazer tudo sozinha. E ai de quem disesse o contrário!
Na escola todos gostavam dela, desde a senhora que estava à porta até a senhora que trabalhava na cozinha. Mas era muito fácil gostar da Clarinha porque bastava olhar para aqueles olhos grandes que sorriam sem ser preciso um sorriso, que brilhavam sem terem luz, que nos diziam assim, sem palavras, que Clara era, simplesmente, uma menina feliz.
Todos os que se cruzavam com Clara, aquela menina de cabelo aos caracóis e grandes olhos cor de mel sempre a sorrir, só podiam também eles sorrir e deixarem-se contagiar por toda aquela felicidade, que transbordava por aquele sorriso. Porque Clara era, simplesmente, isso: alguém que com apenas um olhar irradiava uma alegria imensa.
Porém, ninguém sonhava o que em casa a mãe passava. Todas as noites tinha o mesmo problema com a pequena Clara, quando chegava a hora de ir dormir era uma verdadeira "guerra" para conseguir que esta fosse para a cama. Era sempre um rio de lágrimas, um mar de gritos e um oceano de birras.
É que o verdadeiro problema de Clara não era, na verdade, o ir para a cama, mas sim o que poderia acontecer depois da mãe apagar luz do quarto. Clara não tinha propriamente medo do escuro, não, nada disso, o medo dela era de algo mais especifico e muito mais surpreendente: tinha medo das sombras.
Desde que era muito bebé que Clara tinha que ter uma pequena luz no quarto caso contrário não conseguia adormecer. Aquela luz era como o seu pequeno farol...e sem ele havia apenas sombras. E a Clara tinha medo das sombras!
A mãe da pequena já tinha experimentado de tudo: mudar a cama de posição, mudar o armário, trocar a menina de quarto, mas parecia que nada resultava. Já comprara um sem número de luzes: com cores, brancas, com bonecos, sem bonecos, que giravam, que não giravam, que piscavam, que não piscavam, com música, sem musica...mas nada, nada parecia resultar. Porque Clara via sombras em todo o lado; via sombras de monstros, bruxas, dragões, e tantas, tantas, tantas outras coisas que nem vos consigo descrever!
Um dia a mãe da pequena Clara, já sem saber o que fazer pois já tinha feito tudo o que podia pensar ou imaginar, resolveu perguntar-lhe o porquê de todo aquele medo.
— Clarinha...posso saber porque é que tens tanto medo das sombras?
— Porque as sombras nunca param quietas, e são muito escuras...e assustam-me...Mamã, porque é que elas não vão dormir como eu?
Antes de responder, a mãe de Clara começou a pensar no que a filha tinha tido: "As sombras nunca param quietas...", sim era verdade algumas sombras mexem, como a sombra das árvores que sempre que o vento sopra mexe os seus ramos. No entanto, as sombras também podem simplesmente mudar de posição conforme a luz.
"...e são muito escuras...", esta parte era um pouco mais difícil de explicar. Como é que se diz a uma menina de apenas cinco anos que a sombra é, por sua definição, uma região escura formada pela ausência parcial da luz e que por isso as sombras são escuras?
Mas aquela última pergunta,"...porque é que elas não vão dormir como eu?", era a mais complicada de explicar, simplesmente, porque não havia uma resposta certa. A verdade é que a sombra é algo inexistente e que apenas existe por não existir, sombra apenas o nome que damos para a ausência da luz. Mas como é que a mãe de Clara iria explicar, a uma menina de olhar penetrante e sabida, que ela tem medo de algo que não existe...mas que simplesmente existe?
Mas era a esta pergunta que ela sempre voltava: Porque é que as sombras não vão dormir como eu? Para a pequena Clara isto era algo tão lógico como o facto de saber que se não comesse ficaria doente, ou que se houvesse sol poderia ir ao parque. E se ela dormia à noite então porque é  que as sombras não iam simplesmente também dormir?
Até mesmo o Artur, aquele menino da sua sala que também lhe metia medo ia dormir à noite...porque é que as sombras também não iam dormir? E depois havia sempre aquela pergunta de menina sabida "Se as sombras não iam para a cama porque é que ela tinha que ir?", e conhecendo bem aquela menininha de nariz arrebitado sabia o porquê de ela estar a fazer todas aquelas perguntas: queria ganhar tempo na conversa e assim não ir para a cama.
— Sabes, Clarinha as sombras também vão dormir...
— A sério...elas vão dormir?
— Sim, mas só o fazem depois de todos os meninos como tu estarem a dormir. É que querem ter a certeza que todos os meninos estão bem quentinhos nas suas camas, antes de irem elas dormir.
— Porquê é que elas têm que ter a certeza que toooodos os meninos estam a dormir?
— Porque querem ter a certeza que toooodos os meninos, como tu dizes, estão seguros nas suas camas!
— Mas mamã eu tenho medo delas...Não lhes podemos pedir para irem para a cama antes de eu ir, e depois de elas já estarem tooooooodas a dormir eu vou para a cama?
A Clara era assim...sempre com uma resposta na ponta da língua. E quando se pensava que já não havia argumentação possível, a Clara conseguia sempre surpreender com uma resposta bastante assertiva. E respondia de uma forma tão acertada que nem parecia ter a pouca idade que tinha. Disse-lhe a mãe:
— E se eu te contasse uma história com a ajuda das "amigas sombras"? Tenho a certeza que vais deixar de ter medo.
— Mas eu tenho medo mamã...Não as podes pôr a dormir?
— Não precisas de ter medo e sabes porquê? - Clara olhou para a mãe esperando que ela respondesse...- primeiro porque eu vou estar aqui ao teu lado e depois porque a luz do quarto vai estar sempre ligada...o tempo toooodo.
— Mas se a luz estiver acesa "há sombras"?
A mãe sorriu para Clara pois de uma forma simples e sem sequer se aperceber, por ser tão pequena, respondeu em parte à sua própria pergunta "Porque é que as sombras são tão escuras?". Com a sua resposta tão simples a menina conseguiu explicar que se a luz estivesse acesa as sombras embora existam (porque existem sempre sombras em qualquer canto que não esteja tão iluminado), talvez não fossem tão assustadoras.
Depois de dar um abraço e um beijo na testa da pequena, a mãe preparou tudo para a sessão do teatro de sombras. A menina olhava para a mãe enquanto esta pendurava um lençol branco e colocava um candeeiro a uma certa distância iluminando-o. No final de tudo estar pronto a mãe sentou-se por trás do candeeiro e chamou Clara para se sentar junto dela, e começou a contar a história...

"Era uma vez um coelho, preto como o carvão e com umas grandes orelhas felpudas. Chamava-se Tareco. O Tareco era um coelho muito, mas muiiiiito comilão, e também muiiiiiiito guloso. Ele gostava de comer de tudo e não era nada esquisito para comer.
Mas do que ele gostava mesmo era de uma boa salada de alface com cenouras: com alfaces tão verdes como a relva e as cenouras mais tenrinhas, as mais laranjas que conseguisse arranjar.
Perto da toca, onde o Tareco morava, havia uma horta gigante com as mais belas e frescas cenouras. Todos os dias, o Tareco tentava entrar naquele lugar mágico, todos os dias ele sonhava comer aquelas maravilhosas e deliciosas cenouras. Mas infelizmente toda a horta estava protegida contra coelhinhos gulosos como o nosso amigo Tareco.
Um dia ele encontrou uma menina linda, de cabelo liso, loiro, olhos azuis...no principio o Tareco teve medo daquela menina: era muiito maior que ele. E se lhe fizesse mal?
Mas o que o nosso amigo coelho não estava à espera é que aquela menina, grande e que parecia tão temível, lhe fosse dar aquilo pelo qual ele sonhava ter fazia tanto tempo: uma grande e linda cenoura, tenrinha e laranja.
Tareco achava mesmo que era a cenoura mais cor de laranja que algum dia vira. Naquele dia Tareco sentia-se o coelho mais feliz do mundo...não, do Universo. Tinha conseguido o que durante tanto tempo desejara: uma grande e linda cenoura.
E assim, a partir desse dia, Tareco e a menina tornaram-se bons amigos. E todos os dias o nosso amiguinho coelho recebia da sua amiga uma linda e saborosa cenoura.
Uma cenoura cor de laranja, bem cor de laranja tal como ele gostava.  E assim o Tareco e a menina tornaram-se bons amigos...amigos inseparáveis."

Quando a mãe acabou história, Clara olhava para aquele foco de luz que iluminava o lençol e aos poucos começou ela também a fazer as suas próprias sombras. Afinal, as sombras podiam ser engraçadas...pensou Clara.
A mãe ensinou-a a fazer algumas como por exemplo um anjo, uma borboleta, um elefante, um cão e, claro, ensinou-a a fazer a sombra do nosso amigo, o coelho Tareco. Foi, talvez, a sombra que mais gostava porque lhe lembrou o seu próprio coelhinho, aquele com que ela dormia desde sempre. Fora a avó que lho oferecera quando nasceu, era um coelhinho cor de rosa, claro, a sua cor preferida, e também se chamava Tareco.
A partir desse dia, todos os dias à noite, havia histórias contadas pela mãe com as sombras...e a própria Clara começou também ela a participar nas história e a fazer as sombras com as suas pequenas mãos. As histórias eram diferentes todos os dias, havia a história do cão Cometa, a do elefante Eliseu, a do Pato Patolas, a do Burro Baltazar, a do Rato Riquinho, a do Gato Gastão e tantas outras que foram inventadas pela mãe e pela Clara.
Aos poucos, Clara deixou de sentir tanto medo das sombras, pelo menos enquanto estava com a luz do quarto acessa e à noite quando se ia deitar já nem precisava da mãe para inventar as fantásticas histórias das sombras. Chegava ao quarto, preparava tudo e lá começava ela a inventar histórias onde todos os seus amigos animais feitos de sombras provocadas pelas suas mãos se reuniam para uma grande festa, ou para um concerto, ou para irem numa viagem à volta do mundo.
Finalmente a mãe da Clara encontrara uma forma da menina não ter tanto medo das sombras. Mas agora tinha que descobrir uma maneira de fazer com que a menina fosse dormir sem ter a luz do quarto ligada. Pois, apesar da menina ter percebido como fazer todas aquelas sombras, continuava a recusar-se a adormecer sem o quarto estar completamente iluminado.
— Clara, a mamã já te explicou que as sombras são tuas amigas. Lembras-te do Coelho Tareco? Ele não é teu amigo?
— Mas eu tenho é medo das ouuuuutraaaaas sombras. O Tareco, o Cometa, o Eliseu, o Patolas, o Baltazar, o Riquinho e o Gastão não me assustam porque são meus amigos.
— Mas Clara, todas as sombras podem ser nossas amigas, não podes é ter medo delas.
— Achas mesmo?
— Tenho a certeza que todas elas querem ser tuas amigas! Quem é que não quer ser amiga de uma menina tão linda?
E ao ouvir a mãe dizer isto a menina sorriu, se bem que não ficou muito convencida. Sim, era certo que o Tareco, o Cometa, e todas as outras sombras não eram assustadoras, contudo, Clara tinha medo daquelas sombras que não eram feitas pelas suas mãos. Aquelas que apareciam sem ela saber de onde nem porquê, aquelas de quem ela não sabia o nome, que eram estranhas e tenebrosas.


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